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As servidões no Direito brasileiro

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01/07/2000 às 00:00
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7. Servidão de áreas de pesquisas e lavra

A propriedade das jazidas, durante o período colonial e no tempo das Ordens Filipinas, pertencia à Coroa Portuguesa, sendo realizada a exploração através do regime de concessão, na qual o concessionário era obrigado a pagar o "quinto".

Depois veio a Independência do Brasil e a Lei de20.12.1823, mandou aplicar no Brasil as leis portuguesas, de maneira que continuou o mesmo regime, pertencendo as minas à Nação.

Alterou essa sistemática a Constituição Federal de 24.02.1891, ao considerar a mina como acessório do solo, incorporado ao domínio deste (art. 72, § 17).

Todavia, o Código de Minas, datado de 10.07.1934, trouxe o princípio pelo qual as jazidas, minas e demais recursos minerais constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento industrial, consagrado no art. 168 da Emenda Constitucional n° 1, de 17.10.1969.

Implica a constituição de servidão sobre a propriedade onde se localiza a jazida e áreas limítrofes, a exploração e o aproveitamento das substâncias minerais, feitos pelos regimes de autorização, concessão, licenciamento, matrícula e monopolização.

Estabelecida no art. 60 do Código de Mineração, a forma de constituição da servidão, determina a indenização prévia do valor do terreno ocupado e dos prejuízos resultantes dessa ocupação. Não podem ser iniciados os trabalhos de pesquisa ou lavra, antes de ser efetivado o pagamento (art.. 62).

De acordo com o § 1º do art. 60, por acordo entre as partes, será fixado o cálculo da indenização, ou na sua falta, mediante depósito judicial da importância fixada, através de vistoria ou perícia com arbitramento inclusive de renda pela ocupação, seguindo-se o competente mandado de imissão de posse na área, se necessário.

O § 2º determina que o cálculo da indenização deve obedecer o rito estabelecido em decreto.

Determina obediência, no que for aplicável, às prescrições contidas nos arts. 37 e 38 desse Regulamento, o art. 82, § 2º, do Decreto nº 62.934, de 02.07.1968.

Estabelece as seguintes regras o primeiro:

1. A renda não poderá exceder ao montante do rendimento líquido máximo da propriedade, referida à extensão da área a ser realmente ocupada;

2. a indenização pelos danos causados não poderá exceder o valor da propriedade na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa, salvo na hipótese em que os danos inutilizem, para fins agrícolas e pastoris, toda a propriedade, em que estiver encravada a área necessária aos trabalhos de pesquisa, quando, então, a indenização poderá atingir o valor venal máximo de toda a propriedade;

3. os valores venais, referidos anteriormente, serão obtidos por comparação com valores venais de propriedade da mesma espécie, localizadas na mesma região;

4. a indenização é dispensada no caso de terrenos públicos, ficando o titular da pesquisa obrigado apenas ao pagamento relativo a danos e prejuízos.

Petróleo - a pesquisa e lavra constituem monopólio da União, consoante o art. 160 da CF, o Decreto-lei nº 3.236, de 07.05.1941, que instituiu o regime legal das jazidas de petróleo e gases naturais, de rochas betuminosas e pirobetuminosas. Foi conferida ao pesquisador "direito a todas as servidões estabelecidas por lei em favor da indústria mineira, inclusive o direito de desapropriação do terreno superficial de que necessitem para o estabelecimento e desenvolvimento dos trabalhos de exploração, respeitadas, em cada caso, as determinações legais".

De acordo com o § 1º desse dispositivo, "quando forem de natureza urgente os trabalhos a executar, a servidão será constituída mediante depósito judicial prévio, arbitrado por peritos, na forma da lei". O § 2º, sobre as indenizações, estabelece que devem ser calculadas tão-somente em relação aos danos e prejuízos verificados e não sobre o valor que as servidões possam representar para o permissionário.


8. Servidão a favor das fontes de água

O Decreto-lei nº 7.841, de 09.08.1945, que norteia o Código de Águas Minerais, instituiu certo tipo de servidão administrativa que estabelece, no art. 12: "Às fontes de água mineral, termal ou gasosa, em exploração regular, poderá ser assinalado, por decreto, um perímetro de proteção, sujeito a modificações posteriores se novas circunstâncias o exigirem".

