Direito Penal do Inimigo:uma realidade latente

05/04/2016 às 15:16
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Sumário: 1.Introdução 2.Noções Preliminares - Direito Penal do Inimigo 3. Características - Direito Penal do Inimigo 4.Realidade Brasileira 5.Conclusão 6.Bibliografia

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo tem como objetivo analisar a relação da teoria do direito penal do inimigo, os princípios constitucionais de um Estado Democrático de Direito, dos direitos e garantias individuais dos cidadãos.

A forma de punição excessiva de determinados comportamentos contrários ao ordenamento jurídico, considerados pelo grau de periculosidade do agente, determinando o indivíduo como um verdadeiro inimigo do Estado, contraria um dos mais importantes princípios do Direito Penal, o princípio da reserva legal ou estrita legalidade, no qual o fundamento é a determinação precisa do conteúdo do tipo penal e da sanção penal.  O agente sendo considerado inimigo do Estado é punido pelo que ele representa, e não pelo que ele pratica, não pela conduta descrita no tipo penal.

Na história contemporânea, o nazismo e os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América são dois episódios que evidenciaram um Direito Penal do autor, estigmatizando e rotulando indivíduos, em clara contradição a um Direito Penal do fato.

Em 1933 Hitler assumiu o poder e com suas tropas nazistas instalaram o terror na Alemanha e nos países que ocupavam. Racismo, totalitarismo e nacionalismo foram alguns ideais seguidos pelos nazistas. Muitos opositores, juntamente com comunistas e judeus, foram levados para os campos de concentração. O nazismo levou milhares de pessoas, entre judeus, homossexuais e ciganos à morte. Muitos, inclusive, foram usados em terríveis experiências médicas. As pessoas eram sumariamente executadas em falsos quartos de banhos, que eram as câmaras de gás.

Em 11 de setembro de 2001, ocorreu o ataque aos Estados Unidos, por terroristas que derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York e parte do prédio do Pentágono, em Washington D.C..  Após o fatídico 11 de setembro, o Presidente George W. Bush adotou medidas excepcionais de urgência, reagindo de maneira desproporcional aos ataques. O Patriot Act, é um controverso ato do Congresso dos Estados Unidos da América que o então presidente Bush, assinou tornando-o lei em 26 de outubro de 2001. O acrônimo significa "Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001" (algo como Ato de Unir e Fortalecer a América Providenciando Ferramentas Apropriadas Necessárias para Interceptar e Obstruir o Terrorismo, de 2001). Entre as medidas impostas pela lei, estavam a invasão de lares, espionagem de cidadãos, interrogatórios e torturas de possíveis suspeitos de espionagem ou terrorismo, sem direito a defesa ou julgamento. As liberdades civis com esse ato foram removidas do cidadão. Detenções ilegais e outros tratamentos desumanos eram permitidos no Afeganistão, no Iraque, na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá, e na base naval norte-americana de Guantánamo, em Cuba. Figurando como desrespeito absoluto à dignidade da pessoa humana, contraditório, ampla defesa e devido processo legal daqueles que se enquadravam como inimigos. Os presos muitas vezes não possuíam os direitos de consultar advogados, visitas ou até mesmo de um julgamento. Existiam evidências de torturas e interrogatórios ilegítimos. As ações terroristas que levaram pânico, morte e destruição, criaram na sociedade um clima de insegurança e medo indiscriminado.

 Neste caso, os direitos e as garantias fundamentais que dão sustentáculo ao Estado Democrático de Direito ficaram seriamente comprometidos.

O poder punitivo estatal para a contenção prévia do inimigo da sociedade atua tratando alguns seres humanos como se não fossem pessoas, mas entes perigosos. O inimigo, para o Direito Penal do Inimigo não é tido como um sujeito processual, que participa do processo, mas como um indivíduo perigoso.

Assim, na Alemanha, no nazismo, os judeus eram os inimigos, na atualidade, nos Estados Unidos o indivíduo que apresenta traços fisionômicos árabes, é suspeito de terrorismo, portanto inimigo, sem nenhuma prévia cautela e com total desrespeito à condição humana.

 Nesse contexto, a história mais uma vez está sendo marcada pelo massacre desumano e criminoso de seres humanos considerados inimigos do Estado. Sendo punidos por uma política repressiva que pune o indivíduo pelo que ele é, e não pelo que ele fez ou deixou de fazer.

