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Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito

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05/04/2004 às 00:00
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2. Tutela de remoção do ilícito

2.1 Introdução

Se a ação inibitória se destina a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, a ação de remoção do ilícito, como o próprio nome indica, dirige-se a remover os efeitos de uma ação ilícita que já ocorreu.

Esclareça-se que a ação inibitória, quando voltada a impedir a repetição do ilícito, tem por fim evitar a ocorrência de outro ilícito. Quando a ação inibitória objetiva inibir a continuação do ilícito, a tutela tem por escopo evitar o prosseguimento de um agir ou de uma atividade ilícita. Perceba-se que a ação inibitória somente cabe quando se teme um agir ou uma atividade. Ou melhor, a ação inibitória somente pode ser utilizada quando a providência jurisdicional for capaz de inibir o agir ou o seu prosseguimento, e não quando esse já houver sido praticado, estando presentes apenas os seus efeitos.

Há diferença entre temer o prosseguimento de uma atividade ilícita e temer que os efeitos ilícitos de uma ação já praticada continuem a se propagar. Se o infrator já cometeu a ação cujos efeitos ilícitos permanecem, basta a remoção da situação de ilicitude. Nesse caso, ao contrário do que ocorre com a ação inibitória, o ilícito que se deseja atingir está no passado, e não no futuro.

A dificuldade de se compreender a ação de remoção do ilícito advém da falta de distinção entre ato ilícito e dano. Quando se associa ilícito e dano, conclui-se que toda ação processual voltada contra o ilícito é ação ressarcitória ou de reparação do dano. Acontece, como já esclarecido, que há ilícitos cujos efeitos se propagam no tempo, abrindo as portas para a produção de danos. Isso demonstra que o dano é uma conseqüência eventual do ilícito, mas que não há cabimento em ter que se esperar pelo dano para se poder invocar a prestação jurisdicional.

A prática de ato contrário ao direito, como é óbvio, já é suficiente para colocar o processo civil em funcionamento, dando-lhe a possibilidade de remover o ilícito e, assim, de tutelar adequadamente os direitos e de realizar o desejo preventivo do direito material.

2.2 Fundamentos da tutela de remoção do ilícito

Assim como a ação inibitória, a ação de remoção do ilícito é decorrência do próprio direito material, especialmente das normas que estabelecem condutas de não-fazer para proteger os direitos.

Determinadas situações, quando contrárias a certos direitos, devem ser removidas. É o caso da divulgação, através de outdoor, de propaganda que configura concorrência desleal. A divulgação dessa propaganda constitui ilícito, embora esse último possua efeitos que caminham no tempo.

Porém, a evidência da necessidade da remoção do ilícito está na necessidade de se dar efetividade às normas de direito material que, objetivando a prevenção, proíbem certas condutas. Se o direito material, para evitar dano, proíbe uma conduta, é evidente que a sua violação deve abrir ensejo para uma ação processual a ela ajustada. Ora, essa ação somente pode ser a de remoção do ilícito, uma vez que o direito material, nesse caso, somente pode ser reavivado com a remoção do ilícito.

Em outras palavras, de nada adiantaria a norma de direito material que proíbe um agir se não existisse a possibilidade de uma ação processual capaz de permitir a sua remoção. Portanto, essa ação também encontra fundamento no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, que consagra o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

2.3 Ilícito de eficácia continuada

A ação de remoção do ilícito, como já adiantado, não se dirige contra um agir continuado, mas sim contra uma ação que se exauriu enquanto agir, mas cujos efeitos ainda se propagam no tempo.

Quando o dano se identifica cronologicamente com o ilícito, basta a tutela ressarcitória. No caso em que o ilícito não produziu dano e não abre margem para a sua produção, não há sequer razão para a ação de remoção do ilícito. Apenas quando o ilícito se prolonga no tempo, deixando em aberto a possibilidade de danos, é que há interesse de agir em sua remoção. Nesse caso, fala-se em ilícito de eficácia continuada. Frise-se que, nessa hipótese, não é a ação ou o agir que são continuados, mas apenas os efeitos do ilícito que se concretizou, em termos de agir, em uma única ação.

