Direito à vida e a pena de morte

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O trabalho demonstrar aquilo que é latente ao tema Pena de Morte, buscando ainda, delinear se este método arcaico de aplicação penal esta em consonância com a realidade penal mundial.

INTRODUÇÃO; 2. NOÇÕES PRELIMINARES; 2.1 CONCEITO DE PENA DE MORTE; 2.2 CONCEITO DE DIREITO A VIDA; 3. NOÇÕES GERAIS; 3.1 HISTORIA DAS PENAS; 3.2 PENA DE MORTE NO BRASIL; 4. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA VERSUS PENA DE MORTE; 5. EFICÁCIA DA PENA DE MORTE; 6. MÉTODOS DE EXECUÇÃO; 7. PENA DE MORTE NO BRASIL: CÓDIGO PENAL MILITAR; 7.1 CONCEITO DE DIREITO PENAL MILITAR; 7.2 DAS PENAS; 7.2.1 PRIVAÇÃO DA VIDA; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

RESUMO

O trabalho demonstrar aquilo que é latente ao tema Pena de Morte, demonstrando que apesar de ser o método mais empregado em toda a história da pena, não produz uma eficácia satisfatória em sua aplicabilidade, visto que países sem sua aplicação possuem índices menores, no tocante a crimes violentos. Busca-se evidenciar que Pena de Morte tenta através do medo, coibir a pratica de crimes violentos, pois de fato o desrespeito às normas legais, acarretará o extermínio do indivíduo considerado nocivo para o organismo social e, apesar de tratar-se de modo arcaico de resolução de problemas ainda e difundido por algumas pessoas como a única forma de alcançarmos realmente a paz social, nos fazendo entrar em uma eterna controvérsia. Sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, explica-se a vedação a aplicação da fatídica pena com a atual constituição em vigor, demonstrando ainda que apesar de remota, existe uma possibilidade de instaurar tal medida extrema de punição.

Palavras chaves: Pena de Morte; Direito a Vida; Eficácia; Proibição ao Retrocesso; Direitos Humanos e Inviabilidade Jurídica.

Introdução

Visa o presente trabalho uma abordagem, da questão da pena de morte, seu aspecto histórico, legalidade e legitimidade em face do direito à vida. É cediço que direito algum, mesmo os fundamentais, não possuem caráter absoluto, podendo, eventualmente, ser mitigados em face do confronto com outros direitos, conforme o caso concreto.

Pretende-se com o presente trabalho enfrentar a discussão do confronto entre a legitimidade do direito de punir do Estado e face do direito a vida na aplicação da pena capital.

A pena de morte traz consigo um passado de injustiças, onde a confissão de um crime era trazida a tona através de longas e desumanas sessões de tortura e, a absolvição não advinha da comprovação de inocência, mas sim da capacidade de suportar dores excruciantes. Tal passado atroz foi amplamente discutido e criticado no Período das Luzes, onde filósofos e pensadores do direito criticavam a forma como a pena era imputada, assim como a ausência de leis que determinasse sua punição, para que o indivíduo soubesse, antes mesmo de cometer o crime, qual seria sua fatídica punição.

Após esse período, vislumbramos os horrores dos campos de concentração nazistas, onde pessoas eram mortas por intolerância, visando à existência de uma “raça pura”. Com o término da Segunda Guerra Mundial, a Organizações das Nações Unidas proclamou a marcante Declaração Universal dos Direitos Humanos, que visa garantir – principalmente aos indivíduos pertencentes aos Estados Partes – condições mínimas no tocante aos Direitos da Pessoa Humana, coibindo assim reincidência de atos bárbaros vistos na guerra, tornando-a espelho para diversas Constituições no mundo.

O Brasil, desde sua primeira Constituição Republicana, aboliu a pena de morte, ressalvado os casos de guerra declarada. Contudo, sempre que há crimes cruéis, a sociedade em geral volta a questionar o poder público a respeito da necessidade de ampliar a abrangência da pena de morte. Todavia, o Brasil é signatário da Convenção Americana dos Direitos Humanas de 1969 (Pacto San José da Costa Rica), que veda expressamente a extensão de sua aplicação e o seu reestabelecimento conforme veremos mais adiante. Temos também, a vedação expressa em cláusula pétrea (art. 5, XLVII, “a”, da CF/88), que somamos ao Princípio da Proibição do Regresso de direitos humanos fundamentais.

Para tanto, passaremos num primeiro momento, a traçar noções gerais e essenciais para o compreendimento do tema, estabelecendo o conceito de Pena de Morte e Direito a Vida, que nos servirá no decorrer do trabalho.

Em seguida faremos uma breve análise entre a pena de morte a legislação brasileira, visando demonstrar os motivos pelo qual, torna inviável juridicamente dizendo, a introdução de tal pena em nosso ordenamento.

Proceder-se-á, igualmente, uma verificação da eficácia da pena de morte, no tocante a diminuição de crimes nos países que ainda possui ela como opção.

No mencionado contexto, analisaremos também os métodos de execuções utilizado atualmente nos países que adotam tal punição.

Por fim, será feita uma breve análise da possibilidade de aplicação existente em nosso ordenamento jurídico.

1. Noções Preliminares

1.1 Pena de Morte

O conceito de pena tem origem do termo latim poena que em sua acepção básica significa: aflição, amargura, castigo, dor, pesar, punição. Logo, dizemos que o termo pena, diz respeito à repressão exercida pelo poder público, diante qualquer ato que viole de ordem social. É a sanção imposta pelo Estado, valendo-se do devido processo legal, ao autor de infração penal, como retribuição ao delito perpetrado e prevenção de novos crimes(NUCCI; 2014).

Diante do explanado, podemos dizer que a pena de morte também chamada de pena capital, trata-se da execução do indivíduo pelo Estado em decorrência de sentença judicial transitado em julgado aplicada pelo Poder Judiciário, como meio de retribuição ao grave crime praticado.

