Estado e o Poder

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Busca-se analisar as diversas relações de poder existentes entre Estado e o sua população, dando enfoque no modo como essas relações são construídas e os possíveis riscos pertinentes à sua instauração em uma sociedade.

Resumo

Busca-se analisar as diversas relações de poder existentes entre Estado e o sua população, dando enfoque no modo como essas relações são construídas e os possíveis riscos pertinentes à sua instauração em uma sociedade. Expõe alguns dos embates doutrinários sobre o modo de exercício poder do Estado. Objetiva-se elencar elementos de um governo estatal, mostrando a relação existente entre a forma de poder e características próprias desse Estado, além de demonstrar características essenciais à figura do Estado político.

Palavras - chave: Poder; Força; Estado; Política

Abstract

It seeks to analyze the various existing power relations between the state and its people, focusing on how these relationships are built and the possible risks related to its introduction into a society. Exposes some of the doctrinal struggles on how to exercise state power. The purpose is to list the elements of a state government, showing the relation between the form of power and characteristics of this state, as well as demonstrating characteristics essential to the figure of the political state.

Keywords: Power, Force, State, Politics

  1. INTRODUÇÃO

O poder não foi algo que foi inventado por alguém, ele surgiu naturalmente, primeiro representados na figura dos lideres tribais e depois por lideres eleitos. Com o Estado também houve caminho semelhante, a história se encarregou da tarefa de dar uma forma a ele. Os elementos poder e Estado, muitas vezes acabam interligando-se, pois o poder é essencial para o Estado, não existe Estado sem poder ou até mesmo, para alguns autores, o Estado é o próprio poder. Contudo, essa relação muitas vezes encontra-se instável, principalmente nos casos em que o poder é apenas legal, e não legítimo, o que levará invariavelmente, a uma revolta contra aquele em que os poderes foram investidos, seja a longo ou curto prazo, situação esta que não podemos afirmar que encontra alheia aos nossos tempos.

  1. O poder e o surgimento do Estado

A palavra ‘poder’ significa “1. Capacidade ou possibilidade de fazer uma coisa. 2. Direito de agir, de decidir, de mandar. 3. Autoridade, governo de um país.” Tal palavra possui fortes relações com a palavra ‘política’. A política é a arte de governar, de gerir o destino da cidade. Tal palavra vem do grego pólis (cidade). São variados os caminhos para estabelecer relação entre política e poder, contudo, uma das mais pertinentes é encarar a política como  a luta pelo poder, desde a conquista, passando pela manutenção e a  sua expansão.

Dentro os inúmeros conceitos de poder, uma boa definição do termo, exposta pelas professoras Maria Lucia Aranha e Maria Helena Martins é “a capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos humanos”. Ainda sobre o tema, as professoras ressaltam uma característica essencial do poder, pois complementam afirmando que o poder deve ser visto como detentor de dois lados: de quem exerce o poder e o daquele sobre o qual o poder é exercido

Para que se exerça o poder é necessário haver força. Contudo, não se deve ver ‘força’ como a posse de meios violentos de coerção, mas sim de meios para influenciar o comportamento de outra pessoa.

O grande sociólogo Talcoott Parsons recusa-se a considerar o poder como sendo essencialmente “uma ação imposta por um ator a um outro ator”. Para ele, o poder político é “a aplicação de uma capacidade generalizada, cumprindo obrigações legitimadas em nome de fins coletivos”. Parsons busca minimizar o papel da coerção e eliminar o caráter desigual, hierárquico do poder. Segundo ele, ter o poder não é estar em condições de impor a própria vontade contra qualquer resistência, mas sim dispor de um capital de confiança tal, que o grupo delegue aos detentores do poder a realização dos fins coletivos. Resumidamente, é dispor de uma autoridade.

Entre tantas formas de força e poder, uma destas se estabeleceu na Idade Moderna e persiste até os dias atuais, configurando-se como a instância por excelência do exercício do poder político em várias áreas da vida pública. Essa forma de força e poder é o Estado.

A partir da Idade Moderna, consoante o surgimento das monarquias nacionais, o Estado passa por um processo pelo qual se fortalece e passa a significar a posse de um determinado território, onde a força imperativa sobre toda a população parte de uma força detentora de um poder centralizado.

