A delação premiada no Direito brasileiro: sua aplicação na Operação Lava Jato

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O presente estudo visa analisar historicamente o instituto da delação, seus requisitos e sua aplicação ao caso concreto das investigações da operação “Lava-jato”.

RESUMO

A delação premiada está presente em nosso ordenamento jurídico tanto em dispositivos do Código Penal, quanto em leis especiais. Por ser uma denúncia, uma acusação feita por alguém que também está sendo investigado a respeito do cometimento de um crime suscitam-se alguns questionamentos a respeito da ética presente em tal conduta, do caráter de negociação que se vislumbra, da traição da confiança depositada, e do benefício concedido à ao delator apesar de sua conduta delituosa ser igual ou mais grave que a dos delatados. O presente estudo visa analisar historicamente o instituto da delação, seus requisitos e sua aplicação ao caso concreto das investigações da operação “Lava-jato”.

 

Palavras-chave: Delação. Requisitos. Benefício. Crime. Delator. Acordo

 

ABSTRACT

The award-winning snitching is present in our legal system both in the Criminal Code provisions, as in special laws. Because it is a complaint, an accusation made by someone who is also being investigated regarding the commission of a crime give rise to some questions about the present ethics in such conduct, that the negotiation character in sight, the betrayal of their trust, and the benefits provided to the whistleblower despite his criminal conduct be equal to or worse than the denounced. This study aims to analyze historically the tipoff Institute, its requirements and its application to the case of the operation investigations "Car washing".

 

Keywords: Betrayal. Requirements. Benefit. Crime. Snitch. Deal.

 

SUMÁRIO: 1-Introdução. 2-Conceito. 3-Previsão legal. 4-Histórico. 5-Natureza jurídica. 6-Como funciona a delação premiada. 7-Dos requisitos. 8-Caso prático: operação “LAVA-JATO”.  9-Conlusão. 10-Referências.

 

1 Introdução

A delação premiada é instituto utilizado pelo Estado brasileiro como política de combate à criminalidade, em especial aos grupos organizados.

É indiscutível que a legislação processual penal brasileira passou a contar com algumas inovações formais, que trouxeram um maior grau de efervescência junto às discussões promovidas pela comunidade jurídica. Como exemplo o próprio instituto da delação premiada.

A delação premiada ou como muitos nomeiam de colaboração premiada, restou firmada pela Lei 12.850/2013, a qual define a organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, além de dar outras providências. Em sendo assim, é no seio da obtenção da prova que emerge o instituto da colaboração premiada.

 

2 Conceito

Segundo Piragibe e Malt, delação  significa: “Denunciar alguém como autor de uma infração quando o denunciante é pessoa não imcumbida de participar da repressão penal, nem é legitimamente interessada na acusação, e procura algum proveito indefensável.Tem, portanto, sentido pejorativo: “Alcaguetar”.

Delação premiada é uma expressão utilizada no âmbito jurídico, que significa uma espécie de "troca de favores" entre o juiz e o réu. Caso o acusado forneça informações importantes sobre outros criminosos de uma quadrilha ou dados que ajudem a solucionar um crime, o juiz poderá reduzir a pena do réu quando este for julgado.

Para Rafael Boldt, delação premiada é:

a possibilidade que tem o participante ou associado de ato criminoso de ter sua pena reduzida ou até mesmo extinta, mediante a denúncia de seus comparsas às autoridades, permitindo o desmantelamento do bando ou quadrilha, ou ainda facilitando a libertação do seqüestrado, possível no caso do crime de extorsão mediante seqüestro cometido em concurso de agentes.

 

Muitos consideram a delação premiada como se fosse um "prêmio" para o acusado que opta por delatar os comparsas e ajudar nas investigações da polícia. De acordo com a lei brasileira, o juiz pode reduzir a pena do delator entre 1/3 (um terço) e 2/3 (dois terços), caso as informações fornecidas realmente ajudem a solucionar o crime.

Quanto a denominação de notar-se, entrementes, que, embora não seja tema inédito, não há pacificidade, mesmo na doutrina, de estabelecer se “delação premiada” e “colaboração premiada” são, ou não, expressões sinônimas.

Nota-se, entrementes, que, embora não seja tema inédito, não há pacificidade, mesmo na doutrina, de estabelecer se “delação premiada” e “colaboração premiada” são, ou não, expressões sinônimas.

Portanto, há quem entenda que as expressões são sinônimas, não tendo, assim, qualquer relevância prática a diferenciação terminológica. Nesse sentido, por exemplo, afirmam Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto que:

O instituto da colaboração premiada, ainda que contando com nomenclatura diversa, sempre foi objeto de análise pela doutrina, tratado que é como “delação premiada (ou premial)”, “chamamento de corréu”, “confissão delatória” ou, segundo os mais críticos, “extorsão premiada”, etc.

