ITCD – PRAZO DECADENCIAL
Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
Essa questão aqui em nosso Estado de Minas Gerais é polêmica, visto que a norma regulatória como veremos, afronta as disposições constitucionais que disciplinam o ITCD.
Trata-se aqui da extinção do crédito tributário em face do decurso de prazo.
Temos que a decadência extingue a obrigação tributária e, em consequência, excluído estará o crédito tributário. Na prescrição, extinto estará o crédito tributário e, em consequência, também a obrigação tributária.
A controvérsia se instala ao entenderem alguns que o prazo deveria ser contado a partir do fato gerador, seguindo o que reza o artigo 150 do Código Tributário Nacional (CTN). Outros, por sua vez, aplicam o artigo 173. Tal dispositivo estabelece que o período de decadência começa a correr a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que a autuação fiscal poderia ter sido efetuada, ou seja, do conhecimento do fato gerador pelo Fisco.
Para muitos juristas e julgadores o prazo deveria ser contado a partir do fato gerador e, nesse caso, considera-se como fato gerador a “primeira e inédita notícia”, ou seja, a entrega efetiva do Imposto de Renda à Receita Federal.
O fato gerador do ITCD é a transmissão de propriedade de quaisquer bens, ou direitos, que poderá ocorrer em função do falecimento do titular, a chamada transmissão causa mortis, ou mera cessão gratuita, cognominada doação.
Analisando essa questão, o articulista José Carlos Rodrigues Marques, em artigo intitulado “Prazo decadencial: Legislação mineira sobre o ITCD afronta o CTN”, publicado no Jus Navigandi (www.jus.com.br), aduz o seguinte:
“No caso em análise a legislação mineira, mais especificamente a Lei Estadual nº 14.941/03, em seu art. 9º, instituiu como modalidade de lançamento para o ITCD o lançamento por homologação, observe o disposto:”
"Art. 9º O valor venal do bem ou direito transmitido será declarado pelo contribuinte, ficando sujeito a homologação pela Fazenda Estadual, mediante procedimento de avaliação."
“Ao contrário da legislação anterior (Lei nº 14.941, de 29/12/2003), na qual o ITCD era por declaração, na legislação hodierna ele passou a ser um tributo lançado por homologação, e não foi simplesmente pelo fato de se inserir no comando legal a expressão "sujeito a homologação", não é isso que faz um tributo ser enquadrado no lançamento por homologação, deverá ele apresentar as características daquela modalidade de lançamento, que são: o sujeito passivo recolhe o tributo antecipadamente, não há prévio exame da autoridade administrativa, a autoridade faz a homologação posterior, e essas características encontram-se presentes no diploma legal vigente.”
“Ratificando o que foi dito, ao regulamentar a Lei Estadual nº 14.941/03, o Decreto Estadual nº 43.981/05, estipula como modalidade de lançamento do ITCD a modalidade por homologação ao exigir que a declaração seja apresentada ao Fisco juntamente com o comprovante de pagamento do imposto, que será levado a efeito sem o prévio conhecimento do Fisco, observe o dispositivo:”
"Art. 15. O valor venal do bem ou direito transmitido será declarado pelo contribuinte, nos termos do art. 31, sujeito à concordância da Fazenda Estadual.
(...)
Art. 31. O contribuinte apresentará à AF, até o vencimento do prazo para pagamento do imposto previsto na Seção I do Capítulo VIII, Declaração de Bens e Direitos, em modelo disponível no endereço eletrônico da Secretaria de Estado de Fazenda na internet (www.fazenda.mg.gov.br), contendo a totalidade dos bens e direitos transmitidos, atribuindo individualmente os respectivos valores, acompanhada dos seguintes documentos
(...)
III - comprovante do pagamento do ITCD"
Temos no artigo supracitado (art. 15) que o valor será declarado pelo contribuinte, devendo ele apresentar os documentos previstos no art. 31, dentre eles o comprovante de pagamento do ITCD, logo, ele é um tributo sujeito ao lançamento por homologação, pois exige do contribuinte o comprovante de pagamento antecipado do imposto, sem prévio conhecimento do Fisco, sendo homologado posteriormente (art. 41-A, do Decreto Estadual nº 43.981/05), in verbis:
"Art. 41-A. A homologação do lançamento do ITCD será efetivada pela autoridade fiscal no prazo previsto no § 7º do art. 31."
“5 - Entendimento do Fisco mineiro sobre a decadência no ITCD”
“Este é sem dúvida o tema de maior tormenta para os operadores do ITCD e para os advogados que militam junto ao Fisco mineiro, pois o entendimento da Administração respaldado por farta jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem gerado controvérsias insolúveis, ferindo de morte princípios basilares do direito tributário.”
