Substituição do polo ativo em ação de revogação de doação

25/04/2016 às 13:04
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Trata-se de estudo voltado à verificação da possibilidade de substituição do polo passivo da Ação de Revogação de Doação ajuizada pelo genitor, em face de seu filho.

Primeiramente, cumpre ressaltar que a revogação de doação por ingratidão “se inspira no propósito não só de punir o beneficiário ingrato, como de dar satisfação moral ao doador, que foi vítima de ingratidão.” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – São Paulo: Saraiva, 1979/1981).  

Ainda, nas palavras de Washington de Barros Monteiro, “o gratificado assume uma obrigação de não fazer, cujo conteúdo é abster-se de alguns atos cuja prática constitui prova de desapreço para com o doador. Se descumpre tal obrigação, caracteriza-se a ingratidão.” (Curso de direito Civil – São Paulo: Saraiva, 1979/198).

A ação de revogação de doação tem natureza jurídica de “ação constitutiva negativa”, na medida em que é necessário pleitear a revogação por ingratidão judicialmente.

Trata-se de ação de caráter intuitu personae, personalíssima, de modo que não será transmitida aos herdeiros do doador em caso de falecimento deste.

Ainda no que se refere à legitimação para propositura dessa demanda, “(...) regem os princípios gerais no tocante ao doador que se tornou absolutamente incapaz ou relativamente incapaz. Morto o doador, a ação iniciada contra o donatário pode ser continuada pelos herdeiros.” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado – 3. Ed – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984).

Sobre o tema, o artigo 560, Código Civil de 2002 determina: “O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide”.

No mesmo sentido, o anterior Código Civil (1916) já lecionava ser a ação revogatória de doação pessoal do doador: “se a revogação constitui um desagravo em benefício do autor da liberalidade, é ao mesmo tempo uma pena contra o autor da ofensa, não podendo, como pena que é, passar além da pessoa do culpado. Assim, o direito de revogar a doação não passa aos herdeiros do doador nem prejudica os do donatário (Cód. Civ., art. 1.185)

Apenas se foi ajuizada pelo doador e esse morre, podem ser herdeiros prosseguir (...).” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – São Paulo: Saraiva, 1979/1981).

Assim, caso o doador já tenha ajuizado a ação, seus herdeiros poderão substitui-lo no polo passivo da demanda, em caso de falecimento. “A pretensão de direito material ainda é do doador. Os herdeiros apenas conduzirão o processo a seu destino.” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 7 ed. ver. e atual. – Barueri,SP: Manole, 2013).

Nessa linha, lecionam doutrinadores: “Admite o legislador, ainda, que, em caso de falecimento do doador ou donatário, possam seus herdeiros prosseguir na demanda, uma vez que, considerando tratar-se de pedido com reflexos patrimoniais no espólio, terão eles interesse nessa sucessão patrimonial.” (GAGLIANO, Pablo Stolze. O contrato de doação: análise crítica do atual sistema jurídico e os seus efeitos no direito de família e das sucessões – 2. ed. rev. e atual. – São Paulo, Saraiva, 2008).

E, ainda:

Não podem promovê-la os credores do doador ou os herdeiros deste, nem pode ser ajuizada contra os sucessores do donatário; mas, se ela chegou a ser iniciada pelo doador, que veio a falecer em seguida, podem seus herdeiros nela prosseguir; pode, outrossim, ser continuada contra os herdeiros do donatário, se este veio a morrer, depois que contestou a ação.” (MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de direito Civil – São Paulo: Saraiva, 1979/198).

Cumpre mencionar que o Código Civil de 1916 se referia à contestação do donatário (réu na ação de revogação) como termo inicial para que fosse possível o prosseguimento da demanda pelos sucessores do doador. Já o Código Civil atual se refere ao falecimento do autor ao tempo em que a ação já tivesse sido proposta.