 No tocante ao direito interno vigente, quando a Constituição Federal entrou em vigor no dia 5 de outubro de 1988, deixou margem para que a legislação infraconstitucional, através de leis, dispusesse sobre temas de grande dificuldade de solução em nível constitucional. Estabeleceu-se mandados de criminalização indicando matérias nas quais o legislador ordinário teria a obrigação e não a faculdade de legislar, e um dos exemplos está no tocante aos crimes hediondos, artigo 5º, XLIII da Constituição Federal de 1988.

O tema dos crimes hediondos gerou acirradas discussões na elaboração da Constituição, e a permanência da expressão “crimes hediondos”. A lei que trata desses crimes, mesmo antes de nascer já era objeto de controvérsias, em sua nomenclatura.

A edição da Lei n. 8072/90, de 25 de julho de 1990, era um imperativo constitucional previsto no artigo 5º, XLIII da Constituição Federal de 1988. Passaram-se quase dois anos para sua promulgação, coincidindo, com um momento de pânico que alguns setores da sociedade brasileira eram atingidos, principalmente a onda de sequestros no Estado do Rio de Janeiro. Era necessário o surgimento de dispositivos mais rigorosos que combatessem os chamados crimes hediondos, para tentar colocar um fim no clima de total insegurança vivido no País. Quando questionado onde estavam as autoridades, uma simbólica Lei de Crimes Hediondos – elaborada e aprovada às pressas, foi editada. Uma lei simbólica para um resultado simbólico.

         2. NOÇÕES PRELIMINARES – DIREITO PENAL DO INIMIGO

A teoria do Direito Penal do Inimigo foi idealizada por Gunther Jakobs, professor de Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn, Alemanha, em meados da década de 1980, mas o desenvolvimento teórico e filosófico do tema somente ocorreu a partir da década de 1990.

A ele também é atribuída a criação da teoria do funcionalismo radical, sistêmico ou monista. Nesta teoria, a norma jurídica tem um valor elevado em prol da proteção social. A aplicação da norma penal é que impõe à sociedade o comportamento aceito ou indesejado.

Jakobs contrapõe duas tendências opostas no Direito Penal, as quais convivem no mesmo plano jurídico-penal: o Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal do Cidadão. Ao primeiro, tenta garantir a vigência da norma como expressão de uma determinada sociedade, o indivíduo é tratado pelo Estado como pessoa, deve ser respeitado e contar com todas as garantias penais e processuais. Ao outro, cabe a tarefa de eliminar perigos. O indivíduo é tido como não pessoa, é uma fonte de perigo permanente. Para Jakobs, o direito penal do inimigo é o inverso do direito penal dos cidadãos. Salienta ainda que a existência de um direito penal do inimigo não significa o exercício de força do Estado, e sim o contrário, a ausência dela.

O fundamento para a aceitação de um Direito Penal do Inimigo consiste na possibilidade de se tratar um indivíduo como inimigo e não como pessoa. Para ele, inimigo é o indivíduo que coloca em risco a estrutura do Estado, desestabilizando a ordem. É aquele que tem um modo de vida que contraria as regras impostas pelo Direito, demonstrando não ser um cidadão. Portanto, todas as garantias aos cidadãos reservadas, não podem ser ao inimigo, aplicadas.

 Jakobs invoca as teorias contratualistas, que há muito tempo elaboraram conceitos de inimigos, que hoje fundamentam o atual Direito Penal do Inimigo. identificando-se em Hobbes.

Filósofos como Hobbes, Rousseau e Kant, mesmo nunca mencionado “direito penal do inimigo”, fundamentavam o Estado em um contrato, e quem não o cumprisse estaria cometendo um delito e, por conseguinte não participaria mais dos benefícios proporcionados pelo Estado. Aquele que não estivesse de acordo com o Estado, afrontaria o direito social, deixando de ser um membro do Estado.

Para Hobbes, o inimigo é aquele que rompe com a sociedade civil e volta a viver em estado de natureza, isto é, homens em estado de natureza são todos iguais. O estado de natureza, para Hobbes, “é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida”.  O estado natural dos homens é o estado de guerra, desta guerra de todos contra todos. Na guerra não há lei e onde não há lei não há injustiça, ou seja, não há justo e nem injusto, nem bem nem mal.

 Jean-Jacques Rousseau, em sua obra O Contrato Social, afirma que o indivíduo ao declarar guerra ao Estado torna-se traidor da pátria, portanto, deixa de ser membro do Estado, vez que rompeu o tratado social.

 Kant admitia reações hostis contra seres humanos que, de modo persistente se recusassem a participar da vida comunitária-legal, pois não pode ser considerada uma pessoa o indivíduo que ameaça alguém constantemente.

 Jakobs busca legitimidade para a teoria do Direito Penal do Inimigo em três pontos: 1) o Estado tem direito a procurar segurança em face de indivíduos que reincidam persistentemente por meio da aplicação de institutos juridicamente válidos (exemplo: medidas de segurança); 2) os cidadãos têm direito de exigir que o Estado tome medidas adequadas e eficazes para preservar sua segurança diante de tais criminosos; 3) é melhor delimitar o campo do Direito Penal do Inimigo do que permitir que ele contamine indiscriminadamente todo o Direito Penal.

Jakobs afirma em sua teoria direito penal do inimigo, um direito penal do autor, onde indivíduos são rotulados e estigmatizados, em clara oposição a um Direito Penal do fato, preocupado com as ações e omissões penalmente relevantes.

          3. CARACTERÍSTICAS -  DIREITO PENAL DO INIMIGO                                                                                 

 Há certos indivíduos que por suas atitudes, vidas econômicas ou adesão a uma determinada organização, se afastam do Direito, almejando a destruição do ordenamento jurídico, renunciando ao seu status de cidadão, devendo ser tratado como inimigo. Neste sentido, para Jakobs, o Estado não deve reconhecer os direitos do inimigo, pelo fato dele não ser cidadão. Não pode ser tratado como pessoa, pois se assim o fosse colocaria em risco a segurança da coletividade.

Quando o cidadão comete um crime é previsto o devido processo legal que resultará numa pena como forma de sanção pelo ato ilícito cometido. Ao inimigo o tratamento é diferente, a ele o Estado atua como coação, não aplicando pena, mas uma medida de segurança. No ordenamento jurídico penal pátrio, a medida de segurança é uma modalidade de sanção penal com finalidade preventiva, e de caráter terapêutico, dirigida aos inimputáveis e semi-imputáveis, com o intuito de evitar a prática de futuras infrações penais. Utilizando a medida de segurança como forma de sanção aos imputáveis, desvia-se a finalidade da medida de segurança, pois não retribui-se ao ato criminoso do agente uma pena  e sim ao grau de periculosidade, uma medida de segurança, fazendo um  verdadeiro retrocesso a teoria da pena, reportando-se ao positivismo de Enrico Ferri, Cesare Lombroso e Rafael Garófalo.

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O inimigo como representa um perigo à sociedade, não se avalia sua culpabilidade e sim sua periculosidade. As penas são substituídas por medidas de segurança, pois a pena teria duração determinada e as medidas de segurança não. Legitima-se assim a retirada do inimigo do convívio da sociedade pelo tempo que perdurar sua periculosidade. Não há uma correlação às funções atuais da pena, como prevenção, retribuição e ressocialização, ocorre uma análise da periculosidade do agente e sua simples retirada do convívio social em função desta.

No campo do processo penal tem-se claramente a concepção do indivíduo como inimigo, o inimigo não pode gozar de direitos processuais assegurados constitucionalmente, como a ampla defesa, o direito de constituir advogado, pois sendo uma ameaça à ordem pública, não é mais um sujeito na relação processual.

O direito penal do inimigo é contrário aos princípios do Estado de Direito e direitos fundamentais reconhecidos nas constituições e declarações internacionais de direitos humanos, que acolhem princípios básicos de direito penal material como o da dignidade da pessoa humana, legalidade, proporcionalidade, culpabilidade, sobretudo os de caráter processual penal, como o de presunção de inocência, devido processo legal, contraditório e ampla defesa e outras garantias do imputado em um processo penal, pois  ao aplicar uma punição excessiva de determinados comportamentos, contraria um dos princípios basilares do Direito Penal: o princípio do direito penal do fato, segundo o qual não podem ser incriminados a simples "atitude interna" do autor.

Ocorre a mitigação de tais direitos, pois a periculosidade do inimigo impede a previsão de todos os atos que possam por ele ser praticados, possibilitando a elaboração vaga e imprecisa de crimes e penas. Como consequência, a execução penal deve ser mais rigorosa, na tentativa de evitar a proliferação de outros inimigos. O objetivo é a eliminação de um perigo, e não  a garantia da vigência da norma.

 Todavia, é inconcebível a aplicação do Direito Penal do Inimigo em um Estado Democrático de Direito que deve zelar e garantir ao indivíduo direitos fundamentais previstos, especialmente, na Constituição do Estado de Direito.

