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Relação de causalidade:

art. 13 do Código Penal

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12/03/2004 às 00:00

Resumo:


  • A causalidade no Direito Penal envolve a relação entre a conduta do agente e o resultado jurídico, seja ele material nos crimes materiais ou valorativo nos crimes formais e de mera conduta.

  • O Código Penal Brasileiro segue a teoria da equivalência dos antecedentes causais, mas admite exceções através da teoria da causalidade adequada, especialmente em casos de causa superveniente que por si só produz o resultado.

  • A imputação objetiva surge como uma alternativa às teorias da causalidade, focando na relação de risco criado ou incrementado pela conduta do agente em relação ao bem jurídico protegido, e não apenas nos aspectos materiais do resultado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6-A NOVA CAUSALIDADE

Sem embargo das proposições teóricas da causalidade equivalente ou adequada, buscava-se uma viabilidade alternativa, já que nenhuma dessas duas teorias contentava os juristas e não resolviam todas as situações senão deixando sempre um traço de indecisão. Assim é que, em 1930, por iniciativa de KARL LARENZ, surgiu, na Alemanha, um contexto de idéias buscando solucionar a problemática da causalidade material causal, num primeiro momento pretendendo resolver lides civis relacionadas com a responsabilidade civil objetiva.

LARENZ, numa obra que determina um marco no tratamento do problema objeto deste trabalho, elabora sua doutrina da imputação objetiva tomando como ponto de partida a doutrina do idealismo crítico e, em especial, a doutrina da imputação de Hegel. Este autor atribui ao conceito de imputação objetiva a função de separar entre o fato próprio e acidental, denominando imputação objetiva ao ‘juízo sobre a questão de se um sucesso pode ser atribuído a um sujeito próprio’, juízo este independente do que decide sobre a existência ou não do nexo causal. [15]

Um pouco mais tarde, RICHARD HONIG tratou de trazer a doutrina inicialmente idealizada por LARENZ para o Direito Penal.

Dizia HONIG "que na ciência do Direito Penal não é possível que a única coisa que importe seja a comprovação do nexo causal em si, senão que há que discutira explicação de uma determinada propriedade, que corresponde às exigências da ordem jurídica, do nexo existente entre ação e resultado".

Contudo, a eclosão da 2ª Grande Guerra abafou a teorias progressistas surgidas naquela época na Europa, maximamente na Alemanha, sendo que a inovação de HONIG permaneceu oculta por quase quatro décadas, sendo, então, redescoberta no final dos anos 60, após a ascensão do Finalismo de HANS WELZEL. Surgiram, pois, com GUNTHER JAKOBS, CLAUS ROXIN e JESCHECK, entre outros. Novos ideais aclarando e aperfeiçoando a era atual, o que fora exposto por HONIG. Em suma, se buscava nada mais que se trazer, objetivamente, o resultado jurídico duma conduta humana voltada à criação dum resultado típico de forma a se viabilizar a responsabilização do autor daquela conduta além do mero plano naturalístico. E assim afirma ROXIN que "cada vez ganha mais terreno a concepção de que para o Direito Penal é menos importante averiguar se e com que requisitos se podem qualificar como ação uma conduta humana, que estabelecer quando e até que ponto se pode imputar como fundamentador da responsabilidade um resultado a uma pessoa." [16] A novel formulação acerca da causalidade e a responsabilidade fática se denomina então, Imputação Objetiva.


7-CONCEITO DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Surgindo como verdadeira alternativa ao problema da causalidade, a imputação objetiva tem por escopo modificar a relação causal absolutamente física (material) por uma relação de caráter valorativo ou normativo, situação ainda não muito apaziguada entre os doutos. Ainda tem muito a assentar, sendo, entretanto, de total aplicabilidade atual, sem deixar de atuar conjuntamente com a causalidade física em razão da própria dogmática, como também pela sua tenra realização. Está, no contexto moderno, em pleno desenvolvimento. "Ela completa a teoria do nexo de causalidade objetiva, fornecendo solução adequada às hipóteses em que as doutrinas naturalistas não apresentam resposta satisfatória" [17]. Também se expressa claramente FRISCH: "No desenvolvimento deste enfoque básico, a teoria da imputação objetiva não se coloca realmente em contradição com as teorias da causalidade já antes expostas. Acolhe suas colocações e tenta melhorá-los , continuá-los e completá-los, razão pela qual se pode qualificar a teoria da imputação objetiva, sem mais, como a teoria da adequação continuada ou como teoria de relevância desenvolvida". [18]

