O Estado existe para a consecução do bem comum, ou seja, deve ser organizado de tal maneira que proporcione a sua população, aos seus habitantes, um bem-estar social, garantindo-lhes tudo o que for necessário a vida digna com respeito aos seus direitos e garantias inerentes a pessoa humana. Para chegar a atingir tal finalidade, o Estado necessita de angariar recursos, o qual obtém por meios das chamadas receitas públicas, que constitui “toda entrada de dinheiro nos cofres públicos de forma definitiva”[1], cuja principal são receitas tributárias. Assim sendo, pode-se afirmar que as receitas decorrentes da arrecadação estatal de tributos são a fonte primordial de custeio das atividades públicas.
Segundo art. 3º do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/66:
Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Segundo essa definição, tem-se que o tributo tem caráter compulsório, cobrado de maneira coercitiva pelo Estado frente aos contribuintes, uma vez que é dever de toda a sociedade colaborar para a manutenção das atividades estatais na medida de suas possibilidades, conforme já enunciara a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, nos termos do seu art. 13º: “Para a manutenção da força pública e para as despesas da administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades” [2].
Ainda, segundo o Código Tributário Nacional, em seu art. 5º, os tributos são divididos em impostos, taxas e contribuições de melhoria. No entanto, quanto a essa divisão, cabe fazer importante observação, uma vez que, segundo o posicionamento majoritário do STF, também é considerado tributos os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais.
Impostos são definidos no art. 16º do CTN como tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica. Segundo Ricardo Cunha[3]:
Imposto tem por hipótese de incidência ou um comportamento do contribuinte (ICMS, que tem entre suas hipóteses de incidência uma operação mercantil; ISS, que tem por fato gerador uma pessoa prestar, a terceiro, em caráter negocial, um serviço especificado na lista anexa à LC n. 116/2003), ou uma situação na qual o contribuinte se encontre (IPTU, tem por hipótese de incidência o fato de uma pessoa ser proprietária de um imóvel localizado na zona urbana de um Município).
O ICMS, assim sendo, é um imposto, haja vista que sua cobrança independe de uma atividade estatal específica, e ainda, porque sua hipótese de incidência primordial é um comportamento do contribuinte, qual seja, a realização de operações relativas a circulação de mercadorias, operação mercantil. Ademais, está classificado ainda como imposto de caráter indireto, ou seja, impostos indiretos, ou, como denomina Ricardo Cunha[4], impostos que repercutem, conceitua como: “são aqueles cuja carga financeira é suportada não pelo contribuinte (contribuinte de direito), mas por terceira pessoa, que não realizou o fato imponível (contribuinte de fato)”.
Taxas são tributos de natureza vinculada, ou seja, para sua instituição faz-se necessário que o Estado preste uma atividade específica relativa ao sujeito passivo, diferente do que ocorre com os impostos. Conforme art. 145, II, da CF/88 e art. 77 do CTN, as taxas são tributos que têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Contribuições de melhoria são tributos também de natureza vinculado, mas a atividade específica que o Estado presta em relação ao sujeito passivo é uma construção de uma obra pública que acarreta na valorização do imóvel do contribuinte, ou seja, sua hipótese de incidência exige que haja uma valorização de imóveis particulares como consequência da realização de uma obra pública. Assim, conforme defini art. 81 do Código Tributário Nacional:
A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
Os empréstimos compulsórios, por sua vez, são tributos cobrados pela União em casos excepcionais, instituídos por lei complementar, nas hipóteses expressamente previstas no art. 148 da CF/88 que abaixo segue:
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.
Para a pesquisa em questão, o foco é o estudo dos impostos e das contribuições especiais, uma vez que o ICMS está classificado como tributo da espécie imposto, e o PIS e a Cofins, como contribuições especiais, que será definido logo a seguir.
O PIS e a Cofins, por sua vez, são tributos classificados como contribuições especiais, que podem ser, segundo a Constituição Federal de 1988, art. 149 e 149-A, de quatro espécies, contribuições sociais, de interesse de categoria profissional ou econômica, de intervenção no domínio econômico ou de custeio do serviço de iluminação pública. Seguindo ainda, os ensinamentos de Ricardo Cunha[5]:
As contribuições sociais são aquelas destinadas a financiar a concretização dos direitos sociais previstos na Constituição Federal, ou seja, o direito à seguridade social (sistema que engloba a previdência social, a saúde pública e a assistência social), à habitação, à educação e etc.
Quanto ao PIS, vejamos o que dispõe o art. 239, da CF/88, in verbis:
Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo.
Assim diante do exposto acima, temos que pela finalidade do PIS, qual seja, arrecadar receitas para o financiamento dos programas sociais do seguro-desemprego e do abono salarial, trata-se de uma contribuição nitidamente social.