1.2 Direito a Vida

A Constituição Federal de 1988, garante no seu art. 5º a inviolabilidade do direito a vida, tratando-se do mais fundamental dos direitos, já que se constitui em pré-requisito para existência e exercício de todos os demais (MORAES; 2014; 34).

O direito a vida possui dupla acepção, sendo o primeiro o direito de continuar vivo e segundo o direito de ter uma vida digna quanto à subsistência (grifos nossos).

Dito isso, é dispensável dizer que este direito trata-se do mais importante, pois é fonte primaria de todos os demais bens jurídicos. Seguindo essas palavras temos José Afonso da Silva:

“De nada adiantaria a Constituição assegurar os demais direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erguesse a vida humana em um desses direitos”. (SILVA; 2005; 198).

Ademais, contamos com normas internacionais de Direitos Humanos que resguardam tal postulado, uma das principais é a Declaração Universal dos Direitos Humanos que foi proclamada dia 10 de dezembro de 1948, que teve seu texto como fonte de inspiração para diversos artigos presentes em nossa mais atual Constituição Feder

2. Noções Gerais

2.1 História das Penas

O ser humano sempre viveu em sociedade, e sempre violou regra de convivências, ferindo semelhantes e a própria sociedade onde vivia, tornando assim inexorável a aplicação de uma punição (NUCCI, 2014).

Inicialmente, a punição adveio do intuito de livrar um clã da ira dos deuses (Relação Totêmica), quando um indivíduo pertencente aquela sociedade cometesse infrações (quebras de tabus), indubitavelmente deveria ser punido, fato que geralmente gerava a expulsão do individuo da comunidade expondo-o à própria sorte. Posteriormente, o castigo pela violação de regras da sociedade ou comunidade, restringia-se à prática da vingança privada, como forma de reação da comunidade contra o infrator. Esta modalidade baseava-se na “justiça pelas próprias mãos”. A vingança privada nunca teve sucesso, pois, cometido o crime, ocorria à reação da vítima, dos parentes, e até do grupo social. Diante disso, terminava gerando uma contrarreação e o circulo vicioso que geralmente levava ao extermínio de clãs e grupos (NUCCI; 2014).

Com a evolução da sociedade e com a centralização do poder, faz nascer uma forma mais segura de repressão, colocando um freio a esse mar de vingança desenfreada, surge então à utilização da Lei de Talião[1], visto com o olhar atual, não é possível mensurar a evolução humanitária que tal lei trouxe a sociedade, contudo, ela impôs um limite à reação do ofendido, limitando-o a não poder causar mais mal ao ofensor do que aquele mal que havia sofrido[2]. Posteriormente, surge a composição, através do qual o ofensor comprava sua liberdade, com a entrega de bens ou dinheiro, dando assim a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais.

A vingança divina buscava através da repressão, aplacar a ira divina ofendida pelo crime, bem com castigar o infrator[3]. Nessa fase, Estado e Igreja se confundiam no exercício do poder, e o crime era tido como um pecado que feria diretamente o poder divino. Logo, delegava-se a Igreja o exercício de punir o infrator, sendo os sacerdotes os agentes responsáveis pela punição[4].

Já a vingança pública caracterizava-se pelo direito de punir privativo do soberano (Rei, Príncipe, Regente, etc.), este exercia sua autoridade em nome de Deus, cometendo assim varias barbaridades. Neste método de vingança, a pena de morte era sanção largamente difundida e aplicada por motivos que hoje são tidos como insignificantes. Tinha-se por pratica mutilação do condenado, confisco de seus bens, além da possibilidade de extrapolar sua pena a familiares. Contudo, diante de tamanhas barbarias, retiramos de positivo deste período a passagem do poder de punir para o Estado, saindo das mãos de terceiros.

Conforme explanado, até então, a pena tinha cunho puramente intimidativo. No final do século XVIII, surgiu o pensamento humanista, que foi marcado pela atuação dos pensadores que opunham-se aos ideais absolutistas. Pregavam a reforma das leis e da administração da justiça penal, movendo-se contra a barbárie e arbitrariedade imposta pelo regime absolutista. Com isso, imbuído pelos valores e ideais iluministas, CEZARE BONESANA, tornou-se reconhecido por contestar a triste condição que se encontrava a esfera punitiva do Direito na Europa dos déspotas[5], com a obra “Dos Delitos e Das Penas”. Tal pensamento deu vida à corrente denominada escola clássica, caracterizada pela contrariedade a penas de morte e cruéis, o MARQUEZ DE BECCARIA, passou a pregar o princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao dano que o crime havia causado a sociedade (NUCCI; 2014; p. 55), com isso esta obra tornou-se um marco para o Direito Penal moderno[6].

Entretanto, vale ressaltar, que tais fases (vingança privada, divina e pública) não possuem um divisão cronológica, elas conviveram juntas por largo período de tempo, até fosse constituído uma orientação que prevalecesse[7].

Diante o explanado, podemos concluir que a história das penas esta intimamente ligada a pena de morte, pois como vimos, trata-se de uma das primeiras e mais utilizadas modalidades punitivas instauradas pela humanidade.

2.2 Pena de morte no Brasil

A pena de morte no Brasil tem por caso mais emblemático a execução de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, o único a admitir a participação na Inconfidência Mineira. Essa sentença se celebrizou em nossa História como bárbara, mas perante a Justiça da época o condenado veio a ser considerado criminoso e passível de punição.

O Brasil desde sua primeira Constituição Republicana não aplica mais essa atroz condenação para crimes comuns, reservando a punição somente para crimes militares em caso de Guerra Declarada.

A Constituição de 1937 que marca o início da ditadura do Estado Novo é de caráter altamente autoritário, restringindo os Direitos Individuais e Sociais e prevendo a pena de morte no artigo 122:

“Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) 13) Não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a pena de morte será aplicada nos seguintes crimes:

a) Tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro;

b) Atentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania;

c) Tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para reprimi-lo se torne necessário proceder a operações de guerra;

d) Tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição;

e) Tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social;

f) A insurreição armada contra os Poderes do Estado, assim considerada ainda que as armas se encontrem em depósito;

g) Praticar atos destinados a provocar a guerra civil, se esta sobrevém em virtude deles;

h) Atentar contra a segurança do Estado praticando devastação, saque, incêndio, depredação ou quaisquer atos destinados a suscitar terror;

i) Atentar contra a vida, a incolumidade ou a liberdade do Presidente da República;

j) O homicídio cometido por motivo fútil ou com extremos de perversidade.”

