Análise sobre aspectos legais, constitucionais e jurisprudências, bem como estudo de caso do STF, à luz da Resolução 22.610/07 do Tribunal Superior Eleitoral (Fidelidade Partidária)

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O Supremo Tribunal Federal entendeu, em diversos julgados, pela constitucionalidade da Resolução 22.610/07, que definiu que Deputados e Senadores que deixarem o partido por infidelidade partidária perdem o referido mandato.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho vem tratar de aspectos que envolvem a Resolução nº 22.610 editada pelo TSE no ano de 2007, que versa sobre a fidelidade partidária. Nesse sentido, analisaremos questões que tratam sobre a legalidade dessa Resolução, assim como também a sua constitucionalidade ou não perante o Supremo Tribunal Federal.

Analisaremos também um julgado recente do Supremo Tribunal Federal sobre a referida Resolução. O julgado trata-se do Mandado de Segurança nº 22.602/DF em que o Partido Popular Socialista – PPS, em face de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que indeferira requerimento por ele formulado - no sentido de que os deputados suplentes fossem empossados nas vagas remanescentes ao decorrentes da desfiliação dos deputados eleitos pela legenda.

Por fim, emitiremos nossa opinião sobre a decisão do referido julgamento, abarcando aspectos constitucionais, legais e de interpretação da Carta Magna.

2. ASPECTOS GERAIS SOBRE A RESOLUÇÃO 22.610/07

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano de 2007 com observância do que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, resolveu disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, através da Resolução 22.610. Tal competência, decorre de norma infraconstitucional, determinada no artigo 23 do Código Eleitoral Brasileiro.

Segundo a Resolução, o partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral,a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa, ou seja, sem que tenha ocorrido o um dos seguintes aspectos: incorporação ou fusão do partido, criação de novo partido, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário ou ainda, grave discriminação pessoal. Isto é, não ocorrido nenhum desses casos, incorre o mandatário em infidelidade partidária.

Não há norma específica enumerando quais seriam os casos em que se configuraria a infidelidade partidária. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apenas disciplinou os casos que não se enquadrariam nesse conceito, por se tratarem de "justas causas” .

Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subsequentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral. No caso de mandato federal, o órgão competente para processar e julgar o pedido é o Tribunal Superior Eleitoral, já nos demais casos o órgão competente é o tribunal do respectivo Estado.

Na inicial, expondo o fundamento do pedido, o requerente juntará prova documental da desfiliação, podendo arrolar testemunhas, até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição de documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas.

Ainda segundo o que se depreende da Resolução, depois de ouvidas as partes, produzidas as provas e ouvido o Ministério Público, julgando procedente o pedido, o tribunal competente decretará a perda do cargo, comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias. São irrecorríveis as decisões interlocutórias do Relator, as quais poderão ser revistas no julgamento final, de cujo acórdão cabe o recurso previsto no art. 121, § 4º, da Constituição da República.

3. DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) SOBRE A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO 22.610/07

Em julgado do Supremo Tribunal Federal no ano de 2008, o pretório excelso decidiu pela constitucionalidade da Resolução 22.610 editada pelo TSE no ano de 2007, afastando qualquer hipótese em sentido contrário.

Por 9 votos a 2, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou improcedentes, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 3999 e 4086, ajuizadas pelo Partido Social Cristão (PSC) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a Resolução 22.610/07, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que disciplina o processo de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária.

Na ADI 3999, o PSC alegava, entre outros, que a resolução do TSE violaria a Constituição Federal porque teria usurpado competência legislativa, violando a separação de Poderes; teria legislado sobre direito eleitoral, direito processual e procedimental; transgrediria o princípio do devido processo legal e hostilizaria o princípio do direito de defesa; daria legitimidade ‘a quem tenha interesse jurídico’ e teria outorgado legitimidade ao Ministério Público ao arrepio da lei própria da instituição”.

Votaram pela constitucionalidade da resolução, acompanhando o relator, ministro Joaquim Barbosa, os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Celso de Mello e o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes.

Foram votos discordantes os ministros Eros Grau e Marco Aurélio. Eles entenderam que o TSE legislou ao editar a resolução, ingerindo em competência privativa do Poder Legislativo. O ministro Marco Aurélio ponderou que, ao reconhecer a inércia do Congresso sobre o tema, o TSE arrogou-se da competência do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem, exclusivamente, compete julgar Mandado de Injunção (MI), ação cabível para suprir lacunas na regulamentação de dispositivos constitucionais resultantes da inércia do Congresso.

