Este artigo jurídico tem como escopo fazer uma análise acerca da possibilidade ou não de órgãos públicos instalarem sistemas de gravação de conversa telefônica em seus canais de comunicação, sem que haja qualquer informação quanto à gravação para o intercolutor.
Para isso, de forma inicial, faz-se necessário discorrer sobre o direito fundamental à intimidade.
De acordo com o art. 5.º, X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Intimidade, derivada do latim, intimus, cuja procedência é do advérbio intus. Tem o sentido de interior, intimo, oculto, do que está nas entranhas. Traz uma idéia de segredo, confiança. Pode-se asseverar, desta forma, que intimidade tem um sentido subjetivo, pois traz consigo a idéia de confidencial. Já o conceito de privacidade é mais amplo que o de intimidade, englobando tudo que não se quer que seja do conhecimento geral. Do latim, privatus, significa privado, particular, próprio.
Assim, vida privada é o aspecto mais recôndito do ser. É aquilo que diz respeito ao seu titular e mais ninguém, ou seja, a vida privada são os valores relativos à intimidade e segredo.
Com relação ao segredo, são aquelas informações que pertencem ao titular, mas, eventualmente, precisam ser compartilhadas em nome do interesse público. Diferentemente do segredo, a intimidade trata dos dados e informações que o titular somente compartilha com quem ele mesmo queira.
Alguns diplomas internacionais são relevantes para o direito à intimidade e à vida privada, tais como: a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, foi a primeira declaração internacional de direitos que expressamente menciona o direito à intimidade e à vida privada; também data de 1948 a Declaração Universal de Direitos do Homem, que tutela referidos direitos em seu artigo 12; a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, assinada em 1950 e começou a vigorar em 1953; o Pacto Internacional de direitos civis e políticos, de 1966; o Pacto de San José da Costa Rica, de 1970 e; a Convenção de Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais da Comunidade dos Estados Independentes de 1995.
A Constituição da República, buscando tutelar esses direitos, também prevê, no artigo 5º, XII, que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Do dispositivo legal, compreende-se, com relação ao sigilo de correspondência que, como regra, ele é inviolável, salvo nas hipóteses de decretação de estado de defesa e de sítio, que poderá ser restringido (arts. 136, § 1.º, I, “b”, e 139, III). Podemos observar, também, que esse direito não é absoluto e poderia, de acordo com a circunstância do caso concreto, ser afastado, por exemplo, na interceptação de uma carta enviada por sequestradores. A suposta prova ilícita convalida-se em razão do exercício da legítima defesa.
O sigilo das comunicações telegráficas também é inviolável, salvo nas hipóteses de decretação de estado de defesa e de sítio, que poderá ser restringido (arts. 136, § 1.º, I, “c”, e 139, III).
Com relação ao sigilo das comunicações telefônicas, a quebra será permitida nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Assim, o procedimento deverá seguir as regras traçadas pela Lei n. 9.296/96, sob pena de constituir prova obtida por meio ilícito (art. 5.º, LVI).
Nesse aspecto, algumas considerações devem ser feitas. Inicialmente, uma interpretação puramente literal do art. 5º, XII levaria à conclusão de que apenas o sigilo das comunicações telefônicas é que poderia ser quebrado, sendo os demais sigilos absolutos. Trata-se de grande equívoco, na medida em que inexiste sigilo absoluto. Os sigilos de comunicação telegráfica, de dados e de comunicações telefônicas podem ser excepcionalmente violados, com base no princípio da razoabilidade, proporcionalidade e convivência das liberdades públicas. Assim, no que se refere à interceptação telefônica, a Constituição Federal, no referido artigo, permite a sua realização, uma vez presentes os seguintes requisitos: ordem judicial; nos casos e na forma que a lei estabelecer (lei regulamentadora); para fins de investigação criminal ou processo judicial.
Nesse tema, alguns conceitos são importantes:
- Interceptação telefônica (em sentido estrito) É a captação de conversa telefônica feita por um terceiro sem conhecimento dos interlocutores.
- Escuta telefônica É a captação de conversa telefônica feita por terceiro com o conhecimento de um dos interlocutores.
- Gravação telefônica ou gravação clandestina (no sentido de oculta) É a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Neste caso, não existe a figura do terceiro.
Entendem o STJ e o STF que só se submetem à Lei nº 9.296/96 a interceptação e a escuta telefônicas. Portanto, a mera gravação telefônica, como é o caso em apreço, não será regulada pela referida lei. Assim, no caso de gravação telefônica (em que não há terceiro), não é necessária a autorização judicial. No entanto, ela poderá consistir em práticas ilícitas se violarem a intimidade do interlocutor que não tem conhecimento dos mesmos, por violação ao art. 5º, X da CF.
Portanto, não há ilegalidade na instalação de aparelhos que gravem as conversas telefônicas, no entanto, necessariamente deve ter a MENSAGEM ELETRÔNICA informando o interlocutor de que a conversa está sendo gravada, sob pena de violação à intimidade e vida privada da pessoa.
Isso ocorre porque, no caso da gravação das conversas telefônicas ora em análise, NÃO se aplica a TEORIA DO RISCO. Conforme essa teoria, adotada no primordialmente no Direito Penal, mas plenamente aplicável nos demais ramos do Direito, na medida em que conversas são feitas em ambiente público, ou feitas com inteira consciencia do agente, o sujeito de direito renuncia à proteção de sua intimidade ou vida privada, razão pela qual os elementos produzidos serão considerados válidos.
Essa teoria procura dar validade à prova obtida mediante violação ao direito à intimidade, com a utilização de escutas ou interceptações ambientais, ou gravações telefônicas com expressa consciência do interlocutor. A pessoa que, espontaneamente, faz revelações a respeito de algum tema, assume o risco quanto à documentação do fato por um terceiro.
Desse modo, se a conversa não era reservada, não se deu em ambiente privado, ou tinha mensagem eletrônica informando a sua gravação, nenhum problema haverá se a captação for feita. Por outro lado, se a conversa era reservada, ou se deu em ambiente privado, SEM CONSCIENCIA DA GRAVAÇÃO TELEFÔNICA PELO AGENTE, esse fato será ilícito, por ofensa ao direito à intimidade.
No caso em apreço, a conversa telefônica configura-se como reservada, ainda que esteja acontecendo em canal público, vinculado a órgão público. Esse caráter “reservado” se esvai a partir do momento em que o agente tem conhecimento da gravação, através de mensagem que o deixe informado desse fato.
À guisa de conclusão, para que a gravação telefônica seja válida, é necessário o pleno conhecimento desse fato pelo interlocutor, NO INÍCIO DO DIÁLOGO, sob pena de grave afronta ao direito de intimidade, expressamente assegurado pela Carta da República no art. 5º, XII.
Nesse diapasão, conclui-se o que segue: a) para que a gravação telefônica seja realizada de forma lícita, é necessário o pleno conhecimento desse fato pelo interlocutor; b) esse conhecimento, apesar da omissão infra-legal, decorre dos preceitos constitucionais estabelecidos no art. 5º, X, da Constituição Federal; c) essa comunicação de gravação poderá ser feita de qualquer forma, desde que inequívoca e no início da ligação.