“Ao regulamentar a Lei Estadual nº 14.941/03, o Decreto Estadual nº 43.981/05, inovou ao eleger como marco inicial da contagem do prazo decadencial o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o Fisco teve conhecimento das informações obtidas na declaração do contribuinte ou na informação disponibilizada ao Fisco, inclusive no processo judicial, observe o dispositivo:”
"Art. 41. São indispensáveis ao lançamento do ITCD:
I - a entrega da declaração de que trata o art. 31, ainda que intempestivamente;
II - o conhecimento, pela autoridade administrativa, das informações relativas à caracterização do fato gerador do imposto, necessárias à lavratura do ato administrativo, inclusive no curso de processo judicial.
Parágrafo único. O prazo para a extinção do direito de a Fazenda Pública formalizar o crédito tributário é de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado com base nas informações relativas à caracterização do fato gerador do imposto, necessárias à lavratura do ato administrativo, obtidas na declaração do contribuinte ou na informação disponibilizada ao Fisco, inclusive no processo judicial."
“Posteriormente, o Fisco editou uma orientação aos operadores do ITCD, trata-se da Orientação DOLT/SUTRI Nº 002/2006, atualizada em 10/11/10, nela o Fisco ratifica o disposto no art. 41, do Dec. Estadual nº 43.981/05, in verbis:”
"Cabe destacar que, em determinadas hipóteses, o direito à constituição do crédito tributário pode não ter decaído em virtude de algum impedimento ao exercício deste direito, tal como nos processos que correm em segredo de justiça, quando o Fisco requer a informação e se dá o indeferimento pela autoridade judiciária.
A partir de 04 de março de 2005, em razão do mencionado parágrafo único do art. 41, o prazo decadencial passou a ter como termo inicial o primeiro dia do exercício seguinte ao conhecimento, pela autoridade administrativa, das informações relativas à caracterização do fato gerador.
Saliente-se, também, que a partir de 1º de janeiro de 2006, a Lei nº 15.958/05 previu expressamente a obrigação de o contribuinte antecipar-se e recolher o imposto, ficando sujeito a posterior homologação pelo Fisco, que deverá ocorrer em 5 (cinco) anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que se deu a apresentação da Declaração de Bens e Direitos pelo contribuinte. (art. 17, § 3º, da Lei nº 14.941/03).
Caso o contribuinte não cumpra a obrigação de pagar o imposto, o prazo para o Fisco lançar será também de 5 (cinco) anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que se deu a apresentação da Declaração de Bens e Direitos, ou do momento em que o Fisco teve acesso às informações necessárias à lavratura do ato administrativo de lançamento, inclusive por meio do processo de inventário. (grifei).”
“O Entendimento adotado pelo Fisco Mineiro despreza um dos elementos axiológicos de maior importância em todo o ordenamento jurídico, qual seja, a segurança jurídica, pois aquele entendimento permite que uma relação jurídica se perpetue no tempo ad eternum.”
“A prevalecer esse entendimento, teremos situações absurdas, como a cobrança de tributo de fato gerador ocorrido na presente data, que poderá ser objeto de exação depois de decorridos dez, vinte, trinta anos, uma vez que a contagem do prazo decadencial somente se iniciaria com a apresentação da Declaração de Bens e Direito ao Fisco.”
“6 - Jurisprudência do TJMG sobre a decadência no ITCD”
“O entendimento exarado nas decisões do TJMG corrobora o entendimento firmado pela Fazenda Pública, sendo sedimentado na Corte Mineira que o prazo decadencial somente tem início com o conhecimento da Fazenda Pública, nesse sentido:”
Ementa:AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ITCD. LANÇAMENTO. DECADÊNCIA. Conforme o disposto pelo Código Tributário Nacional, art. 173, inc. I, o termo inicial para a contagem do prazo decadencial é o 1º. dia do exercício seguinte àquele em que poderia ter sido efetuado. No caso do ITCD, o exercício financeiro de referência é aquele em que o Fisco Estadual tomou conhecimento da ocorrência do fato gerador do imposto, seja pela declaração do contribuinte ou pelo acesso às informações contidas em processo judicial de sucessão (art. 31 c/c art. 41 do Decreto Estadual n. 43.981/2005). (Relator Desembargadora MARIA ELZA, Processo nº. 1.0295.02.001219-7/001(1), data da publicação 18/12/2008).
