Palavras-Chave: Mutação; Constituição; Atualização.
I- Introdução:
Nossa constituição federal de outubro de 1988, sendo analítica acaba por estabelecer uma pluralidade de normas que geram garantias aos cidadãos e limitam os poderes Estatais, além disso, organizam a vida politica da nação, abarcando diversas ideologias que influenciam na condução do país ao progresso.
No ano presente, será a realidade Brasileira igual ao período que foi promulgada nossa lei maior? - Em verdade, inexoravelmente não! O mundo mudou, e o Brasil acompanhou. As necessidades do povo transmudaram-se, nasceram outras, faleceram algumas.
Nesta senda, a constituição cidadã ainda é norma que guarda relação com a realidade da nação? Ela pode se atualizar? O processo é rápido? – Cediço e notório, que a constituição pode ser atualizada. Quanto à velocidade do processo, irá depender do modo que será escolhido para realiza-lo. E deixando a indagação quanto se de fato nossa lex fundamentalis guarda relação com à realidade da nação, deduzamos pelo que se segue abaixo.
Sendo a constituição uma norma, esta possui um conjunto de comandos, e um sistema de princípios, os quais marcaram a benigna ruptura com o sistema autoritário da ditadura militar.
Atualmente, não é plausível cogitar que a potencia criadora da constituição vigente, por dom de premonição estabelecesse normas que se aplicariam com a mesma significação do ano de sua promulgação.
Assim, o poder constituinte originário, possibilitou que se atualizasse a constituição, por meio da revisão constitucional, norma de eficácia exaurida (art. 3º do ADCT da CF), outrossim, por caminho da emenda constitucional (art. 60, §2° da CF), esta diga-se de passagem forma deveras utilizada por nosso país.
Nessa linha intelectiva, quiçá, possa o caro leitor está se indagando: através da emenda constitucional (já que não se pode realizar revisão constitucional por ser ela norma de eficácia exaurida), pode-se coadunar a realidade da nação com a norma maior? – Digo, sim, concilia-se de modo bem provisório, haja vista a realidade nacional se modificar de forma mui veloz, a dinâmica social se movimenta de forma vertiginosa, não podendo através de um rito tão solene e formal, que é o da emenda à constituição, acompanhar as demandas da realidade pátria.
II- A mutação constitucional.
Tal item tem o fito de explanar sobre como conciliar de modo cirúrgico e sincrônico as necessidades da realidade social com nossa constituição cidadã, uma vez que, através desse salutar fruto da hermenêutica jurídica, possibilita-se ao exegeta da constituição harmonizar de forma simultânea a norma maior com a realidade da nação.
Vejamos, a constituição federal de 1988 é norma, logo suscetível de interpretação, entretanto, será pífia e malsã o ideário de interpretação constitucional sem princípios, e elementos exegéticos, em outros termos, não pode se falar em congruente e cientifica interpretação constitucional, sem o conduto da hermenêutica constitucional, tal possuidora de princípios e métodos tanto peculiares, quanto gerais de outras ciências.
Destarte, através da hermenêutica faz-se tangível uma atualização do texto constitucional, assim coadunando a norma fundamental de 1988 com a realidade hodierna. Com efeito, o saudoso jurista baiano Dirley da Cunha Junior, em sua obra, distingue os meios formais e informais de atualização de preceitos constitucionais, apresentando e conceituando a mutação constitucional de forma precisa, sem procrastinação, versando:
A chamada mutação constitucional ou interpretação constitucional evolutiva, ao contrário dos procedimentos de emenda e revisão, cuida-se de processo não formal de mudança das constituições rígidas, por vida de tradição, costumes, interpretação judicial e doutrinária (p. 209)”.
Neste diapasão, por ser a mutação constitucional meio informal de modificação da constituição, pode-se atualizar a norma maior com a realidade nacional de forma mais célere, devido ao fato que não há que se falar em procedimento formal e solene para que seja exarado o comando constitucional que guarde intimidade com as peculiaridades do caso concreto.
