Sucedâneos recursais

17/05/2016 às 20:18
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Versa o presente trabalho sobre “sucedâneos recursais” tema que encontrou relevo a partir da edição do Código de Processo Civil de 1939.

1 - Introdução

Versa o presente trabalho sobre “sucedâneos recursais” tema que encontrou relevo a partir da edição do Código de Processo Civil de 1939.

Deveras, “em nossa legislação antiga sempre se admitira o cabimento de agravo (de petição ou de instrumento) contra as decisões, interlocutórias ou não (...) Muitas eram as hipóteses de cabimento desse recurso, conforme enunciavam os códigos estaduais, sendo que o de Minas Gerais indicava 73 casos”[1].

Por isso, já naquela época, buscaram-se formas de racionalizar o uso dos recursos, evitando-se o retardamento na análise de mérito das ações, prestigiando-se o que hoje é norma constitucional, esculpida no art. 5º, LXXVIII da CF segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Na lição do Professor José Frederico Marques[2], “a Exposição de Motivos do Código de 1939, na parte referente aos ‘recursos’, transcrevia lição de Willoughby, com o intuito de demonstrar que o excesso de remédios recursais contra decisões que não versam sobre o mérito da causa, acaba por colocar o ‘procedimento’ em plano superior; dentro da relação processual, à própria ‘res in judicium deducta'.

Assim, o diploma processual de 1939 elencou em seu art. 842 as decisões passíveis de impugnação mediante recurso de agravo de instrumento. Eram ao todo 17 hipóteses. Para Egas Dirceu Moniz de Aragão[3] “o Código de 1939 deu guarida – ainda que relativa – ao princípio da irrecorribilidade das interlocutórias, visto que restringiu fortemente as hipóteses de agravo de instrumento”.

Ocorre que, o engessamento do inconformismo da parte com relação a decisões interlocutórias levou o jurisdicionado a lançar mão de outros meios para combater a decisão contrária a seus interesses. Nada mais natural quando se tem como premissa básica a finalidade do direito, qual seja, a de ser instrumento apaziguador das relações sociais.

Nesse diapasão cumpre relembrar o correto lugar do direito processual civil no sistema jurídico. Por se tratar de um direito instrumental, onde o jurisdicionado aciona o Estado Juiz, exigindo, deste, meios para garantir a sua pretensão, resistida pela parte contrária, não poderia mesmo o direito processual civil se sobrepor ao direito material deduzido em juízo, sob pena de afronta à própria estrutura constitucional conferida ao Estado brasileiro que, dentre os seus objetivos fundamentais, mantém a missão de “promover o bem de todos” (art. 3°, IV da CF).

É por isso que – na lição de José Frederico Marques, o jurisdicionado “procurou uma válvula escapatória, destinada a ventilar a sufocante atmosfera oriunda do princípio da irrecorribilidade das interlocutórias, com os sucedâneos recursais”[4].

Essa válvula de escape recebeu o apelido da doutrina de “sucedâneos recursais.”

Ensina Flávio Cheim Jorge[5] que para parte da doutrina, sucedâneos recursais são institutos, que a despeito de não serem considerados recursos, acabam, ainda que indiretamente, fazendo as vezes dos mesmos, propiciando, assim, a anulação, a reforma ou ainda a ineficácia de uma decisão judicial. Para essa parte da doutrina, acolhida pelo próprio Professor Cheim, os sucedâneos são substitutos dos recursos.

Ainda na esteira do Professor supracitado, “autores outros existe, entretanto, que conferem aos sucedâneos recusais uma compreensão mais ampla, atribuindo aos mesmos, apenas a particularidade de possuírem o mesmo condão dos recursos, qual seja, anular ou reformar a decisão judicial.”

Assim ao se reverenciar o “princípio da irrecorribilidade das interlocutórias”, o Código de 1939 fez surgir os primeiros sucedâneos recursais, quais sejam: i) a correição parcial e o ii) mandado de segurança contra atos judiciais.

Aliás, o premente clamor da época por meios de impugnação de decisões interlocutórias fez com que o rigor do Código Civil de 1939 perdurasse por apenas oito meses, in verbis.

