Servidão no Direito Civil

29/06/2016 às 12:20
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A servidão é um direito de gozo sobre imóveis que, em virtude de lei ou vontade das partes, se impõem sobre o prédio serviente em benefício do dominante, visando proporcionar valorização deste, bem como torná-lo mais útil.

Conceito

É um direito real, voluntariamente imposto a um prédio (serviente) em favor de outro (dominante), em virtude do qual o proprietário do primeiro perde o exercício de seus direitos dominiais sobre o seu prédio, ou tolera que dele se utilize o proprietário do segundo, tornando este mais útil.

Sinteticamente, poder-se-ia definir servidões prediais como sendo os direitos  reais de gozo sobre imóveis que, em virtude de lei ou vontade das partes, se impõem sobre o prédio serviente em benefício do dominante.

Daí a necessidade dos seguintes requisitos para que a servidão predial se configure:

  1. Existência de um encargo que pode consistir numa obrigação de tolerar certo ato ou de não praticar algo por parte do possuidor do prédio serviente, porém tal ônus é imposto ao prédio e não à sua pessoa;
  2. Incidência num prédio em benefício de outro;
  3. A propriedade desses prédios deve ser de pessoas diversas;

Não se deve confundir servidões com direito de vizinhança, nem com usufruto, os quais são institutos distintos.

Finalidade

As servidões prediais têm por objetivo precípuo proporcionar uma valorização do prédio dominante, tornando-o mais útil, agradável ou cômodo. Implica, por outro lado, uma desvalorização econômica do prédio serviente, levando-se em consideração que as servidões prediais são perpétuas, acompanhando sempre os imóveis quando transferidos. Por isso, são esses direitos designados “servidões”, uma vez que a coisa onerada “serve”, ou melhor, presta uma utilidade ou vantagem real e constante ao prédio dominante.

Sendo direito real, a servidão adere à coisa, apresentando-se como um ônus que acompanha o prédio serviente em favor do dominante. Logo, a servidão serve à coisa e não ao dono, restringindo a liberdade natural da coisa (art 1.378 – CC), por isso é um direito real, ao passo que a obrigação restringe a liberdade natural da pessoa.

Princípios Fundamentais

Com base na definição de servidão predial, poder-se-á extrair seus princípios fundamentais, que decorrem não só de seus caracteres como também das normas jurídicas que a regem.

São eles:

  1. É, em regra, uma relação entre prédios, embora a contigüidade entre os prédios dominante e serviente não seja essencial, pois, apesar de não serem vizinhos, um imóvel pode ter servidão sobre outro, desde que se utilize daquele de alguma maneira.
  2. A servidão não pode recair sobre prédio do próprio titular, logo não há servidão sobre a própria coisa, isto porque a existência da servidão implica circunstância de que os imóveis (dominante e serviente) pertençam a donos diversos.
  3. A servidão serve a coisa e não ao dono, por esse razão distingue-se da obrigação, uma vez que o titular do domínio do imóvel serviente não se obriga à prestação de um fato positivo ou negativo, mas apenas assume o encargo de tolerar certas limitações de seus direitos dominiais em beneficio do prédio dominante, tendo o dever de não se opor a que este último desfrute das vantagens que lhe são outorgadas pela servidão.
  4. Não se pode de uma servidão constituir outra, logo o titular do domínio do imóvel dominante não tem o direito de ampliar a servidão a outros prédios.
  5. A servidão, uma vez constituída em benefício de um prédio, é inalienável, não podendo ser transferida total ou parcialmente, nem sequer cedida ou gravada com uma nova servidão.
  6. A servidão deve ser constituída de modo expresso pelos proprietários, ou por testamento, e registrada no Cartório de Imóveis.

Natureza Jurídica

É a servidão predial um direito real (art 1.225, III – CC) de gozo ou fruição sobre imóvel alheio, de caráter acessório, perpétuo, indivisível e inalienável.

