A responsabilidade extracontratual do Estado nas questões prisionais

23/04/2016 às 10:22
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A responsabilidade do Estado pelos seus atos é, em regra, objetiva e decorre da teoria do risco administrativo. A jurisprudência vem entendendo, em casos específicos, que a omissão estatal ensejará responsabilidade quando perpetrada no sistema prisional.

Segundo Di Pietro (2015), a responsabilização extracontratual do Estado diz respeito à obrigação de responder pelos danos causados a terceiros em virtude comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, que são imputáveis aos agentes públicos. A responsabilização do Estado pelos seus atos é objetiva e decorre da teoria do risco administrativo.

Filho (2014) ressalta que no risco administrativo a responsabilidade não é indiscriminada, independente de um nexo causal, diferente do que acontece no denominado risco integral.

No risco administrativo, não há responsabilidade civil genérica e indiscriminada: se houver participação total ou parcial do lesado para o dano, o Estado não será responsável no primeiro caso e, no segundo, terá atenuação no que concerne a sua obrigação de indenizar. Por conseguinte, a responsabilidade civil decorrente do risco administrativo encontra limites. Já no risco integral a responsabilidade sequer depende de nexo causal e ocorre até mesmo quando a culpa é da própria vítima. (FILHO, 2014, p. 556-557)

De acordo com Carvalho (2015), quando a responsabilidade do Estado é decorrente de ato omissivo, este deve se demonstrar ilícito, ou seja, a omissão do agente dá ensejo ao não cumprimento de seus deveres legalmente estabelecidos. Segundo o autor, esse tipo de responsabilização pode se dar com base na teoria do risco criado. Nessa modalidade específica de responsabilização do Estado é que ocorre grande parte das situações relacionadas ao sistema prisional, conforme exemplificado adiante:

Pode-se citar como exemplo, a seguinte situação. Um detento foge e assalta, na fuga, a casa ao lado do presídio, gerando grandes prejuízos a uma família que ali reside. O Estado deve ser responsabilizado objetivamente em razão do risco causado à vizinhança, quando assumiu construir o presídio naquela região residencial e não cuidou da segurança necessária. Por sua vez, se a fuga do detento ocorre e o delito cometido por ele se dá bem distante do presídio ou muito tempo após a fuga, não há nexo causal com a situação de risco, logo, não há motivo para se mencionar responsabilidade objetiva. O mesmo ocorre em situações de presos que fogem com frequência do presídio, quando nenhuma providência é adotada pelo Estado. (CARVALHO, 2015, p. 336-337)

Carvalho (2015) ainda esclarece que em determinadas situações responderá mesmo havendo causa excludente, como por exemplo, caso fortuito. Isso se dá em razão do que a doutrina denomina de fortuito interno, também exemplificado pelo autor:

Em tais situações, a doutrina especializada entende que o Estado responderá, ainda que haja uma situação de caso fortuito, bastando a comprovação de que este fortuito só foi possível em virtude da custódia do ente estatal. Tal situação é o que a doutrina designa fortuito interno (ou caso fortuito). Logo, se, por exemplo, uma rebelião de presos causa a morte de um refém, o estado é responsável, não podendo alegar que se trata de caso fortuito. Em sentido contrário, se um preso é atingido por um raio dentro do presídio, a princípio, nãohaveria responsabilização do Estado, haja vista o dano decorrer de um fortuito externo (ou força maior), ou seja, totalmente alheio e independente da situação de custódia. (CARVALHO, 2015, p. 337)

O STF, em decisões sem repercussão geral[1], já vinha decidindo acerca da responsabilidade do Estado em casos de omissão relacionados a questões prisionais, conforme se vê:

Recurso extraordinário. 2. Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. 3. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. 4. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento (RE 272.839, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 8.4.2005).

RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO- PRESSUPOSTO PRIMÁRIOS QUE DETERMINAM A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - O NEXO DE CAUSALIDADE MATERIAL COMO REQUISITO INDISPENSÁVEL À CONFIGURAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO – NÃO COMPROVAÇÃO, PELA PARTE RECORRENTE, DO VÍNCULO CAUSAL - RECONHECIMENTO DE SUA INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - SOBERANIA DESSE PRONUNCIAMENTO JURISDICIONAL EM MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO, EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA, DA EXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA (SÚMULA 279/STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes (RE 481.110-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 9.3.2007).

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Recurso extraordinário. Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso no interior do estabelecimento prisional. 2. Acórdão que proveu parcialmente a apelação e condenou o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indenização correspondente às despesas de funeral comprovadas. 3. Pretensão de procedência da demanda indenizatória. 4. O consagrado princípio da responsabilidade objetiva do Estado resulta da causalidade do ato comissivo ou omissivo e não só da culpa do agente. Omissão por parte dos agentes públicos na tomada de medidas que seriam exigíveis a fim de ser evitado o homicídio. 5. Recurso conhecido e provido para condenar o Estado do Rio de Janeiro a pagar pensão mensal à mãe da vítima, a ser fixada em execução de sentença (RE 215.981, Rel. Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, DJ 31.5.2002).

Por fim, em data recente (especificadamente em 30.03.2016) o STF reconheceu a repercussão geral no julgamento do RE 841526[2], ocasião em que o Egrégio Tribunal decidiu, por unanimidade, que o Estado responde pela morte de detento, em caso de inobservância do seu dever específico de proteção.

Segundo o relator do referido RE, ministro Luiz Fux, o Estado Democrático de Direito, que garante a todos a igualdade perante a lei, não pode ser indiferente diante de situações onde os indivíduos são privados de seus direitos fundamentais, ainda que eles estejam em cumprimento de sanção penal por parte do Estado.[3]


CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 2 ed. rev. ampl. atual. Salvador: JusPODIVM, 2015.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 28. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. 

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 27 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Atlas, 2014. 

[1]{C} Disponível em: processo/verProcessoTexto.asp?id=3258425&tipoApp=RTF">http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp?id=3258425&tipoApp=RTF acesso em 1º de abril 2016.

[2]Disponívelem:http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=841526&classe=RE&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M  acesso em 1º de abril de 2016.

[3]{C} Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/03/1755769-estado-e-responsavel-pela-morte-de-detentos-dentro-dos-presidios-diz-stf.shtml acesso em 1º de abril de 2016. 

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Sobre o autor
Sávio Oliveira Lopes

Analista Judiciário (área judiciária - especialidade Direito) do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES). Ex-Juiz leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA). Trabalhou em substituição como assessor de Juiz no TJES. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões no Instituto Legale Educacional. Foi revisor de monografias jurídicas durante 8 anos. É autor de 6 livros de poesia, quais sejam, "Variações de Sentido", "Retinas de cada tempo", "O silêncio do último pôr do sol", "Fragmentos dos comigos de mim", "Redemoinhos da minha cabeça" e "Antologia poética". Coautor dos livros "Antologia Jubileu de Ouro da UNIMONTES" e "Além da terra, além do céu."

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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