Ora, se a ação já foi praticada, e apenas os seus efeitos se perpetuam, basta a remoção do ilícito, pois não se teme, no caso, uma ação que possa prosseguir no tempo.

2.4 A ação de remoção é voltada ao ilícito passado e ao dano futuro

Como já foi possível perceber, a ação de remoção do ilícito possui duas direções. De um lado olha para trás, mirando um ato que já ocorreu; de outro zela pelo futuro, ainda que indiretamente, impedindo que danos sejam produzidos.

Assim, em relação ao ato contrário ao direito, que é o verdadeiro alvo atacado, a ação de remoção é repressiva. A sua preventividade é indireta, ou melhor, conseqüência imediata da sua finalidade, uma vez que a remoção do ilícito impede a ocorrência de danos.

Essa espécie de ação, ao remover o ilícito, dá tutela ao direito absoluto, independentemente do dano. Porém, o seu efeito preventivo mais evidente advém de sua ligação com a regra de direito material que, visando proteger um direito, proíbe uma conduta. A ação de remoção do ilícito é imprescindível para dar efetividade à proibição, e assim realiza o próprio desejo preventivo da norma não observada.

Como essa ação se volta contra o ilícito, ela logicamente não tem como pressupostos o dano e o elemento subjetivo relativo à imputação ressarcitória [21].

2.5 Tutela de remoção do ilícito e tutela ressarcitória na forma específica

Como o ilícito não se confunde com o dano, constituindo-se em um primeiro degrau no caminho que pode gerá-lo [22], fica fácil demonstrar que a supressão do ilícito nada mais é do que a eliminação da fonte do dano.

A remoção do ilícito constitui a remoção da causa do eventual dano [23]. Ora, não há como confundir a reparação do dano com a remoção da sua causa. A remoção da causa do dano elimina a possibilidade da sua produção, ao passo que o ressarcimento tem por objetivo corrigir o estrago por ele ocasionado.

Para remover o ilícito ou a causa do dano basta restabelecer a situação que era anterior ao ilícito. Dessa maneira ocorrerá a sua supressão, secando-se a fonte capaz de gerar o dano. Porém, no caso de reparação do dano é preciso corrigir integralmente o estrago provocado pelo fato danoso.

O ressarcimento não pode se resumir ao mero restabelecimento da situação anterior à do ilícito. Ressarcir é estabelecer o que deveria existir caso o dano não houvesse ocorrido [24]. O dano deve ser sancionado com a sua integral eliminação, ou mediante a correção da totalidade do prejuízo cometido. Porém, no caso de mero ilícito, basta a sua supressão, ou melhor, a eliminação da fonte do eventual prejuízo que deve ser reparado [25].

Se há casos em que é impossível o estabelecimento de uma situação equivalente àquela que existiria caso o dano não tivesse ocorrido, certamente será possível gerar uma situação que satisfaz, em parte, à necessidade de sua reparação [26]. Assim, por exemplo, se somente é possível, no caso da poluição de um rio, o estabelecimento de uma situação parcialmente equivalente àquela que existia antes da poluição, apenas parcela do dano será ressarcida por meio da tutela ressarcitória na forma específica. A outra parcela do dano, que não poderá ficar sem sanção, terá que ser ressarcida por meio do pagamento de dinheiro [27]. No caso de corte de árvores, a determinação do plantio de pequenas árvores, evidentemente não equivalentes àquelas que existiriam caso o corte não houvesse ocorrido, configura apenas ressarcimento parcial do dano, sendo necessário, também nesse caso, para que o dano seja adequadamente sancionado, a cumulação da tutela ressarcitória na forma específica com a tutela ressarcitória pelo equivalente monetário [28].

Perceba-se que, no caso de remoção do ilícito, descabe imaginar uma tutela que, por atender apenas parcialmente a necessidade de remoção, deve ser complementada com outra sanção ressarcitória. Até porque não há como pensar em remoção do ilícito complementada por ressarcimento pelo equivalente, uma vez que remoção e ressarcimento não se misturam. No plano administrativo, a remoção pode ser cumulada com a sanção punitiva – e não ressarcitória. Por exemplo: o despejo de lixo tóxico em local proibido não só pode ser objeto de remoção do ilícito, como pode gerar a imposição de multa pecuniária (sanção punitiva).

