Kleptocracia & Kleptoluxo (a kleptocracia que veste Prada)

22/06/2016 às 10:08
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Eduardo Cunha e família pagando a conta de US$ 42 mil, nas comemorações de um Ano Novo em Miami, no The Perry (O Globo). Eles não nos notaram, mas nós estávamos lá (pagando a conta).

Era uma vez, nós estávamos juntos com…

Eduardo Cunha e família pagando a conta de US$ 42 mil, nas comemorações de um Ano Novo em Miami, no The Perry (O Globo). Eles não nos notaram, mas nós estávamos lá (pagando a conta).

Que se entende por luxo?

Com dinheiro saqueado da kleptocracia, a vida do casal sempre foi um luxo só. Luxo é “A desproporção entre o que somos e o que podemos”. Literalmente significa excesso. Todos somos quase nada, mas todos podemos algo mais do que somos” (Santiago Alba Rico, Penúltimos dias, p. 45).

Que se entende por kleptoluxo?

Quando a desproporção é definida pelo poder do dinheiro público surrupiado de todos, isso se chama kleptoluxo (klepto = ladrão; kleptoluxo é o luxo ostentado por barões ladrões do patrimônio público). Agentes do Estado e do Mercado fazem parte do clube da kleptocracia (ver Lava Jato) e alguns dos seus membros usam e abusam do kleptoluxo.

Para que serve uma kleptocracia?

Para enriquecer os poucos integrantes das oligarquias/elites políticas e econômicas por meio da corrupção ou de formas politicamente favorecidas. O Brasil é uma kleptocracia que está completando quase 200 anos (começou em 1822) e envolve, até o último fio de cabelo, todos os partidos tradicionais (PT, PP, PMDB, PSDB, DEM etc.). Ver Lava Jato assim como as novas delações confirmatórias de provas anteriores da OAS e Odebrecht.

Que se entende por kleptoidiotia?

Doença coletiva que leva o humano a defender os políticos e os partidos envolvidos na corrupção (PT, PP, PMDB, PSDB, DEM etc.) ou nos enriquecimentos politicamente favorecidos. Costuma ser contagiosa (logo, toda cautela é pouco). Manifesta-se também na comparação das corrupções (entre um partido e outro), para se saber qual é menos corrupto que outro.

Para que serve o kleptoenriquecimento?

Para promover o Estado de Bem-Estar em favor das oligarquias/elites que governam a nação pensando nos seus sublimes interesses particulares, em detrimento da maioria. A Lava Jato (maio/16) já condenou mais de 100 (a mais de 1.100 anos de prisão). Tem kleptoidiotia quem não acredita no bem-estar ou na sinceridade das oligarquias/elites dominantes.

Qual a razão profunda do kleptoenriquecimento?

Mostrar poder nas sociedades kleptocratas. O luxo é uma das formas de expressão desse poder. Por isso ele se tornou corriqueiro. Mais: incentiva a produtividade do mercado (sobretudo o internacional). Quem possui kleptoidia acredita nos efeitos benéficos da corrupção justamente porque ela faz circular dinheiro.

Como se chama o usufrutuário do kleptoluxo?

Quem dele usufrui se chama kleptoextrativista ou kleptoparasita (barão ladrão bem posicionado dentro do Estado que se apropria do dinheiro público pela corrupção ou por formas políticas favorecidas). Todos os partidos políticos que governaram ou atuaram no Brasil (desde 1822) apresentam ou apresentaram sinais de kleptoextrativismo e kleptoparasitismo (Ver LavaLava Jato, áudio do Sergio Machado, J. F. Lisboa etc.).

Que se entende por kleptocratismo?

É uma das mais graves doenças coletivas do Brasil, vinda do extrativismo (saqueamento, a la Hernan Cortês), do parasitismo (sedentário), do patrimonialismo (confusão do público com o privado – ver Faoro, Os donos dopoder) e da corrupção sistêmica (comprovada exuberantemente pela Lava Jato). Sintoma da doença: baixo ou negativo crescimento econômico (ver Marcos Mendes, Por que o Brasil cresce pouco?). O que não significa que o país não teve progresso. É portador de kleptoidiotia o que acredita que o crescimento econômico acaba com a kleptocracia e coloca o país no rumo certo. Fica sempre a pergunta: para quem?

Quanto (sem consulta prévia) investimos na felicidade do Cunha?

Cunha e Cláudia gastaram US$ 23 mil em hospedagens. Também a comilança foi de padrão sultânico: Nobu, Il Mulino, Prime Italian. US$ 6,1 só em vinhos e pratos requintados (O Globo).

Um brinde para a pujante kleptocracia…

Cada taça de vinho de mil dólares que se toma hoje, brindando a escorchante cleptocracia brasileira (que já tem quase 200 anos), equivale, em termos de prazer, a vários açoites que “o lombo do escravo sentia até 1888” (quando se encerrava a primeira etapa histórica – a neocolonial – da nossa cleptocracia). A kleptoidiotia europeia não aceitava que a dor sentida por eles próprios fosse idêntica à sofrida pelos africanos (Luís Mir, Guerra Civil, p. 107).

A kleptocracia veste Prada?

Nas lojas Ermenegildo Zegna, Salvatore Ferragamo e Giorgio Armani, Cunha gastou US$ 8,8. A cleptocracia brasileira, como se vê, veste Prada. Numa das viagens de Cláudia Cunha a Paris (fev/15), foram gastos US$ 14,5 mil nas lojas Louis Vuitton, Chanel, Charvet, que fica na Place Vendôme, e Hermès: sapatos, bolsas, cintos, lenços, joias. Danielle (filha do casal), enquanto isso, circulava por Barcelona, Nova York, Orlando: gastou US$ 13,9 nas lojas Yves Saint Laurent, Chanel, Hermès, Fendi etc.

Gasto suntuário é redundância…

Suntuário vem de sumptus, que significa gasto. Logo, não se diz gasto suntuário. Melhor: kleptoluxo. Cláudia Cruz, mulher de Cunha, gastou US$ 17.483,84, em apenas três dias de janeiro de 2014, quando passeava por Paris. Por tudo isso ela já foi denunciada na jurisdição de Curitiba, porque o uso do dinheiro proveniente de corrupção significa lavagem de dinheiro. Os gastos totais dela e de sua filha, de dezembro de 2012 a julho de 2015, chegaram a US$ 86 mil só com marcas de renome: Chanel, Dior, Balenciaga e Louis Vuitton (ver Adriana da Silva, UOL).

Por que a kleptocracia não e brechtiana?

Em 1956 Brecht escreveu um poema falando dos prazeres de compreender e ser amável. Os pequenos prazeres revelam o mundo. A kleptocracia, ao contrário, sendo megalomaníaca, gosta de aparatosos prazeres. Na cidade de Zurique, encravada nos Alpes suíços, “está o Grand Hotel Dolder desde 1899, decorado com obras de Salvador Dalí e Andy Warhol. Além de ter sido cenário do filme “A Garota com Tatuagem de Dragão”, de David Fincher, o hotel já hospedou Henry Kissinger, Winston Churchill, Liz Taylor, Luciano Pavarotti, Hillary e Bill Clinton, o príncipe William, David Cameron e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) [retrato fiel da cleptocracia brasileira]. Além do Dolder, o peemedebista também já descansou a cabeça e o corpo em vários outros hotéis de luxo da Europa” (Estadão).

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As estatais como fonte de kleptofinanciamento criminoso…

Parte das despesas do deputado veio de propinas do esquema de corrupção da Petrobras (conforme denúncia apresentada ao STF). Outra parte teria vindo de corrupção na Caixa Econômica Federal, além das famosas estatais (que se transformaram em fontes de kleptofinanciamentos de campanhas e de enriquecimento desde 1946, segundo Sérgio Machado). No Hotel Dolder (Zurique) a despesa foi de US$ 1.043. Usou-se aí o cartão Comer Card. As propinas eram depositadas em várias contas, dentre elas a Kopek, em Genebra. Cunha também se hospedou no Baur au Lac (ainda em Zurique), onde gastou US$ 3.600. Foi nesse local que uma operação policial conduzida pelos EUA e Suíça prendeu José Maria Marin (ex-presidente da CBF), por corrupção.

O kleptoluxo é produtivo. Improdutiva é a humanidade.

