O FIM DO MONOPÓLIO DOS CORREIOS E O POSTALIS
Rogério Tadeu Romano
O presidente interino, Michel Temer, já começa a se preparar para vender participações da União em estatais e em várias empresas privadas. Para fazer caixa e incrementar o ajuste fiscal, a equipe de Temer trabalha com uma lista na qual se destacam, entre outros, a abertura de capital dos Correios e da Casa da Moeda e a venda de fatias do governo federal em até 230 empresas do setor elétrico, sendo 179 Sociedades de Propósito Específico (SPEs) nas mãos da Eletrobras.
No caso dos Correios, será necessária a aprovação do Congresso de um novo modelo legal. Noticia-se que o primeiro passo é reestruturar o plano de negócios da empresa, que teve prejuízo de R$ 2,1 bilhões em 2015. Uma das ideias é dividir as áreas em unidades, como logística e encomendas, por exemplo, que poderão ser transferidas integralmente ao setor privado.
Os Correios ainda detêm o monopólio das cartas, prerrogativa que não faz sentido em um mundo cada vez mais digital. Desde 2011, a empresa vem sendo preparada para a abertura de capital, disse um ex-dirigente, citando a mudança no estatuto, com obrigatoriedade de seguir a Lei das S.A., publicar balanços e realizar assembleias de acionistas.
Ficou assentado, no julgamento da ADPF 46, no voto do Ministro Eros Grau, repetindo a lição já trazida em seu livro, “ A ordem econômica na Constituição de 1988”, 9ª edição, pág. 9, que o serviço postal é serviço público. Assim o serviço postal não se consubstancia atividade econômica em sentido estrito, a ser explorada pela empresa privada. Trata-se de serviço a ser prestado exclusivamente pela União. É, por demais citada, a lição de José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 13ª edição, pág.471) quando disse: “Além da exploração e execução de serviços públicos decorrentes de sua natureza de entidade estatal, a Constituição conferiu à União, em caráter exclusivo, a competência para explorar determinados serviços que reputou públicos, tais como: a) manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; (...)”. É ainda José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, 12ª edição, 1996, pág. 732 e seguintes) quem sustenta que o tema da atuação do Estado no domínio econômico exige prévia distinção entre serviços públicos, especialmente os de conteúdo econômico e social, e atividades econômicas. Enquanto a atividade econômica se desenvolve no regime de livre iniciativa sob a orientação de administradores privados, o serviço público, dada a sua natureza estatal, sujeita-se ao regime jurídico do direito público. Concluiu José de Afonso da Silva, ensinando que “a exploração dos serviços públicos por empresa estatal não se subordina às limitações do art. 173, que nada tem com eles, sendo certo que a empresa estatal prestadora daqueles e outros serviços públicos pode assumir formas diversas, não necessariamente sob o regime jurídico próprio das empresas privadas”, uma vez que somente por lei e não pela via contratual os serviços são outorgados às estatais(CF, artigo 37, XIX). Assim, não se aplicam às empresas públicas, às sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou paraestatais que explorem serviços públicos a restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, isto é, a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado(CF, artigo 173, § 2º). Veja-se a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho(Comentários à Constituição brasileira de 1988, volume I, 2ª edição, pág. 156) quando ensinou: “A Constituição reserva à União o transporte de cartas e encomendas e elas equiparadas, por conta de terceiros, de modo habitual”, lembrando-se que o artigo 42 da Lei n. 6538/78 define crime de violação de privilégio da União. Há, portanto, na atividade da ECT, um privilégio na prestação de serviços públicos, na exclusividade da prestação de serviços públicos. No Brasil, o serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo Decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1969, que foi recepcionado pela Constituição de 1988. Atua, assim, a ECT em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem, em situação de privilégio(privilégio postal). Ruy Barbosa(Privilégios exclusivos na jurisprudência constitucional dos Estados Unidos, in Obras Completas, volume XXXV, tomo II, Ministério da Educação e Cultura, Rio , 1963, pág. 13 e 14) afirmou a necessidade de distinguir entre o monopólio de atividade econômica(em sentido estrito) e a situação, “absolutamente diversa, nos seus elementos assim materiais como legais, de outros privilégios, que não desfalcando por modo algum o território do direito individual, confiam a indivíduos ou corporações especiais o exercício exclusivo de certas faculdades, reservadas, de seu natural, ao uso da Administração, no País, no Estado ou no Município, e por ela delegados, em troco de certas compensações, a esses concessionários privativos”. Completou Ruy Barbosa a sua lição ao dizer: “Num ou noutro caso, pois, todos esses serviços hão de ser, necessariamente, objeto de privilégios exclusivos, quer os retenha em si o governo local, quer os confie a executores por ele autorizados. De modo que são privilégios exclusivos, mas não monopólios na significação má e funesta da palavra”. Há, portanto, algo distinto da atividade econômica em sentido estrito de modo que os regimes jurídicos sob os quais são prestados os serviços públicos, como disse o Ministro Eros Grau, importam que sua prestação seja desenvolvida sob privilégios, inclusive, a exclusividade na exploração da atividade econômica em sentido amplo a que corresponde a sua prestação. Em sendo assim, natural o reconhecimento de que se está diante de uma limitação constitucional ao poder de tributar, não podendo se cobrar o IPTU da ECT. Da mesma forma, no julgamento do RE 601.392, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a Empresa de Correios e Telégrafos(ECT) não precisa pagar Imposto sobre Serviços(ISS) em atividades alheias à prestação de serviço postal. Naquele julgamento foi questionada decisão do Tribunal Regional da 4ª Região que reconheceu o direito do Município de Curitiba de tributar a ECT com o ISS nos serviços elencados no item 95 da Lista anexa ao Decreto-lei 56/187. Esses serviços abrangem cobranças e recebimentos por pessoa de protestos; devolução de títulos pagos; manutenção de títulos vencidos; fornecimento de posição de cobrança ou recebimento e outros serviços correlatos da cobrança ou recebimento. Ora, o serviço prestado pela ECT não representa uma concorrência real, colocando-se em cidades afastadas, que as empresas privadas não têm interesse em investir. A exploração de atividade econômica pela ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não importa sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira parte do artigo 173 da Constituição, uma vez que se trata de serviço público mantido pela União, uma vez que o seu orçamento é elaborado de acordo com as diretrizes fixadas pela Lei nº 4.320/64 e com as normas estabelecidas pela Lei nº 9.473/87(Lei de Diretrizes orçamentárias), previamente aprovado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento – Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais. Na linha dos privilégios que lhe são dados pela Constituição Federal, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, aplicando-se a ela o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, de forma que o artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 foi recepcionado, não incidindo para ela a restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. Isso porque, repita-se, a ECT explora um serviço monopolizado reservado exclusivamente à União. Essa impenhorabilidade de bens foi reconhecida em diversas decisões.
