A responsabilidade do P&I CLUB pelos danos e prejuízos causados pelo armador e assegurado.

Legitimidade passiva do P&I CLUB nas lides de Direito Marítimo

12/04/2016 às 11:42
Leia nesta página:

Artigo que defende a responsabilidade solidária e/ou subsidiária do P&I CLUB quanto aos débitos do armador e assegurado que não honra seus deveres junto aos donos de cargas e/ou seus seguradores.


Entendo que os P&I CLUB(s) têm legitimidade para figurar no pólo passivo de ações de reparação de danos ou regressivas de ressarcimento contra transportadores marítimos de cargas.

Isso porque os referidos clubes de proteção e indenização são, sim, solidários aos transportadores (armadores) albergados por sua tutela.

A adoção dessa inteligência, juridicamente muito defensável, mas que ainda não faz parte do cenário judicial brasileiro é importante para evitar prejuízos aos proprietários de cargas e seguradores nacionais.

A mudança de paradigma e o reconhecimento dessa legitimidade evitarão a impossibilidade de execução de uma decisão cognitiva reconhecendo o dever de um armador, transportador marítimo, ressarcir quem de direito numa dada disputa judicial.

Infelizmente, isso não é incomum. Muito pelo contrário!

A experiência profissional mostra que não raro o credor não consegue executar seu crédito contra o devedor, transportador marítimo, porque este mesmo devedor não tem patrimônio no Brasil, muitas vezes sequer tem frota com linhas regulares para o país ou, simplesmente, deixa de operar, impedindo a efetivação material de uma decisão judicial condenatória.

O credor, proprietário da carga ou o segurador da carga legalmente sub-rogado, fica literalmente a ver navios diante disso, o que é muito lamentável.

É lamentável porque a própria Justiça brasileira é ferida com isso; é lamentável porque divisas nacionais foram perdidas, é lamentável porque a dignidade de uma decisão judicial é acutilada.

Convém esclarecer que essa mesma dignidade é ainda mais aviltada quando o armador deliberadamente deixa de operar linha para o Brasil, exatamente para evitar um arresto ou embargo, quando não abandona ou vende, senão picota, o seu navio, às vezes o único de seu patrimônio, vendendo-o como sucata, apenas para não saldar a dívida.

Ao contrário do que se pode imagina, isso é muito comum.

Daí a importância de se considerar o P&I CLUB como parte legítima para figurar, “ab initio” (ou, mesmo, posteriormente, no curso final do litígio) no pólo passivo de uma disputa judicial.

Ele é uma espécie de fiel garantidor do armador, do transportador, tendo o dever de suportar os prejuízos derivados pelos danos por este causado.

É exatamente para isso que ele existe, foi constituído, como, aliás, seu próprio nome indica: proteção e indenização.

Mesmo quando não figura diretamente numa lide, é o P&I CLUB, a rigor, quem contrata os advogados dos armadores e transpo

rtadores, ele quem gerencia as defesas e quem leva a efeito tratativas diversas diante de sinistros.

Logo, absolutamente normal que ele também possa responder pelos prejuízos, em nome próprio, como sua natureza jurídica autoriza.

Mas, para que a idéia ora defendida possa ser melhor compreendida, muito aproveita discorrer um pouco mais sobre este importante ator do Direito Marítimo. E o faço utilizando a parte do meu livro Prática de Direito Marítimo, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2009, que trata disso:


Abrindo aspas:

Todo armador e/ou transportador marítimo encontra-se juridicamente vinculado a um clube segurador, mundialmente conhecido como P&I CLUB.

“P&I CLUB”, ou “PROTECTION AND INDEMNITY”, em vernáculo, PROTEÇÃO E INDENIZAÇÃO, é uma expressão inglesa, internacionalmente utilizada, para identificar um dos mais importantes personagens do Direito Marítimo, qual seja, o grande “segurador” de navios.
Os “P&I CLUBS” são os Clubes de Proteção e Indenização que visam a completar o seguro normal protegendo navios de longo curso e respectiva carga contra sinistros que envolvam responsabilidade, ou seja, quase todos.

Salvo engano, existem 26 (vinte e seis) em todo o mundo, quase todos com sede em Londres, Inglaterra.

A rigor, cobrem as responsabilidades dos armadores e/ou transportadores marítimos por danos causados a terceiros e o risco de colisão, além de avarias às cargas e a objetos fixos, como o cais do Porto, por exemplo.

É uma operação de seguro que permanece inatingida pelo preceito legal da colocação obrigatória no mercado interno, razão pela qual ainda hoje somente é adquirida diretamente pelos interessados no exterior22.

São várias as atribuições do “P&I CLUB”, de tal sorte que sua importância em termos negociais e jurídicos é ainda mais significativa do que a do agente marítimo.

Em verdade, o Clube transcende o conceito de mero representante, sendo solidário ao próprio transportador, representando-o, na melhor forma de Direito, em todos os assuntos de interesse do seu protegido.

O vínculo jurídico pendente entre o transportador marítimo e o “P&I CLUB” é tão estreito que a figura da solidariedade é a que melhor se ajusta à relação negocial de ambos.

