Ex-ministros de FHC são processados. Corrupção generalizada pode “melar” Lava Jato? Veja o que ocorreu na Mãos Limpas

30/03/2016 às 09:58
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Estamos finalizando o mês de março com três movimentos em ebulição: o primeiro é para tirar Dilma do poder e dar posse para Michel Temer (o mais pronto possível); o segundo é a operação abafa tudo (das castas implicadas em corrupção); o terceiro é para...

foto bruno santos_folhapress

Estamos finalizando o mês de março com três movimentos em ebulição: o primeiro é para tirar Dilma do poder e dar posse para Michel Temer (o mais pronto possível); o segundo é a operação abafa tudo (das castas implicadas em corrupção); o terceiro é para continuar a punição de todos os envolvidos com corrupção.

Ex-ministros de FHC processados

Faz parte dessa terceira frente a decisão da 1ª Turma do STF que aceitou recurso da PGR, interposto contra o arquivamento de processos (determinado por Gilmar Mendes, em 2002) que pedem a reparação de prejuízos relativos à ajuda do BC para bancos no tempo do governo FHC. Haverá a retomada de duas ações de reparação de danos por improbidade administrativa contra os ex-ministros do governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB: Pedro Malan (Fazenda), José Serra (Planejamento, Orçamento e Gestão), Pedro Parente (Casa Civil), além de ex-presidentes e diretores do Banco Central. O recurso questionava a assistência financeira de R$ 2,97 bilhões do Banco Central dada, no governo FHC, aos bancos Econômico e Bamerindus, em 1994, dentro do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), que socorreu bancos em dificuldades. “Afundar um banco é muito mais rentável que roubar um banco” (Bertold Brecht). Gilmar Mendes tinha arquivado tudo sob o argumento (tido como inconsistente) de que os valores apontados “em muito ultrapassam os interesses individuais” dos envolvidos. Os ministros da 1ª Turma reverteram esse entendimento.

O STF e a Lava Jato, doravante, com tantas delações e provas, certamente tentarão fechar o cerco contra grande parte das castas dominantes, de todos os partidos. Mas não será tarefa fácil enquadrar as soberbas castas influentes e governantes. Os contra-ataques já estão começando. Essa foi a tática usada na operação Mãos Limpas na Itália (que acabou sufocada).

Operação Mãos Limpas

Dois magistrados italianos (Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo), que atuaram durante longos anos na operação Mãos Limpas (Itália), foram taxativos[1]:

(a) a Mãos Limpas foi contra-atacada pelos políticos (que queriam preservar suas carreiras dentro das castas intocáveis – aprovaram leis de anistia, diminuíram prescrição, aboliram vários crimes, houve um decreto “salva-ladrão” etc.); (b) a magistratura italiana sofreu bombardeios pesados deles, particularmente midiáticos – “juízes comunistas”, “juízes interferindo na política”, “juízes parciais”, “o diabo também veste toga” etc.); (c) o apoio popular foi muito relevante enquanto se investigava a corrupção das castas poderosas, dos de cima (5 partidos desapareceram); (d) foi diminuindo ao longo dos anos e se derreteu quando começaram a investigar a corrupção de todos, não só dos políticos e empresários.

Mais:

(e) a Justiça criminal é impotente para mudar o cenário da corrupção, quando esta é difusa na sociedade[2]; (f) sem modificar a educação e a cultura pouca mudança acontece; (g) a Itália hoje é corrupta tanto quanto era antes da Mãos Limpas (aliás, ocupa a posição 61ª do ranking da Transparência Internacional; o Brasil está no 76º lugar).

Próximos passos no Brasil: as castas intocáveis (políticos e empresários envolvidos com a corrupção e as pilhagens do país) vão contra-atacar, ou seja, descarregarão todas as suas forças contra a Lava Jato e seus operadores. Enquanto se investigava o PT e seus aliados era uma coisa, agora há “planilhas” e delações contra todos. A Lava Jato “deixou de ser interessante” para as castas poderosas que querem continuar desfrutando dos seus privilégios seculares. Todos os deslizes legais da Lava Jato serão duramente castigados (por todos os políticos e empresários acusados de corrupção, pouco importando o partido).

De várias maneiras as castas atacarão: (a) destruindo a imagem dos juízes, procuradores e policiais; (b) tentando aprovar leis de anistia (o que favoreceria, desde logo, Eduardo Cunha, Renan, Lula, várias lideranças do PSDB etc.); (c) fazendo “acordão” para preservar os mandatos dos processados (Cunha, Renan etc.); (d) enfatizando que a corrupção é generalizada no país; (e) protelando as investigações (tanto quanto possível), (f) favorecendo a morosidade do STF (que até hoje só recebeu uma denúncia no caso Petrolão) etc.

Se não houver intensa mobilização da sociedade, as castas intocáveis vencerão mais uma guerra (apesar de perderem alguns soldados). Mais: sem educação de qualidade para todos e mudanças culturais profundas teremos o mesmo destino da Itália: continuaremos um país sistematicamente corrupto, longe da observância da lei e da Justiça para todos.

O Brasil é grande, é um gigante, mas não tem sido historicamente maior que suas castas influentes e governantes. Elas se julgam intocáveis e sempre ditaram as regras da ordem social, garantindo sua impunidade. Se esses pontos centrais não forem alterados, perderemos mais um século (o XXI). Nosso sistema socioeconômico e cultural é suicida: as castas querem para elas mais poder para fazer mais dinheiro e mais dinheiro para se conquistar mais poder e mais poder ainda para ter mais dinheiro e assim vai.