“A reação foi imediata. Entrado em virgo a 1º de março de 1940, já a 31 de outubro o Decreto-Lei nº 2.726 restabeleceu a correição parcial para o Distrito Federal, do que resulta que o rigor do novo Código perdurou por apenas oito meses. Os Estados seguiram o exemplo e aos poucos a correição parcial (também denominada ‘reclamação) tornou-se recurso (“clandestino”, como acentuei) apto a contrabalançar o regiro da nova legislação processual.” (Egas Dirceu Moniz de Aragão, op. Cit., ps. 181/182)

Para Araken de Assis[6], “o critério para agrupar institutos tão discrepantes sob o excêntrico rótulo ‘sucedâneos dos recursos’ só pode ser o da exclusão: toda vez que faltarem a determinado remédio as notas essenciais do conceito de recurso, ou seja, a previsão legal (princípio da taxatividade), a voluntariedade na interposição e desdobramento no processo pendente, em que pese produzir idênticas finalidades, incluir-se-ão dentre os meios aptos a impugnar resoluções judiciais.”

Trocando em miúdos, os sucedâneos recursais são aqueles meios que não se encontram taxados na sistemática processual como espécie de recurso. Deveras, vige atualmente no ordenamento jurídico processual o princípio da taxatividade dos recursos. Este preceito estabelece que são recursos aqueles meios de impugnações à decisão judicial elencados no art. 496 do Código de Processo Civil.

A doutrina atual diverge a respeito do que pode ser considerado sucedâneo recursal.

“Nelson Nery Jr. oferece extensa e preocupante lista, arrolando os seguintes ‘sucedâneos’: a correição parcial, a remessa obrigatória, o pedido de reconsideração, o habeas corpus, o mandado de segurança, os embargos de terceiros, a arguição de relevância, a ação rescisória e a cautelar inominada.”[7]

Darlan Barroso[8] e Egas Dirceu Moniz de Aragão[9], consideram como sucedâneos recursais aqueles pioneiros que surgiram com a rigidez do Código de Processo Civil de 1939, a saber, correição parcial e mandado de segurança.

Vicente Greco Filho[10] alberga além da correição parcial e mandado de segurança contra decisão judicial a medida cautelar. Esse autor também faz referência ao pedido de reconsideração, no entanto, negando a sua aplicabilidade, conforme se em capítulo a seguir.

Flávio Cheim Jorge ao abordar o assunto reconhece além dos tradicionais sucedâneos recursais, o pedido de reconsideração e o reexame necessário, este último meio também é aceito por Bernardo Pimentel Souza[11].

Em 1973, com a reforma do Código de Processo Civil por Alfredo Buzaid, o agravo de instrumento ganhou relevo a ponto de ser retomado como instrumento recursal adequado para combater quaisquer decisões interlocutórias, conforme pontifica Vicente Greco Filho[12], in verbis.

“Com a amplitude que o Código e Processo deu ao cabimento do agravo de instrumento pareceu, num primeiro momento, que não mais haveria campo para a correição parcial e para o mandado de segurança contra ato judicial. Todavia, tanto uma quanto outro ainda subsistem em algumas hipóteses que o agravo não pode corrigir.”

Neste ponto, cumpre consignar um dado importante da história do direito processual civil. Com o título “tentativa de eliminar a correição parcial e o mandado de segurança como sucedâneos recursais”, Egas Dirceu Moniz de Aragão[13] explica em tópico de seu artigo a sua investida contra esses dois institutos, in verbis.

“Porém há mais. Na fase de elaboração do anteprojeto do atual Código de Processo Civil, ofereci ao Professor Alfredo Buzaid uma sugestão para o capítulo dos recursos, no qual propus a liberação do cabimento do agravo, abolida a tese da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, com o que imaginava ferir de morte tanto a correição parcial quanto o mandado de segurança contra ato judicial, que se tornariam instrumentos desnecessários. A sugestão foi aceita, mas o resultado não foi o desejado. Como o agravo não tem efeito suspensivo, em breve o mandado de segurança voltou a ser empregado, já agora como veículo para solicitá-lo em casos excepcionais. Em pouco tempo serviu ele, também, para pleitear o que viria ser denominado ‘efeito ativo’. Ambos eram obtidos em casos reputados passíveis de tais soluções. Conforme expus em estudo sobre o mandado de segurança contra ato judicial, tratava-se de utilizar uma medida processual como continente de outra, esta com nítido efeito cautelar.”