A respeito do perímetro de proteção fica sujeito às seguintes restrições: 1ª) qualquer sondagem ou trabalho subterrâneo dependem de autorização do Departamento Nacional de Proteção Mineral (art. 13); 2ª) o decreto que fixar o perímetro de proteção imporá aos proprietários a obrigação de obterem, com antecedência de 90 dias, autorização daquele Departamento para construção de fossas, cisternas, galerias para extração de material, fundações de casas e outros trabalhos a céu aberto (art. 13, § 1º); 3ª) os trabalhos empreendidos no perímetro de proteção de uma fonte poderão ser interditados pelo Departamento Nacional de Proteção Mineral, mediante solicitação do concessionário, quando fore julgados procedentes as alegações.

A indenização só é cabível quando a ocupação do terreno privar o proprietário do seu uso por período superior a um mês, ou quando, após os trabalhos executados, o terreno se tornar impróprio para o uso ao qual era anteriormente destinado, conforme o art. 15 do Código de Águas Minerais.


9. Servidão sobre prédios vizinhos

Regulamenta a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional p Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937, ao estabelecer no art. 18: "Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqüenta por cento (50%) do valor do mesmo objeto".

Dominante é a coisa tombada e, serviente, os prédios vizinhos, portanto, trata-se de servidão administrativa.

"A sua constituição manifesta-se, como muito bem observa Ruy Cirne Lima(13) , como "repercussão de ato jurídico, destinado a fim diverso"; a incorporação ou tombamento de um bem, pelo Serviço de Patrimônio Histórico ou Artístico Nacional, implica a constituição da servidão sobre os prédios vizinhos.

Ao impor aos proprietários dos prédios servientes obrigação negativa de não fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios, caracteriza a servidão. A esse encargo não corresponde qualquer direito a indenização.

Grande parte de doutrinadores considera o próprio tombamento como servidão administrativa.


10. Servidão ao redor de aeródromos

Os arts. 56 a 58 do Código Brasileiro do Ar, aprovado pelo Decreto-lei nº 32, de 18.11.1966, com a redação dada pela Lei nº 6.298, de 15.12.75 regulamenta a servidão em torno de aeródromos, helipontos e auxílios à navegação aérea.

Esse diploma legal deu nova redação aos arts. 44 e 48 do Código Brasileiro do Ar, acrescendo no conceito de aeródromo, o heliponto, definido como "toda a área utilizada para pousos, decolagens e movimentação de helicópteros" (art. 44, parágrafo único). Quanto às restrições, o capítulo III, do título IV, substitui a expressão "zona de proteção dos aeródromos" por "zona de proteção de aeródromos, de helipontos e de auxílios à navegação aérea".

O conteúdo de servidão, inserido no art. 56, parágrafo único, sempre com a redação dada pela Lei nº 6.298, de 15.12.1975, diz respeito ao aproveitamento das propriedades quanto a edificações, instalações, culturas agrícolas e objetos de natureza permanente ou temporária, que possam embaraçar as manobras de aeronaves ou causar interferência no sinais dos auxílios à radionavegação ou dificultar a visibilidade de auxílios visuais.

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O art. 58 determina que quando as restrições impuserem demolições ou impedirem construções de qualquer natureza, os proprietários terão direito à indenização fixada judicialmente, na falta de acordo direto.


11. Servidão sobre áreas adjacentes a estradas

Para a segurança, polícia e tráfego das estradas de ferro, o Decreto nº 15.673, de 07.09.1922 aprovou o regulamento determinado nos arts. 153 e 154:

Artigo 153. Nos terrenos contíguos à estrada, ninguém poderá plantar árvores que pelo seu grande crescimento possam vir, caindo sobre a linha, prejudicar a sua conservação ou ameaçar a segurança do tráfego.

Artigo 154. A menos de cinqüenta (50) metros de distância de cada trilho exterior da estrada de ferro servida por locomotiva a vapor ninguém poderá depositar matérias de fácil combustão nem construir casas cobertas de sapé, folhas de palmeira, casca de pau etc. As casas que já existirem, assim cobertas, serão reformadas ou removidas pela estrada ou por conta desta. Os explosivos não poderão ser depositados a menos de trezentos (300) metros da linha de qualquer estrada de ferro".