Classificação

  • As servidões prediais se classificam:
  1. Quanto à natureza dos prédios: rústicas e urbanas. Para Clóvis são rústicas as que se referem a prédios rústicos, localizados fora do perímetro urbano (P ex: tirar água do prédio vizinho, onde há poço, fonte ou rio partícula), e são urbanas as servidões constituídas para a utilidade dos prédios edificados, situados nos limites das cidades, vilas ou povoações e respectivos subúrbios (P ex: não cria obstáculo a entrada de luz no prédio dominante).
  2. Quanto ao modo de exercício: a) Contínuas e Descontínuas – São contínuas quando subsistem independentemente de ato humano direto, embora seu exercício possa interromper-se. (P ex: servidão de passagem de água, de energia elétrica). São descontínuas quando seu exercício de funcionamento requer ação humana seqüencial (P ex: a de trânsito, tirar água do prédio alheio); b) Positivas e Negativas – Nas positivas o proprietário do prédio dominante tem direito a uma utilidade do serviente, podendo praticar neste os atos necessários a esse fim. Nas negativas o proprietário do serviente deve abster-se de certo ato ou renunciar um direito que poderia exercer no prédio se não houvesse servidão; c) Ativas e Passivas – As ativas no direito do dono do prédio dominante e as passivas no encargo do prédio serviente; d) Quanto à sua exteriorização - Aparente e Não-Aparentes. São aparentes as que se observam por obras ou sinais, que sejam visíveis e permanentes (P ex: aquedutos). As não-aparentes são as que não se revelam externamente (P ex: a de não construir acima de certa altura); e) Quanto à sua origem - É uma questão controversa, pois para posição majoritária dos doutrinadores, não existe a possibilidade da servidão legal pois fere o previsto no art 1.378 – CC, sendo neste caso a servidão uma espécie de contrato, instituído com a declaração expressa dos contratantes. Outrora para uma minoria dos doutrinadores há essa possibilidade, os quais dividem a servidão em Legal, Natural e Convencional.

Modos de Constituição

Pelo teor do art 1.378 – CC, sabe-se que a servidão não se presume, de maneira que para ter validade erga omnes precisa ser comprovada e ter título de sua constituição registrado no Cartório de Imóveis.

Os atos constitutivos que requerem tal assento são:

  1. Ato jurídico inter vivos ou causa mortis – Esse ato jurídico inter vivos deve ser oneroso porque o proprietário do prédio serviente é indenizado pela restrição que é imposta ao seu domínio. Pode ser constituída por testamento (art 1.378 – CC), caso em que o testador institui servidão sobre o prédio que deixa a algum beneficiário, que já receberá sua propriedade gravada em favor de outro prédio.
  2. Sentença Judicial – As servidões poderão ser instituídas judicialmente pela sentença que homologar a divisão, estando ela devidamente registrada.
  3. Usucapião – Pelo art 1.379 – CC admitiu-se que a servidão advenha de usucapião. Pois o referido artigo prescreve que “o exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art 1.242 – CC autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.
  4. Destinação do proprietário – Descreve Lafayette sobre o tema: “Se o senhor de dois prédios estabelece sobre um serventias visíveis em favor de outro, e posteriormente aliena um deles, ou um e outro passam por sucessão a pertencer a donos diversos, as serventias estabelecidas assumem a natureza de servidões, salvo cláusula expressa em contrário.”

Direitos e Deveres dos Proprietários dos Prédios Dominante e Serviente

Claro está que o exercício da servidão acarreta aos proprietários dos prédios dominante e serviente uma série de direitos e obrigações que, concomitantemente, limitam a utilização do direito de propriedade do dono do serviente e ampliam o uso e gozo do titular do domínio do prédio dominante. De maneira que o dono do prédio dominante tem o direito de:

  1. Usar e gozar da servidão;
  2. Realizar obras necessárias à sua conservação e uso, a fim de poder atingir os objetivos da servidão (art 1.380 – CC).
  3. Exigir a ampliação da servidão para facilitar a exploração do prédio dominante, mesmo contra a vontade do proprietário do prédio serviente, que tem contudo o direito à indenização pelo excesso (art 1.385, § 3º - CC).
  4. Renunciar à servidão (art 1.388 – CC).
  5. Remover, à sua custa, a servidão de um local a outro, desde que aumente consideravelmente sua utilidade e não prejudique o prédio serviente (art 1.384 – CC).

Entretanto, o dono do imóvel dominante tem o dever de:

  1. Pagar e fazer todas as obras para uso e conservação da servidão (art 1.381 – CC).
  2. Evitar qualquer agravo ao prédio serviente, uma vez que a servidão deve ater-se às necessidades do prédio dominante (art 1.385 – CC).
  3. Indenizar o dono do prédio serviente pelo excesso do uso da servidão em caso de necessidade da cultura ou indústria para melhorar seu aproveitamento econômico e social (art 1.385, § 3º - CC).

O proprietário do prédio serviente, por sua vez, tem o direito de:

  1. Exonerar-se de pagar as despesas com o uso e conservação da servidão, quando tiver que suportar esse encargo, desde que abandone total ou parcialmente a propriedade em favor do proprietário do prédio dominante (abandono liberatório) e se este recusar-se a receber a propriedade do serviente, ou parte dela, caber-lhe-á custear as obra (art 1.382 e parágrafo único) de conservação e uso.
  2. Remover a servidão de um local para outro, que seja mais favorável à sua utilização, sem que isso acarrete desvantagem ao exercício normal dos direitos do dono do prédio dominante (art 1.384 – CC).
  3. Impedir que o proprietário do prédio dominante efetive quaisquer mudanças na forma de utilização da servidão, pois esta deve manter sua destinação (P ex: evitar que se façam edificações em imóvel destinado a agricultura).
  4. Cancelar a servidão, pelos meios judiciais, embora haja impugnação do dono do prédio dominante, nos casos de renúncia do titular da servidão, de impossibilidade de seu exercício em razão de cessação da utilidade que determinou a constituição da servidão e de resgate da servidão (art 1.388, I a III – CC).
  5. Cancelar a servidão, mediante prova de extinção, quando houver: a) reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa; b) supressão das respectivas obras em virtude de contrato ou outro título; c) desuso por 10 anos initerruptos (art 1.389, I a III – CC).

O proprietário do prédio serviente tem a obrigação de:

  1. Permitir que o dono do prédio dominante realize as obras necessárias à conservação e utilização da servidão (art 1.380 – CC).
  2. Respeitar o exercício normal e legítimo da servidão (art 1.383 – CC).
  3. Pagar as despesas com a remoção da servidão e não prejudicar ou diminuir as vantagens do prédio dominante, que decorrem dessa mudança (art 1.384 – CC).

Proteção Jurídica

No direito brasileiro as ações que amparam as servidões são:

  1. Ação Confessória: tem por escopo reconhecer a sua existência, devendo o proprietário do prédio dominante provar a existência da servidão pelo título próprio, quando negada ou contestada pelo proprietário do prédio gravado.
  2. Ação Negatória: utilizada pelo dono do prédio serviente para provar que inexiste ônus real, ou para defender direitos contra o proprietário do imóvel dominante.
  3. Ação de Manutenção de Posse: outorgada ao dono do prédio dominante se este tiver sua posse protestada pelo dono do serviente.
  4. Ação de Nunciação de Obra Nova: utilizada para defender a servidão tigni immittendi (art 934, I – CPC).
  5. Ação de Usucapião: nos casos expressamente previstos em lei, desde que a servidão seja aparente (art 1.379 – CC).

Extinção

As formas peculiares de extinção da servidão, são:

  1. A renúncia do seu titular, que declara sua intenção de afastá-la de seu patrimônio (art 1.388, I – CC).
  2. A cessação da utilidade ou comodidade a constituição do ônus real (art 1.388 – CC).
  3. O resgate, ou seja quando o proprietário do imóvel serviente resgatar a servidão (art 1.388, III – CC), efetuando o pagamento ao dono do prédio dominante para liberar-se do ônus.

Já os modos comuns que levam à sua extinção estão arrolados no art 1.389, I, II e III do CC:

  1. A confusão, que se dá pela reunião de dois prédios no domínio da mesma pessoa.
  2. A supressão das respectivas obras (nas aparentes) por efeito de contrato ou de outro título expresso.
  3. O desuso durante 10 anos consecutivos, o que demonstra o desinteresse do titular e a inutilidade da serventia.

Além desses modos extintivos poder-se-á acrescentar:

  1. O perecimento ou desaparecimento do objeto.
  2. O decurso do prazo, se a servidão foi constituída a termo, ou o implemento da condição, se a ela estava subordinada.
  3. A desapropriação.
  4. A convenção, se a servidão é oriunda de vontade, poder-se-á cessar se houver acordo entre as partes interessadas o distrato.
  5. A preclusão do direito da servidão, em razão de atos opostos e a resolução do domínio do prédio serviente.

Esclarece o art 1.387, parágrafo único – CC, que se o prédio dominante estiver hipotecado, e se a servidão estiver mencionada no título hipotecário, será necessário, para o cancelamento daquela servidão, o consentimento expresso do credor hipotecário, para que não seja lesado com a desvalorização sofrida pelo imóvel onerado.    

BIBLIOGRAFIA:

Diniz, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro, 4º Vol: Direito das Coisas. 22. Ed. Rev e Atual. De Acordo com a Reforma do CPC – São Paulo: Saraiva, 2007.

Venosa, Silvio de Salvo. Direito Civil Vol 5, Direitos Reais, 11ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2011.

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Sobre o autor
Rodrigo Queiroz de Araújo

Especialista em Direito Previdenciário

Informações sobre o texto

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