A Intervenção de Terceiros no Código de Processo Civil de 2015

notas comparativas com a revogada disciplina de 1973

16/05/2016 às 15:40
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O presente texto objetiva traçar breves comentários sobre a disciplina conferida às intervenções de terceiro no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), em livre comparação com o revogado CPC/1973.

INTRODUÇÃO

           O presente texto objetiva traçar breves comentários sobre a disciplina conferida às intervenções de terceiro no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), em livre comparação com o revogado CPC/1973.

            A finalidade precípua deste estudo é auxiliar os profissionais jurídicos na interpretação das diversas modalidades de intervenção de terceiros, quais delas foram revogadas com o advento do CPC/15 e quais foram convertidas em procedimentos especiais de jurisdição contenciosa.

            O conteúdo apresentado não se constitui, absolutamente, em uma análise exaustiva de todas as modalidades de intervenção de terceiros; presta-se apenas como roteiro para a prática forense dos variados profissionais jurídicos, mormente Advogados. Logo, a natureza complementar deste trabalho enseja o acompanhamento dos dispositivos presentes no CPC/15, bem como o estudo doutrinário e jurisprudencial dos institutos ora apresentados.

 

1. ASSISTÊNCIA NO CPC/15

           A assistência enquanto intervenção de terceiros é disciplinada pelos artigos 119 a 124 do CPC/15. Inicialmente, explica-se que o regime dado à assistência pelo estrito regramento do CPC/1973 (artigos 50 a 54) a excluía das modalidades de intervenção de terceiros, não obstante a doutrina e a jurisprudência a incluísse. O CPC/15 corrige esse equívoco legislativo, fixando a assistência como modalidade de intervenção.

            O critério pautado no interesse jurídico do terceiro para que figure como assistente permanece no artigo 119 do CPC/15, que conceitua legalmente a assistência como modalidade de intervenção na qual “o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma [das partes] poderá intervir no processo para assisti-la”.

            O CPC/15, contemplando a doutrina processualista, divide o capítulo que trata da assistência em duas seções, para apresentar as espécies de assistência (simples e litisconsorcial). Extingue a vetusta figura jurídica do “gestor de negócios” em seu artigo 121, parágrafo único, para afirmar que “sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será considerado seu substituto processual”. Permite ademais que, embora haja a intervenção de assistente, a parte principal possa renunciar ao direito sobre o que se funda a ação (CPC/15, artigo 122), como mais uma conduta a ele deferida.

 

2. OPOSIÇÃO NO CPC/15

           Enquanto a oposição era considerada espécie de intervenção de terceiros no CPC/1973 (artigos 56 a 61), o CPC/15 transferiu sua disciplina para o tratamento conferido aos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, passando a oposição a ser regrada nos artigos 682 a 686.

            Conquanto a oposição tenha se tornado procedimento especial, tenho minhas dúvidas se foi a melhor opção do legislador processual excluí-la das modalidades de intervenção de terceiros. Explico-me: o conceito legal de oposição, disposto no artigo 56 do CPC/1973 e mantido no artigo 682 do CPC/15, é evidentemente vinculado à noção doutrinária de intervenção de terceiros. Afirmar que “quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos” é, em suma, apresentar tradicionalíssimo exemplo da intervenção de um terceiro no curso do processo.

            Inovação relevante encontra-se no artigo 685, parágrafo único do CPC/15, ao tornar obrigatória a suspensão processual caso a oposição seja suscitada após o início da audiência de instrução e julgamento (AIJ). O regime do revogado CPC/1973 (artigo 60) apresentava como faculdade do juiz a referida suspensão. Todavia, cabe ressaltar que o CPC/15 apresenta exceção à regra cogente de suspensão processual: caso o juiz conclua “que a unidade da instrução atende melhor ao princípio da duração razoável do processo”, não suspenderá o curso processual.

 

3. NOMEAÇÃO À AUTORIA NO CPC/15

           Enquanto a nomeação à autoria era modalidade de intervenção de terceiros no CPC/1973 (artigos 62 a 69), o CPC/15 passou a tratá-la como mera alegação do réu em contestação, vinculada à questão preliminar de ilegitimidade passiva (artigos 338 e 339).

            Creio que a decisão do legislador processual civil foi acertada, uma vez que a nomeação à autoria como modalidade de intervenção de terceiro era inócua durante a vigência do CPC/1973, ante à possibilidade do nomeado negar sua condição, não lhe acarretando qualquer defesa suplementar.

            Uma interessante inovação do CPC/15 encontra-se fixada nos artigos 338, parágrafo único, e 339, caput: a correta indicação do polo passivo da demanda passa a ser uma obrigação do autor e do próprio réu, caso não detenha legitimidade ad causam.

A referida afirmação é feita porque se o autor não delinear de forma correta o polo passivo da demanda e for suscitada a nomeação à autoria em preliminar de contestação do réu, “realizada a substituição, o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, §8º”.

Outrossim, “quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação”.

 

4. DENUNCIAÇÃO DA LIDE NO CPC/15

           A denunciação da lide, disciplinada nos artigos 125 a 129 do CPC/15, sofreu diversas adequações frente aos revogados artigos 70 a 76 do CPC/1973. A primeira delas diz respeito à redação do artigo 125, I do CPC/15, que afastou a confusão semântica existente no então artigo 70, I do CPC/1973: atualmente, a denunciação da lide poderá ser promovida por qualquer das partes “ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam”.

            Outra adequação feita é apresentada no artigo 126 do CPC/15, que dispõe ser possível tanto ao autor quanto ao réu promoverem a denunciação da lide. Nesse sentido, “a citação do denunciado será requerida na petição inicial, se o denunciante for autor; ou na contestação, se o denunciante for réu, devendo ser realizada na forma e nos prazos previstos no art. 131”.