Firmadas as premissas a respeito do conceito de “sucedâneos recursais” passemos a análise daquelas medidas que são abarcadas em tal conceito, levando-se em consideração o consenso do enquadramento de certas medidas como sucedâneos recursais.

2 - Da análise dos sucedâneos recursais em espécie

2.1 - Do pedido de reconsideração

“A figura do pedido de reconsideração, tal qual conceituado em sua gênese, encontra-se praticamente em desuso em nosso sistema processual. Sua grande utilidade ocorria quando a parte tinha em seu desfavor uma decisão interlocutória, contra a qual somente cabia o recurso de agravo de instrumento, interposto perante a primeira instância, onde era processado e, após meses, remetido ao tribunal respectivo para julgamento.”[14]

Ou seja, antes da alteração do instituto agravo de instrumento pela Lei 9.139/1995, criou-se o hábito de se formular petição ao juízo responsável pela decisão recorrida antes de se apresentar o recurso de agravo de instrumento.

As partes costumavam pedir para que o pedido de reconsideração fosse transformado em recurso de agravo de instrumento, no caso de não haver reconsideração do juízo prolator da decisão recorrida.

Assim, tal pedido, segundo Teresa Arruda Alvim Wambier, citada por Flávio Cheim Jorge[15], trata-se de “uma simples petição por meio da qual se provoca o juiz para que faça o reexame da questão por ele decidida.”

A problemática reside no fato de que esse meio de impugnação de decisão judicial não encontra previsão legal, pelo menos não nessa extensão de uso adotada pela prática forense. Neste diapasão, Vicente Greco Filho[16] salienta que “tal providência não existe no sistema processual brasileiro e pode transformar-se em grave deformação da ordem processual.” Ele vai além, demonstrando sua posição radicalmente contra a praxe, ao dizer que “tal medida é atípica, imprópria e deve ser banida da prática forense...”

A repulsa da doutrina com relação ao instituto tem razão de ser. Ora, se a parte pode se valer do recurso de agravo de instrumento para combater uma decisão com a qual não concorda, qual é a razão para se provocar o mesmo juízo a se manifestar sobre questão já decidida?

Dirão os mais adeptos a essa praxe que o principal objetivo da medida é o de se economizar tempo e ato processual, evitando-se a interposição de recurso contra aquela decisão específica.

Sem embargo, tal argumento não seduz, ainda mais porque, nas palavras de Araken de Assis[17], “é manifesta a inconveniência de o juiz, a seu talante e em conformidade com os humores do momento, conceder o bem da vida para retirá-lo logo depois, ou vice-versa”.

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Nesta toada, ganha fôlego o art. 471 do Código de Processo Civil que prescreve ser defeso ao juiz decidir novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, a menos que haja expressa disposição legal ou que sobrevenha modificação no estado de fato ou de direito da relação jurídica continuativa.

E por modificação no estado de fato ou de direito entenda-se alteração substancial do cenário utilizado pelo juiz para proferir a decisão eu se pretende ver reconsiderada. Vale dizer, não basta apresentar novos argumentos jurídicos, em contraposição aos lançados na decisão.

É por isso que pedido de reconsideração não se confunde com o juízo de retratação. Flávio Cheim Jorge sustenta que “o juízo de retratação é a possibilidade que o órgão prolator da decisão recorrida tem de fazer o exame do mérito do recurso e alterar o seu posicionamento. Isso ocorre em relação ao recurso de apelação, interposto contra sentença que indefere liminarmente a petição inicial (art. 296, CPC), e ao recurso de agravo, em todas as suas modalidades de interposição (arts. 523, § 2º, 529 e 557, § 1º).”

Ou seja, as hipóteses do juízo de retratação são limitadas e necessitam de prévia alteração do cenário jurídico da ação (interposição de recurso).

Os casos previstos em lei que comportam nova decisão se referem à matéria de ordem pública. A título de exemplo, o art. 267, § 3º do Código de Processo Civil autoriza ao juiz conhecer de temas atinentes a pressupostos processuais “a qualquer tempo e grau de jurisdição”.

Assim, não há que se falar em preclusão para a discussão a respeito dessas matérias, permitindo-se a veiculação das mesmas por meio de pedido de reconsideração.

Por fim, cumpre salientar que o Código de Processo Civil positivou o pedido de reconsideração em algumas hipóteses. São os casos dos arts. 273, § 4º e 527, parágrafo único.

