A regra-matriz de incidência tributária e o construtivismo lógico-semântico.

Uma análise da (im)possibilidade da cobrança do ISS sobre franquias

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INTRODUÇÃO

O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, possui como fato gerador a prestação de algum serviço (constante à LC n° 116/2003), seja ele exercido por empresa ou profissional autônomo (SABBAG, 2012). Assim sendo, a hipótese de incidência deste tributo está atrelada à existência da Lei Complementar n° 116/2003 e as suas disposições de ocorrência contidas no seus anexos, juntamente com a ocorrência do fato gerador - ser prestador de serviço. Tal lei, inclusive, dispõe no item 17.8 da sua lista de serviços o fator "franquia" (franchising).

De acordo com o conceito do contrato de franquia, franchising é uma relação jurídica ocorrida entre o franqueador e o franqueado, no qual aquele fornece a "cessão de direito de distribuição exclusiva de produtos ou serviços e do direito do uso de tecnologia de implantação e administração ao negócio" (SABBAG, 2012, p. 1041) ao franqueado. Franquia é, em outros miúdos, um conceito pelo qual a empresa industrial, comercial ou de serviços, denominada de franqueadora, detentora de uma atividade mercadológica eminentemente estabilizada no mercado, com marca notória, permite a uma pessoa física ou jurídica, no caso a franqueada, o seu uso, para venda ou fabricação de serviços ou produtos mediante uma taxas inicial e porcentagem sobre o movimento das vendas mensais. (ALMEIDA, 2000)

Ante o exposto, a partir da interpretação do conceito de franquia, conclui-se que as informações compartilhadas entre franqueador e franqueado nada mais são do que "um envolvimento mútuo e bilateral, de colaboração recíproca, marcado pela existência de direitos e deveres para ambas as partes" (SABBAG, 2012, p. 1041).

A problemática está justamente na aplicabilidade ou não do ISS sobre as franquias, tendo em vista que há uma relevante discussão acerca da classificação da relação jurídica entre franqueadoras e franqueadas como uma prestação de serviço ou não. Neste exposto, para que haja incidência tributária nas franquias, é necessária a ocorrência do fato gerador através do preenchimento dos critérios apresentados na hipótese de incidência pela Lei que regula o tributo do ISS (LC n°116/2003).

Assim, será discutido acerca da classificação do contrato de franquia como prestação de serviço ou não (ou seja, se realmente está preenchido o critério material proposto na hipótese de incidência), de maneira a ocorrer o fato imponível descrito na regra-matriz de incidência tributária do ISS.

Para tanto, será relatado acerca dos conceitos atinentes à regra-matriz de incidência tributária, sendo explicado quais são os conceitos relevantes para a compreensão do tema. A partir disso, irá haver uma aplicação da teoria apresentada da regra-matriz ao caso concreto quanto à disposição de cobrança do ISS, mais precisamente se as franqueadoras, através do contrato de franchising, seriam caracterizadas como prestadoras de serviço, e portanto, passíveis de cobrança do Imposto de Serviço sobre Qualquer Natureza (ISS).

1 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA: GENERALIDADES E APLICABILIDADE DO ASPECTO MATERIAL

De acordo com o art. 3º do Código Tributário Nacional, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Assim, tributo é a denominação utilizada pelo legislador para que, assim ocorrendo o fato que impulsione a sua cobrança, enseje o aumento dos cofres públicos. (ATALIBA, 2006).

A cobrança de qualquer tributo está interligada com a existência de uma hipótese de incidência e a ocorrência de um fato imponível. Desta forma, de acordo com os ensinamentos de Geraldo Ataliba (2006), uma lei descreve hipoteticamente um fato, descrevendo suas circunstâncias, bem como as suas formas de aplicabilidade, dispondo sobre a realização concreta do fato anteriormente descrito, de maneira que haja uma subsunção da norma, ensejando a origem de uma relação jurídica que não existiria se não ocorresse o fato que a motivasse. Tal hipótese (a existência de uma hipótese de incidência e o fato imponível), é denominada de regra-matriz de incidência, apresentada por Paulo de Barros Carvalho (2012).

É muito importante fazer a distinção terminológica entre hipótese de incidência e fato imponível. A primeira é caracterizada ao conceito legal da norma, ou seja, a descrição hipotética de um fato que, se ocorrido, irá ensejar a cobrança de determinado tributo. Já o fato impossível é a situação ocorrida efetivamente no mundo dos fatos, em um determinado tempo e lugar, havendo a completa realização da hipótese de incidência (ATALIBA, 2006).

O mesmo autor aduz que as duas terminologias não devem ser confundidas em hipótese alguma no momento de caracterização da subsunção do fato à norma, deixando claro que há dois momentos lógicos a serem observados na regra-matriz de hipótese de incidência tributaria: “primeiramente, a lei descreve um fato e di-lo capaz (potencialmente) de gerar (dar nascimento a) uma obrigação. Depois, ocorre o fato; vale dizer: acontece, realiza-se” (ATALIBA, 2006, p. 55)

Nesta esteira, de acordo com os dizeres metodológicos do construtivismo lógico-semântico, a maneira que qualquer objeto é descrito pelo intérprete, como uma norma descrita através da hipótese de incidência tributária, está passível das nuances que a linguagem é apresentada no mundo. (BERNINI, 2010).

Assim, de acordo com Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 315), a subsunção do fato à norma "não se verifica simplesmente entre iguais, mas entre as linguagem de níveis diferentes", de modo que trazendo tal assunto para a regra-matriz de incidência tributária, o intérprete só irá dizer que houve subsunção, quando "o fato (fato jurídico tributário constitutivo pela linguagem prescrita pelo direito positivo) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da hipótese (hipótese tributária)" (CARVALHO P., 2012, p. 316).

Em outros termos, a regra-matriz de incidência é um conjunto de “normas padrões produzidas para serem aplicadas em casos concretos, que se inscrevem entre as regras gerais e abstratas, podendo ser de ordem tributária, previdenciária, penal, administrativa, etc., dependendo das situações objetivas para as quais seu vetor semântico aponta”. (CARVALHO A., p.362, 2009). Seguindo nessa esteira, pode-se considerar que a regra-matriz estabelece um “esquema lógico-semântico, revelador do conteúdo normativo, que pode ser utilizado na construção de qualquer norma jurídica (em sentido estrito)” (CARVALHO A., p. 358, 2009)

Frise-se que, para que haja a regra matriz de incidência, o legislador impôs que é necessário que “o antecedente ou suposto da norma, está imerso na linguagem prescrita do direito positivo, porque, mesmo formulado por um conceito de teor descritivo, vem atrelado à consequência da regra, onde reside a estipulação da conduta (prescritor), meta finalistica e razão da própria existência do direito” (CARVALHO P., 2007, p. 284). Desta forma, diversos critérios devem preenchidos para que haja a efetiva hipótese de incidência, quais sejam: o critério material, especial, temporal (no que concerne à hipótese de incidência), bem como o critério pessoal e prestacional (a consequência da ocorrência do fato gerador) (CARVALHO A., 2009). Assim, Aurora Carvalho (2009, p. 289) complementa:

Tais critérios configuram a informação mínima necessária para a identificação de um fato jurídico. Nada impede, porém, que o intérprete, analisando os textos positivados, selecione mais propriedades do evento, como por exemplo, no caso das normas penais da parte especial (tipificadoras dos crimes), em que um critério identificativo da vontade do agente (dolo/culpa) é necessário para a identificação da conduta típica.

Quanto maior o número de critérios percebidos pelo intérprete, maior a precisão identificativa do conceito da hipótese. O esquema da regra-matriz de incidência, aqui apresentado, oferece-nos o conteúdo mínimo necessário para a indentificação de um fato e de uma relação intersubjetiva (em termos gerais), o que não restringe, de forma alguma, a construção significativa do intérprete apenas a tais critérios.