III- Experiência norte americana:
Sendo que a norma constitucional deve ser interpretada levando-se em conta a realidade social, econômica, ideológica, política e histórica do Estado e de sua população, vêm o EUA através de sua suprema corte atualizando sua constituição pelo caminho da mutação constitucional. Deste modo, reza o preclaro Dirley da Cunha Junior:
“A mutação constitucional é muito forte nos EUA, através das decisões vinculantes da Suprema Corte que constantemente vêm regenerando a Constituição daquele País. Não é obra do acaso que a mais antiga Constituição escrita do mundo é considerada uma das mais atuais (p. 210)”.
Seguindo o raciocínio, no que tange o importe da mutação constitucional na corte estadunidense, ensina o notório Pedro Lenza: “Destacamos, como manifestação do papel do hermeneuta, a Constituição dos EUA, que foi tantas vezes reinterpretada, sem, contudo, alterar-se, fisicamente, o seu texto (p. 145)”.
Por conseguinte, através da mutação constitucional se obtém um viés desburocratizado da atualização da constituição, pois, sem o formalismo pode-se aplicar a norma constitucional ao fato oriundo da realidade da nação de forma menos morosa, haja vista ocorrer modificação de interpretação do dispositivo, ao contrário de reforma textual.
Nesta toada, o insigne ministro Luís Roberto Barroso, vaticina:
Com efeito, a modificação da Constituição pode dar-se por via formal e por via informal. A via formal se manifesta por meio da reforma constitucional, procedimento previsto na própria Carta disciplinando o modo pelo qual se deve dar sua alteração. Tal procedimento, como regra geral, será mais complexo que o da edição da legislação ordinária. De tal circunstância resulta a rigidez constitucional. Já a alteração por via informal se dá pela denominada mutação constitucional, mecanismo que permite a transformação do sentido e do alcance de normas da Constituição, sem que se opere, no entanto, qualquer modificação do seu texto. (p. 147)”.
De modo que podemos entender o motivo de número tão reduzido de emendas à constituição da americana do norte, uma vez que, não existe alteração no texto constitucional na utilização da interpretação que resulte em mutação constitucional, ocorrendo tão somente uma mudança de significado de determinada norma.
IV- Ponderações à mutação constitucional:
Não se faz sábio o uso indiscriminado da interpretação evolutiva da letra da constituição, pois, a mutação constitucional é resultado de hermenêutica jurídica, coesa e, portanto não arbitrária, a qual não gera vilipendio aos valores concretizados pelo poder constituidor, estes exteriorizados e textualizados na carta constitucional.
Corroborando com tal perspectiva, segue lição do ilustre ministro Luís Roberto Barroso:
“Por assim ser, a mutação constitucional há de estancar diante de dois limites: a) as possibilidades semânticas do relato da norma, vale dizer, os sentidos possíveis do texto que está sendo interpretado ou afetado; e b) a preservação dos princípios fundamentais que dão identidade àquela específica Constituição (p. 152)”.
Depreende-se de tal lúcida lição, que não há mutação constitucional legal e democrática sem o respeito aos limites textuais e permissivos da constituição, não sendo lícito ao legislador forçar o significado dos vocábulos normativos. Igualmente, limites da mutação constitucional aceitável, são aqueles que os princípios constitucionais fundamentais impõem estes identificadores da constituição federal. Neste tom, continua o insigne professor:
“As mutações que contrariem a Constituição podem certamente ocorrer, gerando mutações inconstitucionais. Em um cenário de normalidade institucional, deverão ser rejeitadas pelos Poderes competentes e pela sociedade. Se assim não ocorrer, cria-se uma situação anômala, em que o fato se sobrepõe ao direito (p. 153)”.
Por essa intelecção, funesto a ordem constitucional é a interpretação que se desvirtua de sua finalidade axiológica, que sistematiza os valores regentes da constituição, os quais dão segurança ao sistema jurídico, ao mesmo tempo em que o legitima.
V- Considerações finais:
Por conduto da mutação constitucional pode-se constatar de modo cristalino, a harmonização entre realidade nacional e sua constituição federal, de modo pari passu. Neste escopo, atualizam-se os preceitos emanados pelo constituinte de 1988.
Assim, respeitando os limites semânticos e os fundamentos axiológicos de nossa carta cidadã, o exegeta acaba por sua interpretação escorreita concretizando as garantias e objetivos constitucionais, os quais levarão nosso país ao estado de ordem, assim alcançando o progresso.
Referências bibliográficas:
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a constituição do novo modelo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito constitucional. 8 ed. Salvador: JusPodivm, 2014.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.