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Da concorrência desleal:

o "dumping" e globalização

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6. - Conclusões

Assoma-se a importância da matéria, sendo o dumping prejudicial para a economia em geral, quando configura concorrência desleal, mas há que se fixar critérios para que não se incorra em política protecionista sob a égide do princípio da livre concorrência, tanto no âmbito interno como externo.

O dumping não tem natureza tributária mas sim de uma imposição para-tarifária de direito econômico, com a finalidade de reequilibrar a competitividade dentro do mercado.

O fundamento da matéria encontra-se no texto constitucional, no princípio da livre concorrência. A concorrência, em si, é benéfica e necessária para a saúde da economia, exigindo cautela e discernimento na aplicação das normas que regulamentam a concorrência.

É imprescindível que se identifique com precisão "a existência ou não de concorrência passível de ser defendida deve ser comprovada pelas autoridades competentes mediante um criterioso exame dos resultados tangíveis e socialmente generalizáveis atribuíveis à performance do agente econômico, mensuráveis a partir dos dados concretos do mercado relevante em questão e de critérios valorativos a este adequados", conforme afirma Luiz Fernando Schuartz [32].

Em que pese a importância da matéria o direito positivo, tanto com referência ao mercado interno como ao externo apresentam diversos problemas e ilegalidades, sendo necessária grande empenho do intérprete para possibilitar sua aplicação.

Com referência ao Mercosul o problema mantém-se. Os países com legislação aplicável à matéria, Argentina e Brasil, em que pese a semelhança decorrente da mesma fonte, o GATT, não possibilitam uma eficaz proteção à livre concorrência, coibindo e sancionando o dumping.

A maioria dos autores prega a adoção da supranacionalidade, porém não encontramo-nos na fase do verdadeiro mercado comum, fora do qual ela não é viável.

O Protocolo em estudos não atinge esta fase e nele apresentam-se problemas insolúveis, visto que só funcionará à partir da criação de órgão internacional com poderes jurisdicionais. Sua mera ratificação, como encontra-se, ainda que passe a fazer parte do direito positivo brasileiro não trará segurança ao combate, no âmbito do Mercosul, da concorrência desleal.

Por adotar o Brasil o sistema paritário eventuais tratados acerca da matéria poderia ser revogados por lei interna posterior, causando problemas na aplicação e na própria sobrevivência comunitária, a exigir reformulação constitucional, entre outras.

Afastando-se, por ora, a supranacionalidade emerge a necessidade de harmonização das legislações de todos os países membros, que esbarra na natural dificuldade da atividade legislativa.

Conclui-se, infelizmente, não existir, em qualquer nível ou âmbito, instrumento legal hábil para resguardar a livre concorrência, restringir e sancionar práticas desleais, porém dentro de um sistema de mercado, sem exageros que inviabilizem sua aplicação.


NOTAS

1Cumpre ressaltar que esse ensaio não abrangerá a legislação do Chile, que ainda não é um Estado-Membro, possuindo o status de Estado-Associado ao Mercosul. Porém, adianta-se que o enfoque da legislaçào chilena, a exemplo da legislaçào argentina, é essencialmente de Direito Penal Econômico.

2Conforme relata Miguel Jorge Jornalista e Vice-Presidente de Recurso Humanos e Corporativos da Volkswagen do Brasil, in artigo Proteção? Contra quem?, publicado na Gazeta Mercantil 07/09 de março de 1997.

3Existem cinco fases da cooperação econômica entre Estados: a)- livre comércio - eliminação ou redução de tarifas aduaneira e restrições ao intercâmbio: por exemplo o NAFTA (North America Free Trade Area); b)- união aduaneira - implica o livre comércio já em funcionamento, além do estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC), servindo o Mercosul de exemplo; c)- mercado comum - implica a união aduaneira, mais livre e circulação dos bens, serviços, pessoas e capitais, além de regras comuns de concorrência, citando-se como exemplo as Comunidades Européias antes de 1993; d)- união econômica e política - pressupõe o mercado comum, e acrescenta um sistema monetário comum, uma política externa e de defesa comum, por exemplo, a União Européia depois de 1993, a partir do Tratado de Maastricht; e)- confederação - etapa que pode, hipoteticamente, se seguir à união econômica e política, e que implicará, além dessa, a unificação dos direitos civil, comercial, etc. Neste sentido ver: BASSO, Maristela. O Mercosul e a União Européia. Internet - Informativo do Mestrado em Direito UFRGS, março/97.

