A prescrição intercorrente no processo administrativo tributário

A divergência acerca da possibilidade da prescrição intercorrente em razão da duração do processo administrativo

25/05/2016 às 15:56
Leia nesta página:

Há grande divergência acerca da possibilidade da prescrição intercorrente em razão da duração do processo administrativo. O cerne desta discussão consiste na previsão ou não deste instituto no Código Tributário Nacional.

  • Introdução

Para entrarmos no tema em questão imperioso se faz que, antes de mais nada analisemos o art. 5º da Constituição Federal, que em seu inciso LXXVIII, acrescido pela emenda constitucional nº 45 de 08 de Dezembro de 2004, que prevê o seguinte:

"Art. 5ª [...]

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Portanto, da leitura dos dispositivos acima percebemos um direito constitucionalmente garantido aos contribuintes, de aplicaão imediata, em que pese o conceito de duração razoável ser um termo que para muitos pode ter um cráter subjetivo, o que tornaria necessária uma norma regulando o que poderia ser entendido por "duração razoável" no âmbito do processo administrativo tributário. Porém o que se pretende aqui com a menção ao referido dispositivo legal é apenas demonstrar que este é um direito dos contribuintes e portanto deve ser respeitado, ademais, como veremos a seguir, o CTN autoriza a referida prescrição.

Conforme aduz LEANDRO PAULSEN [1]:

"A jurisprudência predominante é no sentido de que não há prazo para a conclusão do processo administrativo fiscal ao argumento de que a lei complementar de normas gerais em matéria tributária não estabelece prazo específico para tanto (prazo de perempção), além do que, lançado o crédito, não mais se fala em decadência e, de outro lado, o prazo prescricional só tem início com a constituição definitiva do crédito, o que ocorre ao final do processo administrativo fiscal."

Como bem observa o festejado autor, o prazo para prescrição intercorrente se trata de prazo de perempção, instituto diferente da decadência, que se refere ao prazo para o lançamento do tributo e da prescrição, que consiste no prazo para execução do crédito tributário.

A perempção, encontra-se no meio do caminho entre os dois institutos acima mencionados, ele se refere ao prazo para a duração do processo de discussão acerca do crédito tributário, onde o crédito já foi lançado e ainda não pode ser executado. Conforme veremos, a questão discutida aqui gira em torno da existência deste instituto no processo administrativo fiscal, visto que quem juga é a mesma pessoa que executa crédito.

  • distinção entre decadência, prescrição e perempção

MARCO AURÉIO GRECO, bem dinstigue estes três institutos da seguinte maneira:

"Quando os atos qualificados pelo ordenamento, aos quais está conectada a fixação de prazo, correspondetem  atos de exercício de potestades diretas ou indiretas (direitos potestativos), o prazo respectivo correseponde ao que a doutrina e jursiprudencia conhecem por decadência. Por outro lado, se o ato em consideração corresponde ao exercício do direito público subjetivo de ação, o prazo respectivo será de prescrição. Todos estes prazos têm em comum a circunstância de, uma vez esgotados, deflagrarem consequência onerosa, para o responsável...Pórem, além de o ordenaento juridico estabelecer prazos para a realização de atos, ele conhece também a figura de prazos para a conclusão de procedimento. Vale dizer, há normas em direito que, ao invés de fixarem prazos para a simples realização de um ato, leva em conta, par esse fim,  conclusão de todo um procedimento, entendido como um conjunto encadeado de atos voltados a um fim único e aglutinado de forma congruente. [...] Em todas estas hipóteses o modelo teórico é sempre emelhante, qual seja o de o ordenamento positivo assegurar a alguém a realização de atos que formam um procedimento como necessário à obtenção de um determinado resultado juridico. Para esse conjunto de tos, o ordenamento estabelece um prazo, findo o qual deflagra-se um efeito jurídico que pode afetar o direito em si. Este tipo de prazo juridicamente determinado não é tecnicamente nem decadência (pois não há propriamente um direito potestativo a ser exercido), nem de prescrição, pois não se trata de iniciar o processo judicial. Este prazo, que tem natureza especifica, corresponde ao que a doutrina conhece como prazo de perempção." (GRECO, Marco Aurélio. Princípios Tributários no Direito Brasileiro e Comparado - Estudos jurídicos em homenagem a Gilberto Ulhôa Canto. Forense, 1988, págs. 502 e segs.) [2]

Na prática, o que o ilustre autor quis dizer o seguinte, a decadência se opera do momento da ocorrência do fato gerador, ou seja da subsunção de fato no mundo real à norma tributária, até o momento em que é realizado o lançamento, após o lançamento abre-se prazo para o contribuinte impugnar o lançamento através de process administrativo, ocorre que, em razão de o credor e o julgador serem a mesma pessoa, conforme se verá a seguir, o fisco deve observar um prazo para realizar o julgamento do processo administrativo, este prazo é o da perempçao, e, por fim, tem-se a prescrição, que ocorre após o julgamento do processo administrativo, e corresponde o prazo para executar o crédito definitivamente constituído.

