Processo Constitucional Objetivo e o Novo Código de Processo Civil

13/06/2016 às 20:20
Leia nesta página:

Este estudo acadêmico traçará uma breve análise das ações de controle de constitucionalidade, juntamente com seus aspectos processuais, e abordará – também de forma sintetizada – os principais reflexos da lei nº 13.105/15 sobre o processo constitucional.

INTRODUÇÃO

O artigo 102, alínea a e §1º, da Constituição da República estabelece três modalidades de ações voltadas para o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade. São elas: a) Ação Direta de Inconstitucionalidade por Ação (ADI) ou por Omissão (ADO); b) Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e; c) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Há a previsão, ainda, da chamada ADI Interventiva que, por sua especificidade, não será objeto de análise deste trabalho.

Além da Constituição da República, o processo constitucional objetivo também é regulado pelas leis nº 9868/99 (ADI, ADO e ADC) e nº 9882/99 (ADPF). Referidos diplomas legislativos trazem regras materiais e sobretudo processuais, a fim de viabilizar o trâmite das ações voltadas ao controle de constitucionalidade.

Com a entrada em vigor da Lei nº 13.105/15 – Novo Código de Processo Civil – todo o regramento que disciplina o processo constitucional deve receber uma nova leitura, à luz das normas processuais basilares inseridas pelo novo código.

NEOCONSTITUCIONALISMO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL

A partir de meados do século XX, especialmente após a 2ª guerra mundial – e  no Brasil, após a redemocratização – teve início o desenvolvimento do neoconstitucionalismo, movimento teórico de revalorização do direito constitucional, que é constituído, principalmente, pelos seguintes marcos: a) força normativa da Constituição; b) reaproximação de princípios e regras; c) desenvolvimento de uma hermenêutica constitucional e; d) fortalecimento da jurisdição constitucional.

Para os fins delimitados deste ensaio, interessa-nos a força normativa da Constituição e o fortalecimento da jurisdição constitucional, visto que  são estes os desdobramentos do neoconstitucionalismo responsáveis pelo desenvolvimento do processo constitucional objetivo em solo brasileiro.

A Constituição da República atribui ao Supremo Tribunal Federal, órgão do Poder Judiciário (artigo 92, inciso I), a função precípua de guardião da Constituição (artigo 102, caput), concedendo-lhe a competência originária para a ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental, quando o paradigma for a Constituição da República. Essas ações são expressão do fenômeno de expansão da jurisdição constitucional, a fim de assegurar a supremacia e normatividade da Constituição. Assim, hialino que o processo constitucional objetivo é tema intrinsicamente ligado ao neoconstitucionalismo e seus consectários marcos teóricos.

Para que seja assegurada a supremacia da Constituição, é indispensável a rigidez de suas normas. É dizer: o processo legislativo de alteração das normas constitucionais deve ser mais dificultoso quando comparado às demais normas do ordenamento, de modo a conferir estabilidade e supremacia ao texto constitucional, responsável pela coerência e verticalização de todo o sistema jurídico.

Admitir que as normas constitucionais estão localizadas no topo da pirâmide jurídica kelseniana implica em velar para que todas as demais normas guardem uma relação de obediência formal e material aos preceitos constitucionais. O ordenamento jurídico deve funcionar harmonicamente, segundo a lógica de que toda lei ou ato normativo infraconstitucional encontra o seu fundamento de validade na Constituição.

Nesse ínterim, visando assegurar a coerência vertical do sistema, desenvolveu-se a teoria do controle de constitucionalidade, a qual será tratada apenas parcialmente neste trabalho.

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Como visto, o controle de constitucionalidade é o mecanismo que visa aferir se as leis e atos normativos são compatíveis material e formalmente com a Constituição, a fim de assegurar-lhe a supremacia.

A teoria do controle de constitucionalidade é extensa, assumindo variadas formas. Quanto ao momento, o controle pode ser preventivo ou repressivo e poderá ser realizado pelo Legislativo, Executivo ou Judiciário.