            Outra inovação, importante na disciplina da denunciação da lide, encontra-se fixada no artigo 128, II do CPC/15: ao contrário do disposto no revogado artigo 75, II do CPC/1973, o novo diploma determina que “se o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva”. Ou seja, o denunciante não necessitará mais prosseguir com sua defesa até o final, desincumbindo-se desse ônus processual então imposto no revogado regime de 1973.

 

5. CHAMAMENTO AO PROCESSO NO CPC/15

           A intervenção de terceiros conhecida como chamamento ao processo, destinada a integrar na relação jurídica processual coobrigados solidários, é disciplinada pelos artigos 130 a 132 do CPC/15, que inova especialmente quanto ao regime de prazos.

            Inicialmente, estatui como prazo para citação do chamado (que deveria figurar como litisconsorte passivo do réu) o período de trinta dias, sob pena de ficar sem efeito o chamamento ao processo. Se o chamado residir em outra circunscrição judiciária (comarca, seção ou subseção) ou em lugar incerto, o prazo será de dois meses. Não obstante o elastecido prazo, que poderá resultar em violação ao princípio da duração razoável do processo, de cariz constitucional (artigo 5º, LXXVIII da CRFB/1988), considero o atual regime melhor que o revogado, que previa em diversos momentos a suspensão processual (como no artigo 72 do CPC/1973).

 

6. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CPC/15

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           A desconsideração da personalidade jurídica, com sua disciplina básica (teoria maior) prevista no artigo 50 do Código Civil (CCB/02), sempre foi alvo de debates doutrinários quanto à aplicabilidade processual. Afinal, como promover judicialmente o levantamento do véu da pessoa jurídica? Deveria o juiz deferir o contraditório prévio ao sujeito passivo da desconsideração, correndo o risco deste dilapidar ou escamotear seu patrimônio pessoal para furtá-lo de eventual execução direta?

            O CPC/15, uma vez mais inovando no tratamento da matéria, disciplina essa nova modalidade de intervenção de terceiros em seus artigos 133 a 137. Em primeiro lugar, destaca-se que o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) é “cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial” (CPC/15, artigo 134).

            Outrossim, o legislador processual civil defere o contraditório ao sujeito passivo do IDPJ, nos termos do artigo 135 do CPC/15. Esse dispositivo preocupa-me pelo fato de, como já mencionado, possibilitar a dilapidação ou ocultação patrimonial no interregno dos 15 (quinze) dias deferidos para resposta do sujeito passivo. O principal risco, nesse sentido, não seria propriamente a dilapidação (embora esta enseje o prolongamento desnecessário do feito), mas sim a ocultação patrimonial, que ainda não teve sua disciplina completamente estruturada pelo legislador.

 

7. AMICUS CURIAE NO CPC/15

           Enfim, a última modalidade de intervenção de terceiros no CPC/15 é a do amicus curiae (“amigo da corte”), verdadeiro reflexo de uma sociedade aberta ao diálogo típica do Estado Democrático de Direito estabelecido no Brasil a partir de 1988. Conquanto afamada no Direito brasileiro, a intervenção do amicus curiae somente era possível nos procedimentos de fiscalização abstrata de constitucionalidade compostos perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

            O CPC/15, contudo, disciplina essa modalidade de intervenção no artigo 138 e a estende para todos os procedimentos, incluindo os que não ostentam a natureza objetiva do controle de constitucionalidade. Ademais, permite ao juiz de primeiro grau solicitar ou admitir a participação, de ofício, deste terceiro não interessado que se constitui no que a doutrina, a jurisprudência e agora a legislação brasileira convencionou chamar de amicus curiae.

 

CONCLUSÃO

           Portanto, é possível afirmar que o CPC/15 revigorou a disciplina da intervenção de terceiros, destacando diversas mudanças em seu teor, bem como adequando seu regramento às teses doutrinárias e jurisprudenciais prevalecentes ao longo da experiência do revogado CPC/1973.

            O estudo comparativo, para muitos, é algo incomum frente à estabilidade de algumas leis no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente os Códigos (basta comentar que o anterior Código Civil data de 1916, somente sendo substituído pelo atual CCB/02).

Entretanto, como o Direito é mutável da mesma forma que o evoluir civilizacional, não há mistério para o profissional jurídico atualizar-se, bem como dialogar com diplomas revogados, para assim formar posição crítica frente ao direito posto.

Permanece, porém, a esperança de que mormente os advogados busquem incessantemente sua atualização profissional, para não serem consumidos pelo mercado em constante expansão. Tal foi o objetivo a que se propôs o presente roteiro crítico, o qual espero ter sido cumprido.

 

BIBLIOGRAFIA

ROQUE, André; GAJARDONI, Fernando; TORNITA, Ivo; DELLORE, Luiz; DUARTE, Zulmar. Novo CPC Anotado e Comparado: Lei 13.105/2015, atualizado pela Lei 13.256/2016. 2ª Ed. São Paulo: Editora Foco, 2016.

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Sobre o autor
Divo Augusto Cavadas

Divo Augusto Pereira Alexandre Cavadas é Advogado e Professor de Direito. Procurador do Município de Goiânia (GO). Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Penal e Filosofia. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Realizou estudos junto à Universidad de Salamanca (Espanha), Universitá di Siena (Itália), dentre outras instituições. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diplomado pela Câmara Municipal de Goiânia e Comendador pela Associação Brasileira de Liderança, por serviços prestados à sociedade.

Informações sobre o texto

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