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Da concorrência desleal:

o "dumping" e globalização

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Resumo:


  • O dumping é uma prática de concorrência desleal onde produtos são vendidos abaixo do custo ou a preços inferiores aos praticados no mercado interno, afetando negativamente a economia e o equilíbrio de mercado.

  • A legislação brasileira, através das Leis 8.884/94 e 9.019/95, e o decreto 1.602/95, busca coibir e regular o dumping, mas enfrenta desafios de aplicabilidade e harmonização com normas internacionais e do Mercosul.

  • No contexto do Mercosul, há a necessidade de harmonizar as legislações dos países membros para combater eficazmente o dumping, o que inclui a discussão sobre a criação de um órgão supranacional e a ratificação de protocolos específicos que ainda enfrentam obstáculos jurídicos e políticos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Introdução

O presente ensaio visa abordar o dumping dentro do contexto brasileiro, com referência ao mercado interno e externo, dando prevalência para a sua aplicação ao Mercosul. Dentro desse panorama de globalização da economia, traçar-se-á um paralelo da legislação nacional com a legislação argentina, tendo em vista o Paraguai e Uruguai não possuírem legislação própria a respeito de concorrência desleal. [1]

Verifica-se que tal tema assume alta relevância, tendo em vista que o processo integracionista acirra a concorrência em todos os seus vértices, quer seja leal como desleal. Comprova-se tal afirmativa pela simples análise dos jornais recentes, nos quais a discussão a respeito da abertura de mercado, proteção da industria nacional, globalização da economia assume preponderância.

Dentro desta ótica, observa-se que o Brasil, como país em desenvolvimento, não pode, simplesmente, abrir seu mercado para os produtos externos, visto que poderá ocorrer uma falência do setor produtivo doméstico e de toda a economia.

Tanto que mesmo os países desenvolvidos, em que pese a maior abertura de seus mercados, em virtude das indústrias nacionais possuírem maior poder de competição, sempre resguardam fatias de mercado para sua própria proteção [2].

Nesse contexto, vislumbra-se que a proteção não só de indústrias nacionais mas do próprio mercado internacional contra práticas de concorrência desleal, tendentes ao domínio do mercado é preocupação primordial no âmbito da economia mundial.

O Mercosul, que vai de encontro com a tendência de formação de blocos para aumentar o poder de concorrência de cada um de seus membros, assume relevante papel para a economia nacional, bastando para isso verificar-se a disputa entre os Estados Unidos e a União Européia para traze-lo para sua esfera de influência.

Para o bom sucesso do Mercosul é indispensável que inexista concorrência desleal entre seus membros, fato que, a médio prazo, levaria a desagregação. Este é o ponto que denota a importância da matéria a ser discutida.

A existência e necessidade de supranacionalidade, para aplicação das normas gerais do Mercosul e em especial no tocante ao dumping, será mencionada de forma superficial. E isto porque visa o presente analisar a situação atual do instituto, bem como modificações a curto prazo, sendo certo que a supra nacionalidade só é alcançada a partir da criação de um verdadeiro mercado comum, estando hoje o Mercosul na segunda fase da integração entre Estados [3], distante da adoção da supranacionalidade.

Para análise do problema serão abordadas as leis 8.884/94, 9.019/95, o decreto 1.602/95, legislação argentina, bem como o protocolo de defesa da concorrência do Mercosul, em fase de ratificação.


2. - Do Dumping como forma de concorrência desleal

O dumping sob a ótica da concorrência desleal caracteriza-se sob dois prismas: sob a ótica interna, é definido como a venda injustificada de mercadoria abaixo do preço de custo [4]; e sob a ótica internacional, é entendido como a venda de produtos ao exterior a preços abaixo do valor normal praticado no mercado interno [5], inclusive na modalidade de drawback [6], atingindo subsídios dados pelo país exportador.

Sua natureza jurídica é controvertida.

Para alguns assume a natureza tributária, porém tal postura já está superada por diversas razões, entre elas, a impossibilidade de aplicação uniforme, imposição do artigo 10 do Código Tributário Nacional; na possibilidade do autor do dumping ou subsídio elidir as medidas antidumping mediante aumento espontâneo dos preços, sendo que inexiste a possibilidade do sujeito passivo elidir a obrigação tributári, dentre outros aspectos.

Os direitos antidumping e compensatórios visam regular o comércio, impondo condições ao exportador, no caso de relações internacionais, e ao produtor ou mesmo intermediário, quanto ao mercado nacional, para que se elimine subsídios ou falta de margem de lucro, de modo a adequar estas relações com o interesse global da economia.

