Modelo de polícia no Brasil e desacato: a tênue linha entre um ato de intolerância e a liberdade de expressão

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O presente trabalho visa destacar o poder de polícia no Brasil e de que forma se desenvolveu e vem se desenvolvendo, isto é, de que maneira foi-se instaurado uma categoria de controle social, com inúmeros erros e abusos na atuação e se o contexto

Introdução

A Constituição Federal de 1988 destacou no art. 1o, § 1o, que todo poder emana do povo e através de pessoas eleitas ele é exercido, além disso, todo o poder do Estado é também um poder político, bem como o poder de polícia é um poder administrativo. Poder político sendo ele legítimo, significa a capacidade de estabelecer uma ordem que já foi validada na qual não existe outra possibilidade a não ser acatar. O presente trabalho pretende enfocar no modelo de polícia no Brasil, dando ênfase ao tratamento fornecido pela Polícia Militar do Estado de São Paulo a um artista de rua, na chamada “operação delegada”.

Além disso, o trabalho destaca a importância de compreender o crime de desacato como sendo um crime cometido por particular contra funcionário público “no exercício da função ou em razão dela”, como afirma o art. 331 do Código Penal, contudo esclarecendo a diferença entre desacato e ato de resistência.

É interesse assimilar também o limite entre um ato de coação emanado através de uma ordem policial e a liberdade de expressão do cidadão. A Constituição de 1998 veio contribuir de forma contundente acerca da liberdade de expressão principalmente no sentido de afirmar o espírito democrático da nova ordem social, advinda de um período de cerceamento desses direitos. Após o período da ditadura militar, sentiu-se a necessidade de positivar tais direitos a fim de garantir que não haveria um retrocesso social. Como afirma Lorenzo (2011, p. 392), “A Carta de 1998 foi pródiga em disposição que, direta ou indiretamente, estão relacionadas ao tema. Com efeito, ela assegura a livre manifestação do pensamento e liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5o, IV e IX)”. Desta forma, será apontada a ponderação desses direitos e exemplificada através de um caso real.

1 MODELO DE POLÍCIA NO BRASIL: REGIME DA INTOLERÂNCIA?

Não há duvidas, de que o modelo policial no Brasil foi fortemente influenciado pelo Golpe Militar de 64, e essa herança ideológica, inevitavelmente, trouxe consigo uma alta carga axiológica de transgressões e abusos sofridos naquela época, e que tendem a persistir por conta das raízes antidemocráticas que se instauraram durante a o Regime Militar. Dito isso, fica evidente que o modelo opressor e retrógrado vigente há 50 anos, foi um responsável determinante para as características marcantes do modelo de polícia atualmente instaurado no Brasil.

O modelo policial no Brasil segundo Karina Rabelo Leite, se caracteriza por “uma forte centralização burocrática, pelo estabelecimento de regras para a coordenação das ações dos membros organizados, pela aplicação de técnicas pré-estabelecidas de modo a obter a diminuição das incertezas no desenvolvimento das atividades  cotidianas” (2002, p.78)

Ponto interessante a ser abordado, consiste no fato de que (pelo menos no mundo do dever-ser), o pilar fundamental que sustenta a estrutura organizacional da polícia seria a eficiência, uma vez que:

Características organizacionais são moldadas sob critérios burocráticos de eficiência, com clara divisão de trabalho e unidade de comando. A padronização da atividade policial afasta qualquer incentivo às iniciativas dos policiais, ou seja, qualquer situação excepcional na consecução das atividades deverá ser resolvida por unidades especiais e não por meio de discernimento pessoal dos policiais (2002,p24-25)

Faz-se indispensável destacar também, valiosa contribuição do doutrinador Theodomiro Dias Neto no que tange as etapas do processo decisório policial:

1) As decisões são em grande parte ilegais ou de legalidade questionável. 2) São, em sua maioria, tomadas por subordinados, na base da organização, e não por supervisores. 3) São, geralmente ignoradas pelo público afetado. 4)As políticas policiais são, em regra, baseadas em deduções superficiais, sendo raramente baseadas em estudos sistemáticos por especialistas qualificados ou em investigações, como as conduzidas por nossas melhores comissões administrativas e legislativas. 5)As decisões se dão praticamente fora do alcance dos mecanismos de revisão judicial exigidos às demais instâncias administrativas (2000,p.34-35)

Feitas as considerações sobre o modelo de polícia no Brasil, buscar-se-á fazer uma analise comportamental e estrutural deste modelo, sob a égide da intolerância, que permeia a complexidade das relações sociais, e surge como uma ameaça aquele direito em que a Constituição de 1988 fez um compromisso visceral: a liberdade de expressão.

Sabe-se que a sociedade brasileira é pluralista e multicultural, composta por uma infinidade de crenças, discursos e ideais que variam de acordo com cada cidadão. Então diante de tamanha miscigenação, faz-se necessário tutelar o direito de se expressar de acordo com suas convicções, mesmo quando as ideias exteriorizadas fogem ao padrão estabelecido pela sociedade daquilo que seria “politicamente correto”.

Partindo desse pressuposto, a Constituição brasileira de 1988 incluiu a liberdade de expressão como um direito fundamental, que está prevista no artigo 5º, inciso IX, o que evidentemente reforçou o compromisso do Estado brasileiro com a democracia, afinal, o título de “Constituição Cidadã” não foi dado a toa. Entretanto, para que a liberdade de expressão se concretize, é imprescindível que haja a renúncia do egoísmo, e resistir à tendência de rotular os ideais do próximo como inferiores, gerando assim uma prepotência ideológica.

 Evidenciando a amplitude do debate acerca da liberdade de expressão, e reforçando a necessidade de se analisar este direito também sob um prisma “não-jurídico”, o professor e mestre em Direito pela UnB, Hector Luis Vieira, ensina que:

(...) É inegável que a liberdade de expressão, tal como é concebida no ordenamento jurídico brasileiro, representa um incomensurável avanço nos preceitos democráticos. Ideias como liberdade de expressão acabam por se relacionarem intimamente com os preceitos que as fundamentam, transformando o panorama em uma análise que não pode ser unidimensional. Significa dizer que examinar a liberdade de expressão sem levar em consideração aspectos não-jurídicos é uma tarefa inócua. Elementos históricos, sociológicos, políticos devem ser levados em consideração quando do aprofundamento da discussão. O debate é amplo. Precisa ser. (2012, p. 99)

Advinda de uma ditadura, a população não sabia o que era cidadania e muito menos democracia. Mas o que incomoda, é que depois de superada a época da censura e da violação constante da liberdade de expressão, e após o fenômeno da redemocratização pela Carta Magna de 1988, ou seja, logo agora que se está desfrutando de um cenário político jurídico mais liberal, irônicamente a sociedade está mais intolerante às ideias que não lhe agradam, ou que mesmo não lhe desagradando, vão de encontro ao que a sociedade prega como certo a partir de um ideal de senso comum.

 Nitidamente indignado com a questão da intolerância, o Desembargador Federal Néviton Guedes (27/02/13) se manifesta sobre o assunto, expondo que:

No mundo todo, assiste-se a uma escalada de intolerância. Mesmo no Brasil, tradicionalmente pacato no recrudescimento ou mesmo na defesa de princípios e opiniões, somos testemunhas cotidianas de agressões — as mais inconcebíveis — dirigidas contra pessoas por fatos tão prosaicos como manifestar uma opção sexual diferente, pertencer a um outro partido político, professar uma outra religião ou crença, ou mesmo por simplesmente torcer para um clube de futebol concorrente. Isso para não falar do nefasto bullying entre adolescentes e crianças — às vezes agride-se alguém por ser alto, às vezes por ser baixo; às vezes porque a criança estuda muito, às vezes por estudar pouco; às vezes por ser gordo, às vezes por ser magro; e às vezes por não ser nem uma coisa nem outra.

No que concerne a relação entre democracia e liberdade de expressão, percebe-se uma contradição entre o ideal daquilo que deveria ser a democracia deliberativa e a democracia que condiz a realidade fática, a elitista. O doutrinador Daniel Sarmento confronta essa questão com propriedade, quando demonstra que a “democracia deliberativa enfatiza o papel do debate público para o equacionamento das divergências, partindo da premissa de que os seus partícipes, como seres racionais, devem ser capazes de rever as posições que tinham originalmente, convencidos pelos argumentos ouvidos ao longo da discussão” (2007, p. 21) e chama atenção que a democracia brasileira tende a se aproximar a um modelo democrático elitista, uma vez que essa se “caracteriza como um sistema político em que grupos diferentes da elite disputam de tempos em tempos o apoio de massas relativamente alienadas, para depois governarem sozinhos no interregno” (SARMENTO.2007, p. 21).