Para alguns autores, o Estado não é apenas detentor de um tipo de poder, ele é um poder. Dentre esses autores podemos citar o cientista político francês Georges Burdeau que definia o Estado como a institucionalização do poder. Pelo fato de o Estado ser o poder, seus atos são obrigatórios. No entanto a autores que tratam o poder como algo diferente da soberania, e define a dominação como elemento característico do poder do Estado, dividindo em poder dominante e poder não-dominante. O poder não-dominante é uma espécie de poder desprovido de imperium, é o que se encontra presente em sociedades, com exceção do Estado. Por sua vez o poder dominante é caracterizado por dois elementos principais, é irresistível e originário. É originário porque o Estado se atribui força originária, e por causa disto tem o poder de dominação em seu território. É irresistível pelo fato de ser dominante, o submetido não se escusa ao poder dominante. 

 Outro embate entre doutrinadores é quanto à caracterização do poder do Estado como poder político, agindo de forma incondicional e visando garantir sua eficácia, ou como poder jurídico, onde age para realizar fins jurídicos. Para tal divergência, Miguel Reale afirmou na historia da sociedade humana, sempre houve a presença de um poder e uma ordem jurídica, não há organização sem que haja um poder, e também não há um poder que não se situe também do âmbito jurídico. Dessa forma o poder partilha que qualificação jurídica e política, seja em graus diferentes em cada situação.

          A monopolização dos serviços para garantir a ordem interna e externa, exige dos Estados, o desenvolvimento de um aparato administrativo baseado em uma burocracia controladora. É por esse fator que Max Weber afirma que o Estado moderno é reconhecido basicamente por dois elementos constitutivos: a presença do aparato administrativo para a prestação de serviços públicos e o monopólio legítimo da força. Para Weber, as formações políticas necessariamente formações de força, pelo de que, existindo somente agregações, sem meios coercitivos, não estaríamos mais falando de Estado. Ele acaba definindo como “comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legitima.”

          Para o funcionamento da ordem em uma sociedade, a força física é condição necessária, porém insuficiente. O poder do Estado que se sustenta unicamente na força, apesar de ser legal, será breve. Para conseguir bases realmente sólidas, ele precisa ser legítimo, uma vez que o poder é uma relação.

  1. Poder legal x Poder legítimo

É importante ressaltar a distinção entre legalidade e legitimidade. A legalidade ocorre quando temos a observância das leis. A autoridade, o poder estatal, deve atuar em conformidade com as regras jurídicas vigentes para ser considerado legal. Já a legitimidade está relacionada com os valores do poder legal. É a legalidade acrescida de sua valoração.

Um regime é legal quando se enquadra nos moldes da Constituição vigente em um determinado território,de acordo com os princípios jurídicos, legítimo quando o poder daquela constituição está em conformidade com as crenças e valores dominantes.

Ao longo da história humana, os mais variados princípios de legitimidade foram adotados. Nos Estados teocráticos, o poder legítimo vem da vontade de Deus, nas monarquias hereditárias, o poder é mantido pela tradição. Nos governos aristocráticos, apenas os “melhores” exercem o poder. Na democracia, o poder legítimo deriva do consenso, da vontade do povo.

O poder, quando mal exercido gera muitos riscos à sociedade. Nos governos não democráticos, a pessoa a qual detém o poder, se apossa dele como se fosse seu proprietário, e o exerce por toda a vida. Acabam se apropriando do poder e identificando-o como o seu próprio corpo. É esse o risco da personalização do poder. O Princípe se torna o intermediário entre os indivíduos e Deus, o intérprete da suprema Razão.

O poder personalizado não é legitimado pelo consentimento da maioria da população. A autoridade toma para si o poder, que tem o seu lugar público perdido quando incorporado pelo Príncipe. Este tipo de poder necessita de um constante estado de vigilância, para que consiga exercer o controle social. Este controle se dá, dentre outros fatores, por uma padronização de opiniões, costumes, crenças, buscando a eliminação daqueles que possuem alguma forma de pensar contrária ao seu modo de governo.