Desta forma a imposição dos direitos antidumping não constituem pena imposta, mas uma imposição para-tarifária de direito econômico, para reequilibrar, no mercado interno, um equilíbrio de competitividade rompido [7].


3. - Dumping na ótica internacional

O Tratado Internacional General Agreement on Tarifes and Trade (GATT) trata do dumping no artigo VI, que foi incorporado pela legislação brasileira na Lei 9.010/95 e decreto 1.602/95, aborda o dumping sob o prisma internacional.

Para Aquiles Varanda [8] o artigo VI do GATT define o chamado dumping condenável, caracterizando a concorrência desleal. Nestas hipóteses aplica-se os direitos antidumping na forma de uma taxa ad valorem que não deverá exceder a taxa de dumping, obtida pela diferença entre o valor normal [9] e o preço de exportação [10] (11) (12).

Araminta de Azevedo Mercadante assinala que para efeitos de cálculo do dumping, desconsidera-se a diferença ocasionada pela eliminação, redução ou reembolso de impostos exigíveis para o consumo interno no país exportador [13].

Os direitos antidumping podem ser provisórios ou definitivos [14] e são calculados mediante aplicação de alíquotas ad valorem ou específicas, fixas ou variáveis, ou pela combinação de ambas.

3.1 - Solicitação e investigação do dumping

A Rodada do Uruguai do GATT, em 1994, trouxe a exigência do apoio majoritário da indústria local para iniciar o queixa de dumping, com um nível mínimo de dois por cento na caracterização do prejuízo. A medida antidumping deverá terminar em cinco anos, podendo ser prorrogados pelas autoridades governamentais.

No Brasil a investigação para determinara a existência, grau e efeitos de suposto dumping no contexto internacional será iniciada pelo departamento técnico de tarifas da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX - mediante provas do dumping, do dano e do vínculo causal entre eles.

3.2 - Determinação do dano (material injury) e as medidas antidumping

As medidas antidumping [15] são tomadas quando da entrada de produtos importados comprometem o crescimento e mesmo a existência da produção nacional do setor, nos termos do artigo 14 do Decreto 1.602/95.

A determinação do dano será fundamentada em elementos positivos de prova, na dependência de exame objetivo do volume das importações objeto de dumping bem como seus efeitos sobre os preços de produtos similares no mercado interno e do efeito destas importações sobre os produtores domésticos daqueles produtos, conforme estabelece o artigo 3, item I, do Código Antidumping do GATT e artigo 14 e §§ do Dec. 1.602/95.

Os procedimentos para a verificação do dumping poderão ser suspensos ou encerrados sem a imposição de medidas provisórias ou direitos antidumping se o exportador apresentar garantia voluntária e satisfatória de rever seus preços ou cessar as exportações para a área em questão a preços prejudiciais.

Também são possíveis medidas antidumping provisórias, por um período não superior a quatro meses, exceto casos onde os Ministros de Estado da Indústria, do Comércio, do Turismo e da Fazenda, a pedido de exportadores que representem percentual significativo do comércio em questão, poderão estender o prazo até seis meses, também podendo alcançar o prazo de nove meses na hipótese de se decidir, no curso da investigação, que uma medida antidumping provisória inferior à margem de dumping ser suficiente para extinguir o dano [16].


4. - Dumping na ótica interna

A Lei 8.884/94, aplicável no mercado interno, não pode ser considerada uma perfeição legislativa.

Inexistia no país mecanismo legal para coibir os abusos econômicos e concorrência desleal, como impunha o artigo 173, §4º, da Constituição Federal. Neste sentido a Lei 8.884/94 foi um avanço, porém, como ocorre comumente, passou-se de uma situação sem controle a uma situação com controles exacerbados.

Neste sentido afirma João Luiz Coelho Rocha, analisando a Lei Antitruste, ao dizer que "tal é a componente cultural básica brasileira, essa maceração da latinidade ao calor dos trópicos, que as regras da conduta social, por exemplo, se pautam por alterações bruscas e radicais numa ciclotimia exacerbada que dificilmente encontra vias moderadoras" [17].

O referido autor continua seu posicionamento no sentido de que a Lei 8.884/94 prevê diversas heresias. Uma delas é o tratamento igualitário dado pelo artigo 18 para situações diversas.

O mencionado dispositivo legal que aplica corretamente, em parte, o disregard of legal entity, perde-se ao equiparar a situação da má gestão, com excesso de poderes ou contra os estatutos etc., com a hipótese de ocorrer falência ou insolvência por má administração.

Não se pode equiparar, para determinação da extensão da responsabilidade pelos atos sociais, o atos ilegais, antiestatutários, os abusos de direito, com a simples má administração. Assim um administrador que efetue escolha empresarial desastrada, levado em pelo risco inerente da atividade empresarial, ficaria no mesmo patamar do administrador que age ilicitamente.

Tal preceito legal é patentemente inconstitucional, sendo vedado ao legislador ferir o princípio da igualdade.

Neste sentido José Joaquim Gomes Canotilho, que afirmou existir, no início, uma redução do princípio da igualdade ao princípio da legalidade. Porém posteriormente verificou-se que o princípio da igualdade determina não só a atuação do juiz e do administrador na aplicação da lei, como ao legislador na sua elaboração [18].

Conforme explica Norberto Bobbio [19] o princípio da igualdade deve ser entendido como a impossibilidade de uma discriminação arbitrária, sem justificação.

Esta é a hipótese mencionada na qual equipara-se a pessoa que age antijuridicamente com pessoa que age juridicamente. A justificação de proteção da sociedade, muito utilizada como fundamento de regimes de exceção, não mais serve de resposta para a questão. Não se quer difundir a prática de crimes econômicos e abusos do poder econômico, ao contrário, o que não se aceita é, mais uma vez, fazer-se uma verdadeira "caça as bruxas onde as verdadeiras bruxas nunca são queimadas".

Diversos outros erros existem na Lei, como o existente no artigo 20, que prevê constituir-se a infração da ordem econômica independentemente de culpa.

A Lei 8.884/94 cria ilícitos civis objetivos, independentemente de culpa.

Ocorre que o princípio básico da lei brasileira, consubstanciado no artigo 159 do Código Civil, é a necessidade de culpa [20] o que impede a aplicação deste dispositivo.

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Cita-se, novamente, João Luiz Coelho, que afirma não ter "cabimento jurídico, pois, que, em afronta aos termos da Lei complementar (como é o Código Civil, que tal força óbvia teria) a Lei 8.884 defina como ilícitos civis (comerciais na espécie) atos não culposos. Fala-se aqui de ilícito, de tipificação de uma conduta não jurídica punível e não de uma simples responsabilização patrimonial derivada do mero risco como acontece nos casos de responsabilidade objetiva" [21].

Poder-se-ia alongar a exposição mencionando erros e inconstitucionalidades da Lei 8.884/94, porém deve-se tomar uma posição mais moderada com a finalidade de não se inutilizar, ab ovo, um importante instrumento.

Menciona-se Paulo Salvador Frontini [22] que minimizando as críticas afirma apesar dos defeitos é possível concluir que "se houver vontade política, a Lei 8.884 poderá revelar-se útil ao país. Como a nação vem sinalizando reações contra uma tradição legislativa, nessa área, de marcadas decepções, e uma herança cultural de absenteísmo cívico, é cabível dizer que a sociedade civil está dotada, hoje, de razoável instrumento normativo para fazer valer seus superiores e inalienáveis interesses".

Como ensina Miguel Reale [23], no Estado Moderno, as funções deste devem ter "como centro de referências o primado da sociedade civil sobre as estruturas burocráticas".

Assim apesar dos defeitos, a Lei Antitruste deve ser aplicada para a melhoria da economia global e, indiretamente, da sociedade como um todo, aproveitando-se em uma interpretação que não fira, na sua aplicação, os direitos subjetivos garantidos constitucionalmente.

4.1 - Predatoriedade

No dumping, caracterizado como concorrência desleal, deve existir a finalidade predatória.

No contexto interno esta predatoriedade limita-se à venda, injustificadamente, sem margem de lucro, ou abaixo do preço de mercado. O dumping predatório não é caracterizado apenas pela prática de preço abaixo do vigente, pois a venda a preço inferior ao do concorrente é da própria natureza empresarial.

A Lei 8.884/94 define o dumping nos seus artigos 20 e 21, caracterizando-se como a redução do preço vigente no mercado ao abaixo do custo, independentemente da intenção de eliminar os concorrentes e dominar o mercado.

Entende-se que independentemente da intenção de dominar o mercado, a venda injustificada a preço de custo ou abaixo do preço de mercado define a concorrência desleal, afetando todo o mercado.

