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A flexibilização real:

conciliação na Justiça do Trabalho

13/03/2004 às 00:00
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Apesar de tratada ora pelo nome de acordo, ora pelo nome de transação, a conciliação é o termo consagrado na Justiça do Trabalho para prestigiar o espaço da autonomia das vontades individuais dentro do próprio espaço da jurisdição, evidente mostra do dirigismo estatal na solução negociada de conflitos de natureza patrimonial entre empregado e empregador.

Desde antes da própria CLT, quando a Justiça do Trabalho era órgão do Poder Executivo, já estava desenhada sua função apaziguadora de conflitos por acordos pecuniários. De lembrar, que há bem pouco tempo atrás, as Varas do Trabalho emblematicamente eram denominadas Juntas de Conciliação e Julgamento: primeiro a conciliação, depois o julgamento, como dispõe o artigo 764 da CLT, abre-alas do processo trabalhista. Mesmo com a alteração da denominação das unidades judiciárias trabalhistas, a função precípua de conciliar permanece firme e primordial nessa esfera da jurisdição, cujas expressões vemos na audiência de conciliação prévia e na segunda proposta conciliatória, que deve obrigatoriamente ser renovada antes do encerramento da instrução, sob pena de nulidade do processado.

Observe-se que atualmente se discute a flexibilização dos direitos trabalhistas, como se fosse uma nova idéia, havendo discussões de inúmeras teses a seu favor, outras contra e outras, ainda, intermediárias. Mas se repararmos no sistema institucional trabalhista de forma mais ampla, a conciliação na Justiça do Trabalho é a mais evidente prova de que a flexibilização é fato, é realidade e há longa data. Isso porque, não obstante a regra seja a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, havendo lide processual, há ampla liberdade para o ajuste de acordos, pondo termo à própria relação jurídica de direito material, em toda a sua amplitude, que fica reduzida ao valor pactuado. E, de regra, nesse momento o Juiz do Trabalho não perquire se esse valor é condizente com os fundamentos de fato e de direito da lide ou se abrangem direitos a mais ou a menos dos que estão sendo postulados na ação. O máximo que faz é coordenar esse espaço de autonomia, alertando as partes para os riscos e desgastes da continuidade da ação judicial. O ordenamento privilegia a autonomia das vontades sempre que não houver nesse espaço de ampla negociação das partes vícios de consentimento – dolo, coação, erro essencial quanto à pessoa ou à coisa controversa, artigo 849 do Código Civil – ou fraude e simulação evidentes, vindo o Juiz a homologar o acordo, ou seja, selando a "lei entre as partes", consubstanciada naquilo que elas mesmas calcularam como o adequado – concessões mútuas – para pôr fim ao litígio.

Portanto, ao contrário do que se apregoa, os trabalhadores individualmente negociam, sim, seus direitos legais, em sede de ação trabalhista, após o contrato de trabalho ter sido rompido. Fica clara a flexibilização desses direitos. O desenho institucional do mercado de trabalho converge para isso, pois é economicamente mais vantajoso para o empregador não pagar a totalidade dos direitos do trabalhador no curso da relação de emprego – porque nesse momento o trabalhador se cala, premido pela necessidade de sua subsistência e de sua família – vindo a fazê-lo se demandado na Justiça do Trabalho, quando poderá pagar menos do que deve nesse espaço de negociação. Evidente que o trabalhador, até à vista dos riscos do calvário de um processo de conhecimento seguido do estresse de um processo de execução, aceita acordo em valor inferior ao que, em tese, seria apurados ao cabo do trâmite processual. De outra banda, o trabalhador tem amplo acesso à Justiça do Trabalho, pois a regra é a de concessão da justiça gratuita, despendendo apenas o seu tempo para comparecer às audiências; ou seja, é um caminho acessível e gratuito para sua reclamação e, de qualquer sorte, ele sabe que conseguirá algum sucesso pecuniário.

Assim, o Juiz, envidando todos os bons ofícios e a persuasão racional para a conciliação e sendo profícua esta, o parágrafo único do artigo 831 da CLT dispõe que: "no caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social, quanto às contribuições sociais que lhe forem devidas". Da primeira parte desse dispositivo e de todo retro exposto se infere que: a) a natureza jurídica da conciliação é de direito privado, porque prestigiada a autonomia negocial das partes; b) trata-se de concessões mútuas para pôr fim ao litígio, dando imediato espaço à execução do título; c) assim, produz coisa julgada, que é consubstanciada na importância ajustada, não se perquirindo quais os fundamentos de fato e de direito que lhe deram origem, nem se exigindo correspondência entre o valor e os pedidos balizados pelos argumentos da defesa; d) isso porque as partes dividem os riscos da ação trabalhista, sendo procedimento autônomo, que não guarda necessariamente correspondência com a lide: a conciliação pode, inclusive, abranger parcelas sequer postuladas na ação, o que é referendado pelo artigo 584, inciso III, do CPC, diploma processual de aplicação subsidiária no processo do trabalho; e) as partes estabelecem livremente o conteúdo do acordo, de forma a melhor contemporizar seus interesses, pois é forma de resolução do liame obrigacional; f) então, a conciliação não implica, necessariamente, no reconhecimento de direitos; g) o impedimento para sua homologação pelo Juiz requer a presença dos defeitos que anulam os negócios jurídicos em geral, como ausência de capacidade das partes, dolo, coação, violência, erro essencial sobre a pessoa ou coisa controversa; h) mas, se essa conciliação é "homóloga à lei", passa a ser título executivo judicial, desfeito apenas pelo estreito caminho das ações anulatória ou rescisória, conforme a natureza dos vícios nela encontrados; i) por isso se pode afirmar que o acordo nascido do processo trabalhista pertence ao espaço de autonomia individual aberto pelo Estado, o qual não pode ser afrontado por lei ordinária, muito menos por ato de autoridade.

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Por fim, três conclusões sobressaem: a primeira, é a vocação conciliatória da Justiça do Trabalho, seu dever institucional de, antes de julgar, solucionar conflitos através de acordos entre as partes; a segunda é que evidente é a flexibilização dos direitos trabalhistas nesse espaço, que são negociados individualmente e, na maioria das vezes, renunciados pelo trabalhador para possibilitar o acordo pecuniário; a terceira é que esse sistema de solução de conflitos – espaço da heterocomposição - converge para que essa flexibilização individual de direitos aconteça, passando, a conciliação, a ser inclusive uma opção para o empresário administrar seu capital de giro e também uma forma de o trabalhador, ciente de sua renúncia, receber alguma importância além das parcelas rescisórias pela terminação do contrato.

Não é o sistema ideal e certamente não espelha a Justiça como valor, mas é, sem dúvida, um sistema que se baseia na negociação, o que não deixa de ser um reflexo do mercado capitalista. A Justiça do Trabalho, quando atua na conciliação, pode ser figurativamente entendida como se fosse uma grande loja em que o trabalhador, individualmente, negocia seus direitos trabalhistas.

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Sobre a autora
Gisela Andréia Silvestrin

servidora pública no TRT da 4ª Região (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVESTRIN, Gisela Andréia. A flexibilização real:: conciliação na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 249, 13 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4919. Acesso em: 22 dez. 2024.

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