RESUMO: O presente artigo aborda as práticas ilegais adotadas pelas empresas intermediadoras de mão de obra a fim de dissimularem-se em cooperativas de trabalhadores visando o não pagamento dos diversos tributos e contribuições sociais. O objetivo deste estudo é realizar uma análise da natureza jurídica das cooperativas em relação às demais formas de intermediação de mão de obra e como tais formas de alocação de força de trabalho são utilizadas para fraudar direitos trabalhistas e fiscais. No desenvolvimento deste trabalho foi utilizado o método de abordagem dedutiva e como métodos de procedimento foram utilizados o histórico, o comparativo e o monográfico. Este estudo conclui que empresas de terceirização têm se dissimulado em cooperativas com intuito fraudulento, causando impacto social e econômico na classe trabalhadora.
PALAVRAS-CHAVE: Cooperativas; Terceirização; Mão de obra; Fraude.
1. Introdução
As cooperativas de trabalhadores, no modelo como conhecemos hoje, tiveram sua origem na França, durante a Revolução Industrial, no início do Século XIX. Homens e mulheres precisaram unir-se para resistir ao desemprego e à miséria que assolava a França naqueles dias. Ainda no século XIX, mais precisamente em 1844, na cidade de Rochdale, na Inglaterra, urgiu o fenômeno do cooperativismo, quando um grupo de trabalhadores desempregados, instalando-se em um armazém, criou a “Sociedade dos Probos e pioneiros de Rochdale”. No Brasil, a expansão do movimento cooperativista se deve à promulgação do decreto nº 22.239, em 1932, ganhando força através dos incentivos dados pelo governo Getúlio Vargas às cooperativas de soja e trigo, na década de 40, tendo seu ápice nas décadas de 60 e 70, momento em que a cotação da soja era alta no mercado internacional, época em que o produto era conhecido como “ouro verde”.
Por sua vez, o conceito de terceirização de mão de obra surgiu no início do Século XX, quando engenheiro norte americano Frederick Taylor, visando superar as dificuldades da época, criou, a partir de sua larga experiência na área fabril, a chamada “gerência científica da produção” ou “administração científica do trabalho”. Sua teoria consistia, basicamente, na reorganização da linha de produção, mediante a decomposição dos diversos processos de trabalho em atividades complementares, resultando na fragmentação das tarefas segundo padrões rígidos baseados nos vetores tempo e movimento. Dessa forma, em sua teoria, cada trabalhador seria responsável por uma pequena parcela da produção, resultando assim, na especialização de cada operário. Era instituída, então, a quebra de um paradigma no meio fabril, no qual cada trabalhador tornar-se-ia, então, um pequeno órgão de um grande sistema. (Carelli, 2003)
Todavia, por volta dos anos 70, tal regime de acumulação de capital entrou em declínio, dando lugar a uma nova forma de organização da produção, conhecida por “especialização flexível”, ou “toyotismo”, fenômeno que se relaciona diretamente com o nascimento da terceirização moderna da mão de obra. A partir desse novo modelo adotou-se a postura de concentração das atividades da empresa em sua atividade-fim, ou “core business”, deixando outras atividades secundárias a cargo de outras empresas parceiras, criando uma rede organizacional. Destarte, verifica-se que o antigo modelo organizacional, que concentrava todas as etapas da produção, tornou-se mais conciso, reduzindo sua abrangência e ocupando-se somente com as atividades diretas da empresa, concentrada no “core business”, e atrelado a uma rede de empresas fornecedoras de mão de obra, alheias à administração da empresa principal, porém dela dependentes. (CORIAT, 1994).
É precisamente nesse contexto que se aperfeiçoa o fenômeno da terceirização de mão de obra, através da contratação de uma empresa que presta serviços secundários ao objetivo da empresa principal, visando desvencilhar-se de atividades menos interessantes à administração da produção. Todavia, o referido instituto tem sofrido distorções com o passar do tempo e atualmente tem sido artifício para fraudes no âmbito previdenciário e tributário, bem como para exploração de mão de obra de baixa especialização com salários irrisórios. Tal desvirtuamento causa, além de nefastas consequências econômicas junto ao sistema previdenciário, uma falsa ideia de acesso rápido ao emprego, pois, pela falta de acesso aos direitos trabalhistas, os empregados tornam-se mão de obra de fácil descarte.
