"Justiça para Todos"

31/05/2016 às 19:02
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O presente trabalho propõe-se a dissertar sobre a ética profissional de um advogado e sua relação com o filme "Justiça para Todos". Analisam-se deveres jurídicos, dilemas morais e consequências legais à luz do Estatuto da OAB.

Resumo: O presente trabalho propõe-se a dissertar sobre a ética profissional do advogado e sua relação com o filme Justiça para Todos. Para tanto, além da análise sobre a ética, seu conceito e principais características, examina-se de que maneira tais elementos são encontrados nas normas e no Estatuto da Advocacia brasileiro. Em seguida, realiza-se a análise do filme Justiça para Todos, observando-se sua relação e suas divergências com os parâmetros da ética profissional.

Palavras-chave: Ética profissional. Filme Justiça para Todos. Advogado. Estatuto da Advocacia.

Sumário: 1. Introdução. 2. Resumo do filme Justiça para Todos. 3. Conceito de ética. 4. Ética profissional. 5. Relação filme x ética. 6. Conclusão.


1. Introdução

A ética profissional corresponde ao conjunto de normas éticas que formam a consciência do profissional e orientam sua conduta no exercício de suas atividades. O presente trabalho tem como finalidade apresentar um estudo sobre essa ética, seu conceito, suas finalidades e sua incidência na atuação do advogado.

O filme Justiça para Todos procura retratar a dimensão do ideal de Justiça, evidenciando o quanto o advogado pode tornar-se vulnerável diante dos desafios de sua carreira, de sua ética, fragilidades e limitações.

O filme será apresentado e, em seguida, analisado, apontando-se sua relação com a ética profissional do advogado.

Dessa forma, o principal objetivo deste trabalho é identificar os pontos do filme em que a ética profissional é violada, interferindo na imparcialidade e na justiça do Poder Judiciário, bem como compreender até que ponto o advogado é capaz de manter-se ético frente aos desafios inerentes à profissão.


2. Resumo do filme Justiça para Todos

O filme Justiça para Todos, cujo título original é And Justice for All, pertence ao gênero drama e possui duração de 114 minutos. Foi lançado nos Estados Unidos, em 1979, pelo estúdio Columbia Pictures Corporation, com direção de Norman Jewison e roteiro de Valerie Curtin e Barry Levinson.

Integram seu elenco os seguintes atores: Al Pacino (Arthur Kirkland), Jack Warden (Juiz Rayford), John Forsythe (Juiz Fleming), Lee Strasberg (Avô Sam), Jeffrey Tambor (Jay Porter), Christine Lahti (Gail Packer), Sam Levene (Arnie), Robert Christian (Ralph Agee), Thomas G. Waites (Jeff McCullaugh), Larry Bryggman (Warren Fresnell), Craig T. Nelson (Frank Bowers), Dominic Chianese (Carl Travers) e Victor Arnold (Leo Fasci).

O filme retrata o Poder Judiciário norte-americano, demonstrando não apenas a amplitude do conceito de Justiça, mas também como o advogado pode se mostrar fragilizado diante de desafios que ultrapassam o domínio das leis e da prática forense ensinada nas faculdades. A trama exibe as diversas faces da justiça e evidencia a vulnerabilidade humana diante de suas limitações e falhas.

A narrativa acompanha a carreira do advogado Arthur Kirkland, que se esforça para defender seus clientes da melhor maneira possível. Em determinado momento, Arthur desacata o juiz Fleming, motivo pelo qual é preso. Após sua libertação, pede desculpas ao magistrado e tenta convencê-lo da inocência de um cliente, mas o juiz rejeita o diálogo e o adverte de que não seria adequado buscar acordo.

Em seguida, Arthur recebe a notícia de que o juiz Fleming havia sido preso, acusado de estuprar uma jovem, e que desejava que ele fosse seu defensor. O advogado recusa a causa por questões éticas, afirmando que só aceitaria caso acreditasse na inocência do magistrado. Entretanto, Arthur havia anteriormente quebrado o sigilo de um de seus clientes, fato que passou a ser usado como ameaça para obrigá-lo a aceitar a defesa: caso não o fizesse, o episódio seria levado ao conselho de ética, colocando em risco sua carreira de doze anos.

Sem alternativa, Arthur aceita o caso. Ele tenta aproveitar a situação para tratar do caso de seu cliente preso injustamente, mas o juiz Fleming rejeita qualquer alegação, afirmando que, se a lei não corrige o indivíduo, o sistema carcerário o faria.

Arthur prossegue tentando libertar seu cliente, que, em desespero, faz dois homens reféns. O advogado tenta acalmá-lo, mas o jovem acaba sendo baleado por um atirador, o que intensifica a indignação de Arthur.