Segundo o art. 273, § 4º do Código de Processo Civil, a tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. Isso quer dizer que o pedido de reconsideração é o meio adequado para provocar o juízo a revogar ou modificar a decisão prolatada anteriormente. Entretanto, cumpre observar que neste caso a sistemática da reconsideração deve ser aplicada em consonância com a regra geral estabelecida no próprio Código. Não basta formular pedido de reconsideração. É necessário demonstrar, a teor do art. 471, I do CPC, que há modificação do estado de fato ou de direito da relação jurídica, de tal forma a alterar as razões de convencimento do juízo (CPC, art. 473, § 1º).

Também é possível pedir reconsideração nos casos em que é concedido o juiz de segundo grau antecipa ou indeferi a antecipação dos efeitos do recurso de agravo de instrumento. Deveras, a partir da Lei 11.187/2005 essa decisão passou a ser irrecorrível, ressalvada a hipótese de o seu próprio prolator a reconsiderar. Essa reconsideração não se dá por meio de impugnação recursal, mas, sim, de ofício ou a requerimento da parte, por meio do pedido de reconsideração (CPC, art. 527, parágrafo único).

Portanto, fora dessas hipóteses previstas em lei, a reconsideração não encontra respaldo legal e sua análise, bem como o seu acolhimento não podem violar a regra da vedação de o juiz decidir novamente questões já decididas.

Em remate, por não se tratar de um recurso, nem mesmo de um instituto processual, sua interposição não tem o condão de suspender o prazo para a interposição dos recursos cabíveis para a decisão combatida.

2.2 - Do reexame necessário

Bernardo Pimentel Souza[18] assevera que o reexame necessário “não tem natureza recursal.” Para tanto, sustenta que: i) o juiz não tem legitimidade recursal; ii) a remessa ocorre independentemente da vontade das partes e do juízo, ao passo que os recursos são manifestações de vontade; iii) o reexame não está sujeito à observância do requisito de admissibilidade e da tempestividade e por fim, iv) o reexame necessário está contemplado pelo Código de Processo Civil fora do título destinado ao sistema recursal.

Já Sérgio Bermudes[19] defende o status de recurso do reexame necessário. Citado por Flávio Cheim, diz que ao seu ver, “quem recorre da sentença, nos casos de recurso de ofício, não é o juiz e, sim o Estado. O juiz, por simples questão de conveniência, interpõe o recurso. Mas, ao fazê-lo, não está manifestando vontade sua. Antes, é instrumento da vontade do Estado que é quem, efetivamente, recorre da decisão, que contrariou interesse seu.”

Flávio Cheim[20] afirma ser “inquestionável que a remessa necessária está relacionada e pode ser apontada como uma das prerrogativas da Fazenda Pública em juízo. Objetiva-se atingir a segurança de que a sentença proferida contra a Fazenda Pública foi correta. Existe a certeza de que há insuficiência no aparelhamento estatal para defender o interesse público. Diante disso, o legislador determinou que nos casos em que a Fazenda ficasse vencida, a decisão seria novamente revista, pois poderia haver situações em que, devido às dificuldades que o Estado encontra (e o particular não), a mesma pudesse ser prejudicada injustamente.”

Segundo o art. 475 do CPC, é cabível reexame necessário em face da sentença: i) proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público e ii) que julgar procedentes embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

A legislação extravagante também versa sobre o referido instituto: a lei de ação popular prevê tal recurso em face das sentenças que concluírem pela carência ou improcedência da ação”; a lei do mandado de segurança também prevê o reexame necessário em face da sentença concessiva da ordem; a lei de desapropriação admite o reexame das sentenças que condenam o expropriante de imóvel rural em quantia superior a 50% do valor oferecido na inicial ou, nos demais casos, no dobro do valor oferecido.

O reexame necessário não é aplicável em face de sentenças que condenem a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios em quantia inferior a 60 salários mínimos ou quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

O projeto de código de processo civil mantém a remessa necessária no Código de Processo Civil[21], porém modifica seu âmbito de atuação. Caso a redação entre em vigor, a remessa necessária será autorizada a partir do momento que houver condenação superior a mil salários mínimos, quinhentos salários ou cem salários, nos casos de condenação da União (suas autarquias e fundações), Estados (e Distrito Federal) e Municípios, respectivamente.