A doutrina da Imputação Objetiva não pode, sob forma alguma, ser confundida ou interpretada com a "responsabilidade penal objetiva". Esta atribui ao autor a responsabilização pelo evento independentemente da culpabilidade, importando-se apenas e tão somente com a ligação entre a causa e o resultado. Já a Imputação Objetiva tem por escopo determinar a possibilidade de se imputar a responsabilidade de alguém em face duma conduta que cria um perigo ou risco a um bem juridicamente relevante (protegido pela norma) e a realização (acontecimento – material ou formal) de um resultado também jurídico (de alguma importância). Verifica-se na imputação objetiva a relação causal entre a conduta e o resultado e a relevância jurídica da produção do resultado, sob a ótica da concretização de um perigo não permitido juridicamente. [19]

Percebe-se, pois, que a imputação objetiva não se restringe à verificação do resultado material. Vai além, pois ainda tem em mente, além disso, que é a primeira etapa, depende da valoração da relevância jurídica entre a conduta e o resultado do fato, independentemente deste resultado ser material. Nos crimes sem resultado, está, na verdade, oculto na potencialidade de sua ocorrência, eis que o risco é a transformação do resultado jurídico. Por isso, aplica-se a imputação objetiva a toda classe de infrações penais. [20] No mesmo rumo MARGARITA M. ESCAMILLA: "Sem embargo, atualmente se propõe a extensão de seu âmbito de aplicação também aos delitos de atividade e aos omissivos. Inclusive se propõe sua ampliação à teoria da co-delinqüência, à tentativa, etc." [21]


8- A IMPUTAÇÃO OBJETIVA NA REALIDADE

Por isso, abaixo seguem alguns exemplos, bem resumidamente, de casos reais em que, duma forma ou outra, houve a presença da imputação objetiva na resolução jurídica.

-O caso do Serviço Funerário

Dois funcionários do Serviço Funerário Municipal são encarregados de realizar a remoção de cadáveres do velório para o local do sepultamento. Numa dessas ocasiões, deparam-se com um defunto, já no esquife, pronto para ser removido, mas expelindo secreção natural (comum em todos os cadáveres) em razão da morte, pelos ouvidos e narinas, embora com tamponamento anterior com algodão realizado pela enfermagem. Mas tal serviço não operou o efeito devido e assim, não podem efetuar o transporte, porque é vedado, pela municipalidade, o carregamento nessas situações. O que fazem os funcionários? Propõem aos parentes do falecido que, por determinada quantia, realizem, eles, funcionários, novo tamponamento. Este serviço não faz parte da função dos oferecedores. Apenas se valem da condição da função para poderem oferecer seus préstimos, dada a ineficiência de outros setores particulares ou públicos. Mas os parentes (aqui vítimas) não aceitam o pagamento e reclamam à polícia. Há acusação de corrupção passiva ou até mesmo concussão (artigos 317 e 316 do Código Penal). Não há culpabilidade dos funcionários pela imputação objetiva.

Sob o prisma unicamente estatal, o fato é reprovável, tanto que os averiguados foram demitidos. Porém, sob o aspecto jurídico-penal, não há reprovabilidade, já que se tratava de fato inerente aos serviços médicos, não de transporte.

Enfim, os agentes não criaram e nem aumentaram risco algum ao bem jurídico com suas condutas.

-O caso da cura espiritual

Determinada pessoa F sofria de uma moléstia gravíssima e, desalentada com o tratamento terapêutico convencional e pretendendo também se salvar a qualquer modo, procurou por G, conhecido por curas espirituais sem ministrar farmacopéicos. G, conhecendo a doença de F, já que por esta exposta à situação, diz para F suspender sua medicação alopática e tomar apenas água. F aquiesce, mas, dias após, vem a falecer. G responde por homicídio pela imputação objetiva, não sendo, num primeiro momento, necessário se indagar sobre sua culpabilidade estrita. Houve o que na imputação objetiva se chama incremento do risco. Sinteticamente, G, conhecendo o risco de morte a que se sujeitava F, fê-la sustar seu tratamento, tornando aquela totalmente dependente da conduta de G, que, sabedor da potencialidade daquele risco, aumentou-o ao receitar tão só água.

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-O caso da morte na cadeia pública

D, carcereiro, conduz V, preso, e, ao colocá-lo num xadrez onde já existem outros encarcerados, fala em alta voz, referindo-se a V: "você é cagueta, hein !" Mais tarde, V é morto pelo outros presos, motivados pela acusação da delação. O carcereiro responde pela morte também, segundo a imputação objetiva. A criação do risco de morte, ao pronunciar aquela frase na presença de outros presos, foi fundamental, ou seja, de total nexo causal entre a conduta e a morte.

