Bullying escolar e a correlação com o aumento do índice de criminalidade

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O presente trabalho visa conceituar o que efetivamente vem a ser bullying, caracterizando-o diferenciando-o das meras brincadeiras infantis.

INTRODUÇÃO

presente artigo, valendo-se de uma linha de raciocínio lógico e tendo como meta a análise dos possíveis problemas que o bullying pode provocar em sua vítima e a possível relação do mesmo com a criminalidade, iremos inicialmente abordar o conceito de bullying, desmistificando o senso comum que o considera como uma simples brincadeira de criança, o que, em muitos casos, acaba por ofuscar a gravidade do ocorrido, resultando em situações posteriormente mais graves.

Em seguida discorreremos acerca dos personagens envolvidos na prática do bullying especificando o papel exercido por cada um deles neste fenômeno.

 Dando continuidade ao trabalho, trataremos dos fatores que podem levar a esta prática, bem como mostrar como a vítima de tal abuso, durante suas etapas de formação física e psicológica, torna-se predisposta a cometer atos criminosos. Pretende-se, assim, explicar como o bullying pode afetar a vítima e quais seriam as possíveis consequências geradas por este abuso.

 Por fim será discutido em que sentido a Criminologia pode ser útil na prevenção e no combate da prática de bullying.

1        CONCEITO DE BULLYING

Bullying é um termo em inglês que não possui tradução direta para o português. De acordo com Lélio Braga Calhau (2011, p.6) corresponde a um assédio moral, são atos de desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de forma repetida.

Para o professor Gabriel Chalita, bullying é mais do que um assédio moral,

é a negação da amizade, do cuidado, do respeito. O agente agressor impiedosamente expõe o agredido às piores humilhações. Dos apelidos perversos às atitudes covardes de quem tem mais força física ou mais poder. O agredido dificilmente encontra coragem para se defender e permite que se fechem as cortinas. E há quantos que, com as cortinas fechadas, dá um cabo a própria história. (CHALITA, 2008, p. 14 apud CALHAU, 2011, p. 8)

Embora este seja um termo relativamente novo, a prática do bullying data de muitos anos, tendo ganhado destaque apenas nos último quinze anos, principalmente, devido ao grande enfoque da mídia e a facilidade de circulação de informações por meio desta.

Um dos grandes eventos que colocou o bullying em destaque foi o ocorrido em 1999 no Instituto Columbine (Colorado, EUA) onde Eric Harris e Dylan Klebold invadiram a escola em que estudaram e na qual sofreram bullying, e começaram a disparar, matando doze alunos, um professor e depois cometeram suicídio (CALHAU, 2011, p.3).

A partir deste acontecimento, a sociedade começou a ansiar por explicações para ações tão violentas, questionando se realmente perseguir, zombar, agredir, assediar e violentar são meramente brincadeiras infantis e, portanto, normais, ou se o problema se estende além disso. Deste assunto especifico tratará o próximo tópico.

1.1  CARACTERÍSTICAS DO BULLYING: BULLYING x BRINCADEIRA DE CRIANÇA

Um erro corriqueiro quando o assunto é bullying é a sua comparação com uma simples brincadeira infantil. Neste quesito é preciso fazer algumas ressalvas que evidenciam que existe sim diferença crucial entre esses atos, uma vez que não existem brincadeiras quando uma pessoa está sofrendo (CALHAU, 2011, p.7).

Brincadeira infantil não é uma atitude maldosa, devendo ser inclusive incentivada, pois faz parte das etapas de desenvolvimento social que ajudam as crianças à estabelecer relações sociais. Em contrapartida, o bullying tem como objeto a dor, a humilhação, a imposição de uma superioridade por uma das partes, sempre “alimentando-se” do sofrimento da vítima. Nesse sentido,

existem alguns critérios básicos, que foram estabelecidos pelo pesquisador Dan Olweus, da Universidade de Bergen, Noruega (1978 a 1993), para identificar as condutas de bullying e diferenciá-las de outras formas de violência e das brincadeiras próprias da idade. Os critérios estabelecidos são: ações repetitivas contra a mesma vítima num período prolongado de tempo; desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; ausência de motivos que justifiquem os ataques. (FANTE, 2008, p. 39 apud CALHAU, 2011, p. 7)

Acrescenta-se ainda o fato de que brincadeiras infantis não produzem impactos negativos, ao contrário do bullying. Este provoca na vítima sequelas emocionais que, a depender de uma série de fatores particulares a cada um, podem inclusive levar ao cometimento de crimes e consequentemente ao aumento do índice de criminalidade.

2        PERSONAGENS DO FENÔMENO BULLYING

De acordo com o entendimento de Cleodelice Fante, pesquisadora do bullying escolar, o fenômeno do bullying apresenta cinco personagens: os agressores, as vítimas típicas, as vítimas provocadoras, os espectadores e as vítimas agressoras (FANTE).

Os agressores de bullying, também conhecidos como bullies, são pessoas que apreciam e anseiam por exercer poder e controle sobre outrem, por isso praticam ataques morais ou físicos. São impulsivos, não admitem serem contrariados, se aborrecem com facilidade, são grosseiros e antipáticos. Estão sempre tentando beneficiar-se à custa de suas vítimas.

Os motivos que levam a prática de bullying são objetos de importantes estudos. Dentre os motivos já constatados tem-se  

carência afetiva, ausência de limites, afirmação dos pais sobre os filhos através de maus-tratos e explosões emocionais violentas, excessiva permissividade, exposição prolongada às inúmeras cenas de violência exibidas pela mídia e pelos games, facilidade de acesso às ferramentas oferecidas pelos modernos meios de comunicação e informação. Além desses, existe a alta competitividade, que acaba gerando o individualismo e a dificuldade de empatia, a crise ou ausência de modelos educativos baseados em valores humanos, capazes de alicerçar a vida do indivíduo (FANTE, PEDRA, 2008, p. 41).

As vítimas típicas são as escolhidas pelos bullies. Essas vítimas tendem a serem mais fracas, tanto física quanto psicologicamente em relação ao agressor. A fraqueza da vítima é explorada pelo bullie que estabelece a relação de dominação, impossibilitando qualquer reação por parte da vítima.

Há ainda as vítimas provocadoras que tendem a atrair a agressão dos bullies para si. São aqueles alunos que agem impulsivamente, provocando os colegas e atraindo contra si reações agressivas, contra as quais não conseguem lidar com eficiência. Por isso acabam vitimizados. Geralmente são imaturos, apresentam comportamento dispersivo e dificuldade de concentração (FANTE, PEDRA, 2008, p. 21 ).

 Os espectadores, também chamados de testemunhas silenciosas, garantem a “legitimidade” ao bullying, uma vez que é neles que o bullie vê parte do reflexo de seu poder. Ao não denunciar a agressão por ele presenciada, o espectador termina validando a ação violenta e permitindo a perpetuação da mesma. A maior parte dos espectadores não concorda com tais abusos, mas preferem manter o silêncio com medo de possíveis retaliações que possam transformá-los nas novas vítimas.

Por fim, as vítimas agressoras são aquelas que foram agredidas em um momento anterior e que passam a reproduzir a violência sofrida. Em casos extremos são aqueles que se munem de armas e explosivos e vão até à escola em busca de justiça. Matam e ferem o maior número possível de pessoas e dão fim à própria existência (FANTE, PEDRA, 2008, p. 21). Neste último personagem é que o presente trabalho irá focar.

3        O REFLEXO DO SOFRIMENTO DE VÍTIMAS DE BULLYING NA PRÁTICA DE CRIMES

As vítimas agressoras são pessoas que se tornaram inseguras, depressivas e agressivas, e passam a reproduzir a violência que sofreu. O bullying provoca um estado de estresse constante, o que aumenta a probabilidade de reprodução dessa agressão, principalmente na pessoa com predisposição genética a quadros de psicoses. A partir dos assédios morais sofridos, uma doença mental que ainda estava latente passa a gritar furiosamente, com distorções dramáticas da realidade (SILVA, 2010, p.78).

O autor de bullying tem grande probabilidade de adotar comportamentos anti-sociais ou delinqüentes, devido à falta de limites ou de modelos educativos que direcionem seu comportamento de auto-realização na vida para ações proativas e solidárias. O praticante de bullying apresenta maior suscetibilidade ao envolvimento em gangues, brigas, tráfico, porte ilegal de armas, abuso de álcool e de drogas.Tende a praticar a violência doméstica e o assédio moral em seu local de trabalho,além de apresentar baixa resistência à frustração. (FANTE, PEDRA, 2008, p. 36)

Não são poucos os relatos recentes de alunos que desistem de viver e que, antes disso, decidem se vingar da instituição que permitiu o fechamento dessas cortinas (CHALITA, 2008, p. 14 apud CALHAU, 2011, p. 8). O ocorrido no Instituto Columbine, em 1999, já citado neste paper, abriu precedentes e funcionou como catalisador para crimes de vingança promovidos por vítimas de bullying para com seus agressores.

Em 2005, um aluno de 16 anos matou cinco colegas, um professor e um segurança numa escola de Minnesota (EUA). Em 2006, na Alemanha, um ex-aluno abriu fogo numa escola e deixou 11 feridos (cometeu suicídio em seguida). Em 2007, um estudante, vítima de bullying, na escola Virginia Tech (EUA), assassinou 32 pessoas e feriu outras 15. Em novembro de 2007, em Jokela (Finlândia), oito pessoas foram assassinadas por um aluno, que divulgou um vídeo no YouTube, o qual anunciava o massacre. No dia 25 de maio de 2008, um aluno de 22 anos matou nove estudantes e um professor em Kauhajoki (Finlândia). Em seguida cometeu suicídio. (CALHAU, 2011, p. 3 e 4)

No entanto, a prática de crimes decorrentes de traumas do bullying não é algo exclusivo de outros países. No Brasil,

em 2003, em Taiúva (SP), um ex-aluno voltou à escola e atirou em seis alunos e numa professora, que sobreviveu ao ataque. Era ex-obeso e vítima de bullying, e após o atentado, cometeu suicídio. Em 2004, em Remanso (BA), um adolescente matou dois e feriu três após sofrer humilhações (era também vítima de bullying). Em 2008, um adolescente de 17 anos, no Rio de Janeiro, morreu depois de ser espancado na escola por conta de um corte de cabelo. Os alunos tinham por “brincadeira” dar socos em colegas no caso de novo corte de cabelo. Como a vítima não gostou e reagiu, mais de dez alunos o agrediram e ele morreu quatro dias depois, tendo como causa da morte contusão no crânio. (CALHAU, 2011, p.4)

Mais recentemente, em 7 de abril de 2011, na escola de Realengo, Rio de Janeiro, Wellington Menezes de Oliveira entrou na sua antiga escola, passando-se por um palestrante e abriu fogo contra os alunos, todos na faixa de 11 a 15 anos, matando onze e ferindo outros 13, sendo baleado por um policial militar e cometendo suicídio logo em seguida.

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Os estudos e os exemplos citados comprovam a relação entre o bullying e a criminalidade. Percebe-se, portanto, que o fenômeno bullying estimula a delinquência e induz outras formas de violência explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com baixa autoestima (CALHAU, 2011, p. 18).

4        CONTRIBUIÇÕES DA CRIMINOLOGIA PARA A COMPREENSÃO E REDUÇÃO DA PRÁTICA DE BULLYING

Comprovado o aumento do índice de criminalidade como conseqüência das práticas do bullying deve-se buscar combater tal mazela. Todavia, ressalta-se que para combater algo é necessário conhecer e compreender os motivos que levaram à sua ocorrência. Nesse sentido a Criminologia se revela como uma ciência de grande valia, pois cabe a ela coletar, organizar e interpretar a ocorrência dos crimes, possibilitando uma estruturação e compreensão adequada da criminalidade. (...) A Criminologia busca antecipar a ocorrência dos crimes e intervir para que eles não ocorram (CALHAU, 2008)

A Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal e, em resumo, busca o seu diagnóstico, prevenção e controle. Para tanto, ela utiliza uma abordagem interdisciplinar e se vale de conhecimento específico de outros setores como a sociologia, psicologia, biologia, psiquiatria, etc, para lançar um novo foco, com a busca de uma visão integrada sobre o fenômeno criminal (CALHAU, 2008)

Destarte, a Criminologia contribui notoriamente na prevenção da prática de bullying, uma vez que somente a partir dos seus estudos sobre os motivos e o percurso histórico desse crime é que se poderá compreender e lutar contra tal agressão. 

CONCLUSÃO

Pretendeu-se que este trabalho proporcionasse, de maneira sintética e objetiva, uma efetiva compreensão do fenômeno bullying, cujos índices aumentam a cada dia. Por meio deste, pode-se concluir que, diferentemente da crença do senso comum, bullying não é apenas uma brincadeira de criança, mas sim um crime grave. São atos de violentar, humilhar, denegrir e perseguir, capazes de gerar consequências devastadoras, desde distúrbios psicológicos até assassinato e suicídio.

Para efetivamente combater delitos é necessário um estudo aprofundado desde os personagens do fenômeno, passando pelas suas motivações, suas consequências, até encontrar um método de prevenção do crime. Nesse sentido, buscou-se conhecer os personagens envolvidos na prática do bullying e constatou-se que existem outros além da vítima e o agressor (bullie). O bullying conta com a presença daquele que assiste ao crime (espectador), mas nada faz com medo de se tornar vítima; daquela vítima que reproduz a violência sofrida (vítima agressora) e daquela vítima provocadora, que tende a atrair a atenção do bullie para si, tornando-a a próxima vítima.

Algumas vítimas, principalmente aquelas que possuem predisposição genética a quadros de psicose, posteriormente se tornam agressoras, ou do mesmo crime ou ainda de crimes considerados maiores, como o assassinato em massa ou o suicídio. Estas pessoas são conhecidas como as vítimas agressoras. A partir dos exemplos citados foi possível constatar que o bullying estimula sim o aumento da prática de crimes e ainda produz cidadãos inseguros e estressados.

Como todo delito que deve ser prevenido e combatido, o bullying também o deve ser. Com este trabalho concluiu-se que sendo a Criminologia uma ciência que coleta, organiza e interpreta a ocorrência dos crimes, ela permite uma estruturação e compreensão adequada da criminalidade. Logo, o trabalho dos criminalistas é de grande valia na prevenção da prática de bullying.

As indicações deste texto devem ser entendidas como úteis para a compreensão do fenômeno bullying e seus meios de prevenção, não apenas para os juristas, mas para toda a sociedade brasileira. 

REFERÊNCIAS

CALHAU, Lélio Braga. Bullying, Criminologia e a contribuição de Albert Bandura. In: FORÚM PARAIBANO DE COMBATE AO BULLYING E INCENTIVO À CULTURA DE PAZ, I, 2008, João Pessoa. Disponível em: < http://www.mp.to.gov.br/cint/cesaf/arqs/300309035719.pdf>. Acesso em: 21 de mar. De 2012

            CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas &respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008. Disponível em: < http://pt.scribd.com/doc/23442037/Bullying-escolar-perguntas-e-respostas-Versao-sem-figuras>. Acesso em: 09 de mai. de 2012

FANTE, Cleo. O fenômeno bullying e as suas consequências psicológicas. Disponível em: <http://www.psicologia.org.br/internacional/pscl84.htm>. Acesso em: 09 de mai. de 2012.

SILVA, Ana Beatriz. Bullying: mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

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Sobre os autores
Matthews Barbosa Martins

Graduando em Direito, pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

Danielle Murad Fernandes

Graduanda em Direito, pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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