E o reexame necessário não será aplicável em face de sentenças que condenem a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios desde que elas estejam fundadas em Súmula do STF ou do STJ ou acórdão proferido pelo STF ou STJ em julgamento de casos repetitivos.

De acordo com o projeto de código de processo civil, também não haverá reexame necessário nas hipóteses de sentenças proferidas com base em entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

O incidente de resolução de demandas repetitivas é o “incidente de coletivização” do anteprojeto. Ele se encontra no art. 930 do PL 8046/10 e tem como finalidade resolver processos fundados em idêntica questão.

Por sua vez, nos termos do art. 555 do CPC, a assunção de competência ocorre nos casos em que há relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, quando então o relator proporá que o recurso seja julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.

2.3 – Da correição Parcial

A despeito das inúmeras definições que circundam a Correição Parcial, há que se dizer que aquela que mais se amolda a finalidade última do instituto é a trazida pelo professor Araken de Assis, que assim menciona:

“A correição parcial é remédio que, teoricamente sem interferir com os atos decisórios, beneficia os litigantes que se aleguem vítimas de erros ou de abusos que invertam ou tumultuem a ordem dos atos processuais[22]”.

 Ora, presta-se tal medida a aprumar a atividade jurisdicional que exercida de forma exacerbada e, portanto, perpetrada em contrário às delimitações legais a ela inerentes, ocorrendo que, não recebe o instituto, a denominação de recurso. Merecendo, conforme o consenso doutrinário, a integração dentre os sucedâneos recursais.

Dessa sorte, destaca-se a Correição Parcial como sucedâneo que tem como função precípua a correção e erradicação de erros que eventualmente possam desregrar ou retardar o curso regular de determinado processo.

Para o entendimento escorreito desse instituto, entretanto, merece análise a verificação da sua origem histórica e, no mesmo sentido, a verificação dos mecanismos legais que dão guarida à sua aplicação e também permitem a sua existência no ordenamento. Por isso, serão pontuados a seguir tais aspectos.

2.3.1 - Origem histórica da Correição Parcial

 A princípio a origem do aludido instituo é remetida às Ordenações Filipinas[23], por outro lado, em estudos mais aprofundados, menciona-se que a sua verdadeira nascente estaria no Direito Romano, sendo certo, que no ordenamento jurídico brasileiro, sua primeira materialização se deu no Regulamento 737 de 1850.

Segundo as referidas alusões, o instituto teria sua origem ligada às Reclamações, surgindo como uma espécie de Reclamação Correcional, entretanto diferenciando-se da Reclamação propriamente dita, tendo escopo censório e disciplinar.

Posteriormente, no Decreto 9.263 de 1911 que regulou a organização judiciária do Distrito Federal, foi que albergou o instituto, já com a nomenclatura utilizada hodiernamente. A referida norma foi que desencadeou a mesma previsão nas leis locais de organização judiciária.

2.3.2 - Da natureza e constitucionalidade da Correição Parcial.

Muito embora se atribua a existência desse instituo pela verificação de certos mecanismos legais, a grande controvérsia que se insurge, esta ligada à sua natureza jurídica e por conseguinte a sua constitucionalidade.

Ora, se a Correição Parcial fosse considerada como Recurso, poderia receber a pecha de inconstitucionalidade em razão de não haver uma suposta previsão em legislação federal, já que a Constituição Federal, resguarda a esse tipo de matéria, competência privativa do legislador federal.

Por outro lado, tem-se que a natureza jurídica da Correição Parcial, seria de caráter administrativo e por isso, a ausência de previsão do instituto em legislação federal não representaria qualquer óbice à sua aplicação.

Parece que tal argumentação não subsiste, já que apesar do caráter censório da medida, não se pode dizer que tal medida presta-se única e exclusivamente à atuação disciplinar, mas sim, é inegável a sua influência no âmbito processual.

E é assim que se delimita tal questão, já que a constitucionalidade formal do instituo, vê-se escorreitamente garantida, pela sua previsão no Código de Processo Penal Militar, no artigo 498 e ainda no artigo 709, inciso II da  Consolidação das Leis Trabalhistas.

2.3.3 - Dos efeitos e cabimento da correição parcial.

Preteritamente, a Correição Parcial era um mecanismo comumente utilizado, já que sob a vigência do Código de Processo Civil de 1939 às decisões interlocutórias, não se podia lançar mão do Agravo de Instrumento, ocorrendo que, com o advento do Código de Processo Civil vigente, deu-se ensejo a um certo esvaziamento do instituto, pela ampla utilização dos Agravos.

De tal sorte, restou ao alvedrio de tal medida aquelas situações em que há omissão do juízo, ou seja, quando deveria haver certo pronunciamento e o mesmo não se concretiza, por isso, pela omissão ou retardamento na realização de determinado ato, seria cabível a Correição Parcial.

Com relação os seus efeitos, há que se dizer que a Correição Parcial, poderia ter duas vertentes, uma da retomada do seguimento regular e apto do curso processual, e outra voltada às sanções de caráter disciplinar que deverão ser aplicadas ao magistrado.

2.4 – Suspensão de liminar, ou suspensão de segurança.

Inicialmente, há que se dizer que a Suspensão de Segurança, nada mais é do que uma prerrogativa do Poder Público em juízo, decorrente do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

Muitos estudos doutrinários divergem acerca da natureza do referido instituto, e segundo os ensinamentos do Professor Marcelo Abelha[24], há que se dizer que são relevantes os fundamentos que lhe atribuem natureza de incidente processual.

Por outro lado, não haveria como deixar de elencar esse instituto, como Sucedâneo Recursal, já que os seus requisitos e forma levam a esse entendimento. Ainda que preservada a sua natureza de incidente.

Nesse escopo, ao pedido de Suspensão de Segurança, fica vedado o exame de mérito da controvérsia, não assumindo a medida os contornos da Apelação ou do Agravo, sendo aplicável apenas nas hipóteses em que se observa que a decisão poderá ocasionar risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e a economia, tudo no âmbito público.

Tal medida, tem a atribuição de sucedâneo reforçada, pelo fato de ser medida voluntária, que não tem o condão de suspender o processo sendo manifestada por uma defesa impeditiva, que não tem caráter recursal.

Ocorrendo que esse tipo de defesa é de monopólio do poder público e seus entes (empresas estatais), sendo dirigido ao Presidente do Tribunal competente para o julgamento da decisão emanada.

Fica entendido, com base nas determinações legais que, além do respectivo recurso cabível em face da decisão contra o Poder Público, pode o Ente Público lançar mão da Suspensão de Segurança, com os fundamentos já elencados.

Há ainda que se ressaltar, que, pelo fato de ser acessória e secundária ao objeto litigioso, depende da existência do Processo Principal.

2.4.1 - Concepção e linhas gerais da Suspensão de Segurança.

Inicialmente, fora concebida a Suspensão de Segurança nas ações de Mandado de Segurança, sendo que posteriormente, a sua aplicabilidade foi ampliada para todas as decisões mandamentais e de execução imediata contra ente público, resguardados, logicamente, os pressupostos de admissibilidade do instituto.

Assim, o que se observa é a construção de dois regimes em que são aplicáveis a suspensão: i) Leis n.° 12.016/09 (revogou a Lei n.° 4348/64) e n.° 8038/90 (artigos. 15 e 25) quando se tratar de mandado de segurança; ii) Lei n° 8437/92 (artigo 4°) para as demais ações.

De tal sorte, verifica-se que surge um extenso rol de hipóteses em que se afigura cabível o pedido de Suspensão de Segurança, o que levaria inclusive a crer que a nomenclatura de tal instituto poderia ser corrigida para pedido de suspensão de decisões contra o poder público.

Segundo a verificação legal, é possível constatar que nenhum dispositivo estabelece prazo para sua interposição, devendo ser apresentada contemporaneamente à decisão que se pretende sustar.

Verifica-se pois, que tal medida não comporta dilação probatória, sendo que deverá ficar comprovado de início a pertinência da medida, sendo que a mesma é endereçada ao Presidente do Tribunal.

Há que se ressaltar, que é imperiosa a manifestação do Ministério Publico na medida, sendo também devidamente resguardado o preceito do contraditório.

Por ser a decisão da Suspensão de segurança monocrática, é a mesma atacável por meio de Agravo Regimental, sendo que há previsão na súmula 735 do STF, determinando o não cabimento de Recurso Extraordinário, in casu e, ainda existem diversas decisões que determinam o não cabimento de Recuso Especial

Há por fim que se dizer que ultimada a ocorrência da suspensão de segurança, serão inibidos os efeitos da medida e na mesma toada, desconstituídos os atos executivos realizados.

2.5 - Agravo Regimental

 Muito embora o Agravo Regimental tenha o caráter recursal em sua gênese, o mesmo deverá ser considerado como um sucedâneo, que inclusive, é de utilização extensiva na prática forense.

Ocorre que, segundo o entendimento consagrado pelo Excelso Pretório[25], o Agravo Regimental, não é Recurso, por prestar-se a integrar a decisão do Relator com o colegiado que esse representa, amoldando-se em uma faculdade delineada pelos regimentos internos dos tribunais em que a medida é utilizada.

Caberá o Agravo regimental, contra as decisões singulares do Relator, que forem derivadas de competência originária do Tribunal, ou ainda dos próprios recursos expressamente elencados na legislação federal.

Por fim, pode-se dizer que o Agravo Regimental, via de regra deverá ser apresentado no prazo de 05 dias conforme o regimento do Tribunal a que se destina e ainda, não possui efeito suspensivo e nem tão pouco depende de preparo. Sendo considerável o fato de que não há contraditório, mas sim a integração da decisão, com a manifestação do colegiado.

3 - Conclusão.

É possível concluir, que os Sucedâneos Recursais são meios impugnativos de extrema relevância no âmbito jurídico, que, em geral, possuem peculiaridades próprias, as quais, afastam as suas delimitações daquelas estabelecidas para as vias ordinárias recursais e impugnativas.

Assim, o que ocorre é a ocorrência de institutos anômalos, que com escopos próprios, categorizam-se debaixo de um único manto, por não possuírem guarida nos demais fenômenos processuais.

4 - Bibliografia

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[1] Egas Dirceu Moniz de Aragão no seu artigo Demasiados Recursos? In Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira, p. 181

[2] in Instituições de direito processual civil, 5v, p. 309

[3] op. cit., p. 181.

[4] op. cit. 311

[5] in Teoria geral dos recursos cíveis, 3ª ed. rev., ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007 – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2007.

[6] In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2002 (Série aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v. 6), p. 17

[7] Araken de Assis, op. cit., p. 16.

[8] In Teoria geral e processo de conhecimento. Barueri, SP: Manole, 2003 (Manual de direito processual civil; v. I) ps. 482/484.

[9] Ibidem p. 182.

[10] Direito processual civil brasileiro, volume 2: (atos processuais a recursos e processos nos tribunais). São Paulo: Saraiva, 2009, 20ª ed. rev. e atual, p. 351/353.

[11] In Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo: Saraiva, 2008, 5ª ed., atual., de acordo com a Lei n. 11.636/2007, regulamentada pela Resolução n. 1, de 2008, p. 264.

[12] Op. cit. ps. 351/352.

[13] Op. cit. ps. 182/183.

[14] Flávio Cheim Jorge, op. cit. p. 184.

[15] Op. cit. p. 185.

[16] Op. Cit. P. 352.

[17] Op. cit. p. 40.

[18] Op. cit. p. 262 e ss.

[19] Comentários ao Código de Processo Civil, v. 7, p. 33 in Teoria geral dos recursos cíveis, 3ª ed. rev., ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007 – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2007, p. 184.

[20] Op. cit. p. 183.

[21] A remessa necessária encontra-se contida no art. 483 do PL 8046/2010.

[22] ASSIS, Araken. Manual dos recursos. 2.ª Edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo, SP: Editora revista dos Tribunais, 2008. Página 881.

[23] Araken de Assis menciona em sua obra que a origem histórica da Correição Parcial se deu em textos vagos originários das Ordenações Filipinas (Livro 3, título 18, número 5). Op. Cit. Página 881.

[24] Curso Temas atuais em Direito Processual Civil, ministrado na Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, em agosto de 2011.

[25] 1.ª Turma do STF. AgR no AI 247591-RS, 14/03/2000, Relator Ministro Moreira Alves, DJU 23.01.2001

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Sobre o autor
Hugo Vitor Hardy de Mello

Hugo Vitor Hardy de Mello, proprietário do escritório Mello Advogados, é advogado graduado em Direito pela Faculdade Editora Nacional, Pós Graduado em Direito Processual Civil pela PUC – SP e atua especialmente em Direito do Trabalho.

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