O dinheiro público brasileiro, desviado das suas legítimas funções, quando investido no kleptoluxo, alimenta a cadeia produtiva do mercado internacional. Improdutivo, para a kleptocracia, é o dinheiro gasto em humanidade, em seres humanos (escola de qualidade, saúde, hospitais, Justiça, segurança etc.). Até quem tem kleptoidiotia já notou: toda essa parte “improdutiva” é a primeira a ser cortada, sempre que o cobertor do orçamento público fica curto.

O setor improdutivo é afetado em primeiro lugar

Numa cleptocracia, quando os economistas e a mídia kleptoconivente anunciam que serão feitos cortes no “excedente”, com certeza, o setor humanidade é logo objeto da tesoura. Por quê? Porque, nas kleptocracias, é o setor “improdutivo” o primeiro a ser afetado. O que importa nesse regime de enriquecimento dos poucos que governam (oligarquias/elites políticas e econômicas) é o “gasto produtivo”.

O kleptoluxo é como a cauda do pavão?

O kleptoluxo tem tudo a ver com a linda cauda do pavão, que é um luxo da natureza. O uso aloprado do dinheiro público surrupiado é um luxo disponível aos membros do clube da cleptocracia. A espetaculosa cauda do pavão constitui a garantia do acasalamento, leia-se, da reprodução da sua espécie. O kleptoluxo, que objetivamente poderia ser um desperdício (e subjetivamente um prazer incomensurável, porque reúne o consumismo esbanjador com a dilapidação do patrimônio alheio), para o sistema kleptocrata é um mecanismo reprodutivo (tanto quanto a cauda do pavão). Ninguém rouba o dinheiro público para guardar debaixo da cama. Essa roubalheira significa poder e poder “precisa” ser exibido.

Qual a função do kleptoluxo?

“O luxo tem exatamente o poder que deve ter para demonstrar (ao povo e aos fiéis) que se tem poder; tem exatamente o dinheiro que deve ter para deixar claro que se tem dinheiro”. Muitas vezes, no entanto, esse poder é um tigre de papel. Só tem aparência (não tem consistência).


Dilma e sua comitiva nos EUA: com os ricos não se brinca!

Numa viagem em 2015 aos EUA (viagem de três dias – o relato que segue é do senador Caiado – Folha) a presidenta afastada Dilma foi acompanhada de 57 assessores (repita-se: 57) e todos ficaram hospedados em hotéis muito caros de Nova York (com país rico não se brinca!). A comitiva alugou 24 veículos de luxo, com destaque para 4 limusines e um caminhão para transportar compras pessoais. Custo: US$ 224,6 mil. Ninguém jamais saberia desse gasto nababesco, não fosse o calote dado à empresa que alugou os carros (tudo indo parar na imprensa americana). Claro que as contas públicas (salvo as de segredo de Estado) devem ser transparentes (lei nesse sentido se faz urgente).

Como a kleptocracia colonial portuguesa faliu?

As kleptocracias são autofágicas. Um dia entram em colapso e o modelo de sociedade ostentado morre (porque são sociedades extrativistas – ver Acemoglu-Robinson, Por que as nações fracassam). “A Coroa portuguesa fez-se negociante [como hoje o Estado brasileiro o é]. Estendeu balcão: guardou para si o monopólio de certos gêneros de exportação; e da importação, a primenta era privilégio seu… Aceitava tudo, tudo perdoava, desde que lhe viesse dinheiro [nesse mesmo sentido, veja a lei de repatriação brasileira]. Queria mostrar ao mundo o que valia e o que podia, ostentando a sua riqueza em Roma, onde o seu embaixador tinha de pagar tudo a peso de outro. O luxo generalizou-se com as riquezas fáceis” [e faliu] (M. Bomfim, A América Latina, p. 121).

Em cada época a kleptocracia funciona de um jeito…

Na era do kleptoluxo, o dinheiro é que é expropriado do povo pela corrupção ou formas politicamente favorecidas. Na época dos senhores de engenho eles transformavam em carvão os corpos dos escravos. Isso gerou parasitismo na cleptocracia colonial portuguesa (que durou 300 anos e terminou na falência – ver M. Bomfim, A América Latina, p. 89 e ss.). Com a velocidade da informação e da globalização é difícil acreditar que as atuais kleptocracias durem tanto tempo.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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