Sumário: Introdução. 2. Origem e evolução histórica da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro. 3. Princípio da boa-fé objetiva. 4. Considerações a respeito da boa-fé subjetiva. 5. A boa-fé como princípio ideal do processo. 5.1. Princípio processual da boa-fé e a constituição federal de 1988. 5.1.1. A boa-fé e o acesso à justiça. 5.1.2. A boa-fé e o devido processo legal. 5.1.3. A boa-fé e o princípio da igualdade. 6. A boa-fé no código de processo civil atual (lei 5.869/1973). 6.1. A boa-fé no direito de ação. 6.2. A boa-fé e a citação. 6.3. A boa-fé no direito de defesa. 6.4. A boa-fé no estudo das provas. 6.5. A boa-fé no estudo de recursos. 6.6. A boa-fé no processo de execução. 7. A boa-fé no novo código de processo civil (lei 13.105/2015). 7.1. Colaboração e cooperação processual no novo código de processo civil. 8. Principais mudanças na aplicabilidade da boa-fé. Objetiva e boa-fé subjetiva dentro do novo código processo civil. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Compreende-se por boa-fé o ato de dizer a verdade, de ser franco sem uso de artimanhas para convencer alguém do contrário. O uso da boa-fé teve mais aplicabilidade após a segunda metade do século passado e assim, passou a fazer parte do contexto jurídico, no qual o princípio da boa-fé foi dividido em duas concepções, boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva.
A boa-fé objetiva consiste na conduta do ser humano em relação a seus atos, o qual deve ser conforme as leis existentes nos obrigam, e principalmente ser ético e verdadeiro.
Ele se encontra previsto, por exemplo, no artigo 14 do Código de Processo Civil de 1973, que dispõe no seu caput que: “são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo”; e em seu inciso II: “proceder com lealdade e boa-fé”.
A boa-fé subjetiva está no conhecimento do bem, na consciência do agente e na crença do mesmo de agir da forma correta, ainda que aja ilicitamente na ignorância da ilegalidade de seus atos. Pois, se o agente estiver consciente da ilicitude de seus atos, haverá o agir de má-fé.
A boa-fé ganhou maior destaque no ordenamento jurídico brasileiro após a criação do Código de Defesa do Consumidor, através da relação fabricante/fornecedor e consumidor, na qual se entende ser essencial o comportamento leal das partes no cumprimento de suas obrigações nas relações consumeristas.
Ainda, com o advento do Código Civil de 2002, a boa-fé passou a ser empregada como fonte de direitos e deveres entre as partes nas relações jurídicas em geral, ganhando mais espaço e importância no ordenamento jurídico brasileiro.
No direito processual brasileiro, a boa-fé é utilizada em várias fases, como forma de garantir um processo célere, justo e embasado na verdade e na ética das partes envolvidas, seguindo os princípios e garantias constitucionais, sendo no próprio direito de ação, na citação, no direito de defesa, no estudo das provas, no estudo de recursos e no processo de execução.
Ainda, o texto do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105), sancionado em 16 de março de 2015 e publicado em 17 de março de 2015, que entrará em vigor em 18 de março de 2016, traz uma maior abordagem a respeito da boa-fé, com uma visão objetiva da mesma, como elemento importante no processo civil, ao qual prevê em alguns artigos a boa-fé das partes e demais sujeitos envolvidos no processo.
Tais mudanças se fazem importante para o ordenamento jurídico brasileiro, visto que a boa-fé é um elemento essencial ao andamento processual, e, assim como o Código Civil de 2002 já dava margem para uma maior aplicabilidade da boa-fé no direito brasileiro, com as alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, a importância da boa-fé pode ser vista também no âmbito processual. Tais considerações serão melhores explicadas do decorrer deste trabalho.
2. ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA BOA-FÉ NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A boa-fé pode ser encontrada em vários momentos históricos, tendo sua concepção modificada ao longo do tempo, estando, porém, sempre ligada à concepção de comportamento ético e do agir com retidão perante os membros de uma determinada sociedade.
O surgimento da boa-fé se deu no direito romano, no qual, entendiam a fides como poder e promessa, que representava o respeito à palavra dada, e, mais tarde, trouxe a ideia de ética1.
A esse respeito, lecionando com grande brilhantismo, Judith Martins Costa2:
Como e por todos sabido, as relações de clientela implicavam a existência de deveres de lealdade e obediência por parte do Cliens em troca de proteção que lhe era dada pelo cidadão. Traduzindo a relação entre pessoas juridicamente desiguais, o cidadão livre (patrício) e o cliente, as relações de clientela são dominadas pela Fides, compreendida tanto como o poder do patrão (poder de direção) e dever do cliente (dever de obediência), quanto sobre a promessa de proteção, acto pela qual uma pessoa era recebida na Fides doutra.
A partir do conceito de fides, houve o surgimento da bona fides, que se tratava da margem que o julgador possuía para constituir sua decisão no caso concreto, devendo a decisão ser embasada nas leis e na própria boa-fé3.
No período da Idade Média, o direito civil teve grande influência do direito canônico, que atribuiu à boa-fé uma carga ética que se igualava à ausência de pecado. De modo que se você não guardasse os benefícios da boa-fé desde o início, você não teria direito de se recorrer a ele no final, ou seja, aja com a lealdade desde o princípio e ela te beneficiará quando você precisar dela4.
Em 1804 com o advento do Código de Napoleão que o princípio da boa-fé teve sua força, aonde começou o ser relevante para o ordenamento jurídico. Todavia, o seu crescimento não foi tão grande, tendo em vista que a Escola da Exegese dominou o pensamento jurídico na França durante o século XIX propugnando que o intérprete era um simples escravo da lei5.
Apenas na segunda metade do século passado é que a boa-fé começou a ter maior aplicabilidade nos tribunais franceses, uma vez que, tanto credor quanto devedor tiveram que respeitar esse princípio dentro de suas obrigações contratuais no exercício de suas prerrogativas6.
A sua grande força se deu com a edição do código civil alemão, que entrou em vigor no ano de 1900 (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB). Foi no direito alemão uma das maiores influências em que o princípio da boa-fé sofreu, pois, a foi nesse código que houve a distinção entre a boa-fé subjetiva (guterglauben) e a boa-fé objetiva (treuundglauben), levando assim uma concepção diferente a boa-fé7.
Para Judith Martins Costa, a grande diferença do BGB está na sua metodologia que engloba uma parte geral na qual discute sobre os conceitos que devem vigorar em todos os conceitos, das pessoas, da personalidade, da relação jurídica das pessoas e dos bens. Com isso o BGB se torna mais forte e eficaz, pois trás uma abrangência geral sobre as partes8.
Vejamos o que diz Judith Martins Costa9.
A importância da parte geral esta em que assegura a unidade do código, permitindo que o direito seguindo a tradição pandectista-seja construído de forma centralizada através da educação lógica entre os conceitos gerais ali posto e os casos ou espécies tratados na parte Especial, de maneira que, para além de seu indiscutível valor técnico. Esta estrutura ainda se põe como uma metáfora expressiva de toda uma concepção sistemática.
Posteriormente, com essa separação, a boa-fé começou a ter uma grande repercussão acerca de suas duas linhas de aplicabilidade, a linha da boa-fé representada no direito alemão pela (treuundglauben) e a linha da boa-fé subjetiva representada pela (guterglauben)10.
A esse respeito Judith Martins Costa diz11:
A fórmula TreuundGlauben demarca o universo da boa-fé obrigacional proveniente da cultura germânica, traduzindo conotações totalmente diversas daquelas que marcaram o direito romano: ao invés de denotar a idéia de fidelidade ao pactuado, como numa das acepções da fides romana, a cultura germânica inseriu na formula, as idéias de lealdade (treu ou treue) e crença (glauben ou Glaube), as quais se reportam a qualidade ou estados humanos objetivados.
A boa-fé subjetiva se encontra no psicológico do indivíduo, no estado de consciência ou de ignorância sobre a ilicitude de seus próprios atos, enquanto a boa-fé objetiva se trata de um princípio geral que introduz limitações ao conteúdo objetivo dos negócios jurídicos, através de normas de conduta nas quais os contratantes devem exercer seus direitos e obrigações com ética e retidão12.
Para Judith Martins Costa13:
A expressão “boa-fé subjetiva”, denota estado de consciência, ou convencimento individual do obrar [a parte] em conformidade ao direito [sendo] aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se “subjetiva” justamente porque para a sua aplicação, deve o interprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou intima convicção.
Ainda 14:
A boa-fé qualifica, pois, uma norma de comportamento leal. É por isso mesmo, uma norma necessariamente nuançada, qual, contudo, não se apresenta como um “princípio geral”. É norma nuançada, mais propriamente constituindo um modelo jurídico, na medida em que se reveste de várias formas, de várias concreções, denotando e conotando, em sua formação uma pluridiversidade de elementos entre si interligados em uma unidade de sentido lógico.
Prova da influência alemã é que o Código Civil italiano (1942), o Código Civil português (1966), o Código Civil espanhol (1974), dentre inúmeros outros, adotaram expressamente a boa-fé objetiva em seus ordenamentos jurídicos, vendo que esse era se suma importância para proteger e garantir a lealdade e a probidade processual dos contratantes e dos litigantes15.
A primeira manifestação do princípio da boa-fé objetiva no Brasil se deu em 1850, com a redação do código comercial, encontrado no seu art. 131, tendo, reaparecido no ordenamento jurídico no Código Civil de 1916. Somente com a criação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, foi que a boa-fé obteve espaço no ordenamento jurídico brasileiro, legislação proveniente dos parâmetros constitucionais. Com o advento do CDC, a boa-fé passou a ser utilizada tanto para a interpretação de cláusulas contratuais como também para a integração das obrigações pactuadas, de modo que começou a ser fundamental que as partes se comportem com correção e lealdade até o cumprimento de suas prestações16.
Mas foi no ano de 2002 com a reforma do código civil brasileiro, que o princípio da boa fé teve o seu apego ao ordenamento jurídico pátrio, aonde deixou de ser utilizado apenas em casos subjetivos, e começou a ser utilizado como fonte de direitos e deveres autônomos sobre todos os contratados17.
A boa-fé objetiva encontra-se disciplinada em três dispositivos do Código Civil de 2002, de modo que em cada um deles vem desempenhar um papel diferente no ordenamento jurídico, sendo eles: o artigo 422, o artigo 113 e o artigo 18718.
Com o advento do código civil de 2002, ensina Miguel Reale que três são os princípios brasileiros do novo Código de Processo Civil:
A socialidade, a eticidade e a operabilidade. Tais princípios têm sido muito discutidos pelos doutrinadores que abordam os temas disciplinados pela nova codificação, de modo a orientar conclusões interessantes sobre os institutos do Direito privado, e tais princípios se encaixam dentro da boa-fé objetiva19.
Vejamos o que diz o art. 422. do Código Civil Brasileiro20: "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".
O artigo 422 do código civil de 2002, fala claramente de boa-fé como princípio da eticidade, pois, todos devem guardar a ética em todas as fases do contrato, agindo com lealdade e probidade nos negócios celebrados.
A esse respeito leciona com brilhantismo o professor Flavio Tartuce21:
De acordo com o princípio da eticidade, a ética e a boa-fé ganham um novo dimensionamento, uma nova valorização. A boa-fé deixa o campo das idéias, da intenção – boa-fé subjetiva –, e ingressa no campo dos atos, das práticas de lealdade – boa-fé objetiva. Essa boa-fé objetiva é concebida como uma forma de integração dos negócios jurídicos em geral, como ferramenta auxiliar do aplicador do Direito para preenchimento de lacunas, de espaços vazios deixados pela lei.
O art. 113. 22 diz que: “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
Eis a função interpretativa, ou seja, o princípio da operabilidade que deve ser preenchido pelo aplicador do direito em cada caso.
Segundo o professor Flavio Tartuce o princípio da operabilidade é: 23
Por seu turno, o princípio da operabilidade, que para nós apresenta maiores dificuldades de compreensão, tem dois enfoques. Em um primeiro sentido, a operabilidade é responsável pela facilitação do Direito Privado, ao deixar-se de lado o rigor técnico, que era muito valorizado pela codificação anterior, e ao buscar-se a simplicidade de um Direito Civil que realmente tenha relevância prática, material e real. Desse ponto, nasce o segundo enfoque do princípio: a efetividade, que está relacionada com o sistema de cláusulas gerais, adotado pela nova codificação. Essas cláusulas gerais são janelas abertas deixadas pelo legislador para preenchimento pelo aplicador do Direito.
Por fim, a função limitativa está prevista no art. 187, que diz que:24 "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
Nesse contesto vemos o princípio da socialidade, onde os negócios jurídicos deveram obedecer aos costumes sem se interferir na sociedade, sobre o princípio da socialidade ensina o professor Flavio Tartuce25:
Pelo princípio da socialidade, rompe-se com o caráter individualista e egoístico do Código Civil de 1916. Nesse sentido, todos os institutos de Direito Privado passam a ser analisados dentro de uma concepção social importante, indeclinável e inafastável: a obrigação, a responsabilidade civil, o contrato, a empresa, a posse, a propriedade, a família, o testamento. Para facilitar sua visualização social, os institutos de Direito Privado devem ser analisados tendo como parâmetro o Texto Maior: a Constituição Federal de 1988 e seus preceitos fundamentais, particularmente aqueles que protegem a pessoa humana.
De acordo com o princípio da eticidade, a ética e a boa-fé ganham um novo dimensionamento, uma nova valorização. A boa-fé deixa o campo das idéias, da intenção – boa-fé subjetiva –, e ingressa no campo dos atos, das práticas de lealdade – boa-fé objetiva. Essa boa-fé objetiva é concebida como uma forma de integração dos negócios jurídicos em geral, como ferramenta auxiliar do aplicador do Direito para preenchimento de lacunas, de espaços vazios deixados pela lei.
Dessa forma, vemos qual a influência e importância do princípio da boa-fé objetiva dentro do ordenamento jurídico brasileiro, de forma que na edição do Código Civil de 2002, todo o seu conteúdo foi baseado e pautado dentro desse princípio, que garante as partes o direito a um processo leal e probo, e garantindo ainda que suas ações não venham interferir em meio à sociedade.
A boa-fé objetiva como norma essa norma que veio para garante a lealdade e a probidade processual, transmitindo a todos da sociedade a segurança na hora de celebrar seus negócios jurídicos, tem tido seu apoio até dos tribunais, que tem sustentado essa postura do princípio da boa-fé.
Vejamos como o tribunal tem se posicionado aos casos em que a boa-fé não tem sido respeitada26.
AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE MÚTUO FINANCEIRO. PIRÂMIDE DISFARÇADA (PICHARDISMO). CAPTAÇÃO DE DINHEIRO MEDIANTE PROMESSA DE PAGAMENTO DE JUROS ACIMA DA PRÁTICA DE MERCADO. ALEGAÇÃO DEFENSIVA DE NULIDADE. PRÁTICA DE USURA. IMPROPRIEDADE. TENTATIVA DE SE BENEFICIAR DA PRÓPRIA TORPEZA. OBRIGAÇÕES DO MUTUÁRIO. RESTITUIÇÃO DO VALOR EMPRESTADO. PAGAMENTO DE JUROS REMUNERATÓRIOS. - O réu não pode se valer de sua própria torpeza para fins de derruir a validade e eficácia do negócio entabulado com o autor, após evidentemente ter auferido os benefícios advindos da posse da quantia emprestada, buscando (completamente ao arrepio da lei) se evadir de suas responsabilidades. Tal manobra deve ser rechaçada, sob pena de validação do enriquecimento sem causa e violação da boa-féobjetiva. - Nos termos dos arts. 586. e 591 do Código Civil, destinando-se o mútuo a fins econômicos, recai sobre o mutuário a obrigação de restituir o valor emprestado, como a de pagar os respectivos juros compensatórios incidentes no período de vigência contratual.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ - NÃO OCORRÊNCIA - JUROS REMUNERATÓRIOS - LIMITAÇÃO - INDEFERIMENTO - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - POSSIBILIDADE - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - NÃO INCIDÊNCIA - TARIFA DE ABERTURA DE CRÉDITO - COBRANÇA NÃO COMPROVADA - REGISTRO DE CONTRATO - AUSÊNCIA DE INTERESSE - REPETIÇÃO EM DOBRO - REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. Incabível a condenação da parte por litigância de má-fé, quando não vislumbradas quaisquer das condutas descritas no artigo 17 do Código de Processo Civil. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF. Restou pacificado no Superior Tribunal de Justiça que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. A capitalização mensal de juros é permitida, desde que pactuada, nos contratos celebrados após a edição da MP nº 1.963-17, de 30 de março de 2000, reeditada sob o nº 2.170-36/2001 Admissível a cobrança de comissão de permanência na hipótese de inadimplência, calculada à taxa média de mercado (Enunciado 294 do STJ), limitada à taxa prevista no contrato, sem cumulação com os demais encargos de mora. Entretanto, não havendo nos autos a previsão de cobrança de comissão de permanência, não há que se falar em revisão do contrato neste aspecto. Não comprovada a cobrança de taxa de abertura de crédito, não há que se falar em decote. Não há interesse recursal no pedido de declaração de nulidade de cobrança já decotada em primeira instância. A repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe, além da existência de pagamento indevido, a demonstração da má-fé do credor.
AÇÃO ORDINÁRIA - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - JUROS - CAPITALIZAÇÃO - ENCARGOS DE MORA - TAXAS E TARIFAS ADMINISTRATIVAS - REPETIÇÃO DO INDÉBITO. A Lei 10.931 de 02 de agosto de 2004, norma tida por regulamentadora das cédulas de crédito bancário, quando da sua elaboração/ redação, não atendeu aos requisitos estatuídos na lei complementar 95/98, padecendo, portanto, de vício formal. O CCB, artigos 406 e 591, traz regulação sobre a incidência de juros, sendo esse o limite a ser observado nas relações jurídicas de direito privado. Por força do artigo 22, incisos VI e VII, artigo 48, XIII e parágrafo 1 do artigo 68, todos da CF/88, o Poder Executivo não detém competência para tratar de matéria financeira, cambial e monetária, bem assim aquelas pertinentes às instituições financeiras e suas operações, por se tratar de competência exclusiva do Congresso Nacional. As medidas provisórias que supostamente autorizam a capitalização dos juros por instituições financeiras são despidas de valor legal, pela falta de competência do executivo e ainda porque a matéria não se reveste da urgência ou relevância que autoriza a edição de medida provisória. São ilícitas as estipulações contratuais fixadas ao arbítrio exclusivo de uma das partes, pelo que inadmissível a previsão de cobrança de juros remuneratórios c/c juros moratórios e multa tudo capitalizado diariamente a título de encargos de mora. Diante de relação de consumo pode o magistrado modificar as estipulações concernentes à cobrança de taxas e tarifas administrativas e outras abusividades constatadas. A Lei 8078/90, concebeu um sistema de proteção ao consumidor que fixa parâmetros de conduta que devem ser observados pelos fornecedores de serviços e servem como medida para a aferição da legalidade da prestação fornecida, tomando-se por base a legítima expectativa do consumidor. Verificadas cobranças indevidas pelos bancos, tem-se a violação de um dever inquestionável de cuidado e de adstrição à legalidade, que afronta os limites traçados pelo princípio da boa-fé objetiva, autorizando a incidência do parágrafo único do artigo 42 do CDC.
Mas o princípio da boa-fé, não parou apenas na edição do Código Civil de 2002, em 2014 tramitou na Câmara dos Deputados e foi aprovada pelo Senado Federal, a reforma do Código de Processo Civil de 1973. Com a edição do Código de Processo Civil brasileiro, o princípio da boa-fé, vem esboçado em quatro artigos do nosso código, sendo ele do 14 ao 17, trazendo mais força e credibilidade a esse princípio tão importante para o direito brasileiro.