-A novação da dívida em cheque sem fundos

X recebe um cheque sem fundos de Y. No decorrer da apuração policial, há novação da dívida, porque Y assina uma nota promissória em substituição ao cheque. Porém, também não resgata o segundo título. Não há estelionato por parte de Y. A novação da dívida fez com que o dano originariamente criado (ao patrimônio) a X, foi por este superado ao concordar com que a dívida fosse renovada, sem recebê-la. O dano original ficou restabelecido ao se transformar uma situação inicialmente penal em civil. Pela imputação objetiva, o segundo título não pode ser considerado como criador de risco ao patrimônio, já que a vítima tinha pleno conhecimento desse perigo, pois decorrente duma inicial inadimplência. Não há causalidade, pois a superveniência de causa já era, de certa forma, esperada.

-Caso da "fechada" no trânsito

W, uma motorista, conduz seu carro por determinada rua da Capital, pela faixa exclusiva de ônibus que esta à direita da via. Ao lado esquerdo de W, segue outra motorista Z – não é preconceito contra as mulheres, é caso real. Z, pretendendo entrar à direita, ultrapassa e repentinamente "fecha" W. Essa manobra  brusca faz com que os carros colidam e W, que transitava à direita, vá à calçada e lesione pedestres. Qual motorista cometeu o delito culposo? Pela teoria da equivalência, ambas, pois  não se compensam as culpas e se W não estivesse na faixa de ônibus, o resultado não teria ocorrido como ocorreu. Porém, não assim pela imputação objetiva. Vejam que esta vai diretamente à causalidade real, factual mesmo do resultado. Assim, mesmo que na faixa exclusiva estivesse um coletivo, uma viatura do Corpo de Bombeiros ou uma assistência e Z realizasse sua manobra imprudente, os resultados lesões ocorreriam da mesma forma, em razão do que se denomina cursos causais hipotéticos. Qualquer veículo que fosse "fechado" e ganhasse o passeio público teria a mesma potencialidade lesiva, sendo que este veículo  transitava sem infringir  qualquer norma. Doutra banda, pelo exemplo em reverso, se W, sabedora da vontade de Z em entrar à direita e  permanecesse na faixa restrita,  impedindo ou medindo motores com Z e esta manobrasse e o carro de W atropelasse alguém, aí sim W também responderia pelo evento, pois aumentou o risco, por pura imprudência.

Todos esses exemplos foram extraídos de casos ocorrentes na comarca de São Paulo, sendo alterados apenas os designativos pessoais.

Com isso, singelamente, procurei apresentar a viabilidade, legalidade e aplicabilidade da imputação objetiva, já e agora. Não usemos mais as sábias palavras de Einstein, há mais de cinco décadas: "época triste a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo".


NOTAS

1 Problemas básicos del derecho Penal, Reus, Madrid, 1996.

2 Manuel Jaén Vallejo, Los Principios Superiores del Derecho Penal, Cuadernos Luís Jiménez de Asúa, nº 5, Dykinson, Madrid, 1999.

3 W. Frish, Tipo Penal e Imputación Objetiva, Colex, Madrid, 1995.

4 Damásio, Direito Penal, v.1, Saraiva, SP,1985.

5 Noronha, Direito Penal, v.1, Saraiva, SP, 1998.

6 Mirabete, Manual de Direito Penal, v.1, Atlas, SP, 1995.

7 Galdino Siqueira, Tratado de Direito Penal, Tomo I, José Konfino editor, RJ, 1947.

8 César R. Bitencourt, Manual de Direito Penal, Saraiva, SP,2000.

9Idem nota 1.

10 Hungria, Comentários ao Código Penal, V, Forense, RJ, 1955.

11 Wessels, Direito Penal, P. Geral, Sérgio Fabris editor, P. Alegre, 1976.

12 Idem.

13 Noronha, idem nota 2.

14 Aníbal Bruno, Direito Penal, P. Geral, Forense, RJ, 1967.

15 Margarita Martinez Escamilla, La Imputación Objetiva del Resultado, Edersa, Madrid, 1992.

16 Problemas básicos del derecho Penal, Reus, Madrid, 1996.

17 Damásio de Jesus, Imputação Objetiva, Saraiva, 2000.

18 W. Frish, Tipo Penal e Imputación Objetiva, Colex, Madrid, 1995.

19 Fernando Galvão, Imputação Objetiva, Mandamentos, B. Horizonte, 2000.

20 Yesid Reyes Alvarado, Imputação Objetiva, Temis, Bogotá, 1996.

21 La Imputación Objetiva del Resultado, Edersa, Madrid, 1992.

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Sobre o autor
José Carlos Gobbis Pagliuca

primeiro promotor de Justiça de São Paulo (SP), professor das Universidades Mackenzie e Paulista, mestre em Direito Processual Penal pela PUC/SP, doutorando em Direito Penal pela UNED (Madrid, Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. Relação de causalidade:: art. 13 do Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 248, 12 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4932. Acesso em: 22 dez. 2024.

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