A sanção penal, baseada numa reação a um fato passado, inspirando-se numa segurança contra fatos futuros, o que importa aumento de penas e utilização de medidas de segurança. E como exemplo clássico, a Lei dos Crimes Hediondos, objeto de estudo comparativo do presente artigo.

No Direito Penal do Inimigo a punibilidade foca a intenção do agente e da preparação, e a pena se dirige à segurança em face de atos futuros caracterizando o Direito Penal do Inimigo como direito do autor e não de fato.

Jakobs refere-se ao inimigo aquele que não admite ingressar no Estado e assim não pode ser tratado como cidadão.

O inimigo é todo aquele indivíduo que reincide continuamente na prática de crimes colocando em risco a própria soberania estatal. Aquele que não é cidadão não pode ser titular da dignidade da pessoa humana. Se o inimigo age dessa forma, não pode ser visto como alguém que cometeu um “erro”, mas como aquele que deve ser impedido de destruir o ordenamento jurídico, mediante coação absoluta. O inimigo oferece risco para a sociedade. Deve ser banido ou expulso sem os princípios constitucionais previstos a todos os indivíduos.

O Direito Penal do Inimigo se furta dos princípios e garantias jurídicas do Estado Democrático de Direito, constituindo uma punição no qual a pena não visa recuperar “inimigo” e sim eliminá-lo da sociedade.

4. REALIDADE BRASILEIRA

No ordenamento jurídico brasileiro, temos vários exemplos da teoria do direito penal do inimigo, que acabam limitando algumas garantias do criminoso e possibilitando uma maior eficiência na aplicação da lei penal, é a lei de crimes hediondos, Lei 8072/90.

Crimes Hediondos nada mais são do que crimes que o legislador entendeu merecerem maior reprovação por parte do Estado.

Para tentar conter a criminalidade que assolava a sociedade brasileira da época, atingindo patamares nunca antes experimentados no país, o legislador constituinte estabeleceu a norma, no  Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, que previa um tratamento jurídico diferenciado a determinadas espécies de delitos que considerava mais graves.

 Dispõe o art. 5º, XLIII da C.F./88 que:

Art. 5º - […] XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

A lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/90) foi introduzida no ordenamento jurídico no início dos anos noventa, no governo Collor, em decorrência de expressa determinação constitucional.

A sociedade brasileira estava temerosa com a enorme quantidade de delitos tidos como graves, como por exemplo a extorsão mediante sequestro e o latrocínio. O momento de pânico que atingia alguns setores da sociedade brasileira, por causa da onda de sequestros no Rio de Janeiro, culminando com o do empresário Roberto Medina, irmão do Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, Rubens Medina, foi  a válvula de escape para a edição da lei.

O momento de stress e medo social para o surgimento de normas rígidas que combatessem os chamados “crimes hediondos” estava pronto. A sociedade exigia uma providência urgente para pôr fim ao ambiente de insegurança vivido no País.

O Estado, atendendo ao clamor público, com seu poder repressivo, ao publicar a Lei dos Crimes Hediondos tinha como objetivo demonstrar que dispunha de um poder punitivo que inibiria a violência dos criminosos.

 A lei 8.072/90 nasceu com o objetivo de elevar penas, impedir benefícios e impor maior rigor com essa espécie de crime. Adicione-se a esse quadro, a influência de um movimento social da Lei e da Ordem, que se criou exatamente em função dessa paisagem social e que defende uma teoria radical quanto ao combate à criminalidade, qual seja, o endurecimento do sistema penal, o que significa a criação de novos tipos penais, o aumento de penas e o rigor no regime de cumprimento, além de outras medidas que visem à repressão firme e incondicional da violência.

E nesse sentido o legislador querendo demonstrar para seus eleitores que está aprovando leis mais duras para punir o delinquente enxergou no Direito Penal um instrumento de combate à criminalidade. Só que, por razões ‘inexplicáveis’, as leis penais exclusivamente repressivas não surtem efeito. Esse Direito Penal que deveria ser efetivo no combate à criminalidade tornou-se simbólico. As leis passaram a ser feitas para apaziguar a sociedade em momentos de revolta, mas sem consequências práticas e sem redução da criminalidade. Esse Direito Penal mostrou ser incompetente e ineficiente para os fins desejados pelo Legislativo e por boa parcela da sociedade.