Caso o falecimento do donatário ocorra antes do ajuizamento da lide, não poderão ser os seus herdeiros colocados no polo passivo da lide, em razão de o fato ser personalíssimo. Todavia, se já havia ação revocatória em andamento contra o donatário quando de seu falecimento, não poderão os herdeiros responder por forças superiores às de sua herança (art. 1.997, do CC), prestigiando-se a autonomia patrimonial entre o donatário e os sucessores.” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 7 ed. ver. e atual. – Barueri,SP: Manole, 2013).

O NCC reconhece em prol do doador-autor os efeitos internos da distribuição do feito ao empresar a expressão “depois de ajuizada a lide”, enquanto o CC de 1916 apenas admite a possibilidade, quando faleça o donatário, “depois de contestada a lide.” (Novo Código Civil Comentado / coordenador Ricardo Fiuza – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 497).

Sobre o tema, a jurisprudência é uníssona:

Apelação Revocatória de doação. Extinção sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Ausência do interesse de agir caracterizada. Ação de caráter “intuitu personae” Donatário falecido Inteligência do artigo 560 do CC Doação, ademais, efetivada antes do início da união estável do donatário com a Ré Bem que não se comunica, nem o subrogado em seu lugar (artigos 1.725 e 1.659, I, ambos do Código Civil) - Sentença mantida. Recurso não provido.

A Ré, companheira do donatário falecido, não é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação revocatória. Nos termos do art. 560 do Código Civil, a ação possui caráter intuitu personae, ou seja, o direito de revogar a doação não pode prejudicar os herdeiros do donatário, a não ser que a ação tivesse se iniciado antes de seu falecimento. O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide” (grifo nosso).

Nesse sentido os comentários do ilustre doutrinador Nelson Rosenvald em seu Código Civil Comentado 4ª edição Editora Manole pág 600: “Caso o falecimento do donatário ocorra antes do ajuizamento da lide, não poderão ser os seus herdeiros colocados no pólo passivo da lide, em razão de o fato ser personalíssimo.” (Apelação nº 0000564-87.2011.8.26.0003 da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Des. Rel. João Pazine Neto, j. 08.11.2011).

DOAÇÃO Modalidade onerosa Ação de revogação proposta por suposta sucessora da doadora Ilegitimidade. Caráter “intuitu personae” da demanda. Sucessão, ademais, não caracterizada. Extinção sem resolução do mérito Sentença de improcedência reformada Apelação da ré provida nessa parte, prejudicado o recurso adesivo da autora.

A transferência do saldo de caixa e do ativo imobilizado não incluiu os vínculos que a Associação Beneficente Sítio Monte Refúgio mantinha com a donatária dos imóveis, seja porque não houve a sucessão afirmada pela autora, seja porque o direito de revogar a doação, por inexecução do encargo, não é transmissível. Tanto é verdade que o artigo 1.185 do Código Civil de 1916 veda, de maneira expressa, a transmissão de tal direito aos herdeiros do doador, disposição repetida no artigo 560 do Código Civil de 2002, a revelar o firme propósito do legislador em atribuir caráter intuitu personae não somente à ação de revogação de doação, mas à própria relação jurídica decorrente da doação onerosa.” (Apelação nº 0006196-24.2010.8.26.0361, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Des. Rel. Carlos Henrique Trevisan, j. 09.06.2001).

Apelação – Processual – Revogação de doação por ingratidão proposta por testamenteiro do doador – Inadmissibilidade – Ação personalíssima – Recurso provido. Ademais, a ação de revogação é personalíssima, somente podendo ser intentada pelo doador, sendo admitida a substituição processual somente se o óbito do doador ocorrer após a propositura ou a dos donatários após a contestação.” (Apelação nº 009.064.4/1-00 da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Des. Rel. Benini Cabral, j. 11.02.1998).

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No que se refere aos efeitos advindos da revogação de doação, afirma o autor Washington de Barros Monteiro: “Revogada, pois, a ação, volta ao patrimônio do doador tudo quanto a esse título detinha o donatário, acrescido de frutos, respeitados, todavia, os direitos de terceiros”.