Salienta-se que a Lei Antitruste encontra respaldo constitucional, visto que seus bens jurídicos tem relevância constitucional. Neste sentido a Lei Antitruste visa proteger o abuso do poder econômico e a dominação dos mercados, bem como a eliminação da concorrência [24]; a livre iniciativa e a proteção do consumidor [25].

A legislação mencionada não define o que venha a ser predatoriedade. Porém Celso Ribeiro Bastos [26] afirma que "a predatoriedade é danosa por natureza; ao consumidor, a longo prazo e ao mercado a curto prazo, porque leva o predador ao monopólio individual ou em cartéis".

Desta forma possível afirmar-se que a predatoriedade caracteriza-se pela prática econômica abusiva em relação ao consumidor, mercado e à própria nação, pois cria um desequilíbrio artificial em determinado setor, em favor de uma empresa individual ou um cartel.

Embora para a população em geral tal prática pareça favorável é certo que a longo prazo, a autoria do dumping é reaver e aumentar os lucros que inicialmente deixou de ter, causando prejuízos ao consumidor.

Neste sentido Pietro Manzini [27] que ao analisar a conduta daqueles que praticam preços predatórios afirma que: "as finalidades de exclusão de uma prática de preços predatórios são evidentes. Em síntese supõe-se que uma empresa em posição dominante proceda com uma manobra em duas fazer: em um primeiro momento, utilizando os recursos financeiros que derivam do aproveitamento conexos à própria posição, oferece o produto a um preço estrategicamente reduzido, constrangendo a sair do mercado os concorrentes de menor dimensão (e por isso financeiramente mais débeis) ou desencorajando o ingresso de novos rivais; em um segundo momento, concluída com sucesso esta operação, a empresa predadora aumenta o preço para : a)- recuperar as perdas assumidas na primeira fase: e b)- assumir aproveitamento então maior em razão do poder de mercado acrescido" [28].

A mesma finalidade existe na venda de um produto abaixo do preço de custo, como chamariz para a venda de outros produtos existentes no estabelecimento, técnica de marketing conhecida como criar tráfego de loja, motivo pelo qual também caracteriza a concorrência desleal.

Ou seja, o dumping predatório caracteriza-se pelo abuso do poder econômico, criando domínio de mercado e eliminação da concorrência [29].

O mecanismo de aplicação, no tocante ao mercado interno, não será analisado, visto que a finalidade do trabalho é dar uma visão inicial do dumping e centrar na sua aplicação no tocante ao Mercosul.


5. - Dumping e Mercosul.

A criação do Mercosul pelo Tratado de Assunção é informado pelo princípio da livre circulação de bens e serviços e o compromisso dos membros em harmonizar suas legislações com referência à matéria.

Desta forma decorre da livre circulação a livre concorrência e por conseqüência a necessidade de combater as práticas econômicas a ela contrárias, nascendo daí a importância do tema.

O Tratado de Assunção, ao contrário do que ocorreu com o Tratado de Roma [30], que instituiu a Comunidade Econômica Européia (CEE), não contém dispositivos que regulamentam a concorrência entre empresas.

Porém, como já exposto, o princípio da livre circulação de bens e serviços previstas no artigo 1º implica na garantia da livre concorrência, impondo o combate de prática da livre circulação tanto na esfera nacional como no âmbito da comunidade econômica.

Por ora, na qualidade de Estados-Membros, apenas o Brasil e a Argentina já possuem legislações impeditivas e punitivas de atividades econômicas contrárias à livre concorrência. Como se visa com o presente análise do arcabouço legal existente e possibilidades a curto prazo, serão analisadas as legislações brasileira e argentina bem como o Protocolo de Defesa de Concorrência do Mercosul, a espera de ratificação.

5.1 - Legislação Brasileira

A regulamentação da matéria é representada no Brasil pelas Leis 8.884/94, 9.019/95 e o Decreto 1.602/95. Como a matéria já recebeu tratamento em item anterior desnecessária maior consideração.

5.2 - Legislação Argentina

No âmbito da concorrência desleal, o dumping, está regulamentado na Argentina pela Lei 22.262/80, a chamada "Ley de Defensa de la Competencia".

O artigo 1º da referida Lei prevê a proibição e a aplicação de sanções dos atos ou condutas relacionados com a produção e o intercâmbio de bens e serviços, que limitam, restrinjam ou que constituam abuso de uma posição dominante em um mercado, de modo que possa resultar prejuízo para o interesse econômico geral.

Os atos e condutas vedados, nos termos do artigo 1º, são citados de modo exemplificativo pelo seu artigo 41, tal como ocorre com o artigo 21 da nossa Lei 8.884/94.

As sanções previstas pela legislação argentina podem ser multas, privação de liberdade, inabilitação temporária para o exercício da atividade, nos termos dos artigos 32 e 42.

Entretanto para que se atinja os fins propostos, mais que uma longa análise da Lei Argentina assoma-se mais interessante um exame comparativo das legislações em face da problemática trazida pela matéria.

5.3 - Exame comparativo

Existem semelhanças entre as duas legislações em decorrência de partirem da mesma fonte e de possuírem em regra, os mesmos objetivos. Porém a diferença mais sensível está em que a legislação argentina busca combater o conluio entre empresas, enquanto que a brasileira também se ocupa das ações individuais.

Partindo-se de algumas das principais condutas típicas da concorrência desleal será possível um estudo mais aprofundado, verificando-se a harmonização quanto à aplicação da legislação nas relações entre os dois países.

a)- Preços predatórios - no Brasil, como já exposto, os preços predatórios são combatidos, quando a lei veda a fixação de preços e produtos abaixo dos respectivos preços de produção. Na Argentina a preocupação quanto a preços predatórios limita-se à hipótese de um conluio entre empresas para fazer variar os preços de um mercado, conforme artigo 41, alínea a, do mencionado Diploma Legal.

b)- Venda casada - a chamada venda casada é punida no artigo 21, XXIII, da Lei 8.884/94, que proíbe a vinculação da venda de um bem à aquisição de outro, por exemplo. Tal matéria encontra exceções com referência aos contratos de franchising e outros, onde inexiste a concorrência desleal. Na Argentina a matéria está regulada na letra d do artigo 1º, no sentido de subordinar a celebração de contratos à aceitação de prestações ou operações suplementares que, por sua natureza e de acordo com os usos comerciais, não guardem relação com o objeto de tais contratos.

c)- Imposição de condições discriminatórias a clientes semelhantes - prevista no artigo 21, XII, da Lei 8.884/94 veda a discriminação de preços entre compradores ou vendedores, esta conduta é combatida no Brasil em todos os aspectos, tais como concessão de prazo maior para determinado cliente em contrapartida a outro semelhante. Na Argentina a legislação não trata desta conduta. Porém como a Lei é exemplificativa possível o combate de tal conduta por interpretação da alínea f do artigo 1º, que trata, genericamente, de impedir ou criar obstáculos, mediante acordos, o acesso ao mercado de um ou mais competidores.

Outras condutas poderiam ser confrontadas, tais como a recusa de venda, extinção de produção ou distribuição, fixação de preços uniformes etc. Porém, em geral, teríamos duas hipóteses: a conduta é prevista em ambas legislações; aplica-se regra geral das legislações, no tocante ao combate da concorrência desleal, para alcançar a conduta prevista na outra legislação.

5.4 - Problemas da harmonização

Como se vê o problema da matéria não se encontra na tipificação das condutas como atentatórias à livre concorrência. O problema reside na imposição das sanções, distintas na duas legislações, fixação da competência em face das normas internas de cada país, não só Brasil e Argentina, mas todos os membros do Mercosul etc.

No Brasil vigora a norma do artigo 9º da LICC, que traz inúmeros problemas em sua aplicação.

Desta forma assoma-se necessário a edição de normas comunitárias que regulem toda a matéria e evitem choques entre os membros, visto que cada um logicamente irá favorecer seu interesse nacional, para que o Mercosul não se desagregue a médio prazo.

Em razão disto nasceu o Protocolo de Defesa da Concorrência do Mercosul, que encontra-se em fase de ratificação pelos membros da comunidade.

5.5 - Protocolo de Defesa da Concorrência do Mercosul

O Protocolo, quanto a definição das condutas, bem como a ser tal exposição meramente exemplificativa, muito se assemelha a Lei 8.884/94.

Deste modo o inciso II do artigo 6º do Protocolo assemelha-se ao inciso II do artigo 21 da Lei 8.884/94; o inciso III do artigo 6º é praticamente igual ao inciso X do artigo 21 etc.