Assim, temos que os três prazos não se confudem e os três devem ser observados para que se preserve o direito consitucional da razoavel duração, bem como para garantir a efetividade do sobreprincípio da segurança jurídica, conforme se verá adiante.

  • da pessoa do julgador e do credor

No âmbito do processo administrativo temos que ter em mente que a pessoa do julgado e a pessoa do credor se confudem, uma vez que, o crédito tributário tem como sujeito ativo a fazenda pública, mesma pessoa responsável por julgar os processos administrativos fiscais.

Ora, se a uma mesma pessoa incumbe o dever de julgar a existência e a legalidade de um crédito que lhe pertence, esta pessoa deve observar diversos preceitos legais a fim de que não se coloque o sujeito pssivo em posição de total desvantagem e insegurança quanto a constituição definitiva do crédito.

Sabemos que, jutamente com um direito surge uma obrigação, e não há de ser diferente para a fazenda pública, visto que, em que pese a supremacia do interesse público, os direitos e garantias do contribuinte deve ser respeitados, de modo que, permitir à fazenda conduzir um processo administrativo sem observância de uma duração razoável do processo, põe em risco o direito constitucional da duação razoável em si, e mais, macula o princípio da segurança jurídica,que opera através de três núcleos básicos, definidos por Heleno Torres como: Certeza, Estabilidade e Confiabilidade.

Portanto, não é crível que o fisco tenha o poder de julgar seus próprios créditos sem ter a obrigação de observar prazos razoáveis para a conclusão do processo, sob pena de sujeitar o contribuinte ao seu arbitrio, e ferindo a constituição de modo abrangente.

  • jurisprudência

No âmbito do STF, o pretório excelso possui jurisprudência acerca da impossibilidade da aplicaão da prescrição intercorrente no âmbito do processo administrativo fiscal, vejamos:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. NORMA DO ESTADO DE SANTA CATARINA QUE ESTABELECE HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO POR TRANSCURSO DE PRAZO PARA APRECIAÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO FISCAL. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO, ART. 16. ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, ART. 4º. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 146, III, B, DA CONSTITUIÇÃO. A determinação do arquivamento de processo administrativo tributário por decurso de prazo, sem a possibilidade de revisão do lançamento equivale à extinção do crédito tributário cuja validade está em discussão no campo administrativo. Em matéria tributária, a extinção do crédito tributário ou do direito de constituir o crédito tributário por decurso de prazo, combinado a qualquer outro critério, corresponde à decadência. Nos termos do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1996), a decadência do direito do Fisco ao crédito tributário, contudo, está vinculada ao lançamento extemporâneo (constituição), e não, propriamente, ao decurso de prazo e à inércia da autoridade fiscal na revisão do lançamento originário. Extingue-se um crédito que resultou de lançamento indevido, por ter sido realizado fora do prazo, e que goza de presunção de validade até a aplicação dessa regra específica de decadência. O lançamento tributário não pode durar indefinidamente, sob risco de violação da segurança jurídica, mas a Constituição de 1988 reserva à lei complementar federal aptidão para dispor sobre decadência em matéria tributária. Viola o art. 146, III, b, da Constituição federal norma que estabelece hipótese de decadência do crédito tributário não prevista em lei complementar federal. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente." [3]

Em que pese minha admirição pelo ilustre julgador tenho que discordar com a respeitável decisão, como visto cima, após o prazo decadencial, antes de se constituir definitivaente o crédito tributário, temos ainda a perempção, o que faz com que exista outra figura além da decadência, em relação ao direito de constituir o crédito tributário, que é combinado com o critério da duração razoável do processo administrativo. Portanto faz-se cabível a prescrição intercorrente.