Posteriormente, Arthur recebe fotos comprometedoras que demonstram a culpa do juiz Fleming pelo crime. Ao confrontar o magistrado, este admite sua responsabilidade e afirma que os testes haviam sido manipulados.

No dia do julgamento, após a acusação apresentar suas provas, Arthur inicia sua defesa afirmando não haver testemunhas nem provas, mencionando inclusive que seu cliente teria se submetido voluntariamente ao detector de mentiras, argumento que foi rejeitado pelo juiz por não constituir prova válida. Em seguida, Arthur passa a discorrer sobre justiça e sobre o desejo das partes de vencer, independentemente da verdade. Inesperadamente, afirma que a vítima não estava mentindo e acusa o próprio cliente, declarando que ele deveria ser condenado. O advogado é então retirado do tribunal, encerrando-se o filme.


3. CONCEITO DE ÉTICA

A palavra “ética” é derivada de ethos, termo grego que significa “caráter” ou “modo de ser de uma pessoa”. A ética corresponde a um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade, ou seja, aquilo que pertence ao caráter. É empregada para garantir equilíbrio e bom funcionamento social, evitando que alguém seja prejudicado. Nesse sentido, ainda que não se confunda com as leis, a ética relaciona-se ao ânimo de justiça social (LÔBO, 2011, p. 183).

A ética é uma erudição que estuda os valores e princípios morais de uma sociedade e de seus grupos. Segundo Paulo Lôbo, ela possui três acepções: “de forma genérica, significa a Ciência da Moral; com relação à profissão exercida (ética profissional), engloba o conjunto de regras morais que o indivíduo deve observar em sua atividade, para valorizar sua profissão e servir da melhor forma possível àqueles que dela dependem. Dessa forma, o terceiro significado, aquele que diz respeito ao advogado, é o conjunto de princípios que regem, em caráter moral, a conduta do advogado no exercício de sua profissão” (2011, p. 183).

Em um sentido menos filosófico e mais prático, é possível compreender melhor esse conceito observando diversas condutas presentes no cotidiano, especialmente no comportamento de profissionais como médicos, jornalistas, advogados, empresários, políticos e professores. Para esses casos, é comum ouvir expressões como “ética médica”, “ética jornalística”, “ética empresarial” e “ética pública”.


4. ÉTICA PROFISSIONAL

A ética profissional é parte da ética universal, compreendida como o estudo da conduta. Na área do Direito, nossa zona de atuação corresponde à objetivação da ética profissional, denominada deontologia jurídica, isto é, o estudo dos deveres dos profissionais do Direito, especialmente dos advogados, visto que, dentre todas as profissões jurídicas, a advocacia é possivelmente a única que surgiu rigorosamente vinculada a deveres éticos (LÔBO, 2011, p. 183).

Segundo Paulo Lôbo, “a ética profissional não parte de valores absolutos ou atemporais, mas consagra aqueles que são extraídos do senso comum profissional, como modeladores para a reta conduta do advogado” (2011, p. 183).

Quando a ética profissional passa a constituir objeto de regulamentação legal, converte-se em normas jurídicas definidas, impondo a todos os profissionais o seu estrito cumprimento (LÔBO, 2011, p. 184).

A ética profissional aplica-se a todos os advogados, em todas as situações e conjunturas de sua vida profissional e pessoal que possam repercutir no conceito público e na respeitabilidade da advocacia. Os deveres éticos mencionados no Código não constituem meras recomendações de boa conduta, mas normas jurídicas dotadas de obrigatoriedade, devendo ser cumpridas com rigor, sob pena de configuração de infração disciplinar punível com a sanção de censura prevista no art. 36. da Lei n.º 8.906/1994, caso não caiba penalidade mais grave (LÔBO, 2011, p. 184).

Art. 36. A censura é aplicável nos casos de:

I - infrações definidas nos incisos I a XVI e XXIX do art. 34;

II - violação a preceito do Código de Ética e Disciplina;

III - violação a preceito desta lei, quando para a infração não se tenha estabelecido sanção mais grave.

Parágrafo único. A censura pode ser convertida em advertência, em ofício reservado, sem registro nos assentamentos do inscrito, quando presente circunstância atenuante.

As regras deontológicas possuem força normativa. Suas fontes positivas são a lei, o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina e os Provimentos, às quais se associam, como fontes secundárias, a tradição, a interpretação jurisprudencial, a doutrina e os costumes profissionais (LÔBO, 2011, p. 184).

A aplicação da deontologia profissional deve considerar a superação do monopólio da tradicional oposição cliente–adversário, incorporando um novo sentido que contemple o papel crescente do advogado em atuação preventiva e extrajudicial, como auxiliar, assessor e formulador de atos, programas e projetos de natureza jurídica (LÔBO, 2011, p. 184).