Necessário enfatizar, que o conservadorismo ideológico é outro fator prejudicial a democracia, uma vez que este é caracterizado pela intolerância aos novos ideais e condutas que surgem da complexidade das relações sociais bem como as novas propensões políticas, e isso, para os conservadoristas, abala a certeza e gera insegurança, fazendo com que as novas tendências venham a tornar o atual paradigma implantado, vulnerável à mudanças e consequentemente a formação de um novo paradigma.

Seguindo nesta esteira, resta cristalino que o pluralismo representa um importante fenômeno no ordenamento jurídico brasileiro, pois as características fundamentais da democracia não são a homogeneidade e semelhança, mas sim a divergência e a discordância. Entretanto, mesmo diante de tamanha multiplicidade de ideias e opiniões, todas elas devem ser amparadas pelo direito à liberdade de expressão, uma vez que mitigando esse direito para determinado grupo ou indivíduo, estar-se-ia ameaçando a tão perseguida democracia brasileira.

No que concerne o pluralismo, a autora Gisele Citaddino (2009, p. 79), esclarece que “a multiplicidade de valores culturais,visões religiosas de mundo,compromissos morais, concepções sobre a vida digna, enfim, isso que designamos por pluralismo, a configura de tal maneira que não nos resta outra alternativa senão buscar o consenso em meio da heterogeneidade”. De fato, esse consenso deve ser buscado (até porque se a população fosse cercada só de diferenças, a convivência humana seria impossível), mas ele não pode se dar por meio da imposição de determinados ideias como algo absoluto, mas sim, derivar de discursos, argumentos, críticas e respostas, onde o consenso é formado a partir de um contradiscurso tolerante, verdadeiro e inteligente.

2 ANÁLISE DOS ELEMENTOS QUE CONSTITUEM O CRIME DE DESACATO

No que concerne ao que vem a ser o crime de desacato (art. 331, Código Penal), esclarece Lélio Braga Calhau (2012) o “desacato se configura como um crime praticado contra a administração pública em geral, a fim de proteger toda espécie de funcionário público e toda a administração pública”. É um crime que pode ser praticado por qualquer pessoa, portanto, crime comum, além disso, é praticado de forma livre, sendo permitida a forma escrita, oral ou mesmo através de gestos. Crime doloso, não sendo admitida a forma culposa e para a existência do crime deve existir um nexo funcional, ou seja, deve estar a conduta interligada a função pública desempenhada pelo funcionário.

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O crime de desacato diferencia-se do crime de resistência necessariamente pelo ato de violência. No crime de resistência o sujeito ativo se opõe de forma violenta ou praticando ameaça a ordem legal dada pelo funcionário público, já no crime de desacato não há violência, mas existe uma ofensa ao exercício da função do funcionário público (MARRONI, 2011).

No que se refere a possibilidade de crítica do funcionalismo público, sobretudo, no que concerne a exposição de opiniões sobre o modo que a conduta do funcionário público está ocorrendo e no que tange a tênue linha da criminalização do desacato, vale trazer a baila que:

Da liberdade de expressão e difusão dos pensamentos, idéias e opiniões nasce consequentemente o direito à crítica política e administrativa, entendida como direito a ser exercido pelos cidadãos como função fiscalizadora da obra dos organismos de governo [...] Nesse contexto, a criminalização do desacato deve ocorrer em um ponto de equilíbrio, de forma que preserve os interesses da Administração Pública (e consequentemente da honra dos seus funcionários), mas que, ao mesmo tempo, não coíba da forma indevida e excessiva a liberdade de expressão (e o conseqüente direito fiscalizatório da crítica aos atos de Estado) dos cidadãos (CALHAU, 2004, p. 24).

“A criminalização do desacato não pode ser um cheque em branco dado ao Poder Legislativo, dando-lhe poderes quase ilimitados para se caracterizar o delito de desacato, devendo se resumir as condutas necessárias, respeitando-se o princípio do Direito Penal como ultima ratio” (CALHAU, 2004, p. 25).

Em se tratando da ótica garantista do delito de desacato, vale elencar que:

Em suma, vê-se que o tipo penal de desacato numa ótica garantista é por demais aberto, permitindo a existência de um espaço discricionário muito grande para a decisão do Poder Judiciário (e também previamente da Polícia e do Ministério Público), e violando de forma reflexa o princípio da legalidade do Direito Penal que exige certeza e clareza na sua decisão (CALHAU, 2004, p. 31).

“O bem jurídico no desacato é o normal funcionamento da Administração Pública, tutelando-se, destarte, o prestígio dos funcionários públicos perante a comunidade” [...] (PRADO apud CALHAU, 2004, p. 39). Seguindo nessa esteira, em termo de tipo subjetivo do crime, temos que:

O dolo deve abranger o conhecimento da qualidade de funcionário público, bem como de que este se encontra no exercício da função, ou que a ofensa é irrogada em razão dela. Caso o agente incida em erro, poderá responder por outro crime: injúria, difamação, calúnia, lesão corporal, etc. Prevalece na doutrina o entendimento no sentido da existência do fim especial de ofender ou desprestigiar a função exercida pelo funcionário público (CAPEZ, 2008, p. 610).

O desacato requer dolo específico, vontade de ultrajar e desprestigiar, não bastando a mera enunciação de palavras ofensivas, em desabafo ou revolta momentânea (TAGSP, Apelação 319.117, RT 576/382). Requer o elemento subjetivo da intenção de ultrajar ou desprestigiar, não se configurando se houve desabafo. (TJSP, Apelação 381.635, RT 596/361; Apelação 283/977, Julgados 71/266 e RT 561/358).

3. Possibilidade de restrição da liberdade de expressão

A Constituição de 1998 dispõe no art. 5o, IV e IV que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, bem como dispõe no inciso IX “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, nota-se que houve uma preocupação em assegurar tais direitos positivando-os na Lei Maior.

Vários são os dispositivos espalhados por toda a Constituição acerca desses direitos. Assim, tem-se que a positivação de tal direito pode ser tida também como veículo de afirmação da democracia, na qual um Estado democrático defende e respeita a liberdade de expressão de seu povo em todas as vertentes. Como marca de uma política onde todos são iguais e garante com isso, a dignidade da pessoa humana – outro direito fundamental para uma sociedade democrática.

 A liberdade de expressar o pensamento provém da liberdade de opinar e por sua vez, chamar a atenção dos interlocutores para determinada área de interesse, muitas vezes coletivo. Por tratar de uma ampla expressão de ideias, a liberdade de expressão muitas vezes, fere outros direitos fundamentais, como interesses e divergências políticas, pensamentos e opiniões que agridem ideologia e por sua vez, ajuda a criar correntes de pensamento crítico que incomodam principalmente pessoas públicas. Dessa forma, direitos individuais e coletivos podem ser diretamente afetados pelo direito de liberdade de expressão, não sendo absolutos e, portanto devem ser ponderados (LORENZO, 2012).

Porém, como afirma Lorenzo (2012, p. 401), “A liberdade de expressão não é um direito absoluto, nem ilimitado. Nenhum direito fundamental o é [...] Assim, em caso de conflito, ela poderá, eventualmente, ceder lugar em favor de outros bens e valores constitucionalmente protegidos”. Isso significa que embora importante para o Estado democrático de direito, a liberdade de expressão pode ficar em segundo plano em um determinado caso concreto. É necessário que se avaliem valores e direitos para sopesar aquele mais primordial dependendo do caso avaliado.

A censura é assim, uma forma de privar as massas de entendimento, de pensamento crítico e assim, impede que a situação de opressão se perpetue. Entretanto, alguns pontos divergentes surgem constantemente no panorama nacional e a jurisprudência se posiciona no sentido de defender antes de tudo, os interesses envolvidos em cada caso concreto.

4. Análise do conflito entre a PMESP e um artista de rua

O conflito ocorreu entre a Policia Militar do Estado de São Paulo e um artista de rua. O artista de rua gozando do seu direito de liberdade de expressão subiu em um telefone público e iniciou o seu protesto. Os policiais militares removeram o rapaz e afirmaram que se tratava de um bem público que estava sendo avariado. Contudo, os policiais agiram de forma desmedida, pois empurraram o rapaz do bem público sem ao menos solicitar que ele se retirasse do local pacificamente. O artista afirmou estar sendo desrespeitado pelos policiais e ao notar que o público ao redor lhe apoiava ele buscou acirrar a discussão e em um dado momento tornou subir no telefone público, sendo preso em seguida. Questiona-se a conduta dos policiais, além disso, a dúvida incorre em qual crime o artista será enquadrado. 

O artista recebeu uma ordem emanada dos policias de que caso subisse no telefone público novamente ele seria preso. Como uma forma de protesto, o artista fez um discurso e novamente subiu no bem público, desta forma, foi preso em seguida. Algumas pessoas ao redor que estavam apoiando o artista e estavam contra a ação dos policiais questionaram de forma veemente a infração que ele estava cometendo e várias vezes o policial respondeu que se tratava de desacato a uma ordem legal.

Sabe-se que o crime de desacato (art. 331, CP) corresponde a uma prática que consiste no emprego de palavras que causem vexame, humilhação ao funcionário público ou que o ofendam de alguma maneira, além disso, pode ocorrer o emprego de violência. Poderia se confundir com o crime de resistência, já que também pode ocorrer a lesão física, contudo, diferencia-se em decorrência da intenção. No crime de desacato a intenção é humilhar o funcionário público e no crime de resistência é resistir a execução de uma ordem legal. No caso em questão não ocorreu o crime de desacato como mencionado pelo policial, ocorreu o crime de desobediência (art. 330, CP). O artista não se utilizou em momento algum de violência contra os policias ou os ameaçou, na verdade ele em suma recusou-se cumprir a ordem legal, emanada de um funcionário competente, de não subir no bem público.

Embora o artista tenha cometido um crime, a postura e a forma de abordagem dos policiais também chama a atenção e mostra-se incorreta. Eles poderiam simplesmente abordar o artista que protestava contra a violência de forma pacifica sem empurrá-lo, ou seja, sem utilizar a violência.

No caso em questão evidenciam-se alguns direitos fundamentais que foram violados, como a liberdade de expressão, a honra e a dignidade da pessoa humana, em contrapartida verifica-se que ambos os lados estavam errados. Os policias que agiram de forma desmedida e incoerente na execução do trabalho e o artista que desobedeceu a uma ordem legal. Existe um limite entre se expressar e cometer o crime de desacato, limite esse que deve ser respeitado por ambas as partes, assim, não se pode cometer abuso de autoridade e muito menos ofender e desobedecer o funcionário público.

Considerações Finais

No cenário nacional, a liberdade de expressão só foi efetivamente ganhar seu merecido espaço, na constituição de 1988, mais precisamente no Art. 5º Inciso IX. Mas infelizmente, a liberdade de expressão ainda sofre uma “censura moral”, simbolizada pela intolerância de pessoas que não aceitam ideias diferentes das suas, simplesmente porque estas vão contra as suas convicções, o que é um problema principalmente no Brasil, que é marcado pelo multiculturalismo e consequentemente por uma infinita miscigenação de ideias e opiniões que precisam ser respeitadas para fazer valer a democracia.

 Entretanto, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, portanto, possui limites ao seu exercício, limites estes caracterizados pelo abuso de direito, quando por exemplo uma pessoa se utiliza do direito à liberdade de expressão para ofender e menosprezar o próximo, infringindo assim a esfera jurídica do ofendido.

Se mostra impreterível alertar que se deve contornar a situação da intolerância, antes que ela fique incontrolável (se é que já não está). A população deve romper com esse paradigma de que se uma ideia ou opinião é politicamente incorreta, ela não merece proteção e respeito.

Esse respeito com as opiniões contrárias as nossas, deve ser praticada por todos, até mesmo a corporação policial, que por vezes se utiliza do “abuso de direito” como pretexto para enquadrar o crime de desacato em uma mera expressão de opinião que vai de encontro aos seus ideais. Nesse sentido, é de extrema importância que façamos uma reestruturação na cultura intolerante e antidemocrática que ainda é praticada por muitos, e que, já constitui grande impasse ao estabelecimento de uma democracia plena.

                                                                  REFERÊNCIAS

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HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política. (Die Einbeziehung des Anderen – Studien zur politischen Theorie). Trad. George Sperber, Milton Camargo Mota e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 1997.

LORENZO, Rafael. As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel. SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.), Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 391-448.

LEITE, Karina Rabelo. Mudanças organizacionais na implementação do policiamento comunitário. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG(Mestrado em Sociologia), Belo Horizonte, 2002.

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Sobre os autores
Laysa Ribeiro Soares

Estudante da UNDB

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