 

Embora permitindo a pena de morte, não houve nenhuma execução, seja por crime comum, crime militar ou crime contra a Segurança Nacional: Recorde-se que durante a II Grande Guerra, foram condenados à morte expedicionários que no teatro da guerra da Itália, praticaram crimes infamantes. Mas acabou prevalecendo à tradição brasileira, e as penas foram comutadas a privativa de liberdade pelo então Presidente da República.

Termina a 2ª Guerra Mundial e com ela no Brasil, o Governo Vargas. A Constituição de 1946 retornou a proibir a aplicação da pena de morte para crimes comuns. A democracia no Brasil iria durar de 1946 a 1964, quando um golpe militar depõe o Presidente Constitucional João Goulart que tentava iniciar reformas sociais de base que feriam os interesses do capital internacional no Brasil.

Em 1967, temos uma nova Constituição, e novamente, sem a pena de morte. Em 1968, o processo político no Brasil radicaliza-se ainda mais com o Ato Institucional nº 5. Sucessivamente foram editados novos Atos Institucionais dos quais o nº 14, de 5 de setembro de 1969, prevê a pena de morte (somente para os revolucionários).

Nas Considerações do Ato Institucional 14, faz-se referência à guerra revolucionária, ou subversiva, e à guerra psicológica adversa que perturbavam o país, atingindo a Segurança Nacional.

Notamos que, no Período Republicano, a pena de morte no Brasil, quando admitida, tem um caráter eminentemente político. O que se pode observar quando da leitura do Decreto Lei 898 de 29 de Setembro de 1969 que previa a pena de morte de acordo com as modificações do já referido Ato Institucional nº 14, modificações estas seguidas pela Emenda nº 1 de 1969.

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 11 de 13 de outubro de 1978, faz com que a redação do § 11, do artigo 153, da Emenda nº 1 de 1969, volte a ter a mesma redação que tinha o § 11, do artigo 150, da Constituição de 1967, antes do Ato Institucional nº 14.

A Constituição Brasileira de 05 de Outubro de 1988 marca a redemocratização do país. Com um texto moderno e socialmente avançado, a Constituição privilegia os Direitos Fundamentais da pessoa humana, vedando de forma expressa a possibilidade de inserção da pena de morte em nosso ordenamento, conforme veremos a seguir.

3. Legislação Brasileira versus Pena de Morte.

A constituição brasileira advém de um período pós-ditatorial, em que direitos e garantias fundamentais haviam sido solapadas da população, onde pessoas eram perseguidas e mortas por discordarem do regime imposto. Ante a realidade amedrontadora que a população em geral convivia, a Assembleia Nacional Constituinte de 1987, buscou garantir aquilo que outrora havia sido retirado.

Com isso temos presente, uma constituição acolhedora que busca de forma categórica em seu texto, proteger o bem mais precioso que possuímos; a vida. Nesse sentido José Afonso Silva versa a seguinte lição a respeito da pena de morte:

“Ao direito a vida contrapõe-se a pena de morte. Uma constituição que assegura o direito a vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a pena de morte. É tradição do Direito Constitucional brasileiro vedá-la, admitida só em caso de guerra externa declarada, nos termos do art. 84 XIX (art. 5, XLVII, a), porque, ai, a Constituição tem que a sobrevivência da nacionalidade é um valor mais importante do que a vida individual de quem porventura venha trair a pátria em momento cruciante.” (SILVA; 2005; p. 201-202).

Conforme dito acima, o constituinte garantiu a impossibilidade de aplicação da pena de morte em caso de crimes comuns, através do art. 60, §4, que veda a inclusão e alteração de normas que firam direitos e garantias individuais. Essa previsão decorre de as finalidades da pena (retribuição e prevenção) não serem vingativas e do necessário respeito à dignidade humana. (MORAES; 2011; p. 268)

Contudo, dentro o ordenamento jurídico brasileiro, nada é tido como absolutos inclusive, as normas de direitos fundamentais. Entretanto, apesar da possibilidade de alguns direitos serem alterados, a característica da historicidade traz consigo a proibição do retrocesso. Não se pode simplesmente retirar um tijolo dessa construção, mas pode­-se substituí­-lo por um tijolo mais robusto e resistente. (CASADO FILHO; 2012)

Outrossim, temos ainda a Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), cujo Brasil é signatário, onde expressamente existe a vedação a estender a aplicação da pena ou até mesmo o seu reestabelecimento, conforme o texto:

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“Artigo 4º - Direito à vida

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente.

3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.”

Sobre o referido diploma, Valério Mazzuoli e de Luiz Flávio Gomes explicam da seguinte forma:

“Nos países que aboliram a pena de morte, ela não pode ser restabelecida (art. 4o, 3). A Constituição brasileira atual (de 1988), inclusive por força do princípio da proibição de regresso (ou da vedação do retrocesso), nem remotamente, salvo o caso de guerra declarada, permite a pena de morte ou qualquer pena de caráter perpétuo (art. 5o, XLVII, a e b). Lei ordinária nesse sentido não só violaria o art. 4o, 3, da Convenção Americana, como também a própria Constituição. Aliás, a via da Emenda Constitucional estaria vedada pela cláusula pétrea contida no art. 60, § 4o, IV, da CF. Nem sequer plebiscito poderia ser convocado para questionar tal matéria. Primeiro porque o plebiscito é mais apropriado para discutir forma de governo ou de Estado etc.; em segundo lugar porque não se pode discutir em plebiscito o que está vedado às emendas constitucionais. À proibição existente de as normas internas regredirem (ou retrocederem) em matéria de direitos humanos tem-se denominado ‘efeito cliquet dos direitos humanos’. O chamado cliquet é um instrumento de alpinista que somente permite que aquele que pratica uma escalada suba e não desça, ou seja, vá cada vez mais para cima sem voltar para trás, tal como deve ocorrer com as normas internas relativamente à proteção dos direitos humanos: sempre proteger mais, sem retroceder (regredir) nessa proteção.” (MAZZUOLI / GOMES; 2009; p. 36-37).