Na defesa, o objetivo perseguido em cada causa não pode justificar o uso de quaisquer meios, uma vez que ela não representa um guichê de negócios. Submete-se à violação do dever de honestidade todo aquele que assim proceder.


5. Relação filme x ética

O filme apresenta diversas cenas em que juízes e advogados agem de forma incompatível e antiética com a advocacia, seja pela embriaguez habitual de um advogado, pela negociação indevida entre advogados adversos ou pela decisão de um juiz baseada exclusivamente em sua própria convicção e em preconceitos, entre outras situações.

Tanto essas condutas mencionadas no parágrafo anterior quanto outras ocorridas ao longo do filme encontram-se disciplinadas pela Constituição Federal, pelo Código Penal e pelo Estatuto da Advocacia, evidenciando-se que são atos inconstitucionais e proibidos por nossas normas.

Outro fato relevante ocorre na última cena do filme, quando o advogado atua contra os interesses de seu próprio cliente, ao afirmar que ele havia cometido o crime do qual era acusado e que realmente era culpado. Embora o advogado sempre se mostrasse um profissional ético e justo — e tenha aceitado o caso apenas por confiar na afirmação inicial de inocência feita pelo magistrado —, ao tomar conhecimento da veracidade da culpa do cliente não poderia voltar-se contra ele. Tal conduta não implica apenas sanção disciplinar, mas configura crime.

O artigo 355 do Código Penal brasileiro é claro ao dispor:

Art. 355. Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:

Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa.

Outro momento já mencionado ocorre na cena em que o juiz, sem sequer assegurar ao réu o contraditório e a ampla defesa, o julga culpado, sentenciando-o por livre discricionariedade e por preconceito em razão da cor de sua pele. Além de afrontar a ética profissional, tal conduta viola a própria Constituição Federal, que, em seu artigo 5º, inciso LV, dispõe:

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“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

O filme retrata a realidade vivenciada pelos advogados, as inúmeras situações pelas quais passam, as violações de direitos, o preconceito e o poder concentrado nas mãos do juiz, sendo muitas vezes submetidos a agir de forma ilegal em meio a tais circunstâncias.

Os direitos e deveres dos advogados brasileiros encontram-se previstos na Lei n.º 8.906/1994, cujo artigo 33 dispõe:

“Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.”


6.CONCLUSÃO

Diante deste trabalho, percebe-se com clareza a importância dos direitos fundamentais, das normas jurídicas e da ética profissional advocatícia para a concretização de uma justiça plena e efetiva. A atuação do advogado é indispensável para o Poder Judiciário, e o exercício ético de suas funções garante que o Direito seja respeitado e aplicado de forma legítima. O filme analisado evidencia diversas violações, desde o preconceito ostensivo por parte de alguns magistrados até a transgressão explícita das normas vigentes.

Os direitos fundamentais e os estatutos de ética protegem a sociedade de possíveis arbitrariedades e orientam os profissionais da advocacia para uma atuação correta e justa.

Enfim, o filme Justiça para Todos demonstra a relevância da atuação ética dos advogados, tanto para a efetividade do Direito, de maneira justa e imparcial, quanto para a garantia dos direitos da personalidade humana.


Referências

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Vade Mecum Acadêmico de Direito (Coleção de leis Rideel), Anne Joyce Angher. 9ª ed. São Paulo: Rideel, 2009.

BRASIL. Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Vade Mecum Acadêmico de Direito (Coleção de leis Rideel), Anne Joyce Angher. 9ª ed. São Paulo: Rideel, 2009.

FILME Justiça para Todos. Ano 1979. Direção Norman Jewison.

LÔBO, Paulo. Comentário ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 6° ed. São Paulo. 2011.

ROMAGNOLO, Claudio M. Boletim Jurídico Ético. Disponível em: https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=270>. Acesso em 12 de setembro às 15 horas e 28 minutos.


Notas

1ROMAGNOLO, Claudio M. Boletim Jurídico Ético. Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=270>. Acesso em 12 de setembro às 15 horas e 28 minutos.


Abstract: This paper aims to discuss the professional ethics of lawyers and its relationship with the film Justice for All. To achieve this, beyond the discussion on ethics, its concept and main characteristics, the study analyzes how ethical standards are found in Brazilian legal and professional regulations. Subsequently, the movie Justice for All is examined, especially regarding its convergences and divergences with professional ethics.

Key words : Professional ethics. Justice for All movie. Lawyer. Brazilian Bar Statute.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trabalho Integrado apresentado como cumprimento da exigência parcial das disciplinas do Curso de Direito do 7° período, do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. Orientadora: Lisieux Borges.

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