Dentre todos os critérios citados, será dado mais atenção ao critério material de incidência, que é conceituado basicamente em um verbo ou enunciado que "delimita o núcleo do acontecimento a ser promovido à categoria de fato jurídico” (CARVALHO A., 2009).

Tal critério gira em torno do “comportamento de um pessoa, consistência material linguisticamente representada por um verbo e seu complemento […] Isso concerne ao sujeito, que pratica a ação, e bem assim ao complemento do predicado verbal, que, impreterivelmente, há de existir” (CARVALHO P., 2012, p. 326). Nesse sentido, é interessante acrescentar que o “aspecto material é a imagem abstrata de um fato jurídico: propriedade imobiliária, patrimônio, renda, produção, consumo de bens, prestação de serviços, ou uma atuação pública” (ATALIBA, 2006, p.107).

Aurora Carvalho demonstra que para limitar a ação humana que enseja a hipótese de incidência se encontra certas expressões genéricas de ações ou estados, tais como: “causar dano; subtrair coisa alheia móvel demitir empregado; ser proprietário de bem imóvel, etc” (2009, p. 289). Desta forma, tal autora (2009, p. 289) demonstra que pelo núcleo denominado de núcleo material será sempre composto por: "(i) um verbo, que representa a ação a ser realizada; (ii) seguido de seu complemento, indicativo de peculiaridades desta ação”

Frise-se que para restar caracterizado o critério material, não se deve limitar apenas à ocorrência de um verbo em si, e sim, deve-se analisar também o fato do sujeito ser algo capaz de preencher a hipótese de incidência. Assim, o critério material é pessoal, tendo em vista que todos os fatos/atos que o impulsionam estão relacionados à situações fáticas que envolvem pessoas, de modo que comportamentos naturais, como um fruto que cai na floresta não tem importância jurídica, tampouco importância para os fins de hipótese de incidência (CARVALHO A., 2009). Assim,

para demarcar a materialidade do fato, não se utiliza apenas de verbos que exprimem ação (ex: fumar, dirigir, achar, vender, industrializar, incorporar, etc.), mas também de verbos que exprimem o estado de uma pessoa (ex: ser, estar, permanecer, etc.). Em decorrência disso, não é correto afirmar que todo fato jurídico reporta-se a uma ação humana, pois o legislador também toma como relevante, para o desencadeamento de efeitos jurídicos, certos estados da pessoa.  (CARVALHO A., 2009, p. 290)

2 O INSTITUTO DO ISS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS: CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), a começar pela sua disposição constitucional, que está prevista no artigo 156, inciso III da Constituição Federal que possui a seguinte redação: “Compete aos Municípios instituir impostos sobre: III – Serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. Tal instituto também está disposto na Lei Complementar nº 116, de 31 de junho de 2003, onde estão listados todos os serviços capazes de ensejar a ocorrência, no mundo dos fatos, da hipótese tributária.

Na análise do art. 156, III da CF, pode-se afirmar que a cobrança do imposto do ISS está dependente de regulamentação dos municípios, através de uma edição de Lei Ordinária. Desta forma, os municípios instituidores do ISS deverão regulamentar a cobrança do tributo do ISS mediante Lei Ordinária, na qual deverá ser combinada com a Lei Complementar nº 116/2003 que dispõe qual tipo de serviços são compatíveis na caracterização do fato imponível apresentado na hipótese de incidência. (SABBAG, 2012).

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A ocorrência do fato imponível, ou seja, a efetiva incidência da hipótese tributária capaz de ensejar a cobrança do aludido imposto, está atrelado à ocorrência da prestação de algum serviço (constante à LC n° 116/2003), seja ele exercido por empresa ou profissional autônomo (SABBAG, 2012). Logo, o aspecto material desse imposto está limitado à existência de “serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência do ICMS (CF, art. 156, IV)” (CASSONE, 2004, p. 480).

Assim sendo, a hipótese de incidência deste tributo está vinculada à existência da Lei Complementar n° 116/2003 e as suas disposições de ocorrência contidas no seus anexos, juntamente com a ocorrência da hipótese de incidência, mais precisamente o seu aspecto material: ser prestador de serviço. Bernardo Ribeiro Moraes (1989) apud Vittorio Cassone (2004, p. 479) complementa:

O ISS é um imposto sobre qa circulação de bens que nãqo sejam "produtos" ou "mercadorias", ou melhor, que não sejam bens materiais. Seu objeto é a circulação econômica (venda) de bens imateriais (serviços). Grava-se com o ISS a transferência de bem material a título oneroso. Assim, podemos conceituar Serviço como bem imaterial que esteja na etapa de circulação econômica (colocada à disposição de terceiros, mediante venda). Tal conceito abrange gama enorme de bens, desde o simples traalho (fornecimento de trabalho a terceiros) até meros direitos (locação de bens móveis e cessão de direitos).

A questão do sujeito ativo deste imposto já foi muito controversa na doutrina e jurisprudência, tendo em vista que não restava comprovada qual município deveria recolher  imposto: "ou - (I) para o município do estabelecimento do prestador; ou (II) para o município do estabelecimento tomador; ou, finalmente, (III) para o Município da prestação, no qual se concretiza o fato gerador, executando-se ali o próprio serviço" (SABBAG, 2012, p. 1010).

No entanto, no art. 3º, caput, da LC nº 116/2003 dispôs uma regra geral para o sujeito ativo: será "o município do estabelecimento do prestador (ou na falta deste, o do domicílio do prestador)". Assim, o local da prestação de serviço "é o estabelecimento do prestador, não importando onde viesse a ser prestado o serviço. Todavia, no próprio art. 3º, foram destacados 22 incidos (ou seja, 20 hipóteses, em face de dois vetos), admitindo, como, exceção, o 'local da prestação do serviço' como município da prestação" (SABBAG, 2012, p. 1011). Portanto,

Em face do princípio da estrita legalidade tributária, os Municípios, para que possam cobrar o ISS dos prestadores de serviços, devem instituí-lo por meio de lei ordinária própria, que poderá adotar todos os itens da Lista de Serviços anexa à lei complementar, ou apenas alguns deles, sendo-lhes, porém defeso criar serviços não previstos nessa norma complementar, sob pena de inconstitucionalidade (SABBAG, 2012, p. 1016-1017)

O sujeito passivo do ISS, de acordo com o art. 5º da LC nº 116/2003, é o prestador de serviço, seja na condição de empresa, seja na condição de profissional autônomo. A base de cálculo está presene no art. 7º da LC 116/2003: "A base de cálculo do imposto é o preço do serviço" . Frise-se que, conforme Eduardo Sabbag (2012, p. 1030) o valor da base de cálculo não inclui as parcelas "relativas a juros, seguros, multas ou indenizações, entretanto, a nosso ver os eventuais descontos, pelo fato de influírem decisivamente no preco dos serviços, deverão ser computados".

Conclui-se, portanto, que o ISS incide apenas sobre a prestação de serviço remunerada, não incidindo sobre a prestação de serviços gratuitos, tampouco naqueles de benefício próprio do prestador. Ou seja, a base de cáluculo do ISS é efetivamente sobre o valor exato do serviço prestado (real prestação remunerada), independentemente do contrato ajustado entre a prestadora de serviços e o tomador, tendo em vista que este pode regular alguma prestação de serviço gratuita (SABBAG, 2012).

Por fim, no que concerne à Alíquota do ISS, pode-se afirmar que "sua tributação será fixa ou proporcional, de acordo com as características do sujeito passivo" (SABBAG, 2012, p. 1031). A fixa diz respeito a um "único valor pago periodicamente pelos profissionais liberais que executam serviços pessoais. De outra banda, a tributação proporcional está adstrita à aplicação de uma alíquota sobre o movimento econômico das empresas que prestam serviços" (SABBAG, 2012, p. 1031). Assim, Eduardo Sabbag (2012) afirma que cabe aos municípios regularem a alíquota do ISS que irá incidir sobre os serviços prestados, tendo que respeitar os limites impostos pela Lei Complementar, conforme o disposto do art. 156, parágrafo 3º da CF.

3 CONTRATOS DE “FRANCHISING” : ASPECTOS GERAIS E PARTICULARIDADES

De acordo com o art. 2º da Lei 8.955/95, franquia é um

Sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso da tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.

A partir disso, pode-se afirmar que franquia é um contrato pelo qual o franqueador   cessa o uso de sua marca ou patente ao franqueado, prestando-lhe serviços de organização empresarial, com ou sem venda de produtos (COELHO, 2011).

Franquia é, portanto, um conceito pelo qual a empresa industrial, comercial ou de serviços, denominada de franqueadora, detentora de uma atividade mercadológica eminentemente estabilizada no mercado, com marca notória, permite a uma pessoa física ou jurídica, no caso a franqueada, o seu uso, para venda ou fabricação de serviços ou produtos mediante uma taxa inicial e porcentagem sobre o movimento das vendas mensais. (ALMEIDA, 2000)

Conforme dito anteriormente, Gladson Mamede (2004) pressupõe que a franquia é materializada através de um contrato de adesão, de forma prolongada durante um certo período de tempo, em que há uma cessão, por parte da empresa franqueadora, de um conjunto de operações singulares, como por exemplo, a cessão de direitos patrimoniais com expressividade econômica, a exemplo da marca (registrado como propriedade intelectual da empresa) ou patente (invenção, modelo ou utilidade), a concessão de direito de venda de produtos exclusivamente da escala de produção da franqueadora, bem como prestação de serviços dela decorrentes. Ademais, há também neste contrato, a cessão de tecnologia da produção empresarial,  desenvolvidos pelo franqueador de maneira a ensejar a emergência das franqueadas espalhadas pelo Brasil ou pelo mundo.

Fabio Ulhoa Coelho (2011, p. 495), por sua vez, assenta que o contrato de franquia é geralmente decorrente de outros três contratos, nos quais podem ser realizados de maneira autônoma, com ressalvas à necessidade de conjunção das atividades que caracterizam um contrato como de franquia, sob pena do contrato nem de franquia ser – tal assunto será detalhado a seguir –:

Primeiramente, o contrato de engineering, pelo qual o franqueador define, projeta ou executa o layout do estabelecimento do franqueado. Em segundo lugar, o management, estruturação da administração do negócio. Por fim, o marketing, pertinente às técnicas de colocação dos produtos ou serviços junto aos seus consumidores, envolvendo estudos de mercado, publicidade, vendas promocionais, lançamento de novos produtos ou serviços, etc.

Frise-se que embora o contrato de franquia se desenvolva mediante todas estas concessões relatadas anteriormente, este não será caracterizado se não houver uma concessão conjunta de todos estes fatores, restando por configurar contratos individuais de representação de serviço, contrato de concessão mercantil ou contrato de outra natureza que não de franquia (MAMEDE, 2004). Gladson Mamede explica, em outras palavras:

Tal prática empresarial e o contrato que lhe corresponde não se carcterizam pela mera cessão da propriedade intelectual (marca ou patente), ou pela mera contratação do direito de distribuir bens ou serviços,, exclusiva ou semi-exclusivamente, ou pela transferencia de tecnologia ou prestação de assessoria na condução do negocio. Somente a conjunção desses elementos, constituindo um sistema, um todo orgânico, permitirá a caracterização do contrato de franquia, e não de contratos específicos (2004, p. 302).

Assim sendo, de forma bem concisa de maneira a ensejar a explicação das partes envolvidas, o contrato de franquia é estabelecido entre franqueador e franqueado. O franqueador é a pessoa jurídica na qual contrata a franquia de sua marca ou patente ou seus produtos ou serviços, oferecendo em seu nome o know-how administrativo, o maneira de gerenciamento do negócio, o marketing, a publicidade, proporcionando total assistência e exigindo o cumprimento integral do contrato feito com o franqueado. Este, por sua vez, é uma pessoa física ou jurídica na qual é a adquirente da franquia, nos moldes impostos pelo franqueador através do contrato firmado entre as partes em questão. Outrossim, o franqueado percebe todo o auxílio disposto pelo franqueador mediante uma contribuição mensal, ou percentual. (ALMEIDA, 2000)

Neste sentido afirma Gladson Mamede (2004, p. 304) sobre a parceria que deve o franqueador manter com o franqueado, como forma de garantir o sucesso do negócio estabelecido entre as duas partes em questão:

Não se confundindo a franquia com uma prestação de serviço ou com mera cessão de direitos, afirma-se entre as partes uma situação jurídica de parceria (contrato de parceria), a  obrigá-las a colaboração recíproca para o êxito dos negócios, a implicar boa-fé nos seus atos, mormente na obrigação de ampla informação ao franqueado, que é própria do franqueador. (…) O franqueador compreende-se como obrigado não apenas apara com cada franqueado, mas igualmente para com toda a rede de franqueados, da qual é ele o elemento de unidade. Suas obrigações para com cada franqueado incluem as obrigações que ele tem para com a totalidade da rede, já que  atuação de um franqueado pode comprometer o sucesso de outro ou outros

Vale-se afirmar, no entanto, que o contrato de franquia nem sempre oferece 100% benefício ao franqueado, seja por que este tem que pagar uma quantia determinada para o franqueador – pelo lucro ou pelo simples uso da marca ou patente –, seja porque fica adstrito às condições contratuais estabelecidas, tendo em vista que no contrato poderá haver cláusula que impossibilita a venda de produtos ou fornecimento de serviços advindos de outras marcas. 

Desta maneira, o controle exercido pelo franqueador se dá de maneira rígida, não permitindo autonomia alguma para o franqueado no exercício de sua atividade empresarial, visto que deve submeter-se à estrutura previamente estabelecida ou no treinamento de seus empregados e aparência do estabelecimento comercial. (VENOSA, 2012)

Em resumo, pode-se afirmar que o contrato estabelecido entre franqueado e franqueador é bilateral – contem direito e deveres de ambas as partes –, de adesão – o franqueado não poderá discutir as cláusulas contratuais visto que estas são previamente estabelecidas –, consensual – só é firmado mediante a manifestação de vontade das partes –, oneroso – há pagamento por parte do franqueado para a utilização de marca, patente ou produto e assistência dada pela franqueadora –, de execução continuada – as obrigações se materializam mensalmente entre franqueador e franqueado – e cumulativo, visto que a prestação de produto/serviço decorre de uma contraprestação. (ALMEIDA, 2000).

4 A (IM)POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO ISS SOBRE OS CONTRATOS DE FRANQUIA

Aqui surge uma controvérsia sobre a incidência ou não incidência do Impostos sobre Serviços em relação aos contratos de franquia. Em que pese a natureza dos contratos de franquia, a Lei Complementar 116/03 estabelece uma lista em anexo dos serviços que são geram a incidência do referido imposto, e dentre os itens, temos no item 17.08 o serviço de franquia(franchising), portanto, seria passível de cobrança do imposto. Entretanto, a problemática da incidência surge quando considera-se que o objeto principal do contrato de franquia não seria a prestação de serviços, e além disso, alguns desses “serviços” não estariam previstos no rol taxativo da lei complementar 116/03.

Enquanto o sistema de franquia oferece serviços como (i) licença do uso de marcas; (ii) consultoria sobre dados, análise e pesquisa; (iii) treinamento; (iv) assistência técnica; (v) locação de equipamentos, bens móveis ou imóveis, dentre outros, que são geradores de ISS, há também obrigações que não geram ISS, como a licença de patentes, que não consta da lista da LC 116 (VIEIRA, 2013)

Outro aspecto interessante, é que o “know-how transferido pelo franqueador, não se caracteriza como prestação de serviço, pois, enquanto esta é considerada uma obrigação de fazer, a transferência/fornecimento de know-how é considerada uma obrigação de dar (transferir/fornecer) e não gera ISS.” (VIEIRA,2013)

Dito isso, cabe enfatizar que a controvérsia se extende aos tribunais:

Enquanto uma decisão definitiva acerca da constitucionalidade não é proferida, juízes e tribunais mantêm-se emitindo decisões divergentes sobre o tema: Recentemente, a 14ª câmara de Direito Privado concedeu tutela antecipada nos autos do Agravo de Instrumento 0194574-09.2012.8.26.0000 declarando a não cobrança de ISS sobre franquia. Da mesma forma, 15ª câmara de Direito Privado Apelação Cível 0069688-45.2006.8.26.0000 que, considerando alegada inconstitucionalidade da lei, reformou sentença que determinou o pagamento de ISS pelo franchising. Tais decisões, que confrontam a posição do STJ, foram objeto de recurso pela Fazenda Municipal, cujos julgamentos se encontram pendentes.(VIEIRA, 2013)

Em decisão recente, “a 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de SP afirmou que não incide Imposto Sobre Serviços (ISS) em contrato de franquia. O caso envolveu uma empresa de serviços automotivos”(SCOCUGLIA, 2014). Com o recurso ajuizado “ficou decidido não ser tributável a taxa cobrada do franqueador ou do franqueado pelo uso da marca ou serviço. Assim também entendeu o relator no TJ-SP, José Luiz de Carvalho. Segundo ele, pelo contrato ser complexo e envolver a exploração da marca, tecnologia e know-how”(SCOCUGLIA,2014).

Nesse sentido, conclui o relator que:

trata-se no contrato de franquia de três tipos de relações jurídicas: licença para uso de marca, assistência técnica prestada pelo franqueador e condições de fornecimentos de bens ou serviços. Sendo contrato de natureza complexa, não se pode falar em prestação de serviços sobre a qual incida o ISS.Conforme se tem entendido na doutrina e na jurisprudência, não pode o legislador incluir na lista de serviços tributáveis prestação que não se constitui em serviço. (Rel. Min. José Luiz de Carvalho. Apelação 1005329-60.2013.8.26.0053)

Vale lembrar que o tribunal já se manifestou contra a incidência do ISS em outros julgados, sob o pretexto de inconstitucionalidade:

Incidente de Inconstitucionalidade. ISS. Franquia. Item 17.08 da lista de atividades sob hipótese de incidência, da Lei Complementar n° 116/03. Item 17.07, da Lei n° 13.071/03, do Município de São Paulo. Arguição formulada pela 15ª Câmara de Direito Público. Natureza

jurídica híbrida e complexa do contrato de franquia, que não envolve, na essência, pura obrigação de fazer, mas variadas relações jurídicas entre franqueador e franqueado, afastando-se do conceito constitucional de serviços. Extrapolação, pelo Município, do âmbito de abrangência de sua competência material tributária. Procedência. Inconstitucionalidade declarada. (Arguição de Inconstitucionalidade nº 9021348-14.2006.8.26.0000, Relator Desembargador José Roberto Bedran, j. 19/05/2010)

Nesse diapasão, “duas ações que discutem a constitucionalidade da cobrança do ISS sobre os royalties pagos em decorrência de contratos de franquia empresarial estão em andamento no Supremo Tribunal Federal”(SCOCUGLIA, 2014). No que tange as ações pendentes de julgamento pelo STF  temos “o Recurso Extraordinário 603.136, apresentado pela Venbo Comercial de Alimentos, que chegou ao Supremo em setembro de 2009 e a segunda é a ADI 4.784/DF, proposta pela Associação Nacional das Franquias Postais do Brasil (Anafpost), em maio de 2012.”(SCOCUGLIA, 2014)

Segundo o doutrinador Eduardo Sabbag, “não há, em princípio, prestação de serviço entre franqueado e franqueador nas um envolvimento mútuo e bilateral, de colaboração recíproca, marcado pela existência de direitos e deveres para ambas as partes”(2012, p.1041). Cabe enfatizar, que até o advento da LC 116/03, “o contrato de franquia afastava o contexto de prestação de serviços e, ipso facto, rechaçava a incidência do ISS”(SABBAG, 2012, p.1041). Cabe trazer a baila a mudança de entendimento do STJ após a LC 116/03:

A jurisprudência do STJ, à época da vigência do DL 406/68, com a redação dada pela LC 56/87, posicionou-se no sentido da não incidência de ISS sobre o contrato de franquia que, por apresentar delineamentos próprios, não se confundia com nenhum outro contrato previsto na sua lista de serviços anexa. Ocorre que, com a edição da LC 116/03, que entrou em vigor a partir de 01/01/2004, a atividade passou a ser expressamente prevista no item 17.08 da lista de serviços anexa, ficando, portanto, passível de tributação.(Edcl no Resp nº 1.066.071- SP, Rel. Min. Teori Zavascki)

De acordo com o que fora supracitado e levando em consideração que o STF ainda não se posicionou em nenhum sentido, opta-se por defender a não incidência do ISS sobre os contratos de franquia, uma vez que esta modalidade contratual é de natureza complexa e possui obrigações que não estão previstas na lista anexa da LC 116/03 e portanto não podem ser consideradas serviços para fim de incidência de ISS.

CONCLUSÃO

Não é novidade, que a franquia é um dos institutos mais relevantes do direito empresarial hoje em dia, seja porque representa a possibilidade do franqueador expandir seus negócios e estabelecer padrões em sua empresa que devem ser respeitados; ou seja porque ela permite ao franqueado adquirir um negócio que traz certa estabilidade, haja vista que seguindo os padrões estabelecidos e respeitando os costumes e necessidades daqueles que podem vir a se utilizar dos produtos ou serviços oferecidos pela franquia, dificilmente o franqueado passará por problemas.

Com o advento da Lei Complementar 116/03, o contrato de franquia passou a ser considerado na lista anexa de serviços passíveis de cobrança do ISS, o que logicamente incorreria em mais custos, tornando menos atraente um investimento ,em tese, estável. A partir disso foram ajuizadas inúmeras ações no intuito de impedir a cobrança nesses contratos, sob a alegação de que não haveria prestação de serviços per se, mas sim obrigações contraídas por ambas as partes. O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido da possibilidade de cobrança do ISS nos contratos de franquia, com base no item 17.08 que consta na lista anexa da LC 116/03 como serviço. Entretanto, diante da complexidade da causa, existem vários recursos pendentes de julgamento por conta da controvérsia causada pela possibilidade ou não de incidência, pois vale lembrar que o posicionamento do STJ não  torna pacífica a discussão, inclusive, já houveram decisões no sentido da não incidência, como por exemplo o Tribunal de Justiça de São Paulo.

 Por fim, conclui-se que não deve haver a incidência do ISS nos contratos de franquia, pelo fato de não ter havido um efetivo posicionamento do STF sobre a inconstitucionalidade da cobrança (inclusive, existe Arguição de Inconstitucionalidade pendente de análise) e porque o contrato de franquias não possui todos os possíveis serviços prestados previstos na LC 116/03.

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Sobre os autores
Mayara Fanjas Colares

Acadêmica de Direito

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