O art. 9º desse Decreto, porém, determina que o direito de desapropriação abrangerá, não apenas as áreas necessárias a construção, funcionamento, ampliação e defesa da via permanente e demais instalações ferroviárias, como também, a área necessária à segurança e regularidade do tráfego de trens, estendendo-se esse direito às pedreiras, aguadas, lastreiras e árvores situadas nas proximidades do leito da via férrea.

Estatui o § 2º desse dispositivo: "Para o fim previsto neste artigo, a faixa mínima de terreno necessária à perfeita segurança do tráfego de trens, terá seus limites lateralmente fixados por uma linha distante seis (6) metros do trilho exterior, salvo em casos excepcionais, a critério do Departamento Nacional de Estradas de Ferro".

Apesar de a lei não prever indenização, o Tribunal Federal de Recursos, em ação expropriatória, movida pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, para aquisição de faixa de terra destinada à construção da via Fernão dias, no trecho de acesso à Rodovia Presidente Dutra, acolheu recurso do expropriado, a fim de incluir, na indenização, montante correspondente às duas faixas laterais sujeitas à servidão de não edificar. O Tribunal assim se manifestou: "Se é certo que, aberta a estrada, essas faixas laterais não mais poderão ser objeto de aproveitamento industrial ou residencial, sendo outrossim necessárias à destinação da obra pública, justo será tenha o proprietário indenização das mesmas, adotando-se, para tanto, o valore unitário acolhido para a área que constituirá o leito da estrada".(14)


12. Servidão a favor do Sistema Rápido Metropolitano

Outra servidão administrativa foi provocada pela construção do sistema rápido metropolitano. Para construção, implantação e manutenção do sistema de transporte metropolitano, na verdade, foi necessário a imposição de servidões administrativas ou, ainda, a simples ocupação temporária, na área utilizada pelo poder público para aquele fim.

O Decreto municipal nº 9.911, de 24.03.1972, declarou determinadas áreas como sendo de utilidade pública, "para o fim de serem desapropriadas judicialmente ou adquiridas mediante acordo - total ou parcial -, ou constituídas servidões, ou ainda, feitas ocupações temporárias, pela Companhia do Metropolitano de São Paulo - METRÔ".

Assim foi instituída servidão non aedificandi sobre imóvel situado na Av. Prestes Maia, próximo à estação São Bento. Para o proprietário, essa servidão implicou na proibição de construir prédio com mais de um pavimento, dada a impossbilidade de as fundações serem mais profundas, em virtude da construção do Metrô.

Neste caso, temos uma servidão administrativa, imposta pelo poder público, tendo por conteúdo a restrição de não construir prédio com mais de um pavimento em benefício do Metropolitano; o processo de sua construção é o estabelecido na Lei nº 3.365, de 21.06.1941; cujo titular da servidão é a Companhia do Metropolitano.


NOTAS

  1. Masagão, Mário. "Margens dos Rios Navegáveis - Servidão Pública", in RDA 5/316.
  2. Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 4ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1976, p. 566
  3. V. Referências da Súmula do Supremo Tribunal Federal, 25/323.
  4. Acórdão, in RT 283/684.
  5. Acórdão, in RT 462/159.
  6. Mello, Osvaldo Aranha Bandeira de, in RDA 6/20-40 e acórdão in RT 379/149.
  7. Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Servidão Administrativa, obra citada, ps. 126-127.
  8. ---------------- . ---------------------, p. 128
  9. Artigo 150 do Código de Águas
  10. Artigo 148 do Código de Águas.
  11. Acórdãos in RT 404/212, 406/272, 389/127, 391/130.
  12. Acórdão in RT 442/172.
  13. Lima, Ruy Cirne. Das servidões administrativas, in RDP, 5/26.
  14. Acórdão publicado na Vox Legis, maio de 1974, seção III, 63/19.
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Sobre o autor
José Maria Pinheiro Madeira

professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá, professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, José Maria Pinheiro. As servidões no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/482. Acesso em: 23 abr. 2024.

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