Nessa perspectiva, fica clara a distinção entre remoção ou sanção contra o ilícito e ressarcimento ou sanção contra o dano.


3 Aspectos comuns às tutelas inibitória e de remoção do ilícito

3.1 A impossibilidade da cognição do dano como pressuposto de efetividade das ações inibitória e de remoção do ilícito

Como já foi visto, as ações inibitória e de remoção do ilícito se dirigem contra o ato contrário ao direito, e assim não têm entre seus pressupostos o dano e o elemento subjetivo (culpa ou dolo) relacionado à imputação ressarcitória.

De modo que, a não ser nos casos em que se teme um ilícito que se identifica cronologicamente com o dano, o autor não deve e não precisa invocar dano para obter a tutela inibitória. No caso de ação de remoção, existindo regra estabelecendo um ilícito, a invocação da violação da norma é suficiente para permitir a remoção do ilícito de eficácia continuada.

Os problemas das ações inibitória e de remoção, nessas hipóteses, são justamente os dos limites da defesa do réu e o da extensão da cognição judicial. Ou seja, o que se pergunta é se, quando basta evidenciar a proibição de uma conduta, há como justificar a impossibilidade do réu discutir o dano e o juiz perguntar sobre ele nessas ações.

Não temos dúvida que sim. No caso de direito absoluto, pouco importa o fato danoso, uma vez que o seu titular tem o direito de impedir qualquer ato que lhe seja contrário. O mesmo acontece em relação a normas que, embora relacionadas a direitos individuais, objetivam protegê-los através da vedação de condutas.

Mas, o que mais importa são as normas que, também por intermédio da proibição de condutas ou ações, protegem determinados direitos transindividuais (direito ao meio ambiente, direito do consumidor etc). Ora, se a norma objetiva dar tutela ao direito, impedindo certa conduta, ela foi editada justamente porque a sua prática pode trazer danos, e por isso deve ser evitada. Assim, ampliar a cognição das ações inibitória e de remoção do ilícito, viabilizando a discussão do dano, é o mesmo que negar a norma jurídica. Em outros termos: caso o réu pudesse negar a norma, afirmando que sua conduta não produziria dano, a norma não teria significação alguma. Do que adiantaria a norma proibir uma conduta, por entendê-la capaz de produzir dano, se o procedimento judicial abrisse oportunidade à discussão do que foi nela pressuposto? Pense-se, por exemplo, na norma que proíbe a venda de determinado remédio ou produto, reputados nocivos ao consumidor. Caso não existissem ações voltadas a impor a vontade da norma, sempre seria possível a comercialização de remédio ou produto afirmado nocivo pela legislação. Não existiria, nessa perspectiva, ação capaz de inibir ou remover o ilícito, pois o réu sempre poderia apresentar contestação dizendo que tal comercialização não iria trazer danos. Portanto, essas ações seriam reduzidas, no máximo, a uma ação contra a probabilidade de dano. E daí novamente apareceria a pergunta: qual a razão de ser das normas de proteção?

Frise-se que essas normas nada mais são do que frutos do dever de proteção do Estado – proteção normativa material. Isto é, tais normas são editadas a partir da premissa de que certas condutas devem ser evitadas. Porém, para o Estado efetivamente cumprir o seu dever de proteção, não é suficiente a chamada proteção normativa material, sendo necessária, também, a proteção normativa processual (regras instituidoras de técnicas processuais adequadas à proteção) e a tutela jurisdicional, entendida em sua dimensão de prestação jurisdicional de proteção.

Se o dever de proteção do Estado se espraia nesses três setores, obviamente não basta a norma de proteção. É necessário que o Estado estabeleça técnica processual idônea à sua efetivação e que o juiz preste uma forma de tutela jurisdicional que seja realmente capaz de lhe outorgar utilidade.

