O BALCÃO DE JUSTIÇA COMO ALTERNATIVA AOS PROCESSOS JUDICIAIS EM BUSCA DA CELERIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

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07/04/2016 às 21:58
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Uma análise a respeito da atuação do Projeto Balcão de Justiça e Cidadania do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, como alternativa aos processos judiciais, sob a perspectiva do conceito de acesso a justiça.

RESUMO: O presente artigo analisa a atuação do Projeto Balcão de Justiça e Cidadania do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.  Trata o acesso à justiça numa perspectiva do que vem a ser o conceito de justiça. Conceitua o Balcão de Justiça e Cidadania, trazendo a legislação que o ampara, bem como sua área de abrangência territorial, áreas de atuação do Direito, os procedimentos adotados na prática e a sua composição. Discorre também acerca do reconhecimento pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que inclui o projeto do Tribunal de Justiça do estado da Bahia no guia de melhores práticas da associação, comprovando a sua importância como alternativa aos processos judiciais.

 

 PALAVRAS-CHAVE: Balcão de Justiça – Cidadania – Alternativa – Processo Judicial.


INTRODUÇÃO

Este é um trabalho que tem como foco principal, o que se traduz no seu objetivo, o de abordar aspectos relevantes a respeito do Projeto Balcão de Justiça e Cidadania numa perspectiva de instrumento de alternativa aos processos judiciais.

No momento em que os indivíduos não conseguem acessar, por falta de instrumentos adequados, os meios que o Estado disponibiliza para a resolução dos seus conflitos, tem-se a não aplicação da garantia constitucional do acesso à justiça, o que atinge de forma direta aquilo que um Estado Democrático de Direito deve garantir, ou seja, os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.

Nesta perspectiva, é que surge o Projeto Balcão de Justiça e Cidadania, em Salvador – BA, no ano de 2003, com o objetivo de assegurar a camada da população menos favorecida economicamente o acesso à Justiça de forma rápida e eficiente, favorecendo assim, a desburocratização da justiça. O Tribunal de Justiça da Bahia, desta forma, através deste projeto cria mais um espaço do judiciário, onde é possível alcançar soluções para conflitos através da mediação e conciliação.

Este trabalho está organizado em dois momentos, quais sejam, o de reflexão a respeito do acesso a justiça, e a perspectiva do balcão de justiça como alternativa aos processos judiciais, o que gera maior celeridade da prestação jurisdicional, bem como a efetivação da cidadania.


  1. O  ACESSO À JUSTIÇA

     Antes de tratarmos do acesso, faz-se necessário uma breve consideração acerca do conceito de justiça. Conceituar justiça é uma tarefa difícil, pois em cada momento histórico, esta expressão incorporou significados diferentes, relativos a momentos históricos distintos. Trazemos a concepção de Aristóteles acerca de Justiça, uma vez que, dentre os filósofos da antiguidade, foi ele quem primeiro falou deste tema, dentro de uma visão jurídica, onde justiça e equidade são as bases inspiradoras do Direito. Além de se destacar com a sua obra a respeito da justiça, também fala da política e da ética, o que nos influencia até os dias atuais. Aristóteles em seu livro Ética a Nicômaco, traz o conceito de justiça segundo a opinião geral, tomando-o como base, afirmando que:

É aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo; e de modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto. (ARISTÓTELES, 2009, p.103).

Entende que a justiça está atrelada ao caráter do indivíduo, que se manifesta através de atitudes justas, sendo a injustiça a sua forma inversa. Nesse sentido, a justiça é o que fundamenta a ordem mundial, ela é indissociável da vida em comunidade e está presente nas relações estabelecidas no cotidiano. Enquanto virtude moral, está baseada na obediência às leis da polis e na boa relação com os cidadãos.

Aristóteles diz que “o justo é, por conseguinte, uma espécie de termo proporcional”, ele mostra que a sociedade não pode ser igual, e traz a equidade, que permite oferecer a cada um o que lhe é devido considerando-se os dotes naturais de cada um, a dignidade, as funções desempenhadas bem como o grau hierárquico que ocupa na sociedade. Nos leciona através de sua obra que:

(...) o equitativo, embora seja superior a uma simples espécie de justiça, é justo em si mesmo, e não é como coisa de classe diferente que é melhor do que o justo. Portanto, a mesma coisa é justa e equitativa, embora, a equidade seja superior. O que origina o problema é o fato de o equitativo ser justo, porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal. A razão disto é que toda lei é universal, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares. Nos casos, portanto, em que é necessário falar de modo universal, mas não é possível fazê-lo corretamente, a lei leva em consideração o caso mais freqüente, embora não ignore a possibilidade de erro em conseqüência dessa circunstância. E nem por isso esse procedimento deixa de ser correto, pois o erro não está na lei nem no legislador, e sim na natureza do caso particular, já que os assuntos práticos são, por natureza, dessa espécie. (ARISTÓTELES, 2009, p.124).

 Pode-se dizer que igual não é o mesmo que equânico, o primeiro caracteriza-se por ser facilmente arbitrário, enquanto o segundo é igual devido as suas proporções. É possível vislumbrar que existe uma desigualdade original.