4 Vide artigo 21, XVIII, Lei 8.884/94.

5 Neste sentido RATTI, Bruno. Comércio Internacional e Câmbio. São Paulo: Aduaneiras, 1994.

6 É um regime aduaneiro especial que consiste na restituição, suspensão ou isenção de tributos incidentes nas importações destinadas à fabricação, complementação, beneficiamento ou acondicionamento de produtos destinados à exportação. Neste sentido vide Exportar e Importar da Empresa Júnior da FGV, publicado pelo SEBRAE/SP. São Paulo: Maltese, 1992.

7 Neste sentido : FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio et al. Direitos Anti-"Dumping" e compensatórios: sua natureza jurídica e conseqüências de tal caracterização. Revista de Direito Mercantil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n.º 96, p. 95, out./dez. 1994.

8 VARANDA, Aquiles. A disciplina do dumping do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio: tipificação de um delito num tratado internacional. Tese de doutorado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1987, citado por Araminta de Azevedo Mercadante em Mercosul: das negociações à implantação. São Paulo, LTR, 1993.

9Tendo-se como valor normal, conforme Aquiles Varanda, "o preço praticado para um produto similar destinado a consumo no pais exportador no curso de operações normais". Ob. cit.

10 Vide artigo 2, Código Antidumping.

11 Vide artigo 11, Decreto 1.602/95.

12 No que tange ao preço de exportação, conforme o decreto 1.602/95, artigo 8º, "será o preço efetivamente pago ou a pagar pelo produto exportado ao Brasil, livre de impostos, descontos e reduções efetivamente concedidos e diretamente relacionados com as vendas que se trate".

13 MERCADANTE, Araminta de Azevedo, Op. cit.

14 Os direitos definitivos só permanecerão em vigor durante o tempo e na medida necessária para eliminar ou neutralizar as práticas de dumping (art. 7º, item 1, Código Antidumpig).

15A determinação da ocorrência de dano será fundamentada em provas e dependerá do exame objetivo do volume das importações objeto de dumping e seus efeitos sobre os preços de produtos similares no mercado interno e dos efeitos destas importações sobre as empresas nacionais.

16 Vide artigo 34 do Decreto 1.602/95.

17 ROCHA, João Luiz Coelho. Alguns Aspectos Heréticos da Lei Antitruste. São Paulo: Revista de Direito Mercantil n.º 97, 1995.

18 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Editora Limitada, 1994, p. 380/387.

19 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2ª ed., 1997, p. 28.

20 Neste sentido Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, 7ª ed., I/36 e Clóvis Bevilacqua, Código Civil, ed. Histórica, I/426).

21 Ob. cit., p. 110.

22 FRONTINI, Paulo Salvador. Caracterização de condutas contrárias à ordem econômica. Revista de Direito Mercantil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994.

23 REALE, Miguel. Nova fase do Direito Moderno. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 118.

24 Vide artigo 173, §4º, CF/88.

25 Vide artigo 170, IV e V, CF/88.

26 BASTOS, Celso Ribeiro. O princípio da livre concorrência na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas, ano 3, n.º 10, jan/mar 1995.

27In L’Esclusio della concorrenza nel diritto antitrust comunitario. Milano: Dott. A. Giuffré, 1994, p. 147.

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28 Tradução livre do autor, no original: "le finalità di esclusione di una pratica di prezzi predatori sono palesi. In sintesi si suppone che un’impresa in pozicione dominante proceda com una manovra a due fasi: in um primo tempo, utillizando le risorse finanziarie che le derivano dagli extraproffiti conessi alla propria posizione, offre il prodotto ad un prezzo strategicamente ribassato, constringendo ad uscire dal mercado i concorrenti di più piccole dimensione (e perciò finanziariamente più deboli), ovvero scoraggiando l’ingresso di nuovi rivaly; in um secondo tempo, conclusa com sucesso questa operazione, l’impresa predatrice rialza il prezzo per a)- recuperare le perdite subite nella prima fase, e b)- incamerare profitti ancora maggiori in ragione dell’acresciute podere di mercato".

29 Neste sentido Miguel Reale, ob. cit., p. 520/521.

30 Vide artigos 85 e 86.

31 SOUZA BRASIL, Francisco de Paula, Legislação tributária e tratados internacionais. RF, 1989, 308/35 e ss.

32 SCHUARTZ, Luiz Fernando. Art. cit.


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Sobre os autores
Eliane Maria Octaviano Martins

Doutora pela USP, Mestre pela UNESP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de Pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS).

Lauro Mens de Mello

Juiz de Direito em Franca (SP), Diretor do Instituto Paulista de Direito Comercial e da Integração, Professor de Direito Penal da Universidade de Franca - UNIFRAN e da UNESP - Universidade Estadual Paulista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Eliane Maria Octaviano ; MELLO, Lauro Mens. Da concorrência desleal:: o "dumping" e globalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 259, 23 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5003. Acesso em: 19 abr. 2024.

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