Ementa:AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - REMOÇÃO DE INVENTARIANTE DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE - DIREITO DE DEFESA PRÉVIA - NECESSIDADE - INOBSERVÂNCIA - NULIDADE - ITCD - PROVA INEQUÍVOCA DE REALIZAÇÃO DE INVENTÁRIO ANTERIOR DOS MESMOS BENS E COM OS MESMOS HERDEIROS - AUSÊNCIA - DECADÊNCIA - INOCORRÊNCIA - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1 - A destituição do encargo de inventariante pode ser determinada de ofício pelo magistrado, desde que conferido ao interessado o prévio exercício do direito de defesa, sob pena de nulidade da decisão. 2 - A ausência de demonstração de que a Fazenda Pública tinha conhecimento inequívoco de todos os elementos necessários à realização do lançamento do ITCD impossibilita o reconhecimento da decadência para a constituição do crédito tributário. (Relator Desembargadora SANDRA FONSECA, Processo nº 1.0479.03.059052-1/001(1), data da publicação 03/09/2010)”.
E o citado articulista finaliza seu abalizado posicionamento sobre esse tema:
“Resta imperioso concluir que o entendimento adotado pela Fazenda Pública e pelo Poder judiciário mineiro sobre o termo inicial do lustro decadencial não encontra guarida no STJ e fere de morte elementos axiológicos tão caros ao Direito, como é o caso da segurança jurídica, pois permite que as relações jurídicas perpetuem ad eternum, tendo o contribuinte sobre sua cabeça a "espada de Dâmocles" por tempo indeterminado”.
“A persistir aquele entendimento, poderíamos ousar dizer que não existiria a decadência, pelos menos não nos casos do ITCD, o que me parece ferir direitos fundamentais, pois permitiria o Estado invadir o patrimônio privado das pessoas a qualquer tempo, por fatos ocorridos há dez, vinte, trinta anos. Portanto, penso não ser esse o melhor entendimento, estando a Fazenda Pública mineira equivocada ao adotar esse posicionamento”.
STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 577899 PR 2003/0157152-8 (STJ)
Data de publicação: 21/05/2008
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE AFASTADA. TRIBUTÁRIO. ITCMD. DECADÊNCIA. DECRETAÇÃO. APELO PROVIDO. 1. Apenas o embargante foi intimado do resultado dos aclaratórios opostos na origem, assim, o recurso especial não pode ser considerado prematuro, já que a recorrente, ora agravante, não foi intimada para que pudesse ratificar as razões que já havia apresentado. Intempestividade afastada. 2. Independentemente da forma do lançamento à qual o tributo esteja submetido, transcorridos quatorze anos desde o fato gerador sem que tenha havido sua constituição , é de se reconhecer a decadência do direito da Fazenda Pública. 3. A circunstância de o fato gerador ser ou não do conhecimento da Administração Tributária não foi erigida como março inicial do prazo decadencial, nos termos do que preceitua o Código Tributário Nacional, não cabendo ao intérprete assim estabelecer. 4. O fato de o Juiz do processo do inventário haver procedido à partilha dos bens sem exigir a prévia comprovação do pagamento do imposto não pode alterar o prazo decadencial, que não se suspende nem se interrompe. 5. A multa aplicada ao recorrente em decorrência dos embargos declaratórios opostos na origem deve ser afastada, nos termos da Súmula 98/STJ. 6. Sendo possível dar provimento ao recurso especial sem analisar a suposta violação do art. 535 do CPC , resta essa prejudicada. 7. Agravo regimental provido. (grifos da transcrição).
A Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo entendeu que o prazo de cinco anos para a cobrança de débitos do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) – período decadencial – deve ser contado a partir da data da doação. A decisão, a primeira da mais alta instância da esfera administrativa paulista, foi dada em recurso de um contribuinte pessoa física.
Para a fiscalização, o prazo deve ser contado após o momento em que tomou conhecimento da doação, por meio da declaração do Imposto de Renda (IR), o que aumentaria o período para cobrança.
Ao analisar um caso referente à decadência da cobrança de ITCMD por doação de imóvel, a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgou que o prazo deve ser contado a partir do momento em que a Fazenda tomou conhecimento da doação – a declaração de IR. A decisão foi unânime.
Pelo visto, o Fisco Estadual com base em Decreto Regulamentador (Decreto Estadual nº 43.981/05) ao eleger como marco inicial da contagem do prazo decadencial o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o Fisco teve conhecimento das informações obtidas na declaração do contribuinte ou na informação disponibilizada ao Fisco, afronta os preceitos constitucionais, aqui ventilados.
Assim, a exigência estadual é flagrantemente inconstitucional, pois o Fisco, por outro lado, dispõe de outros meios para apurar o fato gerador que não a pretendida notificação à Fazenda.
A nosso ver inexiste qualquer obrigação acessória de declarar ao fisco estadual a doação, e se eventualmente existir, fere notadamente o ordenamento jurídico.
Com base no exposto, cabe ao contribuinte aviar recurso administrativo e ainda provocar o judiciário no sentido de arguir a inconstitucionalidade da exigência fiscal apontada, já reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ, em inúmeros julgados.