Solidariedade esta bem destacada pelas letras do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que prescreve que todos aqueles que se encontram num mesmo vértice da relação de consumo estão unidos no que tange ao cumprimento de obrigações.

É o que a doutrina abalizada chama de elos da cadeia de consumo. Não é menos verdade, no âmbito civilista, que a solidariedade não se presume, mas, a exemplo da relação entre o NVOCC e o armador, a ligação entre este e o P&I CLUB faz com que um responda subsidiariamente pelo outro, sempre que o responsável efetivo de um dano, no caso o transportador, não tenha como responder prelos prejuízos identificados num dado caso concreto.

Tal inteligência se justifica pela idéia de calibragem que informa o ordenamento jurídico brasileiro, sempre com vistas a proteger, da forma mais ampla possível e dentro do espírito de equidade, a vítima de um dano.
Por isso, entendemos, o “P&I CLUB” responde, de pleno Direito, ainda que subsidiariamente, pelos prejuízos decorrentes dos danos causados pelo transportador marítimo, seu protegido, desde que este não satisfaça o Direito alheio.

Em síntese: tem o referido Clube protetor responsabilidade solidária, mas subsidiária, em relação aos atos danosos do seu protegido.

Nem poderia ser de forma diversa, a bem da moral e da Justiça.

Mesmo porque, o P&I CLUB, na maioria das vezes, participa ativamente dos trabalhos de regulação de sinistro, acompanhado, instruindo e orientando o transportador, o que só evidencia seu interesse em relação ao caso concreto.

Logo, é perfeitamente possível a notificação “ad cautelam” do P&I CLUB dentro de uma lide forense, pois em último caso, o P&I CLUB poderá ser obrigado a responder, em fase de execução, pelos prejuízos do seu tutelado, o transportador marítimo.

Trata-se de um entendimento vanguardista, há de se reconhecer e que ainda não configura a realidade no cenário jurídico brasileiro e mesmo internacional.

Mas, considerando a inteligência sistêmica do ordenamento jurídico, já aludida ao longo deste livro e que outras vezes será mencionada, muito aproveita a indagação?

Por que não considerar a responsabilidade do P&I CLUB nos casos concretos envolvendo a responsabilidade do transportador marítimo?

Ora, ele, o P&I CLUB participa de gestões administrativas em nome do transportador, assume responsabilidades administrativas, participa de vistorias, defende direitos e interesses, enfim age por conta e ordem daquele, donde se infere, portanto, a justeza de também responder, ainda que subsidiariamente, em nome daquele.

O que não se pode é deixar o credor prejudicado quando o transportador literalmente evapora-se do cenário empresarial, não tem mais linhas regulares para o país do credor e não possui bens para a contrição. Nesse sentido, a responsabilidade subsidiária do P&I CLUB atende, acima de tudo, um primado de justiça, desenhado por muitos mecanismos de calibragem e princípios fundamentais, constitucionais ou mesmo supraconstitucionais, como os da proporcionalidade, da razoabilidade e o da boa-fé objetiva.

Nesse sentido, pode-se fazer um alinhamento, absolutamente correto, entre as figuras do P&I CLUB e o de um segurador.

Ora, como exposto, o P&I CLUB, embora com outra natureza jurídica, não deixa de ser, em essência, um verdadeiro segurador.

Pois bem, se o ordenamento jurídico permite que o segurador venha a ser denunciado numa lide diante do fato de poder vir a ser condenado a pagar em regresso àquilo que a parte denunciante está compelida a pagar como objeto da lide, quer nos parecer correta a analogia com a figura do P&I CLUB.

Em verdade, ele é um segurador do armador e/ou do transportador, atuando em nome e em benefício deste.

São pessoas distintas, não se confundem, mas que mantêm estreitos laços entre si.

Demais, a função principal e talvez essencial do P&I CLUB é, tal qual um segurador de fato e de Direito, reconstituir o patrimônio do segurado em caso de ocorrência de algum risco coberto na apólice de seguro.

Embora não exista uma apólice propriamente dita, existe, sim, um pacto e um rol de tradições que equiparam em tudo a condição do P&I CLUB com a de um segurador em sentido estrito.

E se este pode vir a responder pelos prejuízos causados pelo segurado numa dada disputa judicial, nada impede, juridicamente considerando, o P&I CLUB de responder também e diretamente, mesmo que por meio de denunciação, pelos prejuízos causados por seu protegido.

Aliás, o próprio nome do P&I CLUB permite tal ilação, já que se trata de um clube de proteção e de indenização.  Ele existe para proteger e indenizar seus filiados, associados, essencialmente segurados, dos prejuízos que estes são obrigados a reparar a quem de Direito. Trata-se, numa linguagem mais própria do Direito do Seguro, de uma indenização à base de reembolso.

Todavia, se o transportador, associado, por algum motivo não puder no caso concreto suportar com os ônus dos prejuízos, poderá e deverá o P&I CLUB responder em seu lugar, por se tratar de medida lícita, moralmente aceita e que melhor se ajusta aos mais contemporâneos conceitos de Direito, sempre tendo-se em conta a necessidade de se punir exemplarmente o ofensor e proteger o ofendido.