 

3 Previsão legal

É inegável que, após a entrada em vigor da Lei 12.850/13, lei que cuida das Organizações Criminosas, a delação premiada tenha ganhado maior status, notoriedade. Entretanto, não seria acertado afirmar que antes do referido diploma, tal figura não já não existisse no ordenamento jurídico pátrio.

A bem da verdade, já em 1990, por meio da Lei dos Crimes Hediondos 8.072, o legislador tratou da matéria, mais precisamente no art. 7º, que introduziu o parágrafo 4º no art. 159 do Código Penal, estabelecendo, ali, uma minorante. Enfim, como exposto, tal instituo não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, ao contrário do que muitos  pensam.

 

4 Histórico

Esse instituto está presente no ordenamento jurídico brasileiro desde as Ordenações Filipinas.Foi inserido em nosso direito em janeiro de 1603, vigorou até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830 que o extinguiu, e retornou ao nosso direito mais recentemente através de diversas leis espaças sob a justificativa de ser parte da política criminal do Estado.

 

5 Natureza Jurídica

Basicamente, a delação premiada se realiza em um acordo entre o Ministério Público e o acusado, onde este recebe uma vantagem em troca das informações que fornecerá ao parquet. Quanto mais informação for dada por aquele que delata, maior será o benefício a ele proporcionado.Como benefício ao delator temos a substituição, redução ou isenção da pena, ou mesmo o estabelecimento de regime penitenciário menos gravoso, a depender da legislação aplicável ao caso.

Sendo assim, a natureza da delação premiada variará conforme a situação do caso concreto, podendo ser, por exemplo, uma causa de diminuição de pena, incidente na terceira etapa do sistema trifásico de aplicação da pena, ou uma causa extinção da punibilidade, pois pode resultar na concessão do perdão judicial, nos termos do art. 13 da Lei 9.807/99, abaixo transcrito:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

 

6 Aplicação do instituto

A delação premiada pode ser requerida pelo próprio réu, através de um pedido formal feito por seu advogado, ou sugerida pelo promotor de justiça que está investigando o processo criminal. 

Caso a delação premiada seja aprovada, o delator deverá dar ao juiz informações pertinentes sobre o caso em que está envolvido. Se o juiz considerar os dado informados pelo réu realmente importantes, consentirá um "alívio" na sua pena, como:

  • redução da pena de um a dois terços do total;
  • pena em regime semiaberto;
  • anulação total da condenação;
  • perdão pelo envolvimento no crime; 

No entanto, caso as informações fornecidas pelo delator sejam inverídicas, o juiz pode aumentar a sua condenação e ainda processá-lo por "delação caluniosa", sendo punido com dois a oito anos de prisão por faltar com a verdade. 

 

7 Dos requisitos

A legislação brasileira não trata de forma especificada da delação premiada. As disposições a cerca desse tema encontram-se em leis esparsas como a Lei 9.807/199 (Lei de Proteção à Vítima e às Testemunhas), Lei 8.072/1990 (Crimes Hediondos), Lei 12.850/2013 (Organização Criminosa), dentre outras.

Considerando tal ausência de especificidade, é necessário interpretar sistematicamente as normas dispostas nas leis que abordam tal matéria. Assim, vislumbra-se a presença de quatro requisitos: colaboração espontânea; efetividade das informações; relevância das declarações; personalidade do delator, circunstâncias, natureza e repercussão social do fato compatíveis com o instituto.

Para atender ao requisito da colaboração espontânea o delator, necessariamente, precisa manifestar de forma expressa, pessoal e consciente de que é de sua vontade colaborar no deslinde da ação penal no curso do processo. Tal manifestação para ser válida não pode estar condicionada a sugestão ou intimação de outrem.

No entendimento do doutrinador Aury Lopes Junior tal requisito, muitas vezes, não é observado quando se trata da prisão temporária, haja vista que o acusado permanece preso na delegacia de polícia e que “(...) ele está 24h por dia à disposição de todo e qualquer tipo de pressão ou maus-tratos, especialmente das ardilosas promessas do estilo “confessa ou faz uma delação premiada que isso acaba”.” (LOPES JUNIOR, 2014, p. 641)

No segundo requisito da relevância das declarações do delator diz respeito à revelação dos crimes que foram praticados, permitindo que os demais partícipes da conduta sejam presos, ou contribuindo para que o produto subtraído, ou produzido como o caso de substâncias entorpecentes, criminalmente seja apreendido.

As informações prestadas pelo colaborador devem ter relação estrita com os fatos que estejam sendo investigados. Desta feita, dados que não importem na revelação de outros integrantes de uma organização criminosa ou a sua estrutura e modo de funcionamento não são aptas para que o benefício seja concedido.

No que tange o terceiro requisito de efetividade da colaboração o delator deve, espontaneamente, se colocar à disposição da autoridade policial e do Poder Judiciário, de forma permanente. É necessário que o colaborador esteja presentes nas diligências necessárias que se destinam à averiguação do crime

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É importante ressaltar que caso as informações prestadas de forma efetiva pelo delator, observados as exigências do requisito da efetividade da colaboração, não se traduzam em resultados práticos, seja na apuração do cometimento de outras condutas delitivas, seja na identificação de outros infratores, o benefício originalmente acordado poderá ser deferido ao colaborador, desde que sejam cumpridos os demais requisitos legais.