O controle preventivo ocorre antes da promulgação de uma lei ou emenda constitucional. No âmbito do Poder Legislativo é exercido pelas Comissões de Constituição e Justiça (artigo 58, CRFB). O Poder Executivo exerce o controle preventivo por meio do veto jurídico[1] (artigo 66, §1º, CRFB). Por fim, o Poder Judiciário exerce, excepcionalmente, por meio do mandado de segurança parlamentar, que possui objeto limitado ao questionamento da inobservância do processo legislativo constitucional. Trata-se de um controle difuso-concreto, cujo objetivo principal é a proteção do direito subjetivo parlamentar à higidez do devido processo legislativo constitucional.

O controle repressivo, também denominado típico, se realiza após a conclusão do processo legislativo – ainda que no período de vacatio legis[2] - viabilizando a supremacia constitucional, por meio da invalidação de leis e atos dos poderes públicos. Igualmente ao controle preventivo, é realizado pelo Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário. Em âmbito federal, o Poder Legislativo exerce o controle repressivo por meio de sustação dos atos do Poder Executivo que exorbitem os limites da delegação legislativa (leis delegadas) ou do poder regulamentar (artigo 49, inciso V, CRFB). O Congresso pode, ainda, rejeitar uma medida provisória considerada inconstitucional, além da atuação do Tribunal de Contas que, conforme a Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal, também exerce controle de constitucionalidade. O Poder Executivo, por sua vez, pode exercer o controle repressivo quando o Chefe deste Poder nega cumprimento a uma lei por reputá-la inconstitucional. Essa medida é extrema e bastante delicada, pois caso o Supremo já tenha declarado a constitucionalidade da lei, a negativa do cumprimento não pode permanecer, sob pena de crime de responsabilidade. Por fim, o Poder Judiciário é o principal protagonista do controle repressivo, que pode ser realizado de forma concentrada-abstrata ou de forma difusa-concreta.

O controle concentrado-abstrato – que é o que nos interessa neste trabalho – ocorre no âmbito do Supremo Tribunal Constitucional, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

Já o controle difuso-concreto é realizado no seio de qualquer processo judicial e é exercido por qualquer juiz ou tribunal, observada a cláusula de reserva de plenário para este último. Esta modalidade de controle fundamenta-se no princípio do acesso à justiça, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV, CRFB).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI)

A Ação Direta de Inconstitucionalidade, doravante denominada ADI, é de competência originária – em âmbito federal – do Supremo Tribunal Federal (artigo 102, inciso I, alínea a, CRFB) e é cabível contra leis ou atos normativos federal ou estadual editados após a Constituição da República de 1988, que afrontem material ou formalmente a Constituição.

Para o ajuizamento desta modalidade de processo constitucional, a própria Constituição prevê um rol taxativo de legitimados, conforme a redação do artigo 103. Já os aspectos processuais da ADI são regulados pela Lei nº 9868/99.

O ajuizamento da ADI não se sujeita a qualquer prazo prescricional ou decadencial, haja vista que atos inconstitucionais não se convalidam com o mero decurso do tempo, além de o Supremo Tribunal Federal não acolher a teoria da constitucionalidade superveniente. Ademais, por se tratar de ações de índole objetiva – o que está em jogo é a supremacia da Constituição no ordenamento jurídico, e não direitos ou interesses subjetivos – não se aplicam determinados princípios processuais constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição.

A decisão sobre o mérito de uma ADI depende da presença de pelo menos oito ministros quando a abertura da sessão de julgamento. Há, portanto, quórum mínimo (2/3) para julgamento da ADI e a decisão deve ser tomada, em regra, pela maioria absoluta, seja na declaração de constitucionalidade, seja na de inconstitucionalidade. Caso o quórum mínimo (6 ministros) não seja atingido permanece a presunção de constitucionalidade.

Com relação aos efeitos da decisão, a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade produz eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante.

