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Globalização

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4. O papel do Direito penal e da Globalização na sociedade do futuro.

O Direito é criação do homem: "são produtos humanos artificiais, o resultado de pensamento deliberado, da história, de trabalho ético e político. Não herdamos direito: fazemos." (25)

E o Direito penal como produto da criação humana, deve ser usado como manto protetor dos poderosos e o papel de vilão a favor dos poderosos?

Refiro-me, ao passo seguinte, adotado pelo gerente do pomar. Após, os ataques terroristas nos EUA, o presidente (gerente do pomar) fez propostas supressoras das liberdades nos campos das dogmáticas processual penal e penal. Contudo, as medidas são um retrocesso monstruoso que se equiparam aos ataques terroristas. Investigação e processos realizados sob o manto do sigilo, a detenção de suspeitos sem a devida comunicação a Justiça, a sumariedade dos julgamentos e até o uso de crimes para se colher provas de autoria e materialidade. São absurdos, a reedição dessas práticas !

No início do ano 2002, no Paquistão foram presos mais de 300 militantes que fazem parte de cinco movimentos religiosos. Não é claro o motivo das prisões- a liberdade de credo religioso esta inserida na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Porém, parte das pessoas presas, entre 40 a 60 delas, foram entregues aos norte-americanos na condição de prisioneiros e transferidos para uma base na Baia de Guantanamo, Cuba. Ali, estas pessoas estão proibidas de receber visitas da família e até dos advogados, sob a alegação de que são "combatentes perigosos", ou seja, não são acusados de crimes de guerra ou crime comum. Mas cumprem pena antecipada, sem processo ou saber do motivo da prisão, recebendo tratamento desumano e cruel.

E, a saga, não para por aí, a Bósnia entregou a autoridades americanas seis argelinos que foram inocentados de terrorismo pela corte judicial daquele país, também, no Reino Unido, nas Filipinas, enfim, diversos países estão prendendo pessoas na condição de suspeitos. Certamente, é um direito dos estados soberanos investigar e punir os que descumpri as leis, porém, esta febre deve estar proporcionando grandes injustiças.

As ações concretizadas evocam-se legítimas, pois, amparadas no significado da segurança nacional (e a segurança mundial não vale?). É retornar ao tempo obscuro da Inquisição ou a época de Stálin ou McCarthy.

Não aprovo os atos violentos que atingiram e, ainda, atingem pessoas inocentes e passivas de todos os lados envolvidos no conflito. Lamento, profundamente, a morte de todas os seres humanos, seja nos EUA, Afeganistão, Paquistão, Brasil, Índia, Israel, Colômbia, Argentina, Serra Leoa, Cisjordânia, etc. Mas, também, não posso concordar que o Direito penal seja usado como instrumento, mesmo que indireto. Essa não é uma função digna para o Direito penal !

Tenho enorme dificuldade de assimilação diante dos avanços e recuos, que a sociedade promove no seu caminhar rumo ao infinito. No mesmo instante, em que as medidas arbitrárias foram anunciadas e realizadas. Os espíritos de Montesquieu, Rousseau e, talvez, o primeiro Beccaria, além, de muitos outros. É, bem possível, que deflagraram um movimento de rebeldia no espaço sideral contra o líder terráqueo mundial.

E como esquecer a advertência de Spencer Johnson : "Se você não mudar, morrerá; só ‘o movimento em uma nova direção ajuda-o a encontrar um novo queijo- um novo Direito penal -; ‘imaginar-se saboreando o novo queijo- o novo Direito penal- antes mesmo de encontra-lo, conduz a ele; ‘quanto mais rápido você se esquece do velho queijo – do velho Direito penal-, mais rápido encontra o novo’; ‘as velhas crenças não o levam ao novo queijo’; ‘quando você acredita que pode encontrar e apreciar um novo queijo, muda de direção; ‘notar cedo as pequenas mudanças – o delito deve ser encarado normativamente, não existe delito sem resultado jurídico, que deve ser objetivamente imputável ao risco proibido criado pela conduta- ajuda-o a adaptar-se às maiores que ocorrerão". (26)