  1. O Estado Moderno 

Observando as teorias contratualistas a partir do século XVIII, nota-se que agora é o povo que legitima o poder, este devendo ser não mais herdado, mas sim conquistado de acordo com a população, que expressa sua vontade através do voto, fazendo com isso com que, o que outrora era súdito, passa a ser cidadão. A figura do príncipe perde então seu lugar absoluto, dando lugar ao principio da soberania nacional. Nas palavras de Rousseau “o povo legitima o poder”, logo, o povo passa a ser o “soberano”

Essa mudança de paradigma se deu pela institucionalização do poder, onde não é mais na violência que se encontra a sua legitimação. O estado para se conservar, toma para si o controle da força e da justiça, e com isso, a população subordina-se ao Estado. Entretanto, é importante ressaltar, que é devido a esse controle da força da justiça, onde o Estado cria leis para serem seguidas, que é o instrumento garantidor da liberdade individual de cada cidadão. Não há liberdade sem lei, já falava Rousseau e Kant. Esta lei, que a priori parece cercear a liberdade, é exatamente o instrumento garantidor da sua existência. Há agora o surgimento de um poder de direito, onde o poder do soberano é limitado, mas por sua vez, o Estado é forte. O poder, por estar em conformidade com as leis vigentes, torna-se legítimo.

  1. Poder do povo

A palavra democracia, de acordo com o dicionário da língua portuguesa significa “1. Governo do povo, soberania popular. 2. Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição equitativa do poder”. No entanto não podemos definir com exatidão os requisitos de uma democracia, uma vez que ela é sempre construída com o passar do tempo, por aqueles que dela fazem parte.

Tais ideais foram garantidos desde o século XVIII, quando foi consolidada a idéia do Estado democrático, tendo três princípios como exigência da democracia. O primeiro é a supremacia da vontade popular, que resolveu as discussões quanto a participação política do povo do governo. O segundo é a preservação da liberdade, sendo entendido como liberdade para fazer tudo desde que não incomodasse o próximo. E por ultimo a igualdade de direitos, ficando proibido o tratamento diferenciado na atribuição de direitos individuais.

A democracia é visto por muitos como a melhor, a mais justa forma de se estabelecer um poder, tendo em vista que ela é exatamente o oposto dos temidos poderes ilimitados e absolutos.

Entretanto, até mesmo a democracia deve ser gerida com cautela, pois quando decaída, a democracia transforma-se em demagogia, vira um governo de pessoas despóticas, tornando-se exatamente a sua antítese.

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Em virtude disso, para que a democracia não seja corrompida, como já dizia Norberto Bobbio, a democracia deve ser “poder em público”, para que com isso, aqueles que levaram o soberano ao poder, possam tomar conhecimento sobre seus atos governamentais.

A democracia é uma forma de poder um tanto quanto frágil, pois se sustenta exatamente na diversidade de opiniões, nos conflitos, na tolerância de alguns. Ela acaba correndo o risco de que seus governantes, para solucionar esses conflitos, causados pela divergência de opinião do povo, busquem uma homogeneização, recorrendo ao totalitarismo. É nesse ponto que a democracia é destruída, pois a participação e o pluralismo são exigências do exercício da democracia. Aceitar os pontos de vistas diferentes, conflitos de opiniões como elementos que fazem parte desse processo dialético de construção do Estado, resulta em uma forma garantidora do bem comum.

  1. Contestação do poder

A população tem uma grande força nos Estados contemporâneos, e isso foi uma força construída ao longo de muitos séculos depois de muitas lutas. Uma forma para constatarmos tal afirmação é quando notamos que a mesma população que é responsável em legitimar o poder, também tem a força para derrubá-lo caso esteja agindo de forma contrária ao modo de pensar predominante para toda uma nação.   

Ao contrario do que muitos possam pensar, para analisarmos tais revoltas de contestação, não necessariamente temos de nos voltar para acontecimentos como a revolução inglesa de 1642, a revolução francesa de 1789 ou a revolução chinesa de 1911. Para tanto, não precisamos voltar tanto ao passado, basta direcionarmos nossos olhares para o mundo árabe nos dias atuais. Lá, constataremos a ocorrência de um fenômeno que ficou conhecido como a primavera árabe, sendo uma alusão ao nascimento de um novo sistema político. Tais revoltas tinham e ainda tem por finalidade, pois a Síria ainda se encontra em grande instabilidade política até o presente momento, reivindicar por direitos que há muito foram esquecidos por aqueles que governam seus países, principalmente o direito de participação popular, uma vez que no Estado moderno, o povo tornou-se soberano.

 Tal revolta, nos tempos de globalização em que os encontramos hoje afeta o mundo político como um todo. O secretário-geral das nações unidas Ban Ki-moon afirmou que se trata da revolução da esperança, e que vale como aviso para os outros países da força do imperativo democrático e da vontade popular. O povo exige que sua voz seja ouvida, e que tenha participação na política de seu país. Não ha como considerar plausível a existência de governos despóticos como o de Benito Mussolini na Itália ou autocráticos como a de Ivan IV na Rússia em tempos atuais, de consolidação de direitos individuais e da dignificação da pessoa humana.

A esperança de todo aquele que defende uma vida política sadia, de poderes legais e legítimos, é que os protestos que se iniciaram com o sacrifício de um jovem tunisiano que ateou fogo ao seu próprio corpo como forma de protesto contra o governo de seu país, possa não ter sido em vão, e que findada tais revoltas, se instale um governo mais justo e que respeite a dignidade de cada cidadão.

  1. O problema do Anarquismo

Desde inicio, é importante destacar um grande equivoco que se formou quando referido à anarquia. A Anarquia ao contrario do pensamento de muitos não se trata como caos, bagunça, desordem, a isso se da o nome de “anomia’”. A melhor definição para anarquismo que podemos obter é quando analisamos etimologicamente o seu nome. Anarquia é uma expressão de origem grega e significa “sem governantes”

Essa filosofia política é contrária a qualquer forma de ordem hierárquica que não seja aceita por livre vontade. Tal movimento defende a livre associação, a liberdade individual e natural de cada cidadão.

No entanto, o grande problema do anarquismo é que nela, cada individuo é totalmente responsável por si e possui uma liberdade total. E isto, como já foi dito anteriormente, acaba resultado em um caos, por isso da existência de sua falsa definição de caos, desordem defendida por muitos. Esse caos acaba sendo gerado porque as pessoas não possuem uma visão do todo, não possuem um objetivo claro a ser alcançado. Essa multiplicidade de objetivos gera inegavelmente, por conseqüência lógica, a embates, e que para algumas vertentes anarquistas, se da através de revolução violenta.

A anarquia seria um bom regime político se homens fossem anjos, fossem perfeitos. O homem é um ser que necessita de limites, pois como já foi explicitado nas palavras do filósofo inglês Thomas Hobbes, é impossível o homem viver livre, viver em um estado de natureza, pois os mais fortes se sobreporiam sobre os mais fracos, os regimes dos mais fortes acabariam de opondo sobre os regimes mais frágeis. É com o intuito de evitar tal injustiça que nasce o Estado, uma força central e unificada, que deve ser tanto legal como legitimo, para que com sua força de governo garanta os direitos de cada um e determine um objetivo para toda a nação.

  1. CONSIDRAÇÕES FINAIS

O ser humano é um ser político por natureza como já dizia Aristóteles. A partir do instante em que se unem, há a necessidade de se estabelecer uma ordem, e para tal fim, são conferidos poderes, para que com eles, possam se conservar. Sem a constituição de uma estrutura organizada dentro desse grupo, ele estaria fadado à autodestruição, pois direitos individuais e sociais não seriam atendidos uma vez que essa força central regulamentadora estaria ausente e com isso, em um Estado onde toda a sociedade possui plena liberdade, os conflitos seriam inevitáveis e insolúveis.

É nesse instante que notamos a importância da figura do Estado, a forma máxima de organização do homem. O Estado possui o monopólio do poder coercitivo, do poder da justiça e centralização administrativa. Com tais elementos, ele consegue manter a ordem e garantir que cada cidadão individualmente tenha seus direitos protegidos contra o arbítrio de outrem.

Os cidadãos que vivem em um Estado acabam abrindo mão de uma liberdade plena em troca de valores maiores e uma melhor convivência, que será alcançada com a ordem política instituída pelo Estado.

No entanto quando o Estado torna-se um estado ditatorial, onde tais valores são posto de lado pelas suas autoridades, o povo acaba por rebelar-se em nome de valores maiores. O líder não legitimado pelo povo possui um poder muito frágil, podendo até mesmo argumentar que seu governo é um governo legal, mas por se tratar de um governo despótico, tais normas são ditadas para melhor garanti-lo no poder, gerando grande insatisfação pública, o que acarretará por conseqüência em revoltas populares.

O poder deve ser exercido em consonância com a vontade popular para que com isso, Estado e povo consigam estabelecer uma relação que tenha como resultado final o bem comum, fazendo com que um garanta a existência e segurança do outro.

  1. REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

ARANAHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3ed. Revista. São Paulo: Moderna, 2003.

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

LEBRUN, Gérard. O que é poder. 14 ed. São Paulo: Brasilense, 1994.


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Sobre o autor
Vinicius Maranhão Coelho Borges

Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

Informações sobre o texto

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