No mesmo sentido, o ministro Eros Grau sustentou que a resolução do TSE contém “um abuso de inconstitucionalidades”, por afrontar diversos dispositivos da Constituição Federal (CF). “O TSE não foi contemplado com o poder de expedir novos princípios sobre matéria eleitoral”, afirmou o ministro. "E nem poderia essa faculdade a ele ser conferida pelo Supremo Tribunal Federal que, pelo menos ao que me consta, ainda não distribui competência normativa em lugar da Constituição”, afirmou o ministro.

A afirmação de Eros Grau contrapõe-se ao argumento contido no voto do relator, acompanhado pela maioria, segundo o qual a resolução foi editada pelo TSE em obediência a uma recomendação feita pela Suprema Corte por ocasião do julgamento dos Mandados de Segurança (MSs) 26602, 26603 e 26604.

Ao formular o seu voto na sessão, o ministro-relator Joaquim Barbosa acentuou que o estava proferindo de acordo com jurisprudência do STF e em obediência ao princípio da colegialidade, que orienta os ministros a seguirem a orientação da Corte. Isto porque, como lembrou, foi voto discordante em votações anteriores da Corte sobre fidelidade partidária.

Com a decisão, o STF declarou a plena constitucionalidade da resolução do TSE, até que o Congresso Nacional exerça a sua competência e regule o assunto em lei específica.

4. JULGADO DO STF SOBRE FIDELIDADE PARTIDÁRIA

Trata-se de julgado em tese Mandado de Segurança (MS 26.602/DF) que teve como Relator o Ministro Eros Grau, impetrado pelo Partido Popular Socialista – PPS, em face de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que indeferira requerimento por ele formulado - no sentido de que os deputados suplentes fossem empossados nas vagas remanescentes ao decorrentes da desfiliação dos deputados eleitos pela legenda. O Presidente negara o pedido sob o argumento de que o fato não consubstanciava quaisquer das hipóteses do art. 56, § 1º da Constituição Federal de 1988.

O impetrante alega que em resposta à consulta nº 1.398 feita ao TSE no ano de 2007, este tribunal se manifestou no sentido de que os Partidos Políticos e as Coligações conservariam o direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, em razão do pedido de cancelamento e consequente transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda.

Nas palavras do Ministro-relator, e nesse sentido proferiu o seu voto, o Poder Judiciário não tem o fito de ser Poder Constituinte derivado, se assim o fosse, o intérprete já não mais interpretaria, mas sim modificaria a Constituição, e assim estaria passando por cima dela, violando princípio basilar do Estado Democrático de Direito: o princípio da separação dos poderes.

O limite da interpretação é o texto; a Corte está para exigir que esse limite seja observado, não para rompê-lo. Essa ruptura da ordem constitucional, decorrente de inconcebível criação de hipótese de perda de mandato parlamentar pelo Judiciário, fere, no seu cerne, os valores fundamentais do Estado de direito. Pois é certo que, a admitir-se inovação como tal no plano da Constituição, nada impediria que amanhã o Poder Judiciário, pela via da interpretação, viesse, por exemplo, a reescrever o texto constitucional, ao seu talante restringindo os direitos fundamentais.

Não obstante, o voto do eminente relator foi voto vencido, decidindo o Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de segurança e denegou a ordem, vencidos os Senhores Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que a concediam tal como requerida.

5. PARECER SOBRE O JULGADO DO STF

Em que pese o julgado da Suprema Corte, passaremos a partir de agora a nos posicionar sobre o referido julgado, no qual o Supremo acolheu o pedido mandamental no sentido de que na hipótese de desfiliação partidária, sem justa causa, pode o partido político interessado pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo do agente político. Esse é entendimento do STF com base na Resolução 22.610 editada pelo TSE no ano de 2007. Ou seja, no caso de infidelidade partidária, pode o partido prover as vagas remanescentes, tendo em vista que segundo o entendimento do TSE e do STF, os mandatos referidos mandatos pertencem aos respectivos partidos, e não a pessoa do candidato eleito.

Entretanto, o nosso entendimento é em sentido diverso. O artigo 1º da Constituição Federal de 1988, em seu parágrafo único, preconiza que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos Constituição Federal. Nesse sentido é perceptível que o legislador constituinte atribuiu ao povo dizer quem ele quer lhe representado. Ao nosso ver esse “quem”, não pode de forma alguma ser entendido como um partido político.