A intimação do P&I CLUB é o primeiro passo; eventual denunciação da lide, um passo seguinte.

Os meios e mecanismos instrumentais, processuais, são menos importantes; o que se deve ter em consideração neste momento é a possibilidade concreta do P&I CLUB responder, direta ou subsidiariamente, pelos prejuízos causados por seus associados.

Se o conceito de solidariedade não se ajusta completamente à hipótese, embora perfeitamente possível de ser cogitado, o de responsabilidade solidária é muito coerente e correto do ponto de vista jurídico, porque muito se harmoniza aos comentados princípios jurídicos que instruem os mecanismos de calibragem do ordenamento jurídico.

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Fechando aspas:
 
A reprodução do trecho do livro expõe quem é o P&I CLUB, sua natureza jurídica e sua importância, ao tempo em que defende a possibilidade dele responder, por meio de notificação, subsidiariamente, pelos prejuízos causados pelo seu tutelado.

E os argumentos jurídicos são muito sólidos e robustos em tal sentido. Mas, importante ter em mente que os estudos mais recentes e os trabalhos executados em parceria com os correspondentes profissionais na Europa, autorizam inteligência seguro e forte no sentido de o P&I CLUB ser devedor solidário do transportador.

Não se trata, aqui, de presumir a solidariedade do clube. Todo o mundo sabe que solidariedade não se presume. Trata-se da certeza em face do contexto fático-jurídico.  O P&I CLUB é, como já mencionado mais de uma vez, espécie de segurador, de garantidor, do transportador, sendo, portanto, à luz do Direito Processual Civil, perfeitamente possível uma demanda diretamente contra ele.

Como se revela possível postular pleitos cautelares, autônomos ou incidentais, visando FIANÇAS BANCÁRIAS, DEPÓSITOS JUDICIAIS OU BANCÁRIOS PREVENTIVOS e/ou cartas fidejussórias, mediante ou não prévios arrestos ou embargos de navios vinculados ao clube, tudo em nome da Justiça.

O objetivo é o de garantir o futuro crédito, o exercício pleno do direito e o respeito ao patrimônio e a autoridade judicial brasileiros.

Nesse sentido, quer me parecer importante repetir o que acima reproduzido: “Demais, a função principal e talvez essencial do P&I CLUB é, tal qual um segurador de fato e de Direito, reconstituir o patrimônio do segurado em caso de ocorrência de algum risco coberto na apólice de seguro. (...) Embora não exista uma apólice propriamente dita, existe, sim, um pacto e um rol de tradições que equiparam em tudo a condição do P&I CLUB com a de um segurador em sentido estrito. (...) E se este pode vir a responder pelos prejuízos causados pelo segurado numa dada disputa judicial, nada impede, juridicamente considerando, o P&I CLUB de responder também e diretamente, mesmo que por meio de denunciação, pelos prejuízos causados por seu protegido. (...) Aliás, o próprio nome do P&I CLUB permite tal ilação, já que se trata de um clube de proteção e de indenização.  Ele existe para proteger e indenizar seus filiados, associados, essencialmente segurados, dos prejuízos que estes são obrigados a reparar a quem de Direito. Trata-se, numa linguagem mais própria do Direito do Seguro, de uma indenização à base de reembolso.”.

Com isso, tem-se a proteção dos legítimos interesses daqueles que litigam contra transportadores marítimos e do próprio Estado brasileiro.

E também como já defendi, a “intimação do P&I CLUB é o primeiro passo; eventual denunciação da lide, um passo seguinte. (...) Os meios e mecanismos instrumentais, processuais, são menos importantes; o que se deve ter em consideração neste momento é a possibilidade concreta do P&I CLUB responder, direta ou subsidiariamente, pelos prejuízos causados por seus associados. (...) Se o conceito de solidariedade não se ajusta completamente à hipótese, embora perfeitamente possível de ser cogitado, o de responsabilidade solidária é muito coerente e correto do ponto de vista jurídico, porque muito se harmoniza aos comentados princípios jurídicos que instruem os mecanismos de calibragem do ordenamento jurídico.”.

Acrescentando, relativamente ao que acima exposto, que não só a notificação/intimação posterior é possível, mas o próprio ajuizamento direto, a demanda contra o P&I CLUB, pois incontroversa a responsabilidade dele pelos prejuízos causados pelo armador e, portanto, o dever de responder por eles.

Em resumo, o P&I CLUB tem ampla legitimidade para responder pelos danos e prejuízos do armador, transportador, causador do sinistro, secundária ou diretamente, solidária ou isoladamente.

Os argumentos são ora trabalhados com muita dedicação pela parceria SMERA-MCLG e alguns não constam nessa manifestação aberta por mera estratégia profissional, na medida em que reservados para o uso na arena judicial, mas asseguro que todos são hábeis e eficazes.

O que se pretende divulgar é que haverá uma nova e mais enérgica postura para a defesa dos direitos e interesses do universo “cargo”, atacando de frente os P&I CLUB(s) a fim de que não escapem de suas obrigações legais por conta de imbróglios e tergiversações jurídicas.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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