Contudo, não podemos deixar de observar que mesmo com tamanha proteção ao bem jurídico vida, existe sim, uma possibilidade remota da implantação da pena de morte em nosso ordenamento jurídico. Tal possibilidade baseia-se no Poder Constituinte Originário, cuja principal característica é tornar dispensável a observância de normas pré-existentes, isto é, ele não é obrigado a se ater a preceitos ou direitos preexistentes no momento de sua concepção, pois, ele funda ou refunda o Estado, conforme ensina Luís Carlos Barroso:

“O poder constituinte da nação – consistente na capacidade de instituir, a qualquer tempo, uma nova ordem – encontra-se fora e acima do poder constituído, vale dizer, do sistema jurídico positivo, das instituições de poder existentes. Qualificava-se, assim, como inalienável, permanente e incondicionado, não se subordinando ao Direito preexistente. Seu fundamento de legitimidade e, consequentemente, seu limite de atuação, situava-se em um Direito superior, o direito natural, no qual se colheu justificação para a superação do Velho Regime e a afirmação das liberdades e direitos burgueses. Nessa perspectiva, o poder constituinte é um poder de direito, fundado não no ordenamento vigente, mas no direito natural, que existe antes da nação. (...) Como o poder constituinte cria – ou refunda – o Estado, sendo anterior a ele, trata-se de um poder de fato, uma força política, situada fora do Direito (metajurídica, portanto) e insuscetível a integrar o seu objeto.” (BARROSO; 2013; p. 149 e 150).

Nesse sentido, versa sobre o assunto Marcelo Novelino:

“O Poder Constituinte Originário é responsável pela escolha e formalização do conteúdo das normas constitucionais. Trata-se de um poder político, supremo e originário, encarregado de elaborar a Constituição de um Estado. Anna Cândida da Cunha FERRAZ define-o como o poder “que intervém para estabelecer a Constituição, tendo capacidade de organizar o Estado, sem nenhuma limitação ou condicionamento do direito positivo anterior. O Poder Constituinte Originário manifesta-se para criar a ordem jurídica interna e em sua obra fundamentam-se todas as outras instituições do Estado”. (NOVELINO; 2014)

E seguindo a corrente, Paulo Gustavo Gonet Branco diz:

“Dizem os autores que se trata de um poder que tem na insubordinação a qualquer outro a sua própria natureza; dele se diz ser absolutamente livre, capaz de se expressar pela forma que melhor lhe convier, um poder que se funda sobre si mesmo, onímodo e incontrolável, justamente por ser anterior a toda normação e que abarca todos os demais poderes; um poder permanente e inalienável; um poder que depende apenas da sua eficácia. Em suma, podemos apontar três características básicas que se reconhecem ao poder constituinte originário. Ele é inicialilimitado (ou autônomo) e incondicionado. É inicial, porque está na origem do ordenamento jurídico. É o ponto de começo do Direito. Por isso mesmo, o poder constituinte não pertence à ordem jurídica, não está regido por ela. Decorre daí a outra característica do poder constituinte originário – é ilimitado. Se ele não se inclui em nenhuma ordem jurídica, não será objeto de nenhuma ordem jurídica. O Direito anterior não o alcança nem limita a sua atividade” (MENDES/BRANCO; 2014).

Com isso podemos dizer que, o Estado em virtude de necessidade avoque para si à responsabilidade de reestabelecer a ordem e, seguindo os tramites legais para tal, por meio do povo, titular do Poder Constituinte Originário, convoque nova Assembleia Constituinte para que se estabeleça ou reestabeleça aquilo que for necessário para o devido reestabelecimento da ordem.

Diante o exposto, vemos que apesar de a Constituição ser rígida quanto à alteração do tema, existe uma remota possibilidade que permita tal mudança.  Contudo, essa mudança iria à contramão do que e buscado pela sociedade moderna, além de contrariar tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados e incorporados pela atual constituição, contraditando ainda, princípios do Direito Internacional Público, bem como, a proibição ao retrocesso de normas de Direitos Humanos.

4. Eficácia da Pena de Morte

A pena de morte é o método mais antigo de punir o transgressor de norma social, e por isso, é constantemente colocado xeque, através de questionamentos em torno de sua eficácia.

Em janeiro do presente ano tivemos o primeiro brasileiro morto por condenação à morte em país estrangeiro, Marcos Archer, de 53 anos, foi condenado à morte por tentar entrar na Indonésia portado aproximadamente 13 kg de cocaína e, em abril tivemos o segundo Rodrigo Muxfedt Goulart, de 42 anos, também condenado à morte por tentar entrar no referido país com 6 kg de cocaína, mais uma vez, o tema veio à tona, com pessoas demonstrando felicidade pela morte de um traficante, e outras lamentando e criticando o ato atroz do governo indonésio.

O tema em questão nos leva a refletir se existe realmente eficácia na redução dos crimes puníveis com tal pena. Segundo reportagem do Jornal Folha de São Paulo, datada em 05 de Abril de 2015, a jornalista Karla Monteiro, relata a facilidade da compra de drogas no país, cuja pena para o crime é a morte, em um balcão de um bar, facilmente encontra “ecstasy” pelo equivalente a R$ 50,00. Após dez dias da matéria, a jornalista conclui: “a lei que mata não diminui nem o tráfico nem o consumo. Aumenta a propina”.

No site da Amnistia Internacional de Portugal, encontramos a seguinte matéria: Mitos e factos sobre a pena de morte; logo de início a matéria apresenta a seguinte abordagem:

“MITO:A pena de morte previne o crime violento e torna a sociedade mais segura. FACTO: Não existem a nível mundial quaisquer provas de que a pena de morte tenha um especial efeito dissuasor no que diz respeito à criminalidade. Há quem afirme que abolir a pena de morte eleva as taxas de criminalidade, mas estudos realizados, por exemplo, nos Estados Unidos da América e no Canadá, em nada apoiam essa crença. Em 2004, nos Estados Unidos da América, a taxa média de homicídio nos estados que aplicavam a pena de morte era de 5.71 por 100.000 habitantes, contra 4.02 por 100.000 habitantes nos estados que não a aplicavam. Em 2003, no Canadá, 27 anos após a abolição da pena de morte neste país, a taxa de homicídio decresceu 44% desde 1975, altura em a pena de morte era ainda aplicada. Ao invés de tornar a sociedade mais segura, a aplicação da pena de morte tem exercido um efeito nefasto na sociedade. A pena de morte serve apenas para legitimar o uso da força pelo estado e perpetuar o ciclo de violência.”

Em matéria da BBC Brasil faz um panorama global sobre o tema:

  • Em 2013 (últimos dados disponíveis da Anistia Internacional), houve 778 execuções no mundo, 96 a mais do que em 2012.
  • 1.925 pessoas foram condenadas à morte em 57 países em 2013.
  • Há cerca de 23 mil pessoas em corredores da morte pelo mundo.
  • Os métodos de execução variam. Decapitação (Arábia Saudita), eletrocução (Estados Unidos), enforcamento (Afeganistão, Bangladesh, Índia, Irã, Iraque, Japão, Kuwait, Malásia, Nigéria, Autoridade Palestina – Hamas, Sudão do Sul, injeção letal (China, Vietnã e Estados Unidos), fuzilamento (China, Indonésia, Coreia do Norte, Arábia Saudita, Somália, Taiwan e Iêmen).
  • Execuções públicas ocorrem em quatro países: Irã, Coreia do Norte, Arábia Saudita e Somália.
  • Países que condenam à morte por tráfico de drogas incluem China, Indonésia, Irã, Malásia, Paquistão, Qatar, Arábia Saudita, Tailândia, Emirados Árabes e Iêmen.
  • A China não divulga quantas pessoas executa anualmente e alega que o número é segredo de Estado.
  • O ministério da Saúde chinês ainda usa órgãos de prisioneiros executados em transplantes, segundo a Anistia Internacional.
  • 80 pessoas foram condenadas à morte nos Estados Unidos em 2013, 39 foram executadas (43 em 2012).
  • Maryland tornou-se, em 2013, o 18º estado americano a abolir a pena de morte.
  • Mais de 80% dos 67 especialistas incluídos em um estudo nos EUA concluíram que a pena de morte não reduz crimes.
  • Mas um estudo de pesquisadores da Universidade de Houston concluiu que cada execução no Texas preveniu entre 11 e 18 homícios no Estado.
  • Um estudo da Universidade de Michigan indica que um a cada 25 condenados à morte nos EUA é inocente.

Igualmente, a mesma rede de noticias, traz a tona outro fato que contribui desfavoravelmente a pena capital. Após 18 anos da execução de um jovem chinês de 18 anos, o tribunal da China inocentou-o do crime cujo qual, outrora havia autorizado o Estado a tirar-lhe a vida[8].

Nos Estados Unidos morrem entre 50 a 75 pessoas em decorrência de condenação a morte. Recentemente foi divulgada uma pesquisa Pew Research Center e CBS News relacionada à aceitação da pena de morte no país:

“Pesquisas divulgadas esta semana pelo Pew Research Center e CBS News mostram que o apoio público à pena de morte diminuiu para perto de mínimos históricos. Ambas as pesquisas relataram que 56% dos americanos apoiam a pena de morte. Esse é o menor nível de apoio já registrado pela pesquisa da CBS News, e o menor nível relatado pelo Pew nos últimos 40 anos. A pesquisa Pew examinou os níveis de apoio por partido político e descobriu que o declínio no apoio à pena de morte é particularmente notável entre os democratas, com apenas 40% dizendo que apoiá-lo agora, em comparação com 71% que fez em 1996. Enquanto 63% viram a pena de morte como punição moralmente justificado por assassinato, a maioria (71%), disse que há algum risco de execução de pessoas inocentes, e 61% disseram que não acreditam que dissuade os crimes graves. O apoio à pena de morte é menor entre as minorias raciais (34% de negros e 45% dos hispânicos apoiá-lo), mulheres (49%), e os católicos (53%). Grandes quedas em apoio à pena de morte, entre 2011 e 2015 foram notificados entre os democratas liberais (11 pontos percentuais), mulheres (10 pontos), abaixo dos 30 anos (8 pontos), e os republicanos conservadores (7 pontos).”[9]

Ao passo que em uma coluna publicada pelo Conselho Editorial do Jornal The New York Times diz:

“Por mais que os americanos podem discordar sobre a moralidade da pena capital, ninguém quer ver uma pessoa inocente executado. E, no entanto, com demasiada frequência, as pessoas acabam no corredor da morte depois de ter sido condenado por crimes horríveis que não cometeram. Os sortudos são exonerados enquanto eles ainda estão vivos - um clube macabro que tem crescido para incluir 152 membros desde 1973. O restante permanecerá bloqueada para a vida em células armário-size. Alguns morrem lá de causas naturais; em pelo menos dois casos documentados, os presos que estavam quase certamente inocentes foram condenados à morte. Quantas mais pessoas inocentes tenham tido o mesmo destino, ou estão aguardando-lo? Isso nunca pode ser conhecido. Mas ao longo dos últimos 42 anos, alguém no corredor da morte tenha sido exonerado, em média, a cada três meses. De acordo com um estudo, pelo menos 4 por cento de todos os condenados à morte nos Estados Unidos têm sido injustamente condenado.”[10]

De acordo com o exposto, no tocante ao tema, o importante a observar é que não existem pesquisas de medição da eficiência na aplicação da pena de morte, apesar de controverso e arcaico, em determinados casos aparenta ser a única solução lógica, todavia, amplamente criticada, onde firma-se no único e derradeiro argumento a seu favor: um assassino morto por tal pena, jamais poderá cometer um novo crime.

Com isso, fica-nos o pensamento extraído do livro Capital Ilusão de José Lucas Alves Filho atribuída a Victor Hugo: “A compaixão nem sempre é virtude. Quem poupa a vida do lobo, condena à morte as ovelhas”. (ALVES FILHO; 1986; p. 159)

5. Métodos de Execução

No decorrer dos séculos vários foram os métodos utilizados para punir criminosos, tais como: Empalamento, Lapidação (Apedrejamento), Esfolamento, Crucificação, Fervura, Guilhotina, Fogueira, Decapitações, Roda da Morte, Enforcamento, Eletrocussão (Cadeira Elétrica), Fuzilamento, Garrote, Câmara de Gás, Esquartejamento, Injeção letal entre outros.

Hodiernamente, os métodos mais utilizados para dar cabo à vida de um condenado resumem-se a:

Lapidação ou Apedrejamento: Consiste em executar a vítima por meio de apedrejamento público, atualmente, essa punição é utilizada para punir o adultério em países de fundamentação constitucional religiosa[11], como Irã e Afeganistão;

Decapitação: Como o próprio nome diz, consiste em decapitar o indivíduo condenado, atualmente é utilizada como meio de execução na Arábia Saudita;

Eletrocussão ou Cadeira Elétrica: Elimina a vida do condenado através de uma cadeira, com eletrodos, que descarregam sobre o sentenciado uma alta carga de 2.000 volts. Funciona da seguinte maneira: o réu é colocado sentado e amarrado na cadeira, coloca-se o eletrodo principal sobre a cabeça desse e outros conectados a diversas extremidades do corpo, como os lóbulos temporais. Aliado a isso, molha-se com uma substância condutiva de eletricidade embebida em esponjas colocadas na cabeça do condenado. Além de se colocar o mesmo condutivo nas extremidades dos eletrodos, para que a descarga seja mais rápida e eficaz.[12] Atualmente este método de execução é difundido em alguns estados do Estados Unidos;

Fuzilamento: Comum em tempos de guerra (inclusive no Brasil), para punir inimigos e condenados por traição à pátria e outros crimes. Também é utilizado como forma comum de execução penal em muitos países. Porém, nos Estados Unidos, em Utah e Idaho, ela é uma alternativa mediante a injeção letal. Coloca-se a vítima vendada e amarrada em frente a um pelotão militar. Vários soldados recebem uma ordem superior e, ao mesmo tempo, disparam. O pelotão é formado por cerca de dez soldados. Se, por acaso, algum dos fuzis não disparar ou algum soldado não o fizer por alguma razão, os outros disparos fariam a execução da pena sem que ela fosse interrompida ou impossibilitada[13]. Atualmente é utilizado na Bielorrússia, China, Uzbequistão, Somália, Taiwan e outros;

Injeção Letal: Funciona da seguinte forma: o condenado é colocado em uma maca numa sala transparente, amarrado. São injetadas substâncias químicas, uma por vez, por via intravenosa. Utilizam uma combinação que induz o réu a um estado de coma, (tiopentato de sódio). Outra, paralisa o sistema respiratório (brometo de pancurônio). E, por fim, a que faz o coração parar (cloreto de potássio). Muitos médicos dos EUA afirmam que seria uma forma ainda mais dolorosa de execução do que a cadeira elétrica; porém, invisível aos espectadores, devido à privação de consciência do réu[14];

Enforcamento: É realizada por meio de um poste de madeira com uma corda amarrada em forma de laço. O executado é colocado de pé sobre uma mesa ou cadeira, alçapão ou veículo (ex. carroça), e o laço é posto em volta de seu pescoço; então é removido aquilo que estivesse sob os pés. A corda não poderá ser curta demais e nem muito longa, para que o condenado possa ser executado de forma rápida e limpa. Se a corda tem a medida ideal (considerando-se a altura e o peso do condenado), pode ocorrer uma ruptura das vértebras cervicais, e a secção da medula espinhal provocando a paragem da função respiratória e, assim, uma morte rápida. Por outro lado, se é excessivamente longa, poderá causar a decapitação do condenado. Caso as vértebras cervicais não se rompam (normalmente por ser usada uma corda curta), o condenado morre por asfixia causada pelo laço, tanto por obstrução respiratória quanto pela obstrução das veias jugulares e artérias carótidas. A morte será assim lenta e dolorosa[15], é aplicado nos países Afeganistão, Bangladesh, Índia, Irã, Iraque, Japão, Kuwait, Malásia, Nigéria, Autoridade Palestina; e

Câmara de Gás: É um dispositivo para matar que consiste em uma câmara fechada na qual um veneno ou gás asfixiante é introduzido[16]. Atualmente é utilizada como opção a injeção letal nos Estados de Arizona, Califórnia, Missouri e Wyoming e, com possibilidade de reestabelecimento no Estado de Oklahoma devido a uma decisão judicial contraria a aplicação da injeção letal[17].

Com o exposto, podemos concluir que não existe método mais humano de se tirar uma vida, todavia, alguns países que adotam a pena de morte buscam acalentar a sociedade contraria a sua utilização, buscando ou adotando métodos que causem o menor sofrimento possível ao executado (por exemplo: Estados Unidos), contudo, é incoerente dizer humanidade no método de ceifar vida, mas é possível entender que existe humanidade em buscar salvar vidas[18]. A pena de morte quando excluído o cunho religioso da punição, é aplicada a crimes contra a vida cometidos com excesso de perversidade, que demonstram por seus atos o total desapresso a vida de outrem, justificando assim, a medida extrema adotada.

6. Pena de Morte no Brasil: Código Penal Militar

6.1 Conceito de Direito Penal Militar

Como se pode verificar no Texto Maior, as instituições militares são dotadas de tutela especial, que visa à manutenção de sua regularidade, pela proteção de outros bens jurídicos: a vida, a integridade física, a honra, a hierarquia, a disciplina etc.

Some-se a isso o fato de a missão das corporações militares ser revestida de uma complexidade ímpar, exigindo de seus sujeitos abnegação, robustez e coragem dignas de odisseia (NEVES; 2012). Tais características não se primam de forma espontânea, necessitam de ordens que tenham por obrigatoriedade o cumprimento de determinações seja ela de fazer ou deixar de fazer, visando sempre por objeto à missão precípua da força.

A observância da hierarquia e da disciplina é de suma importância para o pleno desenvolvimento das missões dentro dos organismos militares. Nesse sentido explana Cicero Robson Coimbra Neves:

“Não é a conduta humana, entretanto, perfeita a ponto de alcançar, conscientemente, o acatamento da hierarquia e da disciplina, razão pela qual, buscando evitar condutas lesivas ao convívio social, seja em sentido amplo, no seio da sociedade como um todo, seja em sentido estrito, no interior dos quartéis, surge a necessidade de instrumentos de controle, de aferição de uma conduta servil, exigida nas diversas atividades legadas às Forças Armadas, às Polícias Militares e aos Corpos de Bombeiros Militares” (NEVES; 2012).

Em suma, o referido autor, define como Direito Penal Militar:

“(...)conjunto de normas jurídicas fomentando o salutar desenvolver das missões precípuas atribuídas às Forças Armadas e às Forças Auxiliares” (NEVES; 2012).

6.2 Das Penas

O Código Penal Militar prevê penas principais (art. 55, CPM) e penas acessórias. Sendo que as penas principais são doutrinariamente divididas em:

Privação da Vida: Pena de Morte;

Privativas de Liberdade: Reclusão, detenção ou prisão; e

Restritivas de Direito: Impedimentos, suspenção do exercício do posto, graduação, cargo ou função e reforma.

Entretanto, para não alongar em demasia o presente trabalho e em consequência fugir do tema, iremos nos ater somente a pena de privação a vida.

6.3 Privação da Vida

Conforme dito anteriormente em conceito de pena de morte, esta caracteriza-se obviamente pelo ato de ceifar a vida do infrator do tipo penal, em decorrência de sentença transitado em julgado. Há necessidade de ressaltar que o dispositivo constitucional não restringiu a possibilidade de pena de morte apenas para crimes militares, nesse sentido versa Cicero Robson Coimbra Neves:

“Entretanto, embora nossa Constituição não admita a pena de morte, em tese, para crime comum, exigindo apenas o estado de guerra declarada nos termos do art. 84 da própria Constituição, fácil constatar que a legislação infraconstitucional atualmente em vigor não consagrou a pena de morte senão no Código Penal Militar, donde se conclui que o Brasil, não pela Constituição mas por norma infraconstitucional, aboliu toda e qualquer hipótese de pena de morte que não seja referente a um crime militar em tempo de guerra” (NEVES; 2012).

De acordo com a explicação acima, verificamos que a não aplicação da pena de morte para crimes comuns em tempo de guerra, só não poderá ocorrer em decorrência de abolição infraconstitucional. Todavia, essa realidade nos remete ao diploma internacional que foi promulgado entre nós por meio de Decreto n.º 678 de 06 de Novembro de 1992 (Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos ou Pacto San José da Costa Rica), conforme já explicado, veda em artigo 4º expressamente o estabelecimento, ampliação da aplicação e o reestabelecimento da pena de morte. Com isso, o Brasil, por seu Direito interno (infraconstitucional), aboliu a pena de morte para crimes não militares e, atendendo ao escopo do Pacto, não poderá retomá-la.

Com isso, é mister compreendermos de forma clara o termo “guerra” que a Constituição se refere, que possui a seguinte definição: luta armada ferida por dois ou mais Estados para solução de conflito havido entre eles, que não se tenha podido resolver por outro meio (NEVES; 2012). Diferenciando-se assim, de conflito entre Unidades da Federação, pois este trata-se de conflito interno definido como Guerra Civil. Tal importância dá-se, pois trata-se da única hipótese em que nossa Carta Maior permite condenar e executar a pena de morte no país. Igualmente, há de se ressaltar que a competência para declarar estado de guerra é privativa do Presidente da República, nos termos do Art. 84, XIX, da Constituição Federal.

Nesse sentido Cicero Robson Coimbra Neves explica:

“Conforme se infere do dispositivo constitucional permissivo da pena de morte, somente será ela possível em caso de guerra declarada, ato privativo do Presidente da República, nos termos do inciso XIX do art. 84 da CF. Com muita perspicácia, aponta Jorge Romeiro que o motivo da declaração de guerra deve ser unicamente, para a vigência dos dispositivos penais afetos à pena capital, por agressão estrangeira, descartando-se outros motivos para a declaração. A visão do saudoso autor, correta em nosso sentir, está atrelada a uma interpretação restritiva, baseada no inciso XIX do art. 84 da CF, que dispõe competir privativamente ao Presidente da República “declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional”. (g. n.) (...) Por outro bordo, o termo “agressão” deve ser entendido em sentido mais amplo, não comportando apenas a agressão física, mas também a agressão moral, econômica etc., justificando a declaração de guerra” (NEVES; 2012).

A pena de morte prevista no Código Penal Militar é por fuzilamento (Art. 56, CPM). Logo após a condenação transitada em julgado, a sentença definitiva deverá ser remetida ao Presidente da República, que terá um prazo de até 07 dias para indultar ou comutar a pena por outra menos grave. Somente após decorrido esses sete dias, sem a manifestação contraria, que a pena poderá ser executada (Art. 57, CPM).

Todavia, o CPM, no parágrafo único do art. 57, permite a execução imediata da pena de morte, desde que imposta em zona de operações de guerra e quando sua imediatidade seja exigida para preservar a ordem e a disciplina militares.