O quarto requisito diz respeito à personalidade do delator, natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso compatíveis com o instituto da delação. Tal requisito é avaliado por membro do Ministério Público, nos casos em que o acordo é permitido, e igualmente pelo juiz.

Caso o delator investigado tenha observado os requisitos anteriores, contudo, praticou um crime onde a crueldade foi aviltante, ou que a sociedade tenha se comovido de forma substancial e considerável diante da conduta, o benefício não poderá ser concedido.

Existia divergência se o benefício seria direito subjetivo do delator ou faria parte do poder discricionário do juiz. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio de jurisprudência divulgou o entendimento de que se os requisitos estiverem presentes a incidência do benefício é obrigatória.

 

8 Caso prático: Operação "Lava-Jato"

Um caso que hodiernamente está presente em discussões midiáticas e é amplamente divulgado nos telejornais é o da Operação Lava Jato. Tal operação investiga esquemas de corrupção envolvendo a Petrobrás e autoridades do Poder Legislativo federal.

Até o dia 08 de outubro de 2015 cerca de 31 acordos de delação premiada foram formalizados por meio de ações concatenadas do Supremo Tribunal Federal (STF), do juiz federal Sergio Moro e do Ministério Público Federal.

Em 09 de outubro de 2015 for homologado pelo STF, na pessoa do ministro Teori Zavascki, o acordo de delação premiada de Fernando Soares, popularmente conhecido como Fernando Baiano, devido este ter citado parlamentares com foro privilegiado que podem ter participação na investigação de corrupção na estatal, os quais somente poder ser investigados sob a supervisão do STF.

Por meio deste acordo, Fernando Soares irá cumprir quatro anos da pena relacionada aos processos na Operação Lava Jato. O instrumento prevê ainda a possibilidade de o acusado se exonerar do que resta da pena para cumprir em novembro de 2016 se a colaboração prestada se demonstrar relevante e efetiva, bem como a hipótese de ele ser libertado sem a necessidade de passar pelo regime semiaberto.

Entre os compromissos assumidos por Fernando Soares na delação estão o de descrever os atos criminosos, bem como apresentar documentos que comprovem as acusações que proferiu, tais como depósitos bancários e a quebra dos sigilos fiscal e telefônico.

 

9 Conclusão

Diante do que foi anteriormente exposto torna-se claro que a delação premiada é necessária, haja vista que o bem tutelado, e de melhor interesse para a coletividade, é o Estado Democrático de Direito.

Sem a colaboração daqueles que conhecem os emaranhados das organizações criminosas, seus desdobramentos e os danos causados por ela na sociedade a democracia estaria desestabilizada. Entre os que seguem as disposições da lei e cumprem com suas obrigações civis o ato de trair a confiança depositada sobre si é absolutamente imoral, antiético, e totalmente repreensível.

Todavia, em se tratando da realidade do crime, onde aqueles que vivem e usufruem dessa realidade não pautam sua conduta pela observância da legalidade, tal “traição” se faz necessário tendo em vista a preservação do bem comum, seja ele patrimonial, moral ou físico. Sem a utilização deste instituto o exercício da persecução penal por parte do Estado sofreria sérios entraves no que tange à investigação de organizações criminosas de grande vulto. Ademais, hodiernamente tem demonstrado numerosas vantagens no combate à criminalidade e na cooperação com a Justiça.

 

 

 

 

10 REFERÊNCIAS

 

ALENCAR, Rosmar Antonni; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2009.

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CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

 

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 8. ed. 12. vol. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

BOLDT, Raphael. Delação premiada: o dilema ético. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 783, 25 ago. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7196>. Acessado em 21/12/2015 21:43

 

JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551>. Acessado em 21/12/2015 22:30.

 

MOREIRA FILHO, Agnaldo Simões. Delação premiada – Breves considerações. Disponívelem:http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3902/Delacao-premiada-Breves-consideracoes. Acesso em 21/12/2015 21:30

 

RAMALHO, Renan; OLIVEIRA, Mariana. Teori Zavascki aprova acordo de delação premiada de Fernando Baiano. Disponível in: http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2015/10/teori-zavascki-autoriza-acordo-de-delacao-de-fernando-baiano.html. Acessado em 20 de dezembro de 2015, às 11h49min.

 

RODAS, Sérgio. Acordos de delação premiada da “lava jato” violam Constituição e leis penais. Disponível in: <http://www.conjur.com.br/2015-out-15/acordos-delacao-lava-jato-violam-constituicao-leis-penais.> Acessado em 20 de dezembro de 2015, às 09h23min.

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Sobre os autores
Natália Bernadeth Fernandes Rodrigues

Acadêmica do Curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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