Pessoalmente, reporto-me a alguns pontos, que merecem avanço na formulação da dogmática penal do mundo globalizado, são eles: 1) a questão do estigma e preconceito que o Direito penal cria à pessoa do condenado (27), reforçado na sociedade que é influenciada pelo próprio Direito penal; 2) a distribuição e a eleição de novas modalidades de penas, sem perder a humanidade e a igualdade entre os condenado pela Justiça penal que seja, efetivamente, proporcional ao ato praticado; 3) garantir à ampla defesa e o contraditório; 4) adequar o procedimento processual para valer em todo o mundo e ser eficiente, sem cunho protelatório; 5) o aprimoramento dos que atuam no Direito penal: juizes, ministério público, advogados, delegados de polícia, etc. Nos aspectos: cultural, intelectual, técnico e de experiências, como por exemplo: a residência em hospital na medicina. Aqui, juiz, promotor de justiça, advogados, delegados, investigadores, etc; que residissem, ao menos, 30 dias dentro da cadeia, certamente, sairiam diferentes, ou então, morasse um mês numa favela da cidade. As experiências engrandeceriam o valor dos princípios na manifestação desses profissionais; 6) reafirmasse a presunção de inocência; 7) avançar para uma Constituição Mundial com direitos, deveres e mecanismos de resoluções de conflitos de maneira pacífica.

Alguns movimentos são percebidos no campo das alternativas do Direito penal. Mas por estar sendo difundida no Brasil com ênfase entre juristas de renome. Creio que será propício menciona-la, a tese é denominada de Teoria do Delito ou do Fato Típico condicionada a uma sólida base constitucional, assim Gomes resume: "Desde várias perspectivas, mas fundamentalmente (a) da teoria da imputação objetiva, que é concebida como (mais um) requisito normativo do tipo e que não tem o escopo de eliminar a clássica relação de causalidade, senão o de limitá-la e (b) dos princípios constitucionais e político-criminais (Roxin) da exclusiva proteção de bens jurídicos (o Direito penal somente pode ter como missão a proteção fragmentária e subsidiária de bens jurídicos) e da ofensividade (não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido – nullum crimen sine iniuria), tornou-se possível redimensionar as várias etapas (dogmáticas) de valoração do fato punível (tipicidade, antijuricidade, culpabilidade e punibilidade)." (28) A parte dessa tese é a questão da ofensividade, a do perigo real ser parte integrante da definição do tipo penal, a mais interessante parte da Teoria. Levando a nova definição que crime significa um comportamento ilícito-típico, culpável e digno de pena.

O futuro do Direito Penal, no meu entender, é continuar como instrumento do governo e com utilidade social. Desde que, seja um promotor, efetivo, das garantias inseridas na Declaração Universal dos Direitos Humanos estendidas a todos os seres humanos. É fundamental, o fortalecimento dos Tribunais Internacionais, a rendição dos países mais ricos e poderosos diante da necessidade do fortalecer das organizações internacionais como mediadora dos conflitos.

Um exemplo da inércia e do desinteresse dos países na outorga de poder as organizações. São os caso do Protocolo de Kioto e o do Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos das Crianças e combate a venda de crianças, a prostituição infantil e a utilização da criança na pornografia. Neste, inclusive, prevê sanções para qualquer pessoa envolvida com maus-tratos, prostituição ou pornografia infantis e mecanismo de processamento extraterritorial. Poucos países ratificaram os protocolos, algumas dezenas no universo de centenas.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma amostra da capacidade de eleição de princípios de cunho legal, muito embora, não seja plenamente acatada nos países: "nenhum paradoxo da política contemporânea está mais repleto de ironia pungente do que a discrepância entre os esforços dos idealistas bem-intencionados que teimosamente insistem em encarar como inalienáveis aqueles direitos humanos de que desfrutam apenas os habitantes de países prósperos e civilizados e a situação das pessoas desprovidas de direitos(...) A igualdade(...) não nos é dada, mas resultada da organização humana, na medida em que seja guiada pelo princípio da justiça. Não nascemos iguais; tornamo-nos iguais como membros de um grupo, com base em nossa decisão de garantir a todos direitos mutuamente iguais." – As palavras ditas por Hannah Arendt são do ano de 1951, ou seja, três anos após a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. (29)

O filósofo espanhol Savater discorre sobre a "fraternidade cívica é um sinal de maturidade política".(30) As palavras que podem ser úteis a humanidade e amainar as distorções são: política com solidariedade e fraternidade. Sem qualquer ranço de maniqueísmo entre bons e maus.

O medo é um sentimento que causa um imobilismo na sociedade. O medo de aparentar ser simplista na formulação das alternativas. O medo do errar na proposição. O medo de experimentar uma nova tese. O medo profundo do vazio no coração quando perdemos um ente querido. O medo gerado na mente e n’alma no momento de abrir mão do medo. O medo de reconhecer que sabemos pouco. O medo do fracasso.

Muitos seres humanos idealistas bem-intencionados sentem medo, porém, controla-o, ergue as vistas e segue em frente. Pois, o que motiva o seu caminhar é o compartilhar da busca da Justiça, da Independência, da Liberdade, da Fraternidade e do Progresso. Não desejando ser o comandante da expedição. O que engrandecerá o ser humano é a sua continuidade rumo ao futuro. É não desistir da caminhada.

O que eu penso e desejo as pessoas que respeitam e reconhecem o valor da ciência penal na História Universal. É que nesta fase conturbada da jornada humana, não desistamos do Direito penal !

No passado os cronistas medievais descreveram os horrores, que apareceria as pessoas que ultrapassassem o Cabo Bojador na costa africana. Os relatos intimidaram os exploradores por algum tempo. Até que, corajosos marinheiros venceram o medo e constataram, que não existiam: monstro, onda gigante e outros temores. Superado o medo, conseguiram transpor o acidente geográfico. Esses marinheiros que não sentiam medo dos ventos fortes, novamente, se defrontaram com um novo medo: o longo período de calmaria daqueles mares. O que colocava suas vidas em alto risco de perecimento, pois, sem os ventos que os impulsionassem a navegar, a comida e a água findavam, consequentemente, a morte.

Assim, seja bem vindo os ventos e nem os falte ao Direito penal na etapa da globalização. Nos levando ao porto seguro da Justiça, extensiva a todos os seres humanos. Um sonho impossível ? Quem se arrisca responder ? Só o futuro e a ação humana nos dará a resposta.


Referência Bibliográfica.

1.SILVA FRANCO, Alberto, "Globalização e criminalidade dos poderosos", Revista Portuguesa. De Ciência Criminal, fasc.2º, abril-junho 2000, p. 186.

2.HABERMAS, Jurgen, artigo intitulado "O Impasse do Presente" e publicado no caderno ‘Mais!’, jornal "Folha São Paulo", ed. de 6 de janeiro de 2002.

3.FOUCAULT, Michel, "Em defesa da Sociedade", ed. Martins Fontes, 1ª ed., p.22.

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4.MANGABEIRA UNGER, Roberto, "O Direito na Sociedade Moderna", ed. Civilização Brasileira, 1ª ed., p.97/98.

5.KARL BUNGER, "Die Rechtsidee in der chineischen Geschichte", Saeculum, col. III (1952), pp. 193/201;

6.BODDE, Derk e Clarence, "Law in Imperial China, Cambridge, Harvard, 1967, pp. 15/17.

