Por qual motivo o delator (da Engevix) desistiu da delação de propina paga para Temer? Nada foi divulgado sobre essa motivação. A mídia kleptoconivente deu pouca repercussão para o assunto. Não interessa criar uma opinião pública adversa. Seu contexto, no entanto, parece muito inequívoco.
A cleptocracia colonial ibérica (Portugal e Espanha), fundada no extrativismo, parasitismo, patrimonialismo e corrupção sistêmica (dos poucos que formam as oligarquias/elites políticas e econômicas que governam o país), durou 300 anos e morreu (de inanição) quando as sociedades, já sem a prata, o ouro e os benefícios do trabalho escravo, entraram em colapso (todos os países colonizados se tornaram independentes, incluindo o Brasil, e as metrópoles tiveram que se reinventar depois de anos de extrativismo).
Portugal se enlouqueceu com a independência do Brasil (o sanguessuga perdia sua presa): “ (…) a sociedade [portuguesa] perdida, rota, faminta, sem bem e sem governo (…) O Brasil separava-se (…) varriam-se as esperanças de readquirir a fonte dos proventos nacionais; e os comerciantes arruinados, a alfândega deserta, o tesouro vazio, enchiam de desespero os cérebros, donde a história de três séculos (de parasitismo) varrera a lucidez” (M. Bomfim, A América Latina, p. 118).
A cleptocracia neocolonialista brasileira, fundada em 1822, sobre os mesmos pilares, está para completar 200 anos. E já começa a apresentar os mesmos sinais inequívocos de esgotamento e decrepitude (que geram caos e colapso) das velhas e sedentárias metrópoles (que naufragaram e depois tiveram que se regenerar).
Não é certo que não tivemos progressos nesses 200 anos de roubalheira cleptocrata generalizada (em todos os governos). Mas foram absolutamente insuficientes para nos inserir no mundo da tecnologia digital e globalizado (anos 80 para cá). Veja-se o campo da educação, por exemplo: de 1995 a 2013 o país aumentou seu investimento de 4% para 6%; o percentual de brasileiros com o ensino médio completo saltou de 26% (em 1995) para 61% (em 2014). Do ponto de vista individual isso significou mais renda para o trabalhador, menos taxa de fecundidade, menos mortalidade infantil etc. Mas em termos internacionais os resultados nos testes dos estudantes brasileiros são deploráveis (somos os últimos do ranking). Não há qualidade no ensino (ver Antônio Gois, O Globo).
Quase nada no Brasil deixa de ser feito. Quase tudo no Brasil é mal feito (incluindo os gastos públicos). Eis o problema da nossa defasagem mundial. Isso está diretamente ligado ao extrativismo, parasitismo, patrimonialismo e corrupção sistêmica (leia-se, à cleptocracia que, apesar da fortuna angariada de forma criminosa ou favorecida com o dinheiro público, nunca se interessou seriamente, por exemplo, pelo ensino de qualidade para todos).
Se as cleptocracias (kleptodemocracias) são modelos de sociedade condenados ao fracasso (ao colapso), tudo quanto estamos vendo (caos completo nas contas da maioria dos municípios e dos Estados, por exemplo) não passa de sinais (sintomas) de uma mortífera doença (que se chama kleptocratismo). O sargento Fábio Melo, encarregado com outro policial militar da custódia no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, do traficante Nicolas Labre Pereira de Jesus, o Fat Family, desabafou – após a sua violenta fuga e a morte de duas pessoas:
“Saí ileso e ajudei meu amigo, que trabalha comigo, mas a gente está desprotegido. Eu estou, vocês estão, toda a população está. Enquanto estiver com essa política, infelizmente a gente está na m… Desculpe o linguajar, mas é isso o que está acontecendo”.
Nenhum movimento (de regeneração ou de decadência) é, no entanto, uniforme. As oligarquias/elites que fazem parte da cleptocracia não estão mortas. Continuam lutando. Sem o organismo vivo não há como sugar a vítima. O executivo da Engevix (José Antunes Sobrinho), que disse ter pago propina de R$ 1 milhão para Temer, desistiu da delação (ver O Globo e Congresso em foco). O tema seguramente não será explorado pela mídia kleptoconivente (que está esperançosa de algum ajuste na economia nos próximos dias que permita aumentar seus rendimentos).
Ele rompeu unilateralmente a negociação (e o que já foi dito não serve como prova – Queem for a day). Prometia entregar provas da propina que pagou para Temer (por meio de uma fornecedora da Engevix) relacionada a um contrato de R$ 162 milhões com a Eletronuclear (Usina Angra 3). Chegou a narrar que esteve duas vezes no escritório de Temer em São Paulo (Itaim Bibi), acompanhado do coronel da Polícia Militar João Baptista Lima (que é de inteira confiança do presidente). Temer teria tentado devolver o dinheiro, mas isso não foi aceito. Agora, desistiu da delação (O Globo).
Se nada mudar, não saberemos mais se o delator falava ou não a verdade. De qualquer modo, outras delações pesam contra o presidente, que faz parte e presidiu um partido (PMDB) completamente envolvido com a cleptocracia brasileira (são inequívocos os áudios de Sérgio Machado).
O futuro do Brasil está nas mãos das classes intermediárias. As oligarquias/elites políticas e econômicas instaladas no poder não vão participar de nenhuma mudança porque são as protagonistas da cleptocracia (querem que tudo mude para que tudo fique como está – leopardismo cleptocrata). As classes menos favorecidas estão cuidando do prato de comida do dia. Resta a movimentação efetiva das classes intermediárias (em torno, por exemplo, de um plebiscito de refundação do sistema político-eleitoral).
Para os que querem um Brasil diferente em que os governantes e partidos estejam sob a vigilância do cidadão e submetidos ao império da lei igual para todos com as instituições estatais funcionando com independência e com respeito à democracia, tornou-se impossível criticar somente os políticos, porque a cleptocracia dominante é composta de oligarquias/elites políticas e econômicas extrativistas e corruptas. Mais: elas não são as fracassadas da História, ao contrário, são as grandes beneficiárias dos recursos públicos, dos quais se apropriam de forma criminosa ou politicamente favorecida, esbaldando-se em seus privilégios concedidos pelo acesso ao poder e ao Estado.
A cleptocracia colonial portuguesa durante 300 anos se apropriou dos nossos recursos valendo-se de uma das mais cruéis cleptocracias do mundo, a escravocrata. A cleptocracia neocolonial brasileira está completando 200 anos e não somente não reduziu seu extrativismo, como agravou as condições da convivência societária, posto que a corrupção é também causa da nossa injustiça, insegurança, pobreza, violência, criminalidade, máfias, desigualdade, fome, opressão, abuso etc. Barbárie ou civilização: essa é a escolha que as classes intermediárias têm que fazer.