Outrossim, o Código de Processo Penal Militar (CPPM), versa sobre a pena de morte no art. 707, que diz:

“Art. 707. O militar que tiver de ser fuzilado sairá da prisão com uniforme comum e sem insígnias, e terá os olhos vendados, salvo se o recusar, no momento em que tiver de receber as descargas. As vozes de fogo serão substituídas por sinais.

1º O civil ou assemelhado será executado nas mesmas condições, devendo deixar a prisão decentemente vestido.

Socorro espiritual

2º Será permitido ao condenado receber socorro espiritual.

Data para a execução

3º A pena de morte só será executada sete dias após a comunicação ao presidente da República, salvo se imposta em zona de operações de guerra e o exigir o interêsse da ordem e da disciplina.”

Entretanto, como já dito anteriormente, é característico do Governo Brasileiro não aplicar a pena de morte, pois já houve um caso de condenação à pena de morte por crime militar, no caso de dois soldados que durante a Segunda Guerra Mundial, nos campos da Itália, violentaram uma jovem, matando, ademais, seu avô para que não pudesse defender a neta. Apesar de condenados à pena capital pela 2a Auditoria junto à 1a DIE, da Força Expedicionária Brasileira (FEB), na Itália, com confirmação do Conselho Supremo de Justiça Militar, houve a comutação da condenação pelo Presidente da República para trinta anos de reclusão. Embora o fato se tenha passado à luz da legislação penal militar anterior, o exemplo, didaticamente, é muito importante para que se verifique os trâmites da execução, com possibilidade de comutação pelo Presidente da República. (NEVES; 2012)

Considerações finais

Falar de pena de morte no Brasil é complexo, pois, milhares de crianças nascem com um triste destino: viver a desnutrição e a deseducação, sem esperança ou futuro. Destinado ao cruel dilema de optarem entre a mendicância e a criminalidade. Tendo em vista a atual situação brasileira de criminalidade e violência, questiona-se se a Pena de Morte seria uma solução a ser utilizada no atual contexto criminal.

Diante das más condições de saúde, de educação, de moradia e do sistema prisional mostram que o crime da questão é social e que o Estado, dada a sua falibilidade e a corruptibilidade de seus representantes, também é responsável pela elevação no índice de criminalidade, pela inimputabilidade e pela sensação de medo e insegurança vivida pelos brasileiros.

No ordenamento jurídico brasileiro o direito à vida é reconhecido como um direito fundamental, expressamente proclamado e garantido como cláusula pétrea pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Porém, os índices de criminalidade estão cada vez mais crescentes. Então, seria o Direito Penal Máximo, a Pena de Morte, um meio eficaz para combater a violência?

Como esmiuçado por este trabalho, a pena de morte existe desde as primeiras civilizações, onde era praticada de forma desigual, atroz e sem nenhuma proporção com o delito cometido. Com o desenvolvimento, a sociedade passa a buscar um certo grau de proporcionalidade entre o delito e a pena, surgindo a figura do Estado, o qual assume a titularidade da punição.

Assim sendo, movimentos com ideais de maior liberdade e respeito aos direitos do cidadão passam a existir e a se propagar pelo mundo, fazendo com que muitos países passassem a abolir de suas legislações a penalidade máxima, como é o caso do Brasil. Todavia, ainda existem no Brasil o direito de aplicar esta pena em casos especiais previstos legalmente, ou seja pactuamos do direito penal do inimigo só quando convier.

Sem ter diminuído a incidência de crimes, a pena de morte apresentou-se ao longo da história da humanidade, como uma forma de repressão aos delitos, todavia, desde o período primitivo, o endurecimento das penas demonstra-se como caminho contrário à evolução do direito e da vida em sociedade.

Então para que a sociedade não clame por penas severas ou erradicação do delito hediondo necessita-se, que o Estado cumpra com seus deveres sociais, equacionando as graves injustiças socioeconômicas e promovendo a paz social, e que todas as pessoas reflitam a cerca da problemática social e façam também a sua parte, seja na hora de escolher os governantes, seja na educação de seus filhos, pois a bases familiares também se encontram desestruturadas.

Por fim, que a mensagem milenar do filósofo Pitágoras faça despertar um compromisso que é de todos: “Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos”.

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[1] O vocábulo vem de talis, expressão de origem latina, cujo significado é dever a sanção ser tal qual o atentado ou dano provocado, implicando na expressão “olho por olho, dente por dente”;

[2] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1017;

[3] http://jus.com.br/artigos/932/evolucao-historica-do-direito-penal;

[4] http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD5_files/Joseane_VIEIRA.pdf;

[5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Cesare_Beccaria;

[6] Idem;

[7] http://jus.com.br/artigos/932/evolucao-historica-do-direito-penal;

[8] http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141215_chines_execucao_perdao_fn;

[9] http://www.deathpenaltyinfo.org/node/6118 (Traduzida do site por meio de Google Tradutor);

[10] http://www.deathpenaltyinfo.org/node/6104 (Traduzida do site por meio de Google Tradutor);

[11] http://pena-de-morte.info/metodos-de-execucao.html;

[12] Idem;

[13] http://pena-de-morte.info/metodos-de-execucao.html;

[14] Idem;

[15] http://noticias.terra.com.br/educacao/voce-sabia/10-tipos-penas-de-morte/;

[16] http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2mara_de_g%C3%A1s;

[17] http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/16/internacional/1424044115_325824.html;

[18] Defesa utilizada por estudiosos nos Estados Unidos para legitimar a pena de morte. Pesquisadores da Universidade de Houston concluiu que cada execução no Estado do Texas preveniu de 11 a 18 homicídios no Estado. <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/01/150116_penademorte_ss> 

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Sobre os autores
José Carlos de Moraes Horta

Agente de Segurança Penitenciário no Estado de São Paulo desde 2002. Bacharel em Direito e aprovado no XXV Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-graduando em Direito Público pela Faculdade Legale.

Jean Barros Avelar

Acadêmico do curso de Direito da Faculdade Metropolitana de Caieiras

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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