Cabe o questionamento sobre o que é justo. No período na Idade Média, o Cristianismo apresentou a vida como o bem jurídico maior, anteriormente a esta época, o que se tinha como bem jurídico maior era a liberdade. A partir da evolução da vida como bem jurídico maior, tem-se a questão da propriedade para ser resolvida e que é introduzida pelas doutrinas modernas na sociedade, que toma como bem maior, a terra. A terra tornou-se a unidade de medida de riqueza, media-se a quantidade de terra justa. Nessa discussão, ficou de fora o corpo. A vida e a liberdade já estavam sacralizadas, a terra já era parte importante enquanto propriedade, e como ficava o corpo? Na ideologia da época, a vida não pertencia a cada um individualmente, ela era de Deus, mas o corpo, esse sim, era de cada um. Por isso, o corpo tornou-se propriedade inviolável. Para responder o que é justo, teve-se que responder o que é bem. Aristóteles trata o bem a partir da concepção de como seria uma sociedade ideal – com todos iguais, com todos desiguais ou com todos mais ou menos iguais. Para ele a terceira opção é a melhor.

Aristóteles, traz suas ideias de Justiça desde a Grécia antiga, as quais atualmente apresentam influência e consonância com os princípios de igualdade e equidade presentes na maior parte dos ordenamentos jurídicos da contemporaneidade. Para ele, a justiça fixa-se como uma virtude, que vai sendo adquirida a partir da experiência, da prática, ela é o consagrado meio-termo, dar a cada um o que lhe é devido. Ele explicita noções acerca da Justiça Distributiva e Corretiva, onde a primeira representa a distribuição de bens e honrarias conforme os méritos que cada um apresenta e a segunda tem a função de corrigir as relações entre os indivíduos.

(...) a justiça distributiva é a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo neste sentido é o meio-termo, e o injusto é o que viola a proporção, pois o proporcional é o intermediário, e o justo é o proporcional. (...) a justiça distributiva não é uma proporção contínua, visto que o segundo e o terceiro termo correspondem a alguém que recebe parte de algo e à participação na coisa, e não podemos obter um termo único que represente uma pessoa e uma coisa. Assim, o justo é o proporcional, e o injusto é o que viola a proporção. (....) o outro tipo de justiça é a corretiva, que tanto surge nas transações voluntárias como nas involuntárias. Esta forma do justo tem um caráter diferente da primeira, pois a justiça que distribui bens públicos está sempre de acordo com a proporção mencionada acima. (ARISTÓTELES, 2009, p. 109-110).

Tais noções apresentam-se atuais nos mais diversos campos da ciência jurídica e devem ser aplicados pelos interpretes do Direito nos conflitos que lhes são apresentados.

Dessa forma, a justiça e o direito devem ser encarados pela sociedade não só como uma mera técnica de aplicação das leis, mas, como uma técnica de aplicação da equidade e da ordem social.

A busca incessante pela Justiça sempre foi uma marca de todas as sociedades nos mais diferentes períodos históricos, assim é necessário discorremos acerca do acesso a Justiça.

Mantoan (2012) coaduna de forma complementar com a ideia de Aristóteles, ao evidenciar no seu estudo sobre a inconstitucionalidade da vedação do uso de ação rescisória no âmbito dos juizados especiais cíveis, a necessidade da existência de normas para regular a vida em sociedade. Nesse sentido afirma o autor que:

A vida humana em sociedade requer a existência de normas cuja tarefa é a de trazer paz e harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de concretizar os valores do homem com o mínimo de desgaste e sacrifício possíveis. Desse convívio social natural que se exista inevitáveis entrechoques de interesses, daí a necessidade da intervenção do Estado a fim de garantir a manutenção da ordem, pressupostos indispensáveis à convivência harmônica. (MANTOAN, 2012)

Na medida em que são estabelecidas relações na sociedade e que as mesmas demandam a produção de normas capazes de regular o convívio dos indivíduos de forma harmônica, a fim de minimizar os conflitos existentes, é que surge a necessidade de controlar a sociedade, o que se materializa através da presença do Estado, intervindo na vida dos particulares com o objetivo de assegurar medidas capazes de propiciar um convívio harmonioso.

Nessa perspectiva, o Estado assume o papel de regular as relações naturais, o que antes era realizado pela justiça privada, com o dever de imparcialidade para solucionar as controvérsias estabelecidas no dia-a-dia das pessoas. Nesta diapasão Mantoan (2012) discorre que “na medida em que o Estado se firmou e se impôs sobre a vontade do particular, tendo a sociedade percebido os males da justiça privada, se consolidou a solução dos conflitos a partir de pessoas e figuras imparciais, tarefa confiada inicialmente aos sacerdotes e aos anciões.”