O Direito Penal do Inimigo   tenta substitui o combate real à criminalidade. Por exemplo, a segunda edição da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072/1990), que foi acrescentado o homicídio qualificado ao rol de crimes hediondos em decorrência principalmente do assassinato cruel e covarde no dia 28 de dezembro de 1992,  de Daniella Perez, famosa atriz na época, filha da escritora de novelas da Rede Globo, Glória Perez e da criança Miriam Brandão, morta em Minas Gerais, onde a criança foi asfixiada, esquartejada e depois queimada. O homicídio qualificado somente passou a fazer parte do rol dos crimes hediondos a partir da edição da Lei nº 8.930 de 6 setembro de 1994. Atendendo, a anseios populares, o projeto de lei que deu origem à Lei n. 8.930, de 6 de setembro de 1994, foi apoiado por mais de um milhão de assinaturas, campanha liderada pela escritora Glória Perez, mãe da atriz Daniella Perez, e por Jocélia Brandão, mãe da menina Míriam, sequestrada e morta por dois rapazes em Belo Horizonte, no início de 1993.

 A Lei de Crimes Hediondos cumpre o papel que lhe foi reservado,  o de dar à população a falsa idéia de que, por meio de uma lei extremamente repressiva, reencontraria a almejada segurança.

5. CONCLUSÃO

O direito penal do inimigo, só poderia ser aceito como um direito penal de emergência, que vige excepcionalmente, onde em certas situações onde normas imprescindíveis para um Estado de liberdades perdem seu poder de vigência. O direito penal de inimigos deve ser separado do direito penal de cidadãos, de modo que não exista nenhuma possibilidade de que se possa infiltrar no ordenamento jurídico como uma interpretação sistemática ou analógica no direito penal dos cidadãos, que corresponde a exteriorização de um Estado Democrático de Direitos e Liberdades.

O Direito Penal do Inimigo ofende a Constituição, ninguém pode ser  tratado como mero objeto, despido de sua condição de pessoa .

O fato de existirem leis penais que adotam princípios da teoria do Direito Penal do Inimigo não significa que ele possa existir como uma categoria dentro do ordenamento jurídico penal

O Direito Penal do Inimigo, ao aplicar excessivamente a punição de determinados comportamentos, contraria um dos princípios primordiais do Direito Penal: o princípio do direito penal do fato, segundo o qual não podem ser incriminados simples pensamentos ou a "atitude interna" do autor.

O modelo decorrente do Direito Penal do Inimigo não cumpre seu objetivo, uma vez que as leis que incorporam suas características não têm reduzido a criminalidade.

Por maiores que sejam as pressões internacionais na eliminação prévia do “inimigo”, não há concordar que direitos e garantias constitucionais, sejam colocados ignorados, em nome da segurança coletiva, da irracionalidade e da passionalidade.

Passado mais de vinte anos da promulgação da Lei dos Crimes Hediondos, ainda é cedo para afirmar que atingiu seu objetivo de diminuir a criminalidade criando uma maior segurança na população.

Jornais, e noticiários são evidentes ao demonstrarem que a segurança púbica continua sendo o maior problema em quase todos os Estados da Federação. Após a vigência desta Lei, os casos de sequestros não só não diminuíram como aumentaram significativamente. O tráfico ilícito de drogas e entorpecentes é notícia diária nos noticiários.

Não serão a rotulação qualificativa deste ou de outro crime, ou o aumento de pena, que resolverão o problema da criminalidade latente. Temporariamente tem-se a sensação de que o problema será amenizado. Porém até que a certeza da impunidade seja retirada da mente do criminoso, até que a confiança no sistema persecutório penal pela vítima sobreponha-se sobre o medo de que ao reconhecerem seus agressores sejam vítimas novamente, deverá ser feita uma reformulação em todo o sistema penal, iniciando-se pelo inquérito policial até o sistema penitenciário, para que traga a certeza e a confiança do cumprimento real da Lei.

Conclui-se, portanto, que a exacerbação punitiva e indiscriminada que alguns países vêm adotando para a contenção dos suspeitos de terrorismo afeta direta e imediatamente não apenas o devido processo legal, mas também, e sobretudo os direitos humanos fundamentais.

Querer, porém, que a aplicação da pena de privação da liberdade resolva a questão da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois de nada adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis sem combater a desigualdade social.

Assim, com esta força do simbolismo, o Direito Penal tem sua finalidade totalmente desviada, pois afervora a criminalidade ao invés de retribuir a conduta ilícita, incita ao invés de prevenir, camufla ao invés de resolver.

           6. BIBLIOGRAFIA

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Sobre a autora
Raquel Kobashi Gallinati

Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. Professora de Direito Administrativo no Curso FMB. Ex advogada. Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Ciências Penais pela UNIDERP. Formada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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