Com a revogação da doação nasce a pretensão à restituição do bem que fora doado. “Feita pelo doador a revogação, a pretensão à restituição transmite-se aos herdeiros ou legatários. Não se trata, aí, de revogação por herdeiro ou outro sucessor a causa de morte, mas sim de transmissão, a causa de morte, do direito ao bem ou aos bens que têm de ser restituídos. Se, revogada a doação, o donatário ficasse com o bem ou com os bens doados, injustificadamente estaria enriquecido” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado – 3. Ed – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984).

Se com a procedência de ação de revogação de doação o patrimônio objeto da liberalidade retorna ao ciclo patrimonial do doador (autor da demanda), por analogia, quando o doador falece no correr da ação, prosseguindo a ação pelos seus herdeiros, com decreto de procedência, haverá retorno do patrimônio doado para o acervo de bens titulado pelo espólio. 

Com o falecimento do autor da demanda revocatória, o direito de prosseguir com a ação se transmite automaticamente aos seus herdeiros em conjunto, ou seja, ao espólio do de cujus, sendo este representado pelo inventariante.

Afinal, os bens e direitos objeto de inventário formam uma massa indivisa, com natureza de coisa imóvel, até que a partilha cesse o estado indiviso, de modo que não seria possível que apenas um dos herdeiros substituísse o polo ativo da ação de revogação de doações sem os demais.

Nesse sentido, referido princípio é trazido de forma expressa pelo artigo 1.791, do Código Civil vigente: “A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio”.

Não obstante, cumpre esclarecer que foi encontrado entendimento doutrinário diverso em obra do autor Agostinho Alvim, conforme segue: “Quando a pluralidade fôr de herdeiros do doador, pode ocorrer que uns desejem e outros não, o prosseguimento da ação intentada, ou porque achem que a ação não é justa, ou por não quererem molestar o donatário, ou por outro qualquer motivo. Neste caso, desistindo uns e prosseguindo outros, a revogação há-de ser proporcional à parte dos que prosseguiram, consoante as regras que procuramos estabelecer em comentários a outro artigo.” (ALVIM, Agostinho. Da doação. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1963).

Apesar de tratar-se de jurista bastante reconhecido, cujo trabalho merece nossa atenção, sendo uma obra muito antiga, a análise foi feita com ressalvas. De toda forma, nos próximos dias continuaremos buscando entendimento semelhante em outras obras.

Considerando o recente falecimento do Sr. Carlos Frederico, o inventário seguirá seu tramite normalmente, já que, de acordo com o Princípio de Saisini, norteador do Direito das Sucessões, com o falecimento de uma pessoa abre-se a sucessão, operando-se então a imediata transmissão da herança aos herdeiros por ela deixados.

Ainda, nas palavras do doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, a regra de Saisine seria definida como: “o direito que têm os herdeiros de entrar na posse dos bens que constituem a herança.” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2003, p.29).

Assim, o inventário se processará normalmente, enquanto discute-se o mérito da ação de revogação de doação nas vias próprias e, apenas quando essa questão restar resolvida, eventual sucesso advindo da procedência da ação revogatória será levada ao inventário para que então a quantia seja partilhada.

Caso o inventário já tenha sido finalizado ao tempo do julgamento final da ação revocatória, o crédito advindo da procedência dessa demanda será sobrepartilhado, nos termos do artigo 1.040, do Código de Processo Civil.

Outrossim, importa esclarecer que a revogação de doação tem efeitos ex nunc, “o ato é considerado como nunca tendo sido praticado2, preservando-se os direitos adquiridos por terceiros anteriormente, em respeito ao principio constitucional do direito adquirido.

Não obstante a doutrina e jurisprudência dificilmente tratem do tema de maneira expressa, esse é o entendimento que melhor se coaduna com a lógica seguida pelo Direito Sucessório Brasileiro.

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