INTRODUÇÃO
O presente texto objetiva traçar breves comentários sobre a disciplina conferida às intervenções de terceiro no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), em livre comparação com o revogado CPC/1973.
A finalidade precípua deste estudo é auxiliar os profissionais jurídicos na interpretação das diversas modalidades de intervenção de terceiros, quais delas foram revogadas com o advento do CPC/15 e quais foram convertidas em procedimentos especiais de jurisdição contenciosa.
O conteúdo apresentado não se constitui, absolutamente, em uma análise exaustiva de todas as modalidades de intervenção de terceiros; presta-se apenas como roteiro para a prática forense dos variados profissionais jurídicos, mormente Advogados. Logo, a natureza complementar deste trabalho enseja o acompanhamento dos dispositivos presentes no CPC/15, bem como o estudo doutrinário e jurisprudencial dos institutos ora apresentados.
1. ASSISTÊNCIA NO CPC/15
A assistência enquanto intervenção de terceiros é disciplinada pelos artigos 119 a 124 do CPC/15. Inicialmente, explica-se que o regime dado à assistência pelo estrito regramento do CPC/1973 (artigos 50 a 54) a excluía das modalidades de intervenção de terceiros, não obstante a doutrina e a jurisprudência a incluísse. O CPC/15 corrige esse equívoco legislativo, fixando a assistência como modalidade de intervenção.
O critério pautado no interesse jurídico do terceiro para que figure como assistente permanece no artigo 119 do CPC/15, que conceitua legalmente a assistência como modalidade de intervenção na qual “o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma [das partes] poderá intervir no processo para assisti-la”.
O CPC/15, contemplando a doutrina processualista, divide o capítulo que trata da assistência em duas seções, para apresentar as espécies de assistência (simples e litisconsorcial). Extingue a vetusta figura jurídica do “gestor de negócios” em seu artigo 121, parágrafo único, para afirmar que “sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será considerado seu substituto processual”. Permite ademais que, embora haja a intervenção de assistente, a parte principal possa renunciar ao direito sobre o que se funda a ação (CPC/15, artigo 122), como mais uma conduta a ele deferida.
2. OPOSIÇÃO NO CPC/15
Enquanto a oposição era considerada espécie de intervenção de terceiros no CPC/1973 (artigos 56 a 61), o CPC/15 transferiu sua disciplina para o tratamento conferido aos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, passando a oposição a ser regrada nos artigos 682 a 686.
Conquanto a oposição tenha se tornado procedimento especial, tenho minhas dúvidas se foi a melhor opção do legislador processual excluí-la das modalidades de intervenção de terceiros. Explico-me: o conceito legal de oposição, disposto no artigo 56 do CPC/1973 e mantido no artigo 682 do CPC/15, é evidentemente vinculado à noção doutrinária de intervenção de terceiros. Afirmar que “quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos” é, em suma, apresentar tradicionalíssimo exemplo da intervenção de um terceiro no curso do processo.
Inovação relevante encontra-se no artigo 685, parágrafo único do CPC/15, ao tornar obrigatória a suspensão processual caso a oposição seja suscitada após o início da audiência de instrução e julgamento (AIJ). O regime do revogado CPC/1973 (artigo 60) apresentava como faculdade do juiz a referida suspensão. Todavia, cabe ressaltar que o CPC/15 apresenta exceção à regra cogente de suspensão processual: caso o juiz conclua “que a unidade da instrução atende melhor ao princípio da duração razoável do processo”, não suspenderá o curso processual.
3. NOMEAÇÃO À AUTORIA NO CPC/15
Enquanto a nomeação à autoria era modalidade de intervenção de terceiros no CPC/1973 (artigos 62 a 69), o CPC/15 passou a tratá-la como mera alegação do réu em contestação, vinculada à questão preliminar de ilegitimidade passiva (artigos 338 e 339).
Creio que a decisão do legislador processual civil foi acertada, uma vez que a nomeação à autoria como modalidade de intervenção de terceiro era inócua durante a vigência do CPC/1973, ante à possibilidade do nomeado negar sua condição, não lhe acarretando qualquer defesa suplementar.
Uma interessante inovação do CPC/15 encontra-se fixada nos artigos 338, parágrafo único, e 339, caput: a correta indicação do polo passivo da demanda passa a ser uma obrigação do autor e do próprio réu, caso não detenha legitimidade ad causam.
A referida afirmação é feita porque se o autor não delinear de forma correta o polo passivo da demanda e for suscitada a nomeação à autoria em preliminar de contestação do réu, “realizada a substituição, o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, §8º”.
Outrossim, “quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação”.
4. DENUNCIAÇÃO DA LIDE NO CPC/15
A denunciação da lide, disciplinada nos artigos 125 a 129 do CPC/15, sofreu diversas adequações frente aos revogados artigos 70 a 76 do CPC/1973. A primeira delas diz respeito à redação do artigo 125, I do CPC/15, que afastou a confusão semântica existente no então artigo 70, I do CPC/1973: atualmente, a denunciação da lide poderá ser promovida por qualquer das partes “ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam”.
Outra adequação feita é apresentada no artigo 126 do CPC/15, que dispõe ser possível tanto ao autor quanto ao réu promoverem a denunciação da lide. Nesse sentido, “a citação do denunciado será requerida na petição inicial, se o denunciante for autor; ou na contestação, se o denunciante for réu, devendo ser realizada na forma e nos prazos previstos no art. 131”.
Outra inovação, importante na disciplina da denunciação da lide, encontra-se fixada no artigo 128, II do CPC/15: ao contrário do disposto no revogado artigo 75, II do CPC/1973, o novo diploma determina que “se o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva”. Ou seja, o denunciante não necessitará mais prosseguir com sua defesa até o final, desincumbindo-se desse ônus processual então imposto no revogado regime de 1973.
5. CHAMAMENTO AO PROCESSO NO CPC/15
A intervenção de terceiros conhecida como chamamento ao processo, destinada a integrar na relação jurídica processual coobrigados solidários, é disciplinada pelos artigos 130 a 132 do CPC/15, que inova especialmente quanto ao regime de prazos.
Inicialmente, estatui como prazo para citação do chamado (que deveria figurar como litisconsorte passivo do réu) o período de trinta dias, sob pena de ficar sem efeito o chamamento ao processo. Se o chamado residir em outra circunscrição judiciária (comarca, seção ou subseção) ou em lugar incerto, o prazo será de dois meses. Não obstante o elastecido prazo, que poderá resultar em violação ao princípio da duração razoável do processo, de cariz constitucional (artigo 5º, LXXVIII da CRFB/1988), considero o atual regime melhor que o revogado, que previa em diversos momentos a suspensão processual (como no artigo 72 do CPC/1973).
6. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CPC/15
A desconsideração da personalidade jurídica, com sua disciplina básica (teoria maior) prevista no artigo 50 do Código Civil (CCB/02), sempre foi alvo de debates doutrinários quanto à aplicabilidade processual. Afinal, como promover judicialmente o levantamento do véu da pessoa jurídica? Deveria o juiz deferir o contraditório prévio ao sujeito passivo da desconsideração, correndo o risco deste dilapidar ou escamotear seu patrimônio pessoal para furtá-lo de eventual execução direta?
O CPC/15, uma vez mais inovando no tratamento da matéria, disciplina essa nova modalidade de intervenção de terceiros em seus artigos 133 a 137. Em primeiro lugar, destaca-se que o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) é “cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial” (CPC/15, artigo 134).
Outrossim, o legislador processual civil defere o contraditório ao sujeito passivo do IDPJ, nos termos do artigo 135 do CPC/15. Esse dispositivo preocupa-me pelo fato de, como já mencionado, possibilitar a dilapidação ou ocultação patrimonial no interregno dos 15 (quinze) dias deferidos para resposta do sujeito passivo. O principal risco, nesse sentido, não seria propriamente a dilapidação (embora esta enseje o prolongamento desnecessário do feito), mas sim a ocultação patrimonial, que ainda não teve sua disciplina completamente estruturada pelo legislador.
7. AMICUS CURIAE NO CPC/15
Enfim, a última modalidade de intervenção de terceiros no CPC/15 é a do amicus curiae (“amigo da corte”), verdadeiro reflexo de uma sociedade aberta ao diálogo típica do Estado Democrático de Direito estabelecido no Brasil a partir de 1988. Conquanto afamada no Direito brasileiro, a intervenção do amicus curiae somente era possível nos procedimentos de fiscalização abstrata de constitucionalidade compostos perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
O CPC/15, contudo, disciplina essa modalidade de intervenção no artigo 138 e a estende para todos os procedimentos, incluindo os que não ostentam a natureza objetiva do controle de constitucionalidade. Ademais, permite ao juiz de primeiro grau solicitar ou admitir a participação, de ofício, deste terceiro não interessado que se constitui no que a doutrina, a jurisprudência e agora a legislação brasileira convencionou chamar de amicus curiae.
CONCLUSÃO
Portanto, é possível afirmar que o CPC/15 revigorou a disciplina da intervenção de terceiros, destacando diversas mudanças em seu teor, bem como adequando seu regramento às teses doutrinárias e jurisprudenciais prevalecentes ao longo da experiência do revogado CPC/1973.
O estudo comparativo, para muitos, é algo incomum frente à estabilidade de algumas leis no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente os Códigos (basta comentar que o anterior Código Civil data de 1916, somente sendo substituído pelo atual CCB/02).
Entretanto, como o Direito é mutável da mesma forma que o evoluir civilizacional, não há mistério para o profissional jurídico atualizar-se, bem como dialogar com diplomas revogados, para assim formar posição crítica frente ao direito posto.
Permanece, porém, a esperança de que mormente os advogados busquem incessantemente sua atualização profissional, para não serem consumidos pelo mercado em constante expansão. Tal foi o objetivo a que se propôs o presente roteiro crítico, o qual espero ter sido cumprido.
BIBLIOGRAFIA
ROQUE, André; GAJARDONI, Fernando; TORNITA, Ivo; DELLORE, Luiz; DUARTE, Zulmar. Novo CPC Anotado e Comparado: Lei 13.105/2015, atualizado pela Lei 13.256/2016. 2ª Ed. São Paulo: Editora Foco, 2016.