O cidadão comum, o que é a maioria em uma democracia, e que é aquele povo de que fala o artigo 1º da CF, quando vai às urnas não vai para votar em partido A ou partido B ou muito menos em coligação, ele vai sim, para votar ou deixar de votar naquele político que, segundo a sua consciência, vai lhe representar o bem ou mal. Não pode assim, o Judiciário interpretar de forma diversa a vontade do legislador.

Nesse sentido, verificamos que a vontade do legislador é que deve prevalecer. Na emenda à Constituição nº 1 de 1969, em seu a artigo 152, parágrafo único percebemos o quão era essa a vontade dele, o que ficou claro de forma explícita e cristalina, in verbis:

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Art. 152

Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas e nas Câmara Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla defesa.

Ou seja, quis o legislador deixar claro que na hipótese do Senador ou Deputado deixar o partido sob cuja legenda foi eleito, ele perderá o mandato, o qual será decretado pela Justiça Eleitoral. A partir dessa expressa vontade legislativa presente na Carta Magna de 1967, nos perguntamos: existe essa previsão no atual texto constitucional?? Em algum momento o legislador constituinte de 1988 deixou margem de interpretação, no texto constitucional, mesmo que implicitamente, para tal vontade?? A nosso ver qualquer entendimento que possa confirmar essa vontade, não tem qualquer sustentação jurídico-ideológica.

Se fosse essa a vontade do legislador porque o mesmo essa redação não permaneceu no atual texto? Entendemos que não quis o legislador permanecer com essa hipótese de perda do mandato no atual texto constitucional, pois se assim o fosse, ele tão somente transcreveria a redação da Constituição anterior para a atual. Sendo assim entendemos que a vinculação de uma pessoa é mera condição de elegibilidade, o que atualmente já está se cogitando, através da eminente reforma política, que não seja mais um empecilho para que qualquer do povo possa se candidatar a um cargo eletivo. Ou seja, segundo a proposta, poderá qualquer pessoa se candidatar, sem estar obrigatoriamente vinculado a um partido político, mas isso não é nosso objeto de estudo, neste momento.

Não obstante, em nosso sistema constitucional, a representação parlamentar federal ter grande relevância, não se exige qualquer modalidade de fidelidade partidária para os eleitos, após a diplomação. O atual texto constitucional em seu artigo 55 é taxativo quanto às hipóteses em que um Deputado ou Senador poderá perder o seu mandato. Relação nesta, que não está prevista a hipótese a saída do partido que o elegeu.

Diante do exposto, consignamos que não pode o Poder Judiciário, mesmo a Suprema Corte, usurpar a função legislativa daquele, para quem a Constituição lhe competiu tal função como típica. Nesse sentido, deve o intérprete limitar-se a interpretar a Constituição nos limites que lhe foi dado, não podendo invadir o campo dos outros Poderes, naquilo que lhes forem típicos, sob pena do intérprete ir de encontro ao texto da Constituição, infringindo-se assim um dos Princípios basilares do Estado Democrático de Direito, que é o da Separação dos Poderes.

7. CONCLUSÃO

A Resolução 22.610/07 editada pelo TSE no de 2007, veio “regulamentar” no âmbito infraconstitucional a hipótese de perda do cargo pelo Deputado ou Senador que por infidelidade partidária sair do referido partido, salvo as exceções de justa causa. O STF corroborando com o entendimento do TSE decidiu pela constitucionalidade da Resolução em questão.

Esse entendimento da Suprema Corte foi firmado em diversos julgados, entre os quais o MS 22.602/DF. Entretanto, participamos do entendimento diverso, tendo em vista que essa não foi a vontade do legislado constituinte, pois o mesmo retirou essa possibilidade que estava presente na Constituição imediatamente anterior à de 1988. Ainda, entendemos que a vontade que deve prevalecer é a do detentor de todo o poder, isto é a do povo, expresso no art. 1º da Carta Magna de 88.

Dessa forma, entendemos que o mandato político é da pessoa que o povo elegeu como seu representante, e não do partido que está filiado, como simples condição de elegibilidade.

8. BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Roberto Moreira de. Direito Eleitoral. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009.

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=98954 . Acessado em: 04/05/2015.

http://www.tse.jus.br/arquivos/tse-resolucao-22-610. Acessado em 04/05/2015.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67EMC69.htm. Acessado em 04/05/2015.

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Sobre o autor
Jackson Inácio dos Santos Silva

Servidor Público Federal do Ministério da Fazenda (atual). Graduando em Direito na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Ex servidor da FUNASA (2014). Ex servidor do Banco do Brasil (2008). Economista (UFMA/2005). Ex empregado da iniciativa privada na área petrolífera (2001). Concurseiro na área trabalhista. Possui vários cursos de atualizações na área jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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