O tema do presente trabalho são as empresas de trabalho interposto dissimuladas em cooperativas de trabalhadores com finalidade de fraude a direitos sociais. Como definição do problema, temos o questionamento acerca de quais artifícios as empresas de trabalho interposto se utilizam para simular a condição de cooperativas de trabalhadores e quais as consequências dessa prática no âmbito do Direito Previdenciário, Trabalhista e Tributário. Questiona-se, ainda, quais medidas podem ser adotadas pelo Estado para dificultar ou impedir tais práticas. No desenvolvimento deste trabalho o método aplicado foi o estudo comparativo, baseado em dados empíricos, reunidos em sites especializados e jurisprudência consolidada de tribunais superiores. Partiu-se de conceitos esculpidos em obras pertinentes ao tema, bem como da legislação correlata para chegar-se a uma conclusão plausível.
A questão se levanta, com base na considerável parcela de relações trabalhistas envolvidas em nossa sociedade, tendo em vista a crescente demanda por mão de obra de fácil desvinculação e o descrédito atribuído ao instituto das cooperativas. Para que melhor possamos compreender os fenômenos das Cooperativas de Trabalhadores e das empresas de terceirização de mão de obra, faz-se necessário estudar a origem e a evolução histórica dos dois institutos, analisando o contexto histórico-social no qual surgiram, atividade que realizaremos a seguir.
O trabalho conta com cinco seções. A primeira seção, denominada a “cooperativa de trabalhadores e suas características”, seguida por outros quatro tópicos, sendo eles: “a terceirização de mão de obra”, “a fraude tributária e às contribuições sociais”, “direitos trabalhistas afetados pela fraude” e, por fim “lei do trabalho temporário – a terceirização lícita da atividade-fim”.
2. Cooperativa de trabalhadores e suas características:
Impende destacar que a cooperativa de trabalhadores se traduz em instituição sem intuito comercial, com o objetivo de proporcionar acesso ao mercado de trabalho através do esforço conjunto de seus colaboradores, que exercerão sua atividade laboral na forma de trabalhadores autônomos. A esse respeito, afirma Martins:
Cooperativa é uma forma de união de esforços coordenados para a consecução de determinado fim. [...] Os membros da cooperativa não têm subordinação entre si, mas vivem num regime de colaboração. Nota-se que o objetivo da cooperativa é o exercício de uma atividade econômica, sem natureza lucrativa. (MARTINS, 2000. p. 84,87)
No Brasil, existem diversos ramos de cooperativas, dentre elas as agrícolas, dentre elas as agrícolas – pioneiras na implantação do sistema de cooperação-, as comerciais, as cooperativas de crédito, atualmente em ascensão devido à economia de mercado, e as cooperativas de mão de obra, alvo deste estudo. De acordo com dados apurados no sítio eletrônico da Organização das Cooperativas Brasileiras, (OCB), verifica-se que após o advento da Constituição Federal de 1988 o número de cooperativas de trabalhadores quadruplicou. Pode-se observar que os efeitos sociais da chamada “Constituição Cidadã” foram determinantes para o desenvolvimento dessa modalidade de organização laboral.
Ainda sob a égide da Nova Carta, foi acrescentado à Consolidação das Leis Trabalhistas, (CLT), através da edição da Lei nº 8.949/94, o parágrafo único do artigo 442. O novo dispositivo, a partir de seu ingresso no mundo jurídico, recebeu a dúbia interpretação de que bastaria a criação de uma associação de pessoas sem fins lucrativos, denominada cooperativa de trabalho, para que, qualquer que fosse o modo de funcionamento, estar-se-ia livre dos encargos oriundos da relação trabalhista. Começa, então, a ser utilizado o termo “cooperativismo” como mera rotulação, visando apenas a tomada de mão de obra sem encargos a custo irrisório.
Depreende-se, dessa forma, que esse abrupto aumento no número de cooperativas deveu-se não à conscientização acerca dos benefícios da cooperativa, ou à promoção da função social do trabalho, mas sim à opção pela utilização do instituto visando a captação de mão de obra a custo reduzido. Dados numéricos, obtidos através de pesquisa junto à OCB corroboram essa afirmativa, visto que as cooperativas de trabalhadores superaram, e muito, em número, os outros modelos de instituições cooperativadas, tais como cooperativas de consumo e cooperativas de produção, ambas com longa tradição em nossa sociedade.
De acordo com dados apurados pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), órgão ligado ao Ministério do Trabalho, ocorreu um aumento de quase 100% na quantidade de cooperativas no decênio 1990-2000, o que possibilitou um número de 221 (duzentos e vinte e um) mil postos de trabalhos ocupados em caráter provisório, somando-se associados e empregados da entidade.
Convém salientar que a natureza jurídica das Cooperativas de Trabalho é a de uma associação civil sem fim lucrativo, portanto, não sujeita à falência, tampouco submetida ao regramento tributário ou previdenciário das empresas de prestação de serviços, conforme depreende-se da leitura do artigo 4º da Lei 5.764/71[4], norma que regulava o instituto até o ano de 2012. Tal definição mostrava-se bastante inóqua, o que causou grande lacuna jurídica por muito tempo. A questão só veio a ser pacificada com a edição da Lei 12.690/12. O advento do referido diploma trouxe certa melhoria na regulamentação do sistema cooperativista. Dois artigos do novo dispositivo destacam-se por sua importância, dentre eles o artigo 2º, por finalmente caracterizar o instituto da cooperativa de trabalho, principalmente no que se refere à adoção do critério teleológico, mais adequada à situação econômica e social contemporânea:
Art. 2o Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.
Pode-se observar com certa facilidade que a constância no crescimento do número de cooperativas se devia à sua regulamentação deficiente. Através do relatório anual da OCB referente ao ano de 2012, no qual já vigia a lei 12.690, verifica-se uma queda abrupta no número de cooperativas. Verifica-se, com base nos dados, que após a edição da referida lei houve considerável decréscimo na quantidade de cooperativas, contrariamente ao contínuo aumento anteriormente constatado. Isto significa que o dispositivo legal contribuiu para a diminuição de grande número de entidades que se valiam da lacuna jurídica então existente.
Impende, ainda, considerar o artigo 3º da Lei 12.690/12, que estabelece os princípios norteadores do sistema cooperativista:
Art. 3o A Cooperativa de Trabalho rege-se pelos seguintes princípios e valores:
I - adesão voluntária e livre;
II - gestão democrática;
III - participação econômica dos membros;
IV - autonomia e independência;
V - educação, formação e informação;
VI - intercooperação;
VII - interesse pela comunidade;
VIII - preservação dos direitos sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa;
IX - não precarização do trabalho;
X - respeito às decisões de asssembleia, observado o disposto nesta Lei;
XI - participação na gestão em todos os níveis de decisão de acordo com o previsto em lei e no Estatuto Social.
Isto posto, verifica-se que a cooperativa é, em primeira análise, uma entidade com cunho social, pois oportuniza o acesso ao mercado de trabalho a pessoas com pouca ou nenhuma qualificação. É imprescindível, para o perfeito entendimento do instituto, considerar a relevância de sua função social.
Em que pese o fato de alguns autores, como Carelli, militarem pela erradicação das cooperativas, tornam-se necessárias ponderações, pois de acordo com os dados supracitados o cooperativismo abarca um considerável percentual da mão de obra disponível no país. Na visão de Carelli:
O cooperativismo intermediador de mão de obra não gera um só emprego. Ele simplesmente ocupa os postos de trabalho já existentes, precarizando-os, esvaziando-os de seu conteúdo social e beneficiando somente os empregadores tomadores dessa mão de obra barata. Esse falso cooperativismo está denegrindo a imagem do movimento, que de alternativo ao liberal, passa a se submeter à manipulação conservadora da onda neoliberal, colocando os trabalhadores inteiramente à disposição e utilização devastadora pelos detentores de capital. (CARELLI, 2003, p.9)
Segundo o entendimento do autor, a intermediação de mão de obra por cooperativas seria uma contradição, independentemente do fato dessa mão de obra ser empregada na atividade-meio ou atividade-fim, pois trata-se efetivamente de mera subcontratação de postos de trabalho, em virtude de que os trabalhadores não terão qualquer direito trabalhista ou previdenciário. Porém, cabe ressaltar a grande parcela do mercado atendida pelas cooperativas de trabalhadores, bem com o expressivo número de pessoas que ingressaram no mercado de trabalho graças à existência do referido instituto (221 mil trabalhadores até dezembro de 2010). O trabalho cooperado é solidário e democrático, uma alternativa viável, desde que mantidos os princípios do cooperativismo para gerar, manter e recuperar postos de trabalho. Há substanciais diferenças entre o trabalhador cooperado e o empregado celetista, dentre as quais podemos enumerar:
O trabalhador cooperado é um trabalhador autônomo, não possui subordinação jurídica com a empresa tomadora ou com a cooperativa, enquanto que o empregado celetista desenvolve suas atividades em regime de subordinação em relação ao empregador.
