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5. Quinto Constitucional

Também no calor do debate sobre a possível existência de uma subordinação está a nomeação de desembargadores dos Tribunais através do mecanismo do quinto constitucional. Assim diz a Constituição, em seu art. 94:

"Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.".

Esta regra é mera repetição, mutatis mutandis, do que estava dito no art. 144, inciso IV, da Constituição Outorgada de 1969, no art. 136, inciso IV da CF/67, no art. 124, inciso V, da CF/46, no art. 105 da Constituição Outorgada de 1937, e no art. 104, §6°, da CF/34. Observemos as abalizadas opiniões da doutrina nacional a respeito do tema.

Pelo ponto de vista da advocacia, Raul Haidar, advogado tributarista e ex-conselheiro da OAB-SP, assim se manifesta: "Ao submeter a lista sêxtupla ao crivo do próprio Tribunal de que o candidato deseja fazer parte, possibilita-se verdadeira submissão da Advocacia e do Ministério Público ao Poder Judiciário, o que prejudica a liberdade e a autonomia dessas instituições, em evidente prejuízo do interesse maior da Justiça. Outrossim, após a escolha dos Tribunais a decisão final pertence ao Poder Executivo. Isso acaba violando os mais elementares princípios de independência e autonomia que devem existir entre os poderes da República, ignorando o princípio clássico da sua tripartição. Não raras vezes a escolha final recai sobre o indicado que melhor tenha demonstrado defender os interesses do Executivo, desequilibrando a balança da Justiça" [33].

Já, representando o meio ministerial, o Procurador da República Hélio Telho Corrêa Filho assim se pronuncia: "Contam-se nos dedos as vezes em que o Ministério Público se atreveu a invocar a prestação jurisdicional, com vistas ao controle dos atos administrativos do Poder Judiciário. Grande parte dessa inoperância do Ministério Público deve-se à existência do chamado quinto constitucional, que restringe a necessária independência da Instituição. Com efeito, não raro os membros do Ministério Público que atuam perante os tribunais - a quem cabe a fiscalização dos atos administrativos e a invocação da prestação da jurisdicional visando o seu controle - almejam um dia compor seus quadros, de olho nas vagas constitucionalmente asseguradas aos egressos do parquet. Para tanto, precisam angariar a simpatia dos membros do tribunal, já que estes tem o poder de interferir no processo de formação das listas de onde sairá o escolhido (art. 94, Parágrafo único, da CR)." [34]

Através do olhar da magistratura, também vemos a opinião de Alexandre Nery de Oliveira, juiz do Trabalho e professor de Direito do Trabalho em Brasília/DF: "A alteração do atual artigo 94 da Constituição, portanto, quebrando-se a regra do denominado quinto constitucional nos Tribunais, imporia maior respeito à atividade de Advogados e Procuradores, notadamente em relação ao Ministério Público consagrando maior independência à atuação dos seus membros, porquanto sem qualquer interesse em integrar, em futuro qualquer, a Corte perante a qual exercem seus ofícios, enquanto, doutro lado, deveria consagrar a identidade de tratamento entre juízes, promotores, procuradores e advogados, em qualquer grau de atuação jurisdicional". [35]

Acreditamos já estar passada a hora de extirpar esta prática política extremamente demolidora da Instituição, que faz com que esta perca quadros burilados especificamente para a vida ministerial, em troca de um "arejamento" (de duvidosa necessidade) do ambiente dos Tribunais, obrigação sim de suas escolas de formação e dos concursos de ingresso à magistratura.

Ao menos o legislador poderia pensar em outras maneiras de levar avante esta "oxigenação" dos Tribunais. Utilizemo-nos do direito comparado, e facilmente perceberemos uma gama variada de opções de que se utiliza o legislador estrangeiro, para uma melhor consecução e administração de suas Justiças (e não do Poder Judiciário).

Sauwen Filho, assim, fala da similitude das carreiras da Magistratura e do Parquet Alemão: "A semelhança entre as duas carreiras é mais notada nos estados do sul da federação, especialmente na Baviera, onde embora se reconheça a distinção entre os dois quadros, tem-se por certo organizar as duas carreiras substancialmente de forma unitária. Isso permite a seus integrantes a passagem de um quadro a outro com maior facilidade. Examinando o fenômeno, é ainda Guarnieri quem fornece um exemplo ao referir o caso dos juízes nomeados e ainda em período probatório após a aprovação nos exames de acesso, mas ainda não gozando da inamovibilidade própria do cargo, que podem, ocasionalmente ser designados, por um certo tempo a servir num setor do Ministério Público, oficiando normalmente como membro do Parquet e exercendo funções a ele cometidas." [36]

Mais à frente, este mesmo autor fala um pouco sobre os Parquets francês e italiano, comparando-os às suas respectivas magistraturas: "Embora seja em sua gênese uma instituição derivada do Parquet francês, onde a Magistrature du Siège e o Ministério Público ou Magistrature du Parquet se inserem em carreiras ligadas entre si, o que permite aos Magistrados franceses a passagem de uma carreira a outra, o modelo observado no Ministério Público italiano não se confunde com o adotado na França, pois, enquanto neste último o Parquet atua, embora com independência funcional, sob a dependência hierárquica do Poder Executivo, na Itália, além de formar uma única carreira, regulada organicamente por um único instituto, existe a unir ainda mais os Magistrados o fato de exercerem indistintamente funções jurisdicionais e funções de Ministério Público sujeitos à orientação e disciplina de um mesmo mecanismo de poder – o Conselho Superior da Magistratura (CSM)." [37]

José Renato Nalini confirma tal informação: "Estados como a França e a Itália possuem uma só carreira para o Ministério Público e para a Magistratura. Carreira que permite contínuo intercâmbio, não só nos primeiros, mas nos graus finais de jurisdição. A germinação univitelínea de ambas as instituições está a mostrar que devem caminhar juntas, sem que os contingentes antagonismos as desviem do principal: fazer justiça." [38]

Desta forma, acreditamos que o caminho mais correto para o legislador, se não for seguir pela extinção completa do Quinto Constitucional, deveria ser pela criação de mecanismos de permuta entre os membros de ambas as carreiras, para que o arejamento e oxigenação sejam sempre recíprocos. As carreiras não são iguais em direitos e garantias? Assim, evitaríamos que uma carreira siga em reboque de outra, fornecendo-lhe treinados e excelentes representantes, sem o mínimo de retorno à Instituição do Ministério Público. Ambas são essenciais à função jurisdicional. Indispensável é lembrar que a Justiça não é o Poder Judiciário; antes, engloba-o. Os membros ministeriais que acreditam que só podem colaborar para a melhoria da Justiça inserindo-se nas fileiras do Judiciário infelizmente não têm compreendido, concessa vênia, a real importância social e jurisdicional da carreira e da instituição do Ministério Público.

Doravante, acaso não haja a desejada extinção, haverá certamente a recusa em participar das listas de votação por parte daqueles que estarão representando a Instituição, imbuídos que estarão de suas vocações e funções institucionais, dificultando a concreção dos objetivos de tal meio, nada eficaz, de composição dos Tribunais. Certamente, modificações então se farão necessárias.


6. O Ministério Público Eleitoral

A Constituição de 1934 previa expressamente a organização do Ministério Público junto à Justiça Eleitoral. Assim dizia o art. 98 daquela Carta:

"Art 98 - O Ministério Público, nas Justiças Militar e Eleitoral, será organizado por leis especiais, e só terá na segunda, as incompatibilidades que estas prescrevem".

Por sua vez, também a Constituição de 1946, em seu art. 125:

"Art 125 - A lei organizará o Ministério Público da União, junto a Justiça Comum, a Militar, a Eleitoral e a do Trabalho".

Também a Lei n°. 1.341/51 já afirmava pela existência do Ministério Público Eleitoral, em seu art. 1°, parágrafo único, quando dizia:

"(...) Parágrafo único. Os órgãos do Ministério Público da União, junto à justiça comum, à militar, à eleitoral e a do trabalho são independentes entre si, no tocante as respectivas funções."

Por sua vez, as CF’s de 67 e 69 não mencionaram expressamente o Ministério Público Eleitoral, delegando totalmente sua organização à Lei Orgânica do Ministério Público da União. Os mesmos motivos levaram a assim tratar a matéria a Constituição Federal de 1988, o que demonstra a inexistência de um tratamento sistemático-constitucional do Ministério Público Eleitoral.

Desta forma, fica a função de Ministério Público Eleitoral abarcada nas funções do Ministério Público Federal, por força da Lei Complementar nº 75/93, Título II, Cap. I, Seção X, arts. 72 a 80. Estes dispositivos regulam-na em todas as instâncias da Justiça Eleitoral, determinando sua atuação em todas as etapas do processo eleitoral. A chefia do Ministério Público Eleitoral é a chefia do Ministério Público da União, i.e., o Procurador-Geral Eleitoral é o Procurador-Geral da República.

Dois são os princípios que regem a atuação dos membros ministeriais em matéria eleitoral: a federalização e a delegação. A bem da verdade ambos são faces da mesma moeda. Pelo primeiro princípio quer se estabelecer que todas as funções eleitorais do Parquet devem ser exercidas por membros do Ministério Público Federal. É assim que comanda o caput do art. 72 da LC 75/93:

"Art. 72. Compete ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral."

Por sua vez, pela delegação são repassadas ao Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal as atribuições de oficiar perante as primeiras instâncias eleitorais. A base legal desta delegação de competência são os arts. 78 e 79 da LC 75/93:

"Art. 78. As funções eleitorais do Ministério Público Federal perante os Juízes e Juntas Eleitorais serão exercidas pelo Promotor Eleitoral.

Art. 79. O Promotor Eleitoral será o membro do Ministério Público local que oficie junto ao Juízo incumbido do serviço eleitoral de cada Zona."

O Ministério Público, em seara eleitoral, poderá atuar como parte ou como fiscal da lei (com todos os ônus, direitos e deveres processuais inerentes a outras lides estranhas ao Direito Eleitoral onde atue o Ministério Público), em todas as fases do processo eleitoral (Preparatória, Votação, Escrutínio e Diplomação), em todas as instâncias da Justiça Eleitoral (Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais, Juízes e Juntas Eleitorais), em todas as épocas (micro e macro processo eleitoral), e sempre com a mesma legitimidade outorgada aos candidatos, partidos e coligações partidárias.

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Entre os vários diplomas legais que declaram esta legitimidade se encontram o art. 127 da Constituição Federal, o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65, em seu art. 24, entre outros dispositivos esparsos), a Lei das Inelegibilidades (LC nº 64/90, especificamente em seus arts. 3º e 22), a Lei nº 8.625/93 (art. 32), a LC nº 75/93 (nos citados artigos 72 a 80), a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95, em seus arts. 28 e 35, conquanto tenha sido tímida no tocante à atuação do Ministério Público Eleitoral). Inolvidem-se também os Códigos de Processo, com incidência supletiva e subsidiária no Direito Eleitoral Brasileiro.

É sabido por todos que uma das incumbências do Ministério Público pós-88 é a defesa do regime democrático. A magnitude desta função é absurdamente incalculável. Presta-se a infindas prosas. Todavia, uma coisa é certa: o legislador ainda não apreendeu bem esta importante destinação ministerial. De uma forma pulverizada, a Lei n°. 4.737/65, traz apenas alguns exemplos de atuação do Ministério Público em matéria eleitoral, não se coadunando com as novas destinações dadas pela CF/88 à Instituição. Ainda existe no organismo jurídico brasileiro um Código Eleitoral vivificado em épocas ditatoriais. É um desmedido contra-senso legislativo, requerendo-se providências.

Entretanto, com o fito de exemplificar ao leitor a atuação eleitoral do Ministério Público, ditada pelo Código Eleitoral, colacionamos enumeração do multicitado Hugo Nigro Mazzilli: "Afora o natural encargo de promover a ação penal pública no tocante aos crimes eleitorais, nessa matéria hoje só se fazem referências esparsas à intervenção do Ministério Público como: a) no processo das infrações penais; b) na cobrança de multas; c) na discriminação das atribuições dos procuradores-gerais respectivos, v.g., exercer a ação penal pública em todos os feitos de competência originária do tribunal; oficiar em todos os recursos; representar ao tribunal para observância e aplicação uniforme da legislação eleitoral; efetuar requisições; d) na fiscalização da abertura das urnas; e) na promoção de responsabilidade por nulidade de eleição; f) na argüição de suspeição; g) nos pedidos de registro de partidos e de seus órgãos dirigentes; h) no pedido de cancelamento de registro de partido; i) no pedido de desaforamento; j) nas justificações e perícias; l) na impugnação de registro de candidato; m) na propositura de ação visando à declaração da perda ou suspensão de direitos políticos." [39]

Octacílio Paula Silva assim já dizia, reportando-se ao límpido art. 79 [40] da revogada Lei Orgânica do Ministério Público da União, em defesa da liberdade de atuação do Promotor Eleitoral: "Isso significa que, sem embargo de regulamentação relativamente restrita no âmbito da legislação eleitoral, o Ministério Público tem atribuições próprias e inerentes à Instituição. Assim, em todas as atividades da Justiça Eleitoral (cujas principais funções foram relacionadas acima) em que haja violação da lei, decretos e atos emanados dos poderes públicos, ou cujos legítimos interesses forem prejudicados, sem falar na perpetração de crimes, aí estará sempre presente o Ministério Público para as providências legais cabíveis, acionando, se necessário, o mecanismo judiciário eleitoral (ou até mesmo outro juízo ou tribunal, se for o caso), no desempenho da sua nobre missão." [41]

Também já há vasto entendimento jurisprudencial pela ampla legitimidade do Ministério Público Eleitoral. Eis exemplo oriundo do Tribunal Superior Eleitoral:

"Agravo de instrumento. Decisão que negou seguimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público Eleitoral sob o fundamento de ausência de legitimidade. Entendimento que se encontra superado. Essa Corte admite ampla legitimidade ao Ministério Público para recorrer no processo eleitoral. Precedentes. Agravo provido".(ac. nº 12.454-AM, j. 6.12.1994, rel. Min. Torquato Jardim, DJU 10.2.1995, p. 1949).

Questões que inegavelmente despontam, sobre o Ministério Público Eleitoral, são a forma de investidura e o período de exercício da função. Devido à inexistência do tratamento institucional-constitucional, se têm visto certos equívocos na forma de escolha do membro a oficiar perante os Juízes e Tribunais eleitorais, bem como na estruturação do ofício eleitoral.

Em relação à forma de escolha e nomeação, pensamos que deveriam ser criados cargos fixos de Promotor Eleitoral e Procurador Regional Eleitoral, eliminando qualquer forma de nomeação por rodízio [42] ou mandato, como se função comissionada fosse, devendo a designação se basear em critérios previamente determinados, sendo eles eminentemente técnicos e profissionais. Contudo, não vemos outra causa para a utilização destas equivocadas formas de designação que não sejam aquelas que estão dispostas nos arts. 50, inciso VI, e 70, da Lei n°. 8.625/93. Deve ser creditado ao legislador de 1993 um possível mau funcionamento do Ministério Público Eleitoral, a partir do momento em que ele tratou a função como se fosse uma gratificação, uma missão que só pudesse ser bem realizada com uma compensação pecuniária. Como não se poderia deixar de registrar, argumentação idêntica deve ser aplicada aos juízes eleitorais, em vistas da total equiparação das carreiras.

Por outro lado, em relação à estruturação do Ministério Público Eleitoral, fazemos nossas as palavras do professor gaúcho Joel José Cândido. Pelo princípio da federalização, elas bem cabem ao Ministério Público Federal, embora sejam diretamente ligadas aos Ministérios Públicos dos Estados: "Já é tempo de o Ministério Público Estadual se organizar e se preparar para atuar em Direito Eleitoral. As leis orgânicas estaduais devem dotar a Instituição de órgão administrativo adequado, com cargos criados para o exercício da atividade eleitoral. Um elenco mínimo de atribuições desse órgão, cuja finalidade deverá ser a de preparar o quadro funcional para o exercício das funções eleitorais, deve ficar bem definido, como já vem ocorrendo com as Fundações, Interesses Difusos, Defesa Comunitária, Criança e Adolescência, Proteção ao Meio Ambiente, etc." [43]

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Sobre o autor
Victor Roberto Corrêa de Souza

Servidor Público Federal na Procuradoria Regional da República - 5ª Região – em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Victor Roberto Corrêa. Ministério Público:: questões polêmicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4866. Acesso em: 22 dez. 2024.

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