Por seis votos a quatro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que a Lei 6.538/78, que trata do monopólio dos Correios, foi recepcionada e está de acordo com a Constituição Federal. Com isso, cartas pessoais e comerciais, cartões-postais, correspondências agrupadas (malotes) só poderão ser transportados e entregues pela empresa pública. Por outro lado, o Plenário entendeu que as transportadoras privadas não cometem crime ao entregar outros tipos de correspondências e encomendas.
A decisão foi tomada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 46, na qual a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição reclamava o direito de as transportadoras privadas fazerem entregas de encomendas, como já acontece na prática. O objeto da ADPF era a Lei 6.538/78, principalmente o seu artigo 42, que caracteriza como crime “coletar, transportar, transmitir ou distribuir, sem observância das condições legais, objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União, ainda que pagas as tarifas postais ou de telegramas”. A punição prevista no artigo é de até dois meses de detenção ou o pagamento de multa.
Tudo indica que teremos em breve a privatização dessa atividade econômica. Para tanto, será necessário uma emenda à Constituição com posterior edição da lei na matéria.
Mas leve-se em conta a seguinte pergunta: Como ficarão os beneficiários do Postalis?
Noticia-se que após seis meses de investigação, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar(Previc) chegou à conclusão de que os diretores e conselheiros do Postalis, o fundo de pensão dos funcionários dos Correios, foram responsáveis por parte do rombo de R$5,6 bilhões no plano de benefício definido dos participantes do fundo. Afirma-se que a constatação está em dois relatórios confidenciais.
Nesses relatórios da Superintendência Nacional de Previdência Complementar aponta-se que dirigentes e conselheiros do fundo de pensão dos Correios não agiram “com zelo e ética” nos investimentos.
Afirma-se, outrossim, que entre os investimentos que levaram o fundo a apresentar esse déficit bilionário estão aplicações em títulos de bancos liquidados, como Cruzeiro do Sul e BVA e investimentos atrelados à dívida de países com problemas como a Argentina e a Venezuela.
No universo de irregulares, fala-se que os dirigentes ultrapassaram os limites das infrações administrativas para entrar na seara do crime.
O caso envolve entidade de previdência privada fechada que tem como beneficiários o pessoal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
De acordo com a PF, dois fundos de investimento criados pelo Postalis foram usados de forma fraudulenta. Como seus estatutos previam a aplicação de 85% dos recursos em títulos da dívida brasileira emitidos no exterior, esses fundos recorriam a uma corretora para comprar os títulos lá fora.
Mas, em vez de repassar os títulos que comprava no mercado de capitais nos Estados Unidos diretamente para os fundos, a corretora os vendia por um valor “superfaturado” a empresas sediadas em paraísos fiscais (offshores).
Essas offshores, por sua vez, vendiam os mesmos títulos por valores ainda maiores aos fundos do Postalis. Assim, em um período de poucos dias, a aquisição era feita por preços até 60% maiores do que o real valor dos papéis, gerando prejuízos milionários ao fundo de pensão da estatal. Observe-se que as empresas offshores que superfaturavam os valores do títulos vendidos aos fundos do Postalis eram todas ligadas aos indiciados.
Há uma gestão fraudulenta de entidade de previdência privada fato que se caracteriza como crime contra a economia popular. Há um complexo de interesses econômicos lesados uma vez que várias pessoas lá deixaram seu patrimônio objetivando usufruir direitos.
A gestão fraudulenta caracteriza-se pela ilicitude dos atos praticados pelos responsáveis pela gestão empresarial, exteriorizada por manobras ardilosas e pela prática consciente de fraudes. O Postalis, fundo de pensão, capta e administra recursos de seus associados, destinados a pagamento de benefícios previdenciários , equiparando-se, de forma induvidosa, às instituições financeiras para efeito de incidência da Lei 7.492/86, sendo irrelevante o fato de ser fechada e estar sob a fiscalização do Sistema Nacional de Seguros Privados. A esse propósito tem-se o HC 33.674/SP.
Veja-se assim a gravidade dos fatos e a necessidade premente de resguardar o patrimônio de empregados da empresa pública que poderá ser objeto de privatização.