Em relação ao Cofins, este foi instituído pela Lei Complementar n° 70, de 30 de dezembro de 1991, que em seu art. 1º define que:
Art. 1° Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), fica instituída contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social.
Diante do exposto, temos claramente que a finalidade da Cofins é o financiamento das despesas com a seguridade social, a qual abrange a saúde, a previdência social e a assistência social. Assim trata-se indubitavelmente, de uma contribuição social.
Uma vez demonstrado que tanto o PIS, quanto a Cofins, são contribuições especiais, enquadradas na espécie, contribuições sociais, analisaremos agora o que compõe a base de cálculo desses tributos, que sofreu recente alteração pela Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014.
Segundo a Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, em seu art. 2º e 3º, PIS e Cofins tem como base de cálculo o faturamento, que compreende a receita bruta. Assim:
Art. 2° As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.
Art. 3º O faturamento a que se refere o art. 2o compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977.
Conforme verifica-se nos artigos transcritos acima, a receita bruta está definida no art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977. Esta é formada pelo produto da venda de bens nas operações de conta própria, pelo preço da prestação de serviços em geral, pelo resultado auferido nas operações de conta alheia e ainda pelas demais receitas decorrentes da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica. De acordo com o referido dispositivo legal:
Art. 12. A receita bruta compreende:
I - o produto da venda de bens nas operações de conta própria;
II - o preço da prestação de serviços em geral;
III - o resultado auferido nas operações de conta alheia; e
IV - as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.
E importante salientar que o CTN - Código Tributário Nacional, instituído pela lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, em seu art. 110 expõe que:
A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Diante exposto, temos que o conceito de faturamento é conceito de direito privado, mais especificamente, do Direito Comercial, não podendo ser alterado pela legislação tributária.
Tomando como base as noções acima demonstradas, o presente trabalho irá discutir primordialmente a questão da inconstitucionalidade ou constitucionalidade da inclusão do valor correspondente ao ICMS, como imposto de natureza indireta, na base de cálculo do PIS e da Cofins, que tem como base de cálculo o faturamento, cuja divergência encontra-se no fato de se o ICMS como imposto indireto, deve compor ou não o conceito de faturamento, haja visto que no momento da venda da mercadoria, o imposto está incluso no seu valor total da operação, sendo assim, integrante do conceito de faturamento como alguns sugerem, enquanto outros, afirmam que o faturamento compõe, única e exclusivamente, a receita que o contribuinte auferiu com a operação, sendo excluída desta o ICMS por não constituir receita para o contribuinte. Vejamos alguns dos trechos dos votos dos ministros do STF ao julgar o RE 240.785/MG que foram a favor e contra ao pedido de exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins:
O senhor Ministro Eros Grau: Não tenho dúvida em afirmar que o montante do ICMS integra a base de cálculo da COFINS. Está incluído no faturamento, pois o ICMS é imposto indireto que se agrega ao preço da mercadoria. (...) Por isso mesmo integra a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica. É custo, tal como salário ou custo da energia elétrica, sendo irrelevante para a determinação dessa totalidade o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para tais receitas.
O senhor Ministro Marco Aurélio: Da mesma forma que esta Corte excluiu a possibilidade de ter-se, na expressão “folha de salários”, a inclusão do que satisfeito a administradores, autônomos e avulsos, não pode, com razão maior, entender que a expressão “faturamento” envolve, em si, ônus fiscal, como é o relativo ao ICMS, sob pena de desprezar-se o modelo constitucional, adentrando-se a seara imprópria da exigência da contribuição, relativamente a valor que não passa a integrar o patrimônio do alienante quer de mercadoria, quer de serviço, como é o relativo ao ICMS. Se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria.
Ademais, ao analisar a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do o PIS e da a Cofins, caso se verifique pela sua constitucionalidade, analisar-se-á o impacto dessa desoneração tanto para os contribuintes quanto para o Estado.
[1]. PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro esquematizado / Tathiane Piscitelli. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Forense, São Paulo : MÉTODO, 2014. Cap. 3.1.Receitas Públicas: definição e classificação. E-book (livro digital). ISBN 978-8-5309-5397-3.
[2]. NABAIS, José Cabalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedida, 2004, p. 45.
[3]. CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito tributário: com anotações sobre direito financeiro, direito orçamentário e lei de responsabilidade fiscal / Ricardo Cunha Chimenti. – 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. – (Coleção sinopses jurídicas; v. 16). Cap. 3.7. Os impostos. E-book (livro digital). ISBN 978-85-02-16211-2
[4]. Idem.
[5]. Idem