Requisitos para concessão do benefício de prestação continuada e a questão da miserabilidade jurídica

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Breve ensaio sobre os requisitos para concessão do BPC e a aplicabilidade ou não do requisito de miserabilidade e a possibilidade de cumulação de benefícios.

Introdução

O Benefício de Prestação Continuada, BPC, aliado ao Bolsa Família, fazem parte do programa nacional de transferência de renda e combate à pobreza. Nos debruçaremos a seguir a respeito dos elementos relacionados à aplicabilidade dos requisitos miserabilidade jurídica e o conceito de pobreza para fins de concessão do benefício, além dos conceitos legais de idoso e deficiente e da possiblidade de cumulação de benefícios. Bom ressaltar também que nossas investigações alcançaram também a base legal e judicial do Benefício de Prestação Continuada, cobrindo a Constituição Federal de 1988, a LOAS, Lei Orgânica da Assistência Social e o Estatuto do Idoso. Bem como, tentamos trazer a jurisprudência necessária a dirimir certas dúvidas doutrinárias.

O Benefício Assistencial de Prestação Continuada

O Benefício de Prestação Continuada, BPC, é um programa de natureza assistencial sob o comando do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza. Faz parte de uma política nacional de transferência de renda voltada a pessoas com sessenta e cinco anos ou mais e a pessoas portadoras de deficiência inaptas para o trabalho e cujas famílias demonstrem não possuir meios de prover sua subsistência. É executado na forma de uma transferência mensal no valor de um salário mínimo a seus beneficiários de modo a permitir-lhes o acesso a uma renda mínima para seu sustento, em ode aos preceitos do princípio da dignidade humana. Preconiza a Constituição Federal de 1988:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

  Garantido pelo artigo 203 inciso V da Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Federal nº. 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social, apelidada como LOAS, e pelo Decreto Federal nº. 6.214/2007, o BPC integra a Proteção Social Básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social, SUAS, sendo considerado um benefício assistencial não-contributivo, não-vitalício, individual e intransferível.

Os artigos primeiro e segundo da LOAS justificam e defendem o Benefício de Prestação Continuada como uma obrigação do Estado no auxílio ao cidadão vulnerável no enfrentamento das contingências sociais:

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

Art. 2o  A assistência social tem por objetivos:

     a) proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

     e)  a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família;

Parágrafo único.  Para o enfrentamento da pobreza, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais. 

Requisitos para o benefício e Cumulação de benefícios

O Benefício de Prestação continuada é instrumento de combate à pobreza, de modo a prover a pessoas na linha da miséria ou logo acima dela meios de subsistência e garantias de manutenção da dignidade da pessoa humana ao permitir o acesso aos mínimos sociais. Para ser agraciado com o BPC, o requerente tem de se enquadrar nos critérios definidos em lei, quais sejam ter ao menos sessenta e cinco anos ou ser deficiente, ambos incapazes de arcar com o próprio sustento ou vê-lo provido por sua família.

Não existem aqui as chamadas condicionalidades para se fazer elegível ao benefício ou continuar a recebê-lo como existem para o Bolsa Família. Deve-se obedecer, no entanto, aos critérios de pessoalidade que se apresentam na necessidade de o requerente possuir o mínimo da idade exigida e/ou ser portador de deficiência incapacitante. O critério de miserabilidade, por sua vez, que costumava ser dotado de presunção absoluta, e apesar de ainda o ser na esfera administrativa, já vem sendo flexibilizado nos tribunais brasileiros em nome da dignidade da pessoa humana. Segundo o artigo 20, parágrafo 3º da LOAS e o artigo 9º inciso II do Decreto Federal nº. 6.214/2007, verifica-se a miserabilidade quando a renda per capita da família do requerente é menor que ¼ do salário mínimo.

Em relação à cumulação de outros benefícios com o Benefício de Prestação Continuada, essa resta proibida, com exceção dos benefícios de natureza médica e indenizatória.  Fica permitido também o recebimento de renda advinda do exercício de trabalho na qualidade de aprendiz por parte de deficiente, desde que respeitado o limite máximo de dois anos. Em respeito a LOAS, Lei nº 8.742/93:

Art. 20. § 4o  O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.

Em observância ao Decreto Federal nº. 6.214/2007:

Art. 5o  O beneficiário não pode acumular o Benefício de Prestação Continuada com qualquer outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, inclusive o seguro-desemprego, ressalvados o de assistência médica e a pensão especial de natureza indenizatória, bem como a remuneração advinda de contrato de aprendizagem no caso da pessoa com deficiência, observado o disposto no inciso VI do caput e no § 2o do art. 4o.

Parágrafo único.  A acumulação do benefício com a remuneração advinda do contrato de aprendizagem pela pessoa com deficiência está limitada ao prazo máximo de dois anos.

O “idoso”

De acordo com o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003, é idoso qualquer um a partir dos sessenta anos:

Art 1º. É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Contudo, é bom ter em mente que, para fins da legislação pertinente ao BPC, e para a consequente concessão do Benefício de Assistência Continuada só são elegíveis aqueles idosos com sessenta e cinco anos ou mais. LOAS, Lei nº 8.742/93:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. 

Decreto Federal nº. 6.214/2007:

Art. 4o  Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:

I - idoso: aquele com idade de sessenta e cinco anos ou mais;

O “deficiente”

O deficiente que vier a requerer o BPC terá de passar por todas as avaliações médicas necessárias, pelos médicos peritos do INSS, de modo a comprovar o quadro apresentado e ainda ser reavaliado a cada dois anos a fim de atestar que ainda porta as limitações condizentes com o benefício.

O deficiente deverá provar que sua deficiência importa em impedimentos de longo prazo que estorvem sua participação plena em sociedade. Assim como a sua incapacidade, no sentido de uma grave limitação para o desempenho de atividades relacionadas à inclusão social.

O Decreto Federal nº. 6.214 de 2007, normatiza tais critérios em seu artigo 4º, inciso II e III:

Art.4º. [...]

II - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas;

III - incapacidade: fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social;

A Miserabilidade

A miserabilidade, para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada, se traduz na incapacidade do deficiente ou do idoso de sessenta e cinco anos de prover seu arrimo próprio, ou ainda quando sua família também demonstra essa incapacidade para com ele. Os parâmetros para verificação da hipossuficiência econômica se traduzem no chamado critério de miserabilidade, que seria condição indispensável à concessão do BPC. Os parâmetros de tal critério se encontram expressamente revelados na legislação que regulamenta o BPC.

Fica determinada a prévia avaliação socioeconômica do requerente e de sua unidade familiar de modo que somados os rendimentos brutos de todos que compõe a dita família a renda per capita não seja superior a ¼ do salário mínimo. De acordo com a LOAS, Lei nº 8.742/93:

Art.20. [...]

§ 3o  Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

O Decreto Federal nº. 6.214/2007, consagra tal disposição:

Art. 9o  Para fazer jus ao Benefício de Prestação Continuada, a pessoa com deficiência deverá comprovar:

II - renda mensal bruta familiar do requerente, dividida pelo número de seus integrantes, inferior a um quarto do salário mínimo;

Portanto o critério de miserabilidade seria alcançado quando a renda per capita da família do requerente seja mensalmente inferior a ¼ do salário mínimo. A renda per capita, seria calculada a partir da renda bruta familiar, que seria o montante dos rendimentos brutos recebidos mensalmente pelos membros da família, composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada. A definição de família encontramos no parágrafo 1º do artigo 20 da LOAS, sendo composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

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Contudo, as decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal têm relativizado o critério de miserabilidade, esvaziando a presunção absoluta do mesmo, resumido pela regra do ¼ do salário mínimo. Subsiste a necessidade de comprovação, mas agora por qualquer meio de prova em direito admitido. Como exemplo, trazemos o voto do Ministro Gilmar Mendes, no julgamento da Reclamação n. 4.374 MC/ PE:

“Os inúmeros casos concretos que são objeto do conhecimento dos juízes e tribunais por todo o país, e chegam a este Tribunal pela via da reclamação ou do recurso extraordinário, têm demonstrado que os critérios objetivos estabelecidos pela Lei n. 8.742/93 são insuficientes para atestar que o idoso ou o deficiente não possuem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Constatada tal insuficiência, os juízes e tribunais nada mais têm feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova. Não se declara a inconstitucionalidade do art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/93, mas apenas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de penúria do cidadão.”

Conclusão

É papel do aparelho estatal, a execução de políticas que importem na redistribuição de riqueza em um país. Especialmente quando nos deparamos com uma realidade social de um país como o Brasil, entranhado com o paradoxo da desigualdade em níveis que beiram o absurdo.

 Essa redistribuição de riquezas, tradicionalmente se dá através do emprego do capital arrecadado pelo Estado e empregado em bens e serviços que atendam a sociedade como um todo, como educação, transporte e saúde de qualidade. Ante a ineficiência histórica do Estado brasileiro em oferecer tais serviços de modo abrangente e com a mínima qualidade e o desnível grotesco entre classes faz-se necessário outros mecanismos a fim de remediar a situação de milhões de famílias que vivem tão precariamente e sem acesso a boa parte dos direitos básicos cristalizados em nossa Constituição.

É quando o Governo Federal precisou recorrer a mecanismos de intervenção mais diretos como os programas de transferência de renda. O Benefício de Prestação Continuada, assim como o Bolsa Família, são programas sócio assistenciais desse tipo e têm, nesses anos que vêm sendo implementados, conseguido, com algum sucesso, alterar para melhor a vida de milhões de brasileiros.

O impacto desses programas na redução dos níveis mais abjetos e críticos de miséria e pobreza são sensíveis e assim o fazem com mínimo desperdício, corrupção ou interferência de correntes políticas. Os resultados têm sido bons, o que permitiu alavancar além da linha da pobreza milhões que pela primeira vez puderam se autodenominar classe média fazendo com que a experiência brasileira seja aplaudida mundo afora, e seu endosso se dá na multiplicação de experimentos similares em dezenas de países. Vale ressaltar, todavia, que o marketing em volta da renovada “Classe C” deve ser encarado com reservas uma vez que os parâmetros para a sua classificação como classe média foram decididos muitos arbitrariamente pelos governos de Lula e Dilma, e nem de longe espelham a realidade ou os ganhos econômicos de países ricos. Os resultados são significativos porque dramática era a situação anterior.

Dito isso, concluímos que o BPC e os demais programas de transferência de renda representam um importante instrumento para uma delicada isonomia social. Contudo, enquanto o BPC atende a um grupo foco marcado por sua vulnerabilidade, os demais programas de seu gênero não são mais que remédios para um contexto social infame pela sua desigualdade. Uma alternativa mais eficiente e duradoura é o acesso ao trabalho, educação e saúde que importem nos subsídios necessários para cada cidadão construir para si o futuro melhor que lhe cabe.

Bibliografia

ROSEMBERG, Tina. O sucesso dos programas de transferência de renda. 2011. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/tina-rosenberg-o-sucesso-dos-programas-de-transferencia-de-renda>. Acesso em outubro de 2015

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SOARES, Fabio Veras; SOARES, Sergei; MEDEIROS, Marcelo; OSÓRIO, Rafael Guerreiro. Programas de transferência de renda no Brasil: Impactos sobre as Desigualdades. Brasília: 2006. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1228.pdf>. Acesso em outubro de 2015.

Defensoria Pública do Estado de São Paulo. BCP – Benefício de Prestação Continuada “Conheça o que é e como funciona esse direito socioassistencial”. Disponível em: <http:www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/33/Documentos/BCP_leitura.pdf>. Acesso em outubro de 2015.

Notícias STF. 2013. O STF e o Estatuto do Idoso. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=249643&caixaBusca=N>. Acesso em outubro de 2015.

Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – Lei 8742/93. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm>. Acesso em outubro de 2015.

Estatuto do Idoso - Lei 10741/03. 2015. Disponível em: < http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/98301/estatuto-do-idoso-lei-10741-03>. Acesso em outubro de 2015.

DAMASCENO, Luiz Rogerio da Silva. 2014. Benefício assistencial: a redefinição do conceito de miserabilidade à luz da jurisprudência do STF. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/27385/beneficio-assistencial-a-redefinicao-do-conceito-de-miserabilidade-a-luz-da-jurisprudencia-do-stf>. Acesso em outubro de 2015.

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