Em sede de Recurso especial temos o seguinte julgado do STJ:

"TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. MULTA DO ART. 23, § 2º DA LEI 4.131/62. ARGÜIÇÃO DE PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA INTERCORRENTE. NÃO OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ARTIGO 174, DO CTN. [...] 7. O recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário, enquanto perdurar o contencioso administrativo, nos termos do art. 151, III do CTN, desde o lançamento (efetuado concomitantemente com auto de infração), momento em que não se cogita do prazo decadencial, até seu julgamento ou a revisão ex officio, sendo certo que somente a partir da notificação do resultado do recurso ou da sua revisão, tem início a contagem do prazo prescricional, afastando-se a incidência prescrição intercorrente em sede de processo administrativo fiscal, pela ausência de previsão normativa específica. [...]." [4]

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Novamente, reitero, considerando minha admiração pelo referido órgão julgador, que minha posição difere da exposta acima, sendo certo que é sim plausível a existência da prescrição intercorrente no âmbito do processo administrativo fiscal.

Ademais, temos a súmula nº 11 do CARF, que afirma não se aplicar a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal [5].

Em que pese a jurisprudência acima citada, o próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu por diversas vezes o direito do administrado à conclusão do processo em prazo razoável [6], vejamos a seguir:

"TRIBUTÁRIO - PROCESSO CIVIL - PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO - PRAZO PARA ENCERRAMENTO - ANALOGIA - APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99 - POSSIBILIDADE - NORMA GERAL - DEMORA INJUSTIFICADA. 1. A conclusão de processo administrativo fiscal em prazo razoável é corolário do princípio da eficiência, da moralidade e da razoabilidade da Administração pública."

Cumpre ressaltar que quanto ao prazo para o julgamento do pedido de ressarcimento a jurisprudência é ais pacífica [7].

Como podemos observar, apesar da jurisprudência reconhecer o direito à rzoáve duração do processo, afirma que não há dispositivo legal que regule a prescrição intercorrente na seara tributária, porém minha opnião diverge das respeitáveis decisões, fudamentada no que veremos a seguir.

  • o parágrafo único do art. 173 do ctn

O CTN, lei complementar que regula o direito tributário no Brasil, prevê a decadência no caput. do art. 173, vejamos:

"Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

        I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

        II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado."

Bem, quanto a isto não há divergência, o instituto da decadência é regulado pelo CTN e reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência e se opera da maneira acima descrita.

O que cumpre se analisar com mais atenção é o que está previsto no parágrafo único do artigo supracitado, a seguir reproduzido:

"Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento."

O procedimento administrativo, conforme descrito acima, se inicia com a notificação do sujeito passivo, a partir deste momento não se fala mais em decadência, uma vez notificado o devedor não poderemos mais falar em decadência uma vez que o lançamento foi realizado e o sujeito passivo cientificado.

Portanto, após a extinção do prazo de decadência o paragráfo único supracitado trata exatamente do prazo peremptório, que são justamente 5 anos para constituição definitiva do crédito tributário, após a notificação do contribuinte da "medidade preparatória indispensável ao lançamento", sendo assim, temos que o prazo tratado cuida da duração do processo administrativo.

Após o processo administrativo, surge o prazo prescrional, que vem a ser o do art. 174, que consiste no prazo de 5 anos para o direito de cobrança.

  • conclusão

Diante de todo o exposto aqui observamos ser possível a existência da prescrição intercorrente no âmbito do processo administrativo fiscal, tendo em vista que após a notificação do sujeito passivo o fisco possui 5 anos para constituir definitivamente o crédito tributário, que se dá justamente após a decisão final no âmbito do processo administrativo, e este e exatamente o prazo peremptório, que se traduz na prescrição intercorrente.

  • referências

[1] Paulsen, Leandro. Direito Processual Tributário: processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudencia. 8 ed. rev. e atual. Ed. Livraria do Advogado, 2014. p. 18

[2] Menção retirada do livro: Paulsen, Leandro. Direito Processual Tributário: processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudencia. 8 ed. rev. e atual. Ed. Livraria do Advogado, 2014. p. 18

[3] STF, ADI 124/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 01.08.2008.

[4] STJ, Resp 840.111/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, 02.06.2009.

[5] Súmula CARF nº 11: Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.

[6] MS 13.584/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, 13.05.2009; MS 13.545/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 29.10.2008.

[7] Resp. 1.138.206/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 09.08.2010.

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Sobre o autor
Leandro Maia Pedrosa

Advogado atuante na seara do Direito Tributário, pós graduando em direito tributário e cursando MBA em governança tributária.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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