Direito tributário,educação e consumo:por quê questões técnicas e dogmáticas são desprezadas?

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Discute-se as relações entre Direito Tributário, educação e consumo a partir do processo de especialização do conhecimento, que perde de vista que todas as ciências são humanas.

                                   

                                                                                                                                       

                                                                                                                                            

Nem toda lei é legal.   Ao ouvir essas palavras de meu professor de Direito Tributário, espantei-me com sua aparente obviedade. Mas a verdade é que se tão óbvia fosse, não haveria razão para se preocupar. E há!

Se, como em seguida informou o professor, até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou legal o “roubo camuflado” (porque violento) - porque previsto em Lei - que pode ser constatado nas despesas de consumo dos brasileiros, penalizando os mais pobres e carentes, passa a ser um equívoco chamar a nossa Constituição de “cidadã”.

A não ser que, por coerência, o seu preâmbulo fosse mudado. Nem mesmo se poderia falar de seu caráter utópico, como um fim a ser perseguido, porque havendo ilegalidades permitidas, é minado o arcabouço constitucional, transformando-o em falácia. Ou ainda, nem tudo o que está lá previsto é imutável, porque são construções humanas. Como mudar, perguntou outro aluno? Ao que o professor respondeu: educação!

Antropologia e a Educação, por serem ciências humanas, encontram fácil e imediatamente a base comum sobre a qual constroem as suas reflexões, isto é, o homem e seus embates para fazer valer a sua natureza, distinta de outros animais. Essa assertiva, sobre a qual dificilmente se pode estar em desacordo, torna-se mais complexa quando são definidas artificialmente as fronteiras entre os vários campos do saber. E quando se marca o desequilíbrio e distanciamento progressivo nas respectivas formas de sistematização e produção desse saber. A chave para a compreensão do divisor de águas entre todos os pesquisadores sociais e não apenas entre antropólogos e pedagogos é definida pela opção teórica.

Com base na opção que busca perceber o movimento da história em suas dimensões universal e singular caberia uma indagação:  afinal, o que são as ciências humanas senão o conhecimento produzido pelo Homem sobre o mundo que o cerca, para fazer valer a sua natureza, distinta de outros animais? Nessa perspectiva, todas as ciências são humanas, podendo-se retomar o debate sobre as fronteiras artificiais entre os campos do saber.

Habituados que fomos a considerar estas fronteiras a partir da indicação do objeto específico de cada ciência, tem sido perdida progressivamente a visão de totalidade centrada do sujeito que produz saber e que constrói a sua existência e história. Daí que esse Homem - que age, pensa, transforma a natureza e se transforma -, pode parecer um ser estranho e incômodo para aqueles que têm por objeto ‘algo diferente’ do sujeito que conhece, isto é, quando sujeito e objeto possuem "natureza" distinta.  Dessa maneira, em campos nomeados ‘das ciências exatas’ e ‘das ciências biológicas’, dentre outras definições, perdem-se de vista a universalidade da formação humana e da produção do conhecimento.

Toda experiência humana engendra o conhecimento, o aprendizado e a sua transmissão, conformando o processo educacional. Tal processo dá-se tanto informal, na relação cotidiana dos homens entre si e com o meio, como formalmente, através de estruturas organizacionais especializadas na sistematização de conhecimento, como as instituições escolares e de ensino.  Dado o caráter plural e diversificado das experiências educativas informais torna-se difícil abordar, sistematicamente, os efeitos das transformações contemporâneas sobre elas que, entretanto, podem ser deduzidas.

As mesmas dificuldades são colocadas para a análise da educação formal, mas, em razão do caráter normativo que a educação escolar assume na constituição do Estado e das pesquisas e reflexões de alguns estudiosos, deve-se compreender o movimento histórico do capitalismo, voltando os olhos para o passado, para compreender o presente.

Ao processo de fragmentação do conhecimento corresponde à crescente especialização em campos científicos cada vez mais delimitados.  Acompanhou o processo de especialização do saber, a vulgarização dos conteúdos didáticos. Porém, a especialização não carrega em si a negatividade.   Mas ao perder de vista o processo de construção social da existência, impede a compreensão das necessidades e problemas humanos.  

Não comportaria maior gravidade caso não provocassem a perda da compreensão da unidade do real, definida pela existência do homem.  O aprofundamento intensivo dos conhecimentos numa área restrita, promovem o abandono dos instrumentos que poderiam viabilizar a recuperação intelectual, como experiência vivida e pensada da ação humana, o que tornaria possível evidenciar que as linhas demarcatórias entre as diversas ciências são artificiais.  

Em que pese o fato de o Direito ser uma ciência humana aplicada, positivamente seu objeto passou a ser “a lei”. Mas se a lei é construção humana e errar também o é, porque uma lei não poderia ser questionada?

Se não se conhece e a este pretexto se considere possível desprezar o conhecimento de especialistas em Direito Tributário, partidários de diferentes correntes teóricas, porque não aprender com eles, antes de evocar a lei para decidir questões espinhosas, fazendo ouvido mouco às alternativas? E não são desprovidas de sustentação, posto que são técnicas e dogmáticas, meu professor explicou. Por que então escondê-las, evocando conceitos descarnados como circulação e produção, para alienar verdades?

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Sobre a autora
Ana Lúcia Eduardo Farah Valente

Titular da UnB. Pós-Doutorado em Antropologia da Educação (Bélgica). Pós- Doutorado em Economia UnB. Graduada, Mestre e Doutora pela USP.

Informações sobre o texto

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