O cooperado participa das decisões da cooperativa, diversamente do empregado, que não possui poder decisório na empresa.
Os associados à cooperativa não recebem salário. Seus rendimentos são variáveis, pois recebe por produção, dividindo acréscimos de capital e prejuízos, já o celetista recebe salário e nem sempre recebe participação nos lucros da empresa.
Enquanto o cooperado trabalha sem carteira assinada, por ser trabalhador autônomo e contribuinte do INSS por conta própria, o celetista tem esses direitos assegurados em lei.
O empregado possui direito a 30 (trinta) dias de férias. Os cooperados podem opcionalmente constituir um fundo de descanso anual.
Enquanto o trabalhador celetista tem direito a 13º salário, os cooperados têm a possibilidade de criar um fundo para abono natalino.
Pelo regime celetista o FGTS é pago pelo empregador, enquanto que os associados à cooperativa podem constituir um fundo de poupança compulsório.
Conforme a atividade, os cooperados ocasionalmente contratam seguro de acidentes, provisionado por decisão da Assembleia Geral e os celetistas possuem seguro de acidentes descontado em folha pelo empregador.
Os trabalhadores cooperados não possuem direito a repouso semanal remunerado por serem autônomos, enquanto que os empregados pelo regime da CLT possuem esse direito.
A legislação cooperativista prevê a existência do FATES – Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social sempre que ocorrerem sobras de capital, ao passo que o trabalhador celetista somente conta com capacitação profissional, quando houver interesse da empresa.
Devido à quantidade de privilégios, principalmente no âmbito tributário, a cooperativa de intermediação de mão de obra tem sido utilizada para a sonegação de diversos tributos e contribuições sociais, conforme será analisado a seguir. Impende destacar que os direitos negligenciados são constitucionalmente assegurados ao trabalhador, conquistados à custa de muitos anos de enfrentamentos, por vezes nada pacíficos, e, somente levados a efeito por meio do decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, tradicionalmente chamado Consolidação das Leis Trabalhistas.
É importante ressaltar que o modelo cooperativista luta herculeamente para se sustentar na sociedade capitalista e neoliberal em que vivemos. Certamente a maior dificuldade que esse sistema encontra é afirmar-se frente à demanda econômica imposta pelo mercado. A ideia de cooperação vai de encontro à concorrência empresarial e à política salarial ditada pelos altos tributos e contribuições sociais que assolam os empregadores. Talvez pela falta de uma cultura social, ou ainda pelo predomínio da cultura capitalista, a cooperativa encontre tanta resistência e seja utilizada como subterfúgio para a fraude a tributos e direitos laborais.
Autores apontam como principal indício para a determinação de fraude ao sistema cooperativista a existência de subordinação jurídica na relação trabalhista, porém existem outros aspectos que são apontados como determinantes para a ocorrência da terceirização ilegal. Pode-se verificar a ocorrência de uma intermediação irregular de mão de obra mediante cooperativa ou de uma relação empregatícia dissimulada através da presença dos seguintes elementos:
Gestão/organização do trabalho pela contratante;
Inexistência de técnica específica, ou falta de especialidade da empresa contratada (“know how”);
Remuneração do contrato baseada em número de trabalhadores;
Prestação de serviços pelos mesmos trabalhadores permanentemente indicando pessoalidade;
Realização da atividade-fim da tomadora pelos trabalhadores da pretensa cooperativa.
Destarte, se evidenciadas tais circunstâncias, torna-se inegável a subordinação jurídica caracterizando-se assim, vínculo empregatício direto entre tomador de serviço e trabalhadores. Tal relação não é outra coisa senão uma contratação de mão de obra por meio de terceirização ilegal. Se constatada tal irregularidade, é cabível ação trabalhista de iniciativa do trabalhador, do seu sindicato de categoria, ou mesmo ex oficio, mediante denúncia promovida pelo Ministério Público do Trabalho.
Convém destacar, ainda, que a fraude nas relações trabalhistas caracteriza crime federal contra a organização do trabalho, prevista no Código Penal Brasileiro, de ação penal pública incondicionada a ser exercida de ofício pelo Ministério Público Federal:
Frustração de direito assegurado por lei trabalhista
Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Em que pese a questão penal, convém avaliar a natureza do instituto da terceirização lícita da atividade-fim da empresa, o qual somente se verifica em casos de substituição provisória de mão de obra por motivos emergenciais. Tal ocorrência é regulamentada pela Lei 6.019/74, que será abordada em sessão própria deste trabalho.