De qualquer modo, não se pode ir para ruas dizendo que “os políticos e os empresários [das castas envolvidas] são ladrões”, se no momento seguinte não temos comportamento condizente com as placas que levantamos nas “Avenidas Paulistas” do país.

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Temos o direito e o dever de nos indignar e todas as críticas do mundo devemos lançar contra as castas poderosas, mas, em países profundamente cleptocratas, como o nosso, ninguém está isento de criar vergonha na cara. Mudar hábitos arraigados constitui um bom começo. A alternativa a isso é pior: seria cultivar o cinismo e deixar que o enterrem com a inscrição “aqui jaz mais um cínico e hipócrita” (que inclusive levantava bandeiras nas manifestações populares).

A propósito: o jornal O Globo divulgou pesquisa do Data Popular que diz: “80% dos entrevistados conhece alguém que já cometeu alguma ilegalidade, 70% admitem que já cometeram algum tipo de infração e 22% conhecem um corrupto. Porém, apenas 3% dos participantes se consideram corruptos”[3].

Corrupto é o outro (diz a matéria do jornal citado). Quando milhões vão às ruas por mais ética, o jornal flagra pequenos delitos no dia a dia. Apesar de admitir que já fez algo irregular, a maioria só enxerga desrespeito às regras em terceiros. Vale para o brasileiro a “lei da vantagem” ou a “lei de Gérson” (criada em meados de 70).

A matéria diz ainda ter identificado alguns “desvios éticos” praticados na sociedade e que deixam a falsa sensação de que faz parte do DNA dos brasileiros querer levar a melhor em tudo, seja ao não dar uma nota fiscal, tentar subornar o guarda para evitar multa, falsificar uma carteirinha de estudante, furar fila, comprar produtos falsificados, bater ponto para o colega, colar na prova da escola ou fazer “gato” na TV paga, entre outros.

Maioria admite que já fez algo irregular

1

Pesquisa Data Popular sobre percepção de corrupção – Arte/O GLOBO

Em outro estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a percepção dos entrevistados em relação a forma de agir do brasileiro reflete como tratamos as pessoas, mesmo as que nos são mais próximas: 82% acham que a maioria quer tirar vantagem, e só 16% dizem que as pessoas agem de maneira correta.

“O que tem é essa visão de que o brasileiro sempre quer tirar vantagem, ele passa pelo acostamento, fura fila, não devolve o troco, cola na prova, e isso afeta essa avaliação. As pessoas podem defender uma sociedade sem corrupção, mas, nessas pequenas coisas, elas não têm essa ética, e aí você começa a perder confiança. É uma confiança desconfiada — conta Renato da Fonseca, coordenador da pesquisa”.

“Dependendo dos óculos que você usa, da pessoalidade ou da impessoalidade, pode enxergar determinada atitude como um crime, se for alguém que você não conhece, ou mudar essa classificação para uma pequena infração ou delito, quando se trata de alguém próximo. Aqui há uma elasticidade moral muito grande, que se estica mais ou menos conforme a situação que se apresenta. No trânsito, por exemplo, respeito às regras, mas todos os dias vejo as pessoas cometerem infrações, e elas sequer conseguem enxergam isso, pois acham que dirigem melhor do que o outro” (Roberto DaMatta).

Os 10 delitos que você já ouviu falar são: (1) transporte “de graça”; (2) fraude do funcionário público no ponto; (3) fuga da blitz da lei seca; (4) habilitação comprada; (5) fraude na meia-entrada (falsidade de carteira de estudante); (6) sonegação de imposto (R$ 118 bilhões somente em 2015); (7) comprar produtos piratas; (8) crimes no trânsito; (9) suborno de guardas e (10) corrupção de fiscais.

Dizia Ruy Barbosa: “O problema do Brasil é a falta de indignação!”

O império das castas intocáveis contra-ataca: a mídia “engajada” com as grandes causas das castas dominantes será escalada para cumprir o papel de combatente da Lava Jato. Uma das técnicas será, doravante, ratificar o que o PT dizia: “a corrução é generalizada; todos praticamente somos corruptos; quem nunca pecou que jogue a primeira pedra”. A arma mais poderosa dos opressores (das castas) é o desânimo e a apatia dos oprimidos (do povo). Tudo será feito para desmobilizar a população. Se o nível de indignação popular diminuir, o apoio à Lava Jato vai se esfriando, até se esgotar.

CAROS internautas que queiram nos honrar com a leitura deste artigo: sou do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e recrimino todos os políticos comprovadamente desonestos assim como sou radicalmente contra a corrupção cleptocrata de todos os agentes públicos (mancomunados com agentes privados) que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público. Todos os partidos e agentes inequivocamente envolvidos com a corrupção (PT, PMDB, PSDB, PP, PTB, DEM, Solidariedade, PSB etc.), além de ladrões, foram ou são fisiológicos (toma lá dá cá) e ultraconservadores não do bem, sim, dos interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado. Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e ainda imoralmente os defende. 

[1] Ver http://www.conjur.com.br/2016-mar-27/operacao-maos-limpas-nao-diminuiu-corrupcao-dizem-juizes-italianos, consultado em 28/03/16.

[2] Ver http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,quem-acabou-com-a-operacao-maos-limpas-foi-o-cidadao-comum,10000023323, consultado em 28/03/16.

[3] Ver http://oglobo.globo.com/brasil/corrupto-o-outro 18961820#ixzz449NWzUL4, consultado em 28/03/16.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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