O efeito vinculante atinge diretamente os poderes públicos. Esse efeito foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação da Emenda Constitucional 3/1993. Na mesma linha, a Lei nº 9868/99 conferiu efeito vinculante às decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade (artigo 28, parágrafo único). Posteriormente, a fim de pacificar o tema, a Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário) alterou o artigo 102, §2º, consagrando expressamente o efeito vinculante para a ADI. Com a nova redação, ficou estabelecido que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs produzirão eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante a todos os demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal[3].

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC)

A ação declaratória de constitucionalidade, doravante denominada ADC, também é de competência originária do Supremo Tribunal Federal (artigo 102, inciso I, alínea a, CRFB), sendo mais uma manifestação do controle de constitucionalidade repressivo no âmbito do Poder Judiciário. Tal qual a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADC é um processo constitucional objetivo que visa precipuamente a defesa da Constituição.

Conforme o magistrado de NOVELINO (2014)[4], “a ADC é uma ADI com sinal trocado”. É dizer: a Ação Declaratória de Constitucionalidade é a contra-face da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Tanto é assim, que o rol de legitimados ativos entre essas ações é o mesmo, nos termos do artigo 103, da CRFB.

No entanto, nem tudo são semelhanças. A ADC diferencia-se da ADI em relação à sua limitação espacial. Em outras palavras, o objeto da ADC é mais restrito que o da ADI. Enquanto esta pode ter como objeto lei ou ato normativo federal ou estadual, a ADC pode ter como objeto apenas lei ou ato normativo federal editado após a entrada em vigor da Constituição da República de 1988.

Quanto aos aspectos processuais, a ADC também é regulada – a exemplo da ADI – pela Lei nº 9868/99. O iter processual da ADC é muito semelhante ao da ADI, com a especificidade de que a ADC exige um requisito formal específico, qual seja, a existência de relevante controvérsia judicial (artigo 14, inciso III, da Lei nº 9868/99).

Assim, o estado de incerteza é elemento indispensável para justificar a admissibilidade da ADC e deve, necessariamente, ocorrer em âmbito judicial, não sendo suficiente que haja mera divergência doutrinária. Isso ocorre em razão do princípio da presunção de constitucionalidade das leis.

É necessário ponderar que dificilmente a ADC será proposta de forma isolada. Em razão da necessidade de controvérsia judicial relevante, é bastante provável que os mesmos dispositivos já tenham sido ou venham a ser impugnados por ADI. Nesses casos, há o julgamento conjunto das duas ações.

Quanto às decisões, a ADI e a ADC são ações de mesma natureza e, por isso, têm um caráter dúplice. É dizer: a procedência de uma ADC gera a improcedência de uma ADI sobre determinada lei ou dispositivo, e a recíproca também é verdadeira.

Por fim, igualmente a ADI, os efeitos da decisão são erga omnes e vinculantes para todos os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, direta ou indireta, em âmbito federal, estadual, distrital ou municipal.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)

A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) foi introduzida no direito brasileiro pela Constituição da República de 1988 e regulamentada pela Lei nº 9.882/99. Admite-se, contudo, que os aspectos processuais sejam regidos pela Lei nº 9868/99.

A ADPF, ao lado da ADI e da ADC, também é um instrumento de controle de constitucionalidade repressivo, na modalidade concentrado e abstrato, de sorte que a competência é originária do Supremo Tribunal Federal, nos moldes do artigo 102, §1º, da Constituição da República.

É oportuno salientar o caráter subsidiário da ADPF, cujo cabimento se perfaz apenas quando não existir outro meio eficaz para sanar a lesividade. Em outras palavras, a ADPF é cabível quando não for o caso de ADI ou de ADC. Todavia, o Supremo Tribunal Federal vem aplicando o princípio da fungibilidade entre a ADPF e ADI, de modo que o Supremo pode conhecer uma ADI como ADPF e vice-versa.

Os legitimados ativos são os mesmos arrolados no artigo 103, da Constituição da República (artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9882/99). Desta feita, o rol do artigo 103 traz os mesmos legitimados ativos para as três principais ações de controle concentrado de constitucionalidade, o que gera críticas por parte da doutrina em razão da monopolização do acesso ao Supremo Tribunal Federal.

Nos termos do caput do artigo 1º da Lei nº 9882/99, a ADPF tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, em razão de ato do Poder Público. Já o inciso I do parágrafo único disciplina que também cabe a ADPF quando houver relevante controvérsia judicial sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, ainda que anteriores à Constituição da República de 1988. Atente-se que a discussão sobre a constitucionalidade de lei municipal também é realizada dentro da ADPF, visto que as outras ações não a incluem.

O parâmetro constitucional violado para fins de cabimento da ADPF deve ser um preceito fundamental, isto é, uma norma constitucional – regra ou princípio – imprescindível para preservar a identidade da Constituição.

Assim, não é qualquer norma constitucional que está apta ao paradigma da ADPF, mas sim um preceito fundamental à exemplo dos direitos e garantias individuais, dos princípios constitucionais sensíveis e das cláusulas pétreas.

Nos termos do artigo 10, §3º, da Lei nº 9882/99, a decisão proferida na ADPF terá eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Público.

BINDING EFFECT

O efeito vinculante possui alguns pontos em comum com o instituto do stare decisis, doutrina típica dos países que adotam o sistema da common law e segundo o qual os órgãos judiciais deve dar o devido peso ao precedente.

O stare decisis – sistema de vinculação aos precedentes – se divide em horizontal e vertical. No primeiro plano, verifica-se a vinculação do precedente dentro do próprio tribunal que o emanou. Já com relação aos efeitos vinculantes da decisão nos tribunais inferiores, trata-se da perspectiva vertical. Esse efeito verticalizado das decisões dentro do Poder Judiciário é denominado pelo direito norte-americano de binding effect.

Com efeito, o binding effect ocorre no direito norte-americano porque lá se reconhece o instituto do stare decisis, doutrina do Precedente Judicial, que significa “estar com as coisas decididas”, ou ainda, “não mover as coisas quietas”.[5]

Em solo brasileiro, até o advento do Novo Código de Processo Civil não era possível afirmar a vigência do stare decisis, visto que apenas as decisões proferidas em controle concentrado-abstrato de constitucionalidade é que gozavam de efeito vinculante.

STARE DECISIS E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O ordenamento jurídico brasileiro foi construído sobre os postulados da civil law, de origem romano-germânico. Contudo, verifica-se que os precedentes judiciais estão cada vez mais ganhando força no cenário jurídico, com a finalidade de imprimir maior segurança jurídica e celeridade ao trâmite processual.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, é possível perceber a intenção do legislador de incorporar os fundamentos do common law e do stare decisis para privilegiar a uniformização e estabilização da jurisprudência, culminando na efetividade do processo – uma das exigências do neoprocessualismo.

Segundo ASSUMPÇÃO NEVES (2015)[6] os precedentes judiciais têm como objetivo o fortalecimento da jurisprudência dos tribunais superiores e, principalmente, garantir a uniformidade vertical (em relação a tribunais inferiores) e horizontal (dentro do próprio tribunal) dos entendimentos sedimentados. Ocorre que, segundo NEVES, os precedentes judiciais ficaram de fora do Novo CPC.

Com efeito, o Novo CPC não regulamentou a teoria dos precedentes judiciais em solo brasileiro, mas apenas criou uma vinculação a determinados julgamentos dos tribunais superiores, nos moldes dos artigos 926 a 928, ampliando a ideia já presente no sistema de súmula vinculantes.

De acordo com o artigo 926, os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, fazendo-o por meio de súmulas correspondentes à jurisprudência dominante.

O artigo 927, por sua vez, elenca uma série de decisões com efeito vinculante horizontal e vertical. Em primeiro lugar, estão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade. Nesse passo, não há grandes novidades, visto que o sistema de efeito vinculante no processo constitucional objetivo existe desde a Emenda Constitucional nº 03/1993.

Cumpre anotar, porém, que o artigo 927 inova substancialmente nos demais incisos ao incluir outras decisões que até então não tinham efeito vinculante, tais como: incidente de assunção de competência, resolução de demandas repetitivas, julgamento de recurso extraordinário e especial repetitivos, súmulas do STF sobre matéria constitucional e do STJ sobre matéria infraconstitucional e orientação do plenário ou do órgão especial[7].

Desta feita, o Novo CPC abraça a eficácia vinculante de determinadas decisões judiciais, mas não disciplina a teoria dos precedentes. Pairam incertezas sobre o que seja efetivamente um precedente para o direito processual brasileiro, visto que o legislador fez a opção de afastar do texto legal a regulamentação procedimental do instituto, especialmente no tocante às hipóteses e formas de sua distinção (distinguishing) e superação (overruling).

A conclusão de ASSUMPÇÃO NEVES (2015)[8] é a de que houve uma clara opção do legislador em objetivar as espécies de julgamento dos tribunais superiores que passam a ter eficácia vinculante, não havendo, entre elas, qualquer remissão a precedentes. Então, o Brasil criou uma categoria diversa do stare decisis – porém semelhante – que traz a vinculação horizontal e vertical de determinadas decisões arroladas taxativamente no artigo 927, do Novo CPC.

PRINCIPAIS REFLEXOS DA LEI N° 13.105/15 SOBRE O PROCESSO CONSTITUCIONAL OBJETIVO

Como visto, o artigo 927 do Novo CPC afirma que as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade vincularão juízes e tribunais. Até aí, não há inovação no novo diploma, visto que apenas incorporou as normas constitucionais e legais da lei nº 9868/99 e 9882/99 que já traziam a eficácia vinculante das decisões proferidas em sede de ADI, ADC e ADPF.

Ocorre que, outras novidades trazidas pela lei nº 13.105/15 trarão reflexos diretos para o exercício da jurisdição constitucional. São elas:

Julgamento e cumprimento de processos por ordem cronológica (artigo 12)

O Supremo Tribunal Federal também deverá obedecer a ordem cronológica de conclusão para proferir seus acórdãos. Ocorre que, o que aparenta ser simples imperativo de isonomia trará nefastos danos à racionalidade da atividade jurisdicional.

Com efeito, a definição de quando julgar as ADIs, ADCs, ADPFs, Reclamações, entre outros, deixa de pertencer ao Relator ou ao Presidente do Tribunal e passa a ser ditada pela cronologia da conclusão.

Como consequência, poderá – e certamente haverá – prejuízos ao amadurecimento, debate e reflexão dos temas objeto de análise, visto que chegando a vez de determinado processo, ele deverá ser analisado e julgado, inobstante a sua complexidade e peculiaridade. Ocorre que, com as recentes alterações do Código de Processo Civi, o instituto foi essencialmente esvaziado, uma vez que a ordem cronologica passou a ser preferencialmente seguida, não havendo mais a obrigatoriedade que outrora era prevista.

Fundamentação exaustiva das decisões judiciais (artigo 486, §1º, inciso IV)

Todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, conforme o artigo 93, inciso IX, da Constituição da República.

O Supremo Tribunal Federal cotidianamente anula decisões judiciais por vício de fundamentação.

O Novo CPC subtrai do Supremo a definição do que é fundamentação, sujo conceito agora é legal, de modo que o legislador ordinário foi bastante detalhista e elencou, inclusive, em quais hipóteses não se considera fundamentada uma decisão.

De outro lado, o nóvel diploma ainda extirpa o entendimento de que o órgão julgador não é obrigado a enfrentar todos os argumentos apresentados pelas partes. Ao contrário, determina que sejam enfrentados todos os argumentos, sob pena de nulidade

Dessa forma, no exercício da jurisdição constitucional, não bastará que o Supremo decida a favor ou contra a constitucionalidade da norma com base em seu próprio entendimento. Será necessário que os votos – já normalmente analíticos – enfrentem todos os argumentos aduzidos pelo legitimado, pela Advocacia-Geral da União e Procuradoria da República, sob pena de nulidade.

Nesse ponto, resta a dúvida: o Supremo irá declarar a nulidade de sua própria decisão por ausência de fundamentação? Haverá neutralidade, ânimo e humildade para tanto? Especialmente quando parte dos ministros já se manifestaram expressamente contra a entrada em vigor do Novo CPC em 2016?

Assim, verifica-se que o volume de ações em trâmite no tribunal, aliado ao aumento de atribuições e requisitos promovidos pelo Novo CPC, acarretará das duas uma: ou será contornado a fim de viabilizar o andamento – e comodidade – processual ou assistir-se-á a jurisdição constitucional sucumbir.

Contagem dos Prazos Processuais

Com o Novo CPC, os prazos processuais passam a ser contados apenas em dias úteis, nos termos do artigo 219.

Trata-se de uma novidade bastante bem-vinda no ordenamento jurídico, facilitando sobremaneira o modus operandi dos atores processuais, evitando-se preclusões temporais.

Sem maiores ilações, a nova regra passa a ser aplicável aos processos constitucionais objetivos.

Considerações Finais

Este ensaio acadêmico procurou traçar em linhas gerais alguns reflexos do Novo Código de Processo Civil sobre o exercício da jurisdição constitucional.

É inegável que foram inúmeras as alterações promovidas pela lei nº 13.105/15 no ordenamento jurídico brasileiro e, muitas delas, trazem para o processo comum o regramento já observado nas ações de controle concentrado de constitucionalidade. À exemplo, pode ser citado: eficácia vinculante e possibilidade de modulação dos efeitos das decisões judiciais, audiências públicas, amicus curiae, entre outros.

Das inovações trazidas pelo Novo CPC, as que – ao ver do articulista – trarão maiores impactos ao processo constitucional objetivo estão, sem dúvidas, a ordem cronológica de julgamentos, a fundamentação exaustiva e a contagem dos prazos processuais apenas em dias úteis.

Ademais, como visto, a eficácia vinculante das decisões proferidas durante controle abstrato não são, tecnicamente, uma inovação, pois já existem desde a Emenda Constitucional nº 3/1993.

CONCLUSÃO

Este artigo acadêmico teve como propósito delinear os principais aspectos das ações de controle concentrado de constitucionalidade, de competência originária do Supremo Tribunal Federal.

O controle de constitucionalidade é instrumento indispensável para assegurar a supremacia e normatividade da Constituição, um dos postulados do neoconstitucionalismo, na medida em que garante que as normas constitucionais sejam estabilizadas e sirvam de fundamento de validade para todas as demais normas do ordenamento jurídico.

O Supremo Tribunal Federal é o órgão do Poder Judiciário responsável pela vigência e normatividade da Constituição e, por isso, é quem analisa e decide as ações diretas de inconstitucionalidade e as ações declaratórias de constitucionalidade, além da arguição de descumprimento de preceito fundamental.

As ações de controle concentrado também são denominadas de processo constitucional objetivo, visto que analisam a validade de normas em abstrato tendo como paradigma a Constituição. Em outras palavras, a discussão constitucional é pura e não traz a análise de direitos e interesses subjetivos.

Quanto aos efeitos das decisões de controle, esses são, nas três principais modalidades de ação, oponíveis erga omnes e com eficácia vinculante a todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, direta ou indireta, nas esferas federais, estaduais, distritais e municipais. Apenas o Poder Legislativo não fica adstrito ao resultado dessas demandas.

A eficácia vinculante das ações de controle abstrato está presente no ordenamento jurídico desde a Emenda Constitucional nº 3/1993, tendo sido reforçada pela Emenda Constitucional nº 45/2004. No plano infraconstitucional, também já era prevista nas Leis nº 9868/99 e 9882/99.

O Novo Código de Processo Civil, por sua vez, disciplinou no artigo 927 as decisões de observância obrigatória pelos juízes e tribunais, trazendo no inciso I, as decisões pronunciadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade concentrado-abstrato. Assim, a Lei nº 13.105/15 não inovou nesse aspecto.

De outro lado, algumas novidades legislativas trazidas pelo novo código irão trazer reflexos para a jurisdição constitucional, principalmente, as normas que regulamentam a ordem cronológica de julgamentos, a fundamentação exaustiva das decisões e a contagem dos prazos processuais em dias úteis.

Já existem vozes – inclusive dentro do próprio Supremo Tribunal Federal[1] – denunciando o sufocamento do Tribunal, devido ao aumento drástico de suas atribuições e requisitos trazidos pelo Novo Código de Processo Civil.

No que concerne as ações de controle concentrado de constitucionalidade, contudo, a inovação processual que parece trazer maiores consequências práticas é a cronologia da conclusão, uma vez que se tem observado na atual formação da Corte, uma tendência em debater amplamente os temas mais polêmicos, com interstícios para amadurecimento e reflexão da pauta antes da deliberação.

REFERÊNCIAS

Constituição da República Federativa Brasileira, promulgada em 05 de outubro de 1988.

Lei nº 9868, de 10 de novembro de 1999.

Lei nº 9882, de 06 de dezembro de 1999.

Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.

ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – ADVOCEF. Os impactos do Novo CPC no STF. Disponível em: http://www.advocef.org.br/noticias/os-impactos-do-novo-cpc-no-stf-por-luiz-dellore-e-outros/. Acesso em: 16 dez 2015.

COSTA, Lucas Sales da. Neoconstitucionalismo: definição, origem e marcos. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,neoconstitucionalismo-definicao-origem-e-marcos,47162.html. Acesso em: 16 dez 2015.

FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra de Carvalho. Análise dos efeitos nas decisões em sede de controle de constitucionalidade. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/26071/analise-dos-efeitos-nas-decisoes-em-sede-de-controle-de-constitucionalidade/2. Acesso em: 16 dez 2015.

JOTA – NOTÍCIAS JURÍDICAS. Gilmar Mendes defende adiamento do novo CPC. Disponível em: http://jota.info/gilmar-mendes-defende-adiamento-do-novo-cpc. Acesso em: 16 dez 2015.

JUNIOR, Cláudio Ricardo Silva Lima. Fundamentos do sistema jurídico romano-germânico. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/30041/fundamentos-do-sistema-juridico-romano-germanico. Acesso em 16 dez 2015

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC – Código de Processo Civil. 1ª edição. São Paulo: MÉTODO, 2015.

NOVELINO Marcelo. Manual de direito constitucional. 9ª edição. São Paulo: Método, 2014

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inovações do Novo CPC. Disponível em: http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001182/inovacoes_do_novo_codigo_de_processo_civil.pdf. Acesso em: 16 dez 2015.


[1] “Tem que se ter certo escrúpulo para não fazer alteração de processo constitucional sem ouvir o Supremo”, afirmou o Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: http://jota.info/gilmar-mendes-defende-adiamento-do-novo-cpc


[1][1] Note-se que não há controle preventivo de constitucionalidade pelo Presidente da República em relação às emendas constitucionais, visto que não se submetem à sanção ou veto presidencial, sendo promulgadas diretamente pelas mesas do Senado e da Câmara de Deputados (artigo 60, §3º, CRFB)

[2] Desta forma, sendo cabível controle repressivo de lei ou ato normativo ainda que durante o tempo de vacatio legis, hialino que o Novo Código de Processo Civil poderá ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, por exemplo.

[3] Atente-se que não há efeito vinculante em relação ao Poder Legislativo.

[4] NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional. 9ª ed. São Paulo: Método, 2014.

[5] FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra de Carvalho. Análise dos efeitos nas decisões em sede de controle de constitucionalidade. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/26071/analise-dos-efeitos-nas-decisoes-em-sede-de-controle-de-constitucionalidade/2. Acesso em: 16 dez 2015.

[6] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Método, 2015.

[7] A análise dessas inovações legislativas promovidas pelo Novo Código de Processo Civil não serão abordadas neste trabalho, pois extrapolam os limites teóricos a que se propõe.

[8] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Método, 2015.

Sobre a autora
Mariela Moni Marins

Defensora Pública no Estado do Paraná

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos