Análise crítica sobre o fenômeno da pulverização de tipos penais no diploma legal

23/05/2016 às 10:58
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O Estatuto da Criança e do Adolescente regula diversos aspectos concernentes à matéria, inclusive dispondo um capítulo tipificando diversas condutas como infrações penais contra a criança e o adolescente.

1 - Análise Crítica sobre o fenômeno da pulverização de Tipos Penais no diploma legal

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê no título VI (Dos Crimes e Das Infrações Administrativas) os crimes praticados contra o criança e adolescente.

Art. 225. Este Capítulo dispõe sobre crimes praticados contra a criança e o   adolescente, por ação ou omissão, sem prejuízo do disposto na legislação penal.

            A crítica aqui se faz em relação à expressão “sem prejuízo do disposto na legislação penal), já que no Estatuto não há nenhuma disposição expressa sobre a inaplicabilidade de tal legislação extravagante e, havendo conflito entre normal do ECA e outra penal, deve ser naturalmente aplicado o princípio da especialidade, ou seja, deve incidir a norma específica em vez da norma geral, assim enumera o art. 226:

Art. 226. Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei as normas da Parte Geral do    Código Penal e, quanto ao     processo, as pertinentes ao Código de Processo Penal.

            São portanto, aplicáveis subsidiriamente. as normas do processo penal aos crimes previstos no ECA. Também enumera o diploma no seu art. 227 que os crimes definidos no Estatuto são de ação pública incondicionada, ou seja, são de iniciativa do Ministério Público, que além de oferecer a denúncia, participa ativamente de todo o processo (oitiva do adolescente, conhecer do inquérito policial, dentre outros) a fim de assegurar a defesa dos direitos da criança e do adolescente (art. 129, II, da CF)

            O ECA portanto, prevê um grupo de crimes cometidos contra a criança e o adolescente. Porém as infrações dessa natureza não estão somente no Estatuto, mas também na legislação extravagante. Normalmente, nesses dispositivos, o fato de a criança ou adolescente ser sujeito passivo há a previsão de uma qualificadora, por exemplo. Ou ainda o previsto no próprio Código Penal, onde o crime cometido contra a criança configura uma agravante (art. 61, h):

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime

h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida

            Essa situação é alvo de críticas por boa parte da doutrina, pois deixa de sistematizar em único diploma todas as situações relativas à infrações penais contra a criança e o adolescente.

            Exemplo da situação é o crime previsto no art. 240 até o 241-E do ECA, que tratam de crimes de teor sexual contra a criança e o adolescente (aliciamento de menores, simulacro de pedofilia, posse de materia pornográfico contendo criança ou adolescente, difusão de pedofilia, comercial de material pedófilo e utilização de criança ou adolescente em cena pornográfico ou de sexo explítico).

Art. 240.  Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente

Art. 241-E.  Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais

           

Tratando sobre o tema entrou em vigor no dia 18 de maio a Lei 12.650 de 2012 alterou o art. 111 do Código Penal (resultado da CPI da pedofilia e chamada de Lei Joana Maranhão), regulando a prescrição de crimes de contra a dignidade sexual da criança e do adolescente:

Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:

V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.

            Outro caso é o do tráfico de pessoas, que é previsto no art. 239 do Estatuto:

Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:

Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

O Código Penal também prevê o crime de tráfico de pessoas para fins sexuais e também causa de aumento de pena se a vítima for menor de dezoito anos.

Art. 231-A.  Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual

§ 2o  A pena é aumentada da metade se: 

 I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos

           

O ECA busca reunir toda a legislação penal referente à criança e o adolescente, porém a legislação extravagante acaba por atrapalhar a sistematização do tema, o que até dificulta a aplicação da norma pelo juiz, visto que, dependendo do caso, uma norma de alguma lei extravagante pode ser mais apropriada para o caso que uma prevista no ECA. Deve-se buscar conciliar o princípio da especialidade com a aplicação da norma mais favorável se houver confronta de normas do ECA contra normas de leis extravagantes.

REFERENCIAS

ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Curso de Direito da Criança e do Adolescente - Aspectos Teóricos e Práticos – 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

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BRASIL, Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990.

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Sobre o autor
Guilherme Maciel Salomão

Graduando em Direito pela UEMA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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