Aliás, ao se ligar a efetivação da norma de direito material com a necessidade de atuação do ordenamento jurídico, fica claro que a busca da realização do desejo da norma não pode se ligar apenas ao dever de proteção dos direitos fundamentais. Explique-se: a norma de direito material protetiva deve ser atuada, pouco importando o objeto da sua proteção.

Tem-se, a partir daí, a idéia de que devem existir ações processuais destinadas apenas a dar atuação ao desejo das normas, seja evitando (ação inibitória negativa) ou impondo (ação inibitória positiva) condutas, seja eliminando o ato que, embora proibido, foi praticado (ação de remoção do ilícito).

Nesse exato momento é que entra em jogo o labor da doutrina que liga o dever de proteção estatal à norma de direito material, ou que é consciente de que a atuação do ordenamento jurídico requer a atuação das normas protetivas. As ações inibitória e de remoção do ilícito constituem resultados de uma construção dogmática preocupada em dar ao processo a possibilidade de atuação das normas. Para tanto, essa elaboração dogmática não só parte de uma interpretação dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, como ainda é obrigada a pensar no procedimento como algo materialmente sumarizado, ou melhor, que elimina a possibilidade de discussão do dano, e assim deve possuir cognição parcial, a qual é plenamente legitimada pela necessidade de atuação das normas de proteção.

A restrição da cognição em relação ao dano, nessas ações, encontra justificativa na necessidade de se dar efetividade à norma. Portanto, não há nada de lesivo ao contraditório ou à igualdade em impedir a discussão do dano nas ações inibitória e de remoção do ilícito. Arbitrário e irracional seria dar a um perito a possibilidade de substituir o juízo técnico que fundamentou a atuação do legislador ao proibir, por exemplo, a comercialização de um produto.

Como é óbvio, não se quer dizer, através dessa argumentação, que o dano não possa ser discutido, ou, em outras palavras, que aquilo que foi pressuposto pela norma não possa ser questionado. O que se quer frisar é que nessas ações a cognição deve ficar restrita ao ato contrário ao direito, pois de outra forma simplesmente não haverá razão para a norma de direito material e para a existência dessas ações processuais. Ou seja, da mesma forma que na ação possessória não se discute o domínio, nas ações inibitória e de remoção do ilícito não se discute o dano. Porém, e como é evidente, esse poderá ser discutido através de ação inversa posterior.

3.2 As ações inibitória e de remoção do ilícito diante i) da inexistência de regra de proibição, ii) da observância das normas técnicas e iii) do licenciamento da administração pública

O fato de as ações inibitória e de remoção do ilícito pressuporem, em princípio, regras proibitivas de condutas, não significa que elas não possam ser utilizadas diante da inexistência dessas regras.

Lembre-se que, diante do gênero norma, existem princípios e regras. Assim, quando inexistir norma-regra definindo a proibição de determinada conduta, a norma constitucional que, por exemplo, institui o direito fundamental do consumidor ou o direito fundamental ao meio ambiente, pode evidenciar a ilicitude.

Aliás, o art. 10 do CDC afirma textualmente que "o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança". Se o fornecedor ameaça colocar produto ou serviço com essa característica no mercado, logicamente cabe a ação inibitória. Mas, em tal caso, diante da inexistência de norma específica de proibição da comercialização de determinado produto ou serviço, a cognição judicial deverá admitir a investigação do grau de nocividade ou periculosidade do produto ou do serviço à saúde ou à segurança do consumidor.

Esse grau de nocividade ou periculosidade tem relação com a característica do produto, e não com a chamada "probabilidade de dano". Quando certos produtos não podem ser postos no mercado, por serem altamente nocivos ou perigosos, parte-se do pressuposto que a sua fabricação ou exposição à venda (por exemplo) pode gerar danos. Porém, essa pressuposição falta no caso em que se pensa em probabilidade do dano, pois a sua demonstração é necessária exatamente porque não pressuposta. Assim, a probabilidade de ilicitude pode exigir o aprofundamento da cognição na direção da novidade ou periculosidade do produto. Mas isso, