SUJEITOS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
A titularidade dos direitos fundamentais não se vincula apenas ao tempo de vida do ser humano. Existem direitos que protegem o indivíduo antes do nascimento, por exemplo o direito dos embriões, e direitos que protegem o patrimônio deixado pelo indivíduo após sua morte, por exemplo o direito do autor. Os estrangeiros, inclusive, também são titulares de direitos fundamentais. O benefício abrange também os não residentes durante sua passagem pelo território brasileiro.
As pessoas jurídicas são sujeitos de direitos fundamentais, pois são projeções de pessoas físicas, ainda que representem um grupo de indivíduos. As pessoas jurídicas têm direito à privacidade, à ampla defesa e à propriedade, por exemplo. Entretanto existem diferenças nos direitos que cabem a cada um. Não se pode dar a uma pessoa jurídica o direito de lazer ou a saúde, por exemplo, pois não seria adequado. Esses são limites da titularidade.
Podem-se reconhecer direitos fundamentais a outros seres que não humanos. Entretanto existe certa discussão: a perspectiva antropológica e antropocêntrica entende que outros seres vivos podem ser “objetos de tutela constitucional”, “bens de valor jurídico a serem protegidos” e que podem “eventualmente justificar uma limitação de conteúdo prima facie a qualquer direito fundamental”, mas não podem ser autênticos sujeitos de direitos, pois a dignidade seria um atributo exclusivamente humano.
A perspectiva moral (e científica, pois já é comprovado que alguns seres tem consciência), reconhece juridicamente a titularidade de direitos fundamentais a outros seres vivos além dos humanos sustentando-se na ideia de dignidade que os animais possuem, afinal sentem medo, prazer, dor e até piedade.
A Constituição brasileira, ao precisar a adjetivação “dignidade da pessoa humana” (CR, art. 1º, III), pode ser interpretada como a admitir outras modalidades ou outros sujeitos de dignidade. Ademais, nossa Constituição refere-se expressamente ao meio ambiente (em especial no art. 225, § 1º, VII, CR) e veda expressamente as “práticas que... provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade”.
A opinião prevalecente, entretanto, não reconhece direitos fundamentais aos próprios animais e outros seres vivos: “os direitos ‘atribuídos’ aos animais são – de modo mais adequado – limites impostos ao comportamento dos seres humanos para com os demais seres”.
DIREITOS SOCIAIS
Direitos sociais são direitos que requerem prestações (de serviços, financeiros, técnicos, normativos…) para serem viabilizados.
Os direitos sociais, também chamados de prestacionais, exigem a atuação de outro sujeito para viabilizar o direito. Por exemplo o direito a educação necessita de um local adequado, com pessoal qualificado, disciplina normativa etc., para ser usufruído; o direito a alimentação necessita de fornecimento de alimentos; e o direito a saúde necessita de pessoal qualificado e com fornecimento de remédios entre outros.
Quem se apresenta mais frequentemente como responsável por realizar os direitos sociais é o Estado e embora caiba a ele tal dever, às vezes esse papel pode também ser desempenhado por um sujeito particular, como ocorre nas relações trabalhistas.
No âmbito internacional existem documentos específicos para ordenar tanto os direitos de defesa quanto os direitos sociais, como é o caso do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da ONU que constituem parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Prevalece um entendimento de que os direitos sociais são distintos dos direitos fundamentais. A CF trata “dos direitos e deveres individuais e coletivos” (CR, art. 5º) em capítulo diverso do “dos direitos sociais” (CR, art. 6º, a; CR, art. 11), e o art. 60, § 4º, IV, CR, cujo texto inclui entre as cláusulas pétreas somente “os direitos e garantias individuais” deixando de fora os direitos sociais.
Entretanto as características dos direitos fundamentais aplicam-se a ambos, por exemplo existe a necessidade de respeitar o conteúdo mínimo (essencial) de qualquer direito fundamental, bem como observar que não haja retrocesso.
A perspectiva de asseguramento de um mínimo existencial convive com a maximização dos direitos fundamentais e vale igualmente aos direitos sociais. A proibição de retrocesso (garantia de que os estágios de realização dos direitos fundamentais fiquem estabelecidos e não sofram diminuição) é uma categoria que, ao contrário do conteúdo essencial, talvez tenha sido concebida tendo em vista justamente os direitos sociais, embora sua aplicação possa estender-se aos direitos de defesa. Bom exemplo é dado pela garantia de impenhorabilidade do bem de família, estabelecido como um direito de defesa do direito social à moradia.
É possível recorrer judicialmente caso os direitos sociais do indivíduo tenham lhe sido negados. Devem ser adotados, contudo, alguns parâmetros para a solução judicial adequada de demandas que envolvem direitos sociais, tais como a correta consideração do argumento da reserva do possível (“fática”) em relação com a “universalização da prestação exigida”, bem como os “aspectos técnicos de políticas públicas”, que recomendam cautela e reverência “em relação às decisões dos demais poderes” (D. SARMENTO).
É importante ter em mente que os direitos fundamentais podem depender uns dos outros para realizarem-se de modo mais adequado (interdependência), a ponto de formarem uma unidade (indivisibilidade), em que os diversos “direitos” não passam, na verdade, de projeções ou desdobramentos, que se complementam (complementaridade). Por exemplo, de que vale o direito de locomoção, se a (falta de) saúde não permite que ele seja exercido? De que vale a privacidade, se não há uma moradia condigna onde se possa viver reservadamente?
Prestações que viabilizem direitos fundamentais e principalmente a atuação do Estado são requeridas, o mais das vezes, por aqueles que se encontram em situação de maior fragilidade (pessoas com deficiência, doentes, crianças, idosos, presidiários, pobres etc.); a distinção entre direitos de defesa e prestacionais tende a ocultar esse contexto de desigualdade social. A falta ou insuficiência das prestações não é condição para a configuração do direito fundamental; ela já é violação desse direito.
ÂMBITO DE PROTEÇÃO (ALCANCE) E LIMITES (RESTRIÇÕES) DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Importa definir qual é a abrangência (âmbito) dos direitos fundamentais, isto é, o que cabe dentro de sua esfera de proteção. Entretanto mesmo após definido podem, em seguida, ocorrer conflitos (colisões) entre direitos fundamentais – como o direito de privacidade de alguém e o direito de expressão de outrem – ou entre um direito fundamental e outro bem (valor) constitucionalmente protegido – como a liberdade diante do interesse público.
Tais conflitos demandam uma ponderação dos direitos fundamentais para que se obtenha uma solução adequada. Essa solução pode ser atingida através da ponderação dos direitos.
R. ALEXY assim formula a “lei do sopesamento” segundo sua teoria dos princípios: “a medida permitida de não satisfação ou de afetação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do outro”. Mas nem sempre, na ponderação, se logra alcançar um meio-termo entre os bens jurídicos em disputa. Algumas vezes, diante das alternativas existentes, a solução terá que priorizar um dos interesses apenas. Logo, basicamente, os conflitos são resolvidos pelo critério da proporcionalidade
Embora a ponderação (sopesamento) possa ser feita pelo Poder Legislativo ao produzir leis (por exemplo, leis que restringem a publicidade e o consumo de cigarros e bebidas alcoólicas: CR, art. 220, § 4º), é mais comum que ela seja realizada no caso concreto.
Duas correntes (teorias) procuram explicar o âmbito (esfera de proteção) dos direitos fundamentais: o que se pode considerar incluído no conteúdo desses direitos
O autor adota a teoria externa, onde primeiramente deve-se definir a abrangência de um direito fundamental, o que tende a conduzir a uma amplitude maior, para depois verificar se há conflito (colisão) com outro direito fundamental ou bem constitucionalmente protegido, que imponha limite (restrição).
Para a teoria interna, ao definir o âmbito de proteção de cada direito fundamental, é preciso verificar desde logo seus limites, independentemente da influência (conflito) de outros direitos fundamentais ou bens constitucionalmente protegidos. Os limites fazem parte da própria definição do direito fundamental, por isso são imanentes. Por exemplo, a liberdade de expressão não compreenderia o discurso odioso (preconceituoso) ou a pornografia infantil, quer dizer, ao definir o conteúdo do direito fundamental de expressão, seriam excluídos desde logo tais elementos, sem que fosse necessário confrontar o direito de expressão de alguém com direitos fundamentais ou bens constitucionalmente protegidos de outrem.
O resultado prático da aplicação de qualquer uma das teorias externa ou interna pode ser o mesmo, pois a situação problemática que restringe o âmbito de proteção de um direito fundamental será levada em consideração.
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