Bezerra (2001), destaca que existe uma preocupação em torno da conceituação de justiça e com os meios de acesso a ela:

 De grande magnitude tem sido a preocupação não só com a conceituação do que seja justiça como, principalmente, com os meios de acesso à justiça, trazendo-a, como valor do campo das ideias, para a vida dos homens. Portanto, ressalta, sem dúvida, como instrumento de atuação da justiça, o processo e a garantia de seus predicamentos, também alçada ao nível de direito fundamental: o direito ao devido processo legal. (BEZERRA, 2001, p.91).

Fica evidente que existe uma preocupação em estabelecer um conceito para justiça, bem como com os meios capazes de acessá-la, e o direito ao processo legal é abordado como instrumento capaz de materializar a atuação da justiça.

Destaca o autor na sua abordagem o acesso à justiça por meio do processo judicial, e posteriormente demonstra que não é só desta forma que se alcança o acesso à justiça, “é o ordenamento jurídico que, uma vez estabelecido determina o nível de acesso à justiça dos cidadãos que lhe estão subordinados”.

Observa-se que o acesso à justiça depende da determinação e dos princípios estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Os ordenamentos são compostos de leis que os orientam e só estas leis é que poderão favorecer ou dificultar o acesso à justiça.

Em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, Bezerrra (2001), chama a atenção para a carência apresentada, realizando uma breve descrição a seu respeito:

O ordenamento nacional carece de uma abertura maior e de flexibilidade de suas normas. Mostra-se extremamente fechado, rígido. As leis são feitas de forma a beneficiar grupos, coarctando o acesso à justiça aos menos privilegiados. Principalmente as leis processuais, extraordinariamente complexas e permissivas de mecanismos de protelação de decisões, têm transformado a justiça num sonho longínquo e inacessível às camadas mais pobres da população. O próprio ordenamento encaminha o jurisdicionado para a via judicial como quase única via de solução de seus conflitos, impedindo um verdadeiro acesso à justiça. (BEZERRA, 2001) P. 101 ).

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Percebe-se a dificuldade que a população tem em acessar a justiça no Brasil, em especial a camada menos favorecida economicamente, o que revela que o acesso a justiça no país constitui-se em artigo de luxo para uma considerável parcela das pessoas, que na grande maioria não dispõe de recursos financeiros suficientes para atender as suas necessidades básicas para viver, quanto mais para buscar a tutela dos seus direitos no judiciário.

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece no seu art. 5º, inciso XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça ao direito”. A garantia oferecida pela Carta Magna não está restrita aos direitos individuais, mas a todo e qualquer direito.

 É também garantida a assistência judiciária gratuita àqueles que não possuem renda suficiente. Tal garantia se materializa através do artigo 5º, que diz que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

A lei refere-se à garantia de assistência jurídica que o Estado tem de prestar a quem necessita, o que amplia a responsabilidade dos órgãos responsáveis por desempenharem este papel, como é o caso das defensorias públicas e dos Balcões de Justiça e Cidadania, os quais nesse sentido, têm a função de prestar um serviço jurídico-social de extrema relevância para a população através de via extrajudicial.

Bezerra refere-se ao mecanismo instituído na nossa constituição para a solução de conflitos de forma mais célere:

Com a promulgação da Lei 9.099/95, que, em seu art. 2º, orienta para a conciliação e a transação sempre que possível, e o novo Código de Processo Civil que, no art. 447, institui a audiência de conciliação prévia, incorporou-se ao ordenamento jurídico brasileiro um mecanismo de solução de conflitos mais célere, porém que atende somente a via judicial. (2009, p. 104).

     Ele pondera que “é necessário que o legislador avance, criando normas que revisem as soluções extrajudiciais da mesma segurança jurídica que se encontra nas contraposições judiciais de conflito”.

     Nesse sentido, consideramos a importância da aproximação das normas com a realidade e as necessidades da sociedade, para que as pessoas sintam segurança dentro do seu ordenamento. O acesso à justiça deve ser assegurado a todas as pessoas, pois conforme nos mostra o autor:

Quando o acesso à justiça é negado a determinados segmentos da sociedade, obviamente aos mais pobres, a comunidade como que cria mecanismos de sobrevivência e acaba por instituir regras próprias que lhes possibilite sobreviver. Cria meios específicos de solução de seus conflitos e satisfação de seus direitos. (BEZERRA, p. 104)

            Ressalta-se a necessidade do acesso à justiça para todos, a fim de que práticas que possam instituir regras próprias de sobrevivência em determinadas comunidades não sejam realizadas, como foram detectadas nas comunidades indígenas e negras da antiguidade e como ainda são detectadas nos dias de hoje nas comunidades carentes, como favelas e bairros periféricos.

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Sobre a autora
Cristiane Guimarães

Bela. em Direito pela Faculdade Batista Brasileira; Advogada inscrita na Seccional Bahia, atua em Direito do Consumidor, Direito de Família, Direito da Criança e do Adolescente e Direito Tributário; Pós Graduanda em Direito do Consumidor pela Universidade Cândido Mendes; Pedagoga pela Universidade do Estado da Bahia, com atuação em docência na Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, Coordenação Pedagógica e Gestão Escolar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A importância do Balcão de Justiça para a efetivação do acesso a justiça.

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