7.ZAFFARONI, Eugenio Raúl, "La globalización y actuales orintaciones de la política criminal", Nueva Doctrina Penal, Editorial, Bueno Aires, ed. Del Puerto, p.VII, 1999.

8.VIDAL, J.W. Bautista, "Brasil Civilização Suicida", Ed. "Nação do Sol", 1ª ed., p.11.

9.GOMES, Luiz Flávio, "Na virada do milênio, o quê herdamos e o quê deixaremos para as futuras gerações nas ciências criminais"- parte VI – www.direitocriminal.com.br, 28.01.2001.

10.ZAFFARONI, Eugenio Raúl, "Globalização e sistema penal na América Latina: da segurança nacional à urbana", Discursos Sediciosos, crime, direito e sociedade, ed. Rio de Janeiro, 1997, p.31.

11.ZAFFARONI, Eugenio Raúl, idem cit., p.32

12.SOUZA SANTOS, Boaventura, "Globalização e Direito Penal Brasileiro: acomodação ou indiferença?", in Revista Bras. Ciências Criminais, vol.23, 1998, pp. 81/96"

13.GALLUP, Instituto de Pesquisa- Argentina, www.gallup.com.ar, novembro de 2001.

14.GOMES, Luiz Flávio, art. "Na virada do milênio, o quê herdamos e o quê deixaremos para as futuras gerações nas ciências criminais" parte III, www.direitocriminal.com.br, 07.01.2001.

15.FAORO, Raymundo, "Os donos do Poder", vol.2, Ed. Globo, 15ª ed., p. 748.

16.VIDAL, J.W. Bautista, "Brasil Civilização Suicida", Ed. Nação do Sol, 1ª edição, pp.13/26.

17.FOUCAULT, Michel, "Em Defesa da Sociedade", Ed. Martins Fontes, 1ª ed., p.214.

18.CAMPOS, Lauro, "A crise completa- A economia do não", Ed. Boitempo, 1ª ed., p. 297.

19.INFANTE, Guillermo Cabrera, Revista "Época", n. 192, p. 91.

20.BONAVIDES, Paulo, "Democracia Realizada", Ed. Malheiros, 1ª ed., p. 13.

21.FARIA COSTA, José, "Globalização e Criminalidade dos Poderosos", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra Editora, ano 10, Fasc. 2, abril-junho 2000.

22.ROBINSON, Jeffrey, "A Globalização do Crime", ed. Ediouro, 1ª ed., p. 420.

23.HASSEMER, Winfried, CONDE MUÑOZ, Francisco, "La responsabilidad por el producto em el derecho penal", p. 46, Valencia, Tirant lo Blanch, 1995.

24.SILVA SANCHEZ, Jesús-María, "Temas de Direito Penal econômico", Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 272.

25.LINFIELD, Susie, "Caderno Mais", jornal "Folha de São Paulo", 20/01/02, p.19.

26.GOMES, Luiz Flávio, "Na virada do Milênio, o quê herdamos e o quê deixaremos para as futuras gerações nas ciências criminais" – parte II, www.direitocriminal.com.br, 07/01/01.

27.MOLINA, Garcia Pablos de, "Criminologia", trad. De Luiz Flávio Gomes, 3ª ed., Ed.. Revista dos Tribunais,2000.

28.GOMES, Luiz Flávio, "Na virada do milênio, o quê herdamos e o quê deixaremos para as futuras gerações nas ciências criminais" parte VI, www.direitocriminal.com.br, 28/01/01.

29.ARENDT, Hannah, "Caderno Mais"- jornal "Folha de São Paulo", p.18, ed. 20/01/02.

30.CUNHA, Guilherme Lustosa da e ALMEIDA, Guilherme Assis de, artigo jornal "Folha de São Paulo", ed. 11/01/02, p.3.

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DIAS, Guilherme Augusto Vicenti. Globalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 256, 20 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4991. Acesso em: 28 mar. 2024.

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