Ataques a hospitais na Síria e os crimes de guerra

03/05/2016 às 13:42
Leia nesta página:

O presente texto tem o objetivo de analisar os atentados sofridos em hospitais na Síria a luz da Convenção de Genebra sobre proteção de pessoas civis em guerras e outras legislações.

No último dia, 29 de abril de 2016,  o Exército do governo sírio promoveu o ataque a um hospital na cidade de Alepo, cidade que é dominada pelos grupos que exigem a saída de Bashar al-Assad do governo daquele Estado.

Tal conduta se deu contra este prédio em que funcionava um hospital mantido pela OnG Médicos Sem Fronteiras,  que atuam em países em conflito para a salvaguarda das pessoas que são feridas nestes conflitos.

No ataque morreram mais de dez pessoas, de várias idades, nacionalidades e situações, dentre estes que morreram alguns eram funcionários e voluntários daquela OnG que tão relevante serviço presta à humanidade.

Com este ataque, o Exército sírio acaba por promover atos em contrário a Convenção de Genebra sobre proteção de pessoas civis em tempo guerra, de 1949, que descreve serem os hospitais locais que não podem sofrer ataques, como se vê pela leitura do artigo abaixo transcrito:

Artigo 18.º
Os hospitais civis organizados para cuidar dos feridos, doentes, enfermos e parturientes não poderão, em qualquer circunstância, ser alvo de ataques; serão sempre respeitados e protegidos pelas Partes no conflito.
Os Estados que são partes num conflito deverão entregar a todos os hospitais civis um documento atestando a sua qualidade de hospital civil e provando que os edifícios que ocupa, não são utilizados para outros fins que, em conformidade com o artigo 19.º, poderiam privá-los de proteção.
Os hospitais civis serão assinalados, se para tal estiverem autorizados pelo Estado, por meio do emblema estipulado no artigo 38.º da Convenção de Genebra para melhorar a situação dos feridos e doentes das forças armadas em campanha, de 12 de Agosto de 1949.
As Partes no conflito tomarão, tanto quanto as exigências militares o permitam, as medidas necessárias para tornar facilmente visíveis às forças inimigas, terrestres, aéreas e navais, os emblemas distintivos que assinalem os hospitais civis, a fim de afastar a possibilidade de qualquer acção agressiva.
Em vista dos perigos que pode apresentar para os hospitais a proximidade de objetivos militares, recomenda-se que os mesmo fiquem tão afastadas quanto possível dos referidos objetivos.

Assim, houve a ofensa à norma de proteção aos civis em tempo de guerra, sendo que outras normas também foram feridas. O Protocolo Adicional à Convenção de Genebra que trata da proteção das vítimas de conflitos armados não internacionais, também chamado de Protocolo II, de 1977, descreve no seu Artigo 11 a necessidade de proteção às unidades de saúde com a finalidade de permitir o cuidado dos feridos e do atendimento dos civis que estejam na área do conflito.  No mesmo turno, o Art.18 do mesmo Protocolo Adicional descreve a participação das sociedades internacionais de socorro como importante ação humanitária no atendimentos do feridos, podendo estas coletividades internacionais atuarem diretamente nas áreas de conflito armado para a salvaguarda e cuidado dos civis e não civis.

Conteúdo análogo também é descrito no Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais, chamado de Protocolo I, também do ano de 1977, mas abordando as guerras internacionais, o que não é o caso da guerra da Síria.

Mas o que importa no caso é que esta conduta se amolda nestas legislações como crimes de guerra, permitindo a condenação dos Estados por crimes de guerra, bem como descrevendo a conduta dos realizadores do ataque como criminosos de guerra, importando a estes a promoção da lei penal internacional.

Não é diferente a posição descrita no Art. 8, b, iii do Estatuto de Roma, que também descreve estas condutas como crimes de guerra, importando somente a punição daqueles que promoveram e determinaram tais ataques e não se referindo as ações dos Estados.

Assim, a legislação é vasta de instrumentos para a punição daqueles que cometeram tais delitos, seja para punir aos realizadores dos atos, ou seja para a punidos Estados que cometeram tais crimes, mas é de se duvidar que tais atos sejam punidos na esfera internacional, pois para punir os Estados sobre o tema já que processo a ser realizado na Corte Internacional de Justiça, necessita de prévia aprovação do Conselho de Segurança da ONU. Só para registrar que a Rússia apoia o governo sírio e os EUA apoiam os beligerantes. Ainda para registrar que os EUA ainda neste último ano também já promoveu a realização de um ataque a um hospital no Afeganistão.

Já para a aplicação das penalidades àqueles que cometeram tais atrocidades,  mais fáceis são as aplicações da lei internacional penal, mas temos que lembrar que esta norma se aplica somente no caso do país donde são os criminosos não promover as devidas providências de realização da jurisdição sobre tais condutas. Aplica-se ao caso o princípio da complementaridade, pelo qual somente será exercida jurisdição no caso de manifesta incapacidade ou falta de disposição de um sistema judiciário nacional para exercer sua jurisdição sobre o tema.


Assim, fica a pergunta: será que os responsáveis serão punidos? Ou vamos esquecer estas atrocidades como todas as demais que já foram colocadas debaixo do tapete? Estas são perguntas que não querem calar.

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Sobre o autor
Walter Gustavo Lemos

Advogado, formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1999), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2015) e mestrado em Direito Internacional - Universidad Autonoma de Asuncion (2009). Doutor em Direito Público pela UNESA /RJ (2020). Pós-doutorando em Direitos humanos pela Universidad de Salamanca. Atualmente é professor da FARO - Faculdade de Rondônia. Ex-Secretário-Geral Adjunto e Ex-Ouvidor da OAB/RO. OAB/GO 18814, OAB/RO 655A

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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