Em que pesem existirem algumas diferenças, tais como o inciso XIV do artigo 6º do Protocolo e o inciso XX do artigo 21 da Lei 8.884/94, onde a Lei nacional menciona justa causa comprovada, enquanto que o Protocolo só exige justa causa justificada, como já exposto, visto que as condutas são citadas exemplificativamente, não se apresenta maiores problemas para adoção, de imediato, do Protocolo no país.

Entretanto outros problemas existem para sua adoção, tal como o órgão de aplicação da matéria, que é, pelo Protocolo, um órgão do Mercosul. Tal fato choca-se com princípios constitucionais pátrios, como o de soberania, inafastabilidade de apreciação do Judiciário se, de acordo com a LICC a matéria esteja afeita à competência pátria.

Ainda que a competência não seja nacional, como a decisão seria executada? Pelo artigo 28, §2º, do Protocolo seria o órgão nacional, que no caso brasileiro poderia ser o CADE. Entretanto o órgão não tem poderes para executar a medida, tendo de recorrer ao judiciário. Este, por sua vez, entenderia a medida como sanção administrativa? Sentença estrangeira? Em suma, qual a natureza jurídica deste "título"?

Nada disso foi tratado ou abordado pelo Protocolo e estaria a exigir uma regulamentação interna que possibilitasse a aplicabilidade do Protocolo.

Outro problema reside no artigo 27, §1º, do Protocolo, que afirma incumbir ao Comitê de Defesa da Concorrência, ad referendum da Comissão de Comércio do Mercosul, definir o valor da multa diária a ser aplicada na hipótese de descumprimento de ordem de cessação.

Entretanto pelo nosso sistema impossível aplicação de sanção que não seja anteriormente definida. Desta forma, uma solução possível, seria interpretar-se o mencionado dispositivo como "norma penal em branco". Porém ainda assim seria necessário um novo Tratado para aceitar-se a regulamentação da multa em documento vinculado. Não existindo esta ratificação o valor de multa não poderia ser aplicado no Brasil.

Ainda que ratificado, para vigorar no Brasil, o Protocolo, necessita da edição de um decreto legislativo.

A partir daí nascem novas questões. Encontra-se assentado o entendimento junto ao Supremo Tribunal Federal acerca da adoção do sistema paritário, onde o tratado eqüivale à lei, aplicando-se o princípio lex posterior derogat priori, com exceção da repristinação, que neste caso ocorre.

Neste sentido Francisco de Paula Souza Brasil [31] que afirma: "não há, portanto, no ordenamento jurídico em geral, sobreposição de normas internacionais que integram o Direito positivo brasileiro, as normas internas, que lhes sejam supervenientes e contrárias. Tratado e Lei são equivalentes. Embora em planos distintos convivem dentro de igual hierarquia. Em suma, a edição de Lei posterior que se oponha o texto de norma internacional suspende a vigência da referida norma. Com a eficácia plena do princípio lex posterior derogat priori torna-se desnecessária, para tanto, a prévia denúncia do Tratado, no caso de modificação por legislação interna do conteúdo de normas dele integrantes. Mas, revogada a Lei que dispuser em conflito com o Tratado, este se repristina, não se aplicando aí a regra do art. 2º, §3º, da LICC...".

Assim com a entrada em vigor do Protocolo, por meio de Decreto Legislativo teríamos duas situações. Como Protocolo afirma em seu artigo 1º que visa a proteção da concorrência no âmbito do Mercosul, teríamos a aplicação de uma legislação apenas para o Mercosul e continuaríamos a ter, pelo princípio da especialidade, as mesmas normas para outros países e para o mercado interno.

Tal questão apresenta diversos problemas, tais como já expostos, visto que o protocolo fere normas ordinárias e constitucionais. Como o Tratado tem valor de Lei, para sua aplicação, necessitaríamos de emendas constitucionais, criando-se mais um óbice a sua concreta aplicação.

Estes exemplos demonstram que a mera ratificação do Protocolo não servirá para dirimir os problemas de combate à concorrência desleal dentro do Mercosul.

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Sobre os autores
Eliane Maria Octaviano Martins

Doutora pela USP, Mestre pela UNESP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de Pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS).

Lauro Mens de Mello

Juiz de Direito em Franca (SP), Diretor do Instituto Paulista de Direito Comercial e da Integração, Professor de Direito Penal da Universidade de Franca - UNIFRAN e da UNESP - Universidade Estadual Paulista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Eliane Maria Octaviano ; MELLO, Lauro Mens. Da concorrência desleal:: o "dumping" e globalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 259, 23 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5003. Acesso em: 22 dez. 2024.

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