Uma premissa axiológica: admitir-se a coerção política em busca de pretensas utopias igualitárias é o atalho mais próximo para a injustiça, praticada a si mesmo, em nome das mais elevadas intenções.
A denominada coerção política justifica-se, segundo uma ideia que se pretende expor, não no sentido comum de opressão. Sim, ao sentido reverso de uma autonomia mais próxima à “liberdade individualista” (MERQUIOR, 2014, p. 49). Assim, a “liberdade como realização e conquistas pessoais, construída com base em uma ampla privacidade [...]” (MERQUIOR, 2014, p. 49).
De um ponto de vista mais alto, no entanto, mas ainda nessa toada, o Estado só se faz crível como um meio para que o homem realize sua “felicidade social, é um sistema para conseguira a paz e a prosperidade. O Estado tem fins, não é um fim” (AZAMBUJA, 2011, p.145).
Ponto nevrálgico é que felicidades são muitas (à moda de Guimarães Rosa).
Porquanto, a limitação da autonomia somente pode se justificar, axiomaticamente, por meio de um preceito jurídico. Pretendendo-se, nesse sentido, ter-se um distanciamento estratégico sobre o ponto de vista acima exposto. Considerando que vozes discordantes da moral defendida alhures, pousem seus olhos sobre as presentes linhas.
E se assim o for, não sendo feita a consideração acima, poucos destes dissidentes a meu modo de pensar irão continuar a leitura, por respeito a uma opinião contrária à sua.
Ao se propor uma suspensão de juízo sobre os argumentos lançados, quer se apontar para as razões de se poder argumentar, não pelas razões que fundamentam o argumento lançado (que podem até ser superadas, por outras razões mais apropriadas ao momento social historicamente vivido); mas, mais pelo direito de se argumentar, de um modo juridicamente válido.
Alça de mira apontada para a construção de uma justificativa, a partir de um ponto cego, à respeito das discordâncias e concordâncias, com a premissa axiológica acima exposta.
Caso contrário, o caminho teria de ser diverso. Discussão encerrada. As pretensões deônticas dessa proposta axiológica sustentam-se por si mesmas, de modo a se constituir em uma norma de comando obrigatório, a partir da pureza lógica ou justiça absoluta de suas razões.
No entanto, a premissa axiológica se converte em uma premissa axiomática, por conta da sofisticação de seus argumentos? Tal lei moral, por sua importância (sofisticação argumentativa...) deverá ser considerada Direito?
Nesse passo, a estrutura normativa validamente nominada de Direito, pressupõe uma ordem de constrangimento eficaz.
Doutrinariamente e pragmaticamente sabe-se que é impossível que todas as normas sejam sempre eficazes, no entanto, “no conjunto, os membros de uma coletividade humana devem se comportar de acordo com o direito” (TROPER, 2008, p. 64).
Ao revés, qualquer produto do intelecto humano com caráter disciplinador se fará apto a ter poder normativo social. Ocorre que “não existe, portanto, nenhum motivo para tratar o produto da atividade dos internos do hospital psiquiátrico como direito” (TROPER, 2008, P. 64).
Este primeiro filtro, desse modo, afasta o caráter disciplinador difuso, em cada arroubo de jactância, que ou um ou alguns possam ter.
De outro giro, uma ponderação se apresenta, suplantando o filtro argumentativo inicial. Quando a pretensão disciplinadora provém de um grupo social expressivo, que se propõe a sustentar uma moral diversa da moral institucionalizada.
Assim, concebe-se um sistema de comandos normativos, emanados de uma organização criminosa (no sentido de uma organização afastada do sistema institucionalizado de normas). Tais preceitos normativos prestam-se, para aquele grupo, como um conjunto de prescrições válidas e amplamente aceitas.
Aqui, tal situação hipotética supera o filtro argumentativo inicial, na medida em que o conjunto sistemático de normas proposto pela organização criminosa se constitui em uma ordem de constrangimento eficaz.
No entanto, mesmo na hipótese acima aventada, ainda sim, tal sistema normativo não poderia ser nominado de Direito. Mesmo que se apontasse a existência de uma norma hipotética fundamental, emanada do líder máximo dessa organização.
Antes que se pense na existência de dois sistemas normativos válidos, apesar de eficazes, em algum aspecto; um elemento deve ser considerado, a fim de se poder justificar a precedência do sistema normativo institucionalizado.
Desse modo, o Direito (sistema normativo institucionalizado) se constitui em um pacto caracterizado pela existência das chamadas “normas de reconhecimento”, correspondente a “uma prática social verificada pela ciência do Direito” (TROPER, 2008, p. 66).
Assim, as chamadas normas de reconhecimento tratam-se de normas secundárias que conferem poderes enunciados, por exemplo, por um ato do parlamento.
Ao se examinar, de forma mais próxima, as normas que conferem poderes de organização e prerrogativas de ação, verifica-se que estas têm fundamento, tão somente, nas disposições Constitucionais, primeiramente, e são derivados de preceitos legais correspondentes, secundariamente.
Desse modo, se “o ato legislativo, que subjetivamente tem o sentido de dever-ser, tem também objetivamente este sentido, quer dizer, tem o sentido de uma norma válida, é porque a Constituição empresta ao ato legislativo este sentido objetivo” (KELSEN, 1997, p. 09).
Portanto, afora ao Direito, qualquer ordem normativa, pretendendo uma acepção axiológica diversa da dos comandos normativos, poderá vicejar, mas não fora da ambiência jurídica, ao se pressupor um Estado Constitucional de Direito.
A normalidade institucional, ao evidenciar esse paradigma Estatal, pressupõe a luta política, que na ambiência das massas (bem ao estilo de José Ortega y Gasset), é o instrumento balizador da alteração da ordem jurídica, segundo valores próprios daquela sociedade. Valores esses, que se mostram muitas vezes cambiantes. Reflexo dos interesses que se contrapõem em ambiente de escassez moderada (já que se pressupõe um Estado em tempo de paz).
Assim, a ação política, a partir da normalidade institucional, deve se dar dentro de parâmetros normados pelo Direito, que asseguram instrumentos democráticos para sua expressão.
No mais, querer “que o direito reja as relações entre seres que previamente não vivem em efetiva sociedade, parece-me – perdoe-se-me a insolência – ter uma ideia muito confusa do que é o direito” (ORTEGA Y GASSET, 2013, p. 18).
Desse modo, a axiologia pretendida poderá ser adotada pelo Estado, quando vencedora a ambição política de seus partidários, nas arenas legislativas. Sua validade e consequente eficácia deve seguir o figurino constitucional,pois.
Afora isso, tem-se um esgarçamento da Ordem jurídica institucionalizada, e o poder da caneta perde seu efeito para o poder das baionetas.
A partir daí, a justiça dos argumentos ou uma maior densidade argumentativa de uma opinião perde totalmente a importância.
Ao revés, já se disse que a democracia não mais representa o poder de devolver a morte, mas de promover a vida. Esperemos que seja verdade, indeed!
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 2ª ed. 1ª reimp. São Paulo: Editora Globo, 2011.
KESEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
ORTEGA Y GASSET. José. A Rebelião das Massas. Ruriak Ink, 2013.
MERQUIOR, José Guilherme. O Liberalismo Antigo e Moderno. 3ª ed. São Paulo: É Editora, 2014.
TROPER, Michel. A Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008.