Uma parte do eleitorado médio brasileiro, exercitando o estoque da sua tolice incomensurável, atribuirá a culpa da estagnação econômica do país ao corrupto PT. Outra parcela (não menos ignara) dirá que a culpa é do rapinante PSDB ou do descarado PMDB etc. É por causa desses eleitores idiotas médios que o Brasil não sai do lugar subdesenvolvido em que se encontra. Chega de idiotice média e vamos para um plebiscito de reforma político-eleitoral ampla, eliminando os picaretas do jogo político e econômico.
Dois economistas (Pedro Ferreira e Renato Fragelli – Valor Econômico) resumiram o drama: “Em 1954 a Renda Per Capita (RPC) do brasileiro, medida pelo critério da Paridade do Poder de Compra, era 14% da RPC do americano; a do sul-coreano era de 11%; a do chileno era de 22%; em 1961, depois do crescimento econômico de JK, a RPC do brasileiro (comparada com o americano) passou a 18%; em 1965-1967, 17%; em 1968, 24%; em 1980, 28%; por força da década perdida (inflação, dívida externa etc.), em 1994 retrocedemos a 19%; em 2003 (governo Lula), 17%; em 2010, 20%; em 2016 calcula-se que vamos retroceder ao número de 1961, 17%; o sul-coreano terá RPC de 65% do norte-americano; o chileno, 31%”. Ou seja: “meio século de estagnação” (com altos e baixos na economia).
Essa estagnação tem tudo a ver particularmente com a picaretagem da cleptocracia brasileira. Somente das delações e áudios de Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro) e seus três filhos (as delações precisam ser provadas, claro) extraímos o seguinte:
“Michel Temer pediu propina em favor de Chalita e teria levado R$ 1,5 milhão – o pagamento foi feito pela Queiroz Galvão – ele negou envolvimento; as propinas que as empresas pagavam – Queiroz Galvão, Camargo Corrêa etc. – faziam parte do “esquemão” de corrupção da Transpetro; elas eram entregues aos políticos – em dinheiro ou em dinheiro vivo – ou transformadas em doações oficiais (perante a Justiça Eleitoral); Renan levava mesada de R$ 300 mil por mês; Jucá, R$ 200 mil; Lobão, R$ 300 mil; Sarney levou R$ 18 milhões; seu filho, R$ 400 mil; a Sarney, Renan e Jucá foram pagos mais de R$ 71 milhões em propinas; Aécio levou R$ 1 milhão; Jader R$ 4 milhões; Henrique Alves R$ 1,5 milhão; mais de 20 políticos e 6 partidos se favoreceram com o esquemão da Transpetro; ao PMDB foram “doados” mais de R$ 100 milhões em dez anos; desde 1946 as estatais operam propinas aos políticos e partidos etc.”. Quem pede dinheiro para uma estatal (que não pode fazer doações eleitorais) sabe, desde logo, que se trata de uma propina.
A avidez do clube da cleptocracia (oligarquias/elites políticas e econômicas extrativistas) na rapinagem é impressionante. Nos cargos públicos, misturando o público com o privado (patrimonialismo), elas fazem fortuna (pessoalmente ou para os partidos) da noite para o dia. Há poucos dias um garoto de 10 anos, dirigindo um carro furtado, foi seguido pela polícia; durante a perseguição ele dizia para seu companheiro (de 11 anos): “Tô dando fuga”, “Tô dando fuga”.
Outra coisa não fizeram incontáveis integrantes dos governos anteriores assim como o interino, de Michel Temer, cujos ministros (em sua quase totalidade) estão fugindo permanentemente da polícia e das delações (a ponto de entabularem um plano de “cassação” – impeachment – da Lava Jato). O governo Temer, todos os dias, está dizendo: “Tô dando fuga”, “Tô dando fuga”. Pior é que nas cleptocracias bem sucedidas, o presidente em exercício não pode ser investigado por crimes anteriores ao mandato. Resta a cassação da chapa Dilma-Temer no TSE (hoje presidido por Gilmar Mendes) ou o impeachment de Temer a ser processado na Câmara.
Parte do eleitor médio brasileiro, exercitando nosso estoque de tolice incomensurável – que, por sorte, convive com muita inteligência -, atribuirá a culpa da estagnação do país ao PT. Outra parcela (não menos ignara) ao PSDB, ao PMDB etc. Suas atenções rasteiras se centram exclusivamente nos políticos, quando todo o sistema político-econômico (agentes do Estado que atuam em conjunto com agentes do Mercado) é o verdadeiro inimigo. Enquanto os tolos discutimos qual partido ou político é o culpado pela terra arrasada em que nos encontramos, o clube picareta e perverso da cleptocracia (que reúne as oligarquias/elites políticas e econômicas extrativistas, patrimonialistas e corruptas) continua enriquecendo os seus membros (digamos que sejam 1%), em prejuízo dos 99% restantes.
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo (Índice Gini na casa dos 52). Nos países prósperos a população é mais saudável, conta com excelente sistema educacional, boa rede de saúde pública, infraestrutura, não anda em estradas esburacadas, tem expectativa de vida mais alta, dispõe de incentivos para fazer negócios e empreendimentos, de segurança individual e coletiva, controle rigoroso da inflação e dos gastos públicos, possibilidade de carreira profissional etc.
Seus governos são submetidos a rigoroso controle jurídico bem como da sociedade civil (transparência, prestação de contas, eliminação dos maus políticos etc.). As instituições políticas, por seu turno, limitam e controlam as instituições econômicas, que não podem fazer fortuna por meios politicamente favorecidos ou por meio de monopólios ou oligopólios, que são frutos do capitalismo de compadres (ou de laços ou de carteis). Tanto o império da lei (para todos) como outros serviços públicos são satisfatórios.
O que se passa nos países extrativistas e cleptocratas como o Brasil? Suas instituições políticas e econômicas são governadas por poucos (oligarquias/elites), não chegando a 1% da população, que se enriquecem corruptamente ou por meios politicamente favorecidos ou de forma aberrantemente monstruoso (trabalho escravo), em detrimento dos 99%. Não há incentivos para o empreendedor e a educação (em geral) é de péssima qualidade (daí a carência de mão-de obra qualificada, que prejudica a produtividade, que afeta a competividade, o uso de modernas tecnologias etc). Toda sociedade é construída de acordo com suas instituições.
Se os sul-coreanos (este ano) estão ganhando renda per capita equivalente a 65% dos norte-americanos (contra 17% dos brasileiros) é porque houve incentivo para a poupança interna, revolução na educação, abertura para as modernas tecnologias, crescimento econômico com distribuição de renda etc. Nas sociedades não extrativistas há incentivos para se educar, para poupar, para investir e para inovar. E as oligarquias/elites dominantes não têm medo das inovações tecnológicas (leia-se: não têm medo da “destruição criativa” descrita por Schumpeter).
Tudo isso é fruto de instituições políticas inclusivas, que limita o exercício do poder e proíbem, eficazmente, por exemplo, monopólios e oligopólios, capitalismo de compadrio (de carteis) etc. Mais: incentivam o controle do próprio poder político pela sociedade civil, que é quem define se o político é seu representante ou integrante das picaretagens do clube da cleptocracia, atuando em benefício próprio para fazer fortuna em detrimento dos cidadãos (Acemoglu e Robinson, Por que as nações fracassam, p. 32).
Nos países cleptocratas, a fase seguinte, depois do extrativismo (do saqueamento), é o parasitismo: uma pequena parcela da sociedade, as oligarquias/elites políticas e econômicas extrativistas e corruptas, depois de um certo tempo, passa a viver parasitariamente,
“às custas de iniquidades e extorsões; em vez de apurar os sentimentos de moralidade, que apertam os laços de sociabilidade, ela passa a praticar uma cultura intensiva dos sentimentos egoísticos e perversos. Os interesses coletivos, o perigo ou receio de ver escapar-se a presa podem levar os membros desses grupos parasitas a defender-se em comum, a proceder de forma a aparentar uma socialização adiantada; mas não há nisto verdadeiro progresso moral – o qual consiste no horror da injustiça, independente de qualquer vantagem pessoal. Que juízo se pode fazer da beleza moral dessas almas, que passavam a existência a cortar de açoites as carnes de míseros escravos e que aceitavam como legítimo o viver do trabalho destes desgraçados, cuja vida será um martírio contínuo?” (Manoel Bomfim, A América Latina, p. 67).
Proposta de ação: em complemento à microrrevolução que está sendo promovida pela Lava Jato é hora de a sociedade civil exigir uma completa reforma do sistema político, cujos eixos centrais deveríamos decidir em plebiscito (depois de devidamente discutidos). Em seguida ao plebiscito o Congresso fica vinculado e aprova em lei o que a sociedade decidiu. Precisamos eliminar do jogo político (por longo período) todos os picaretas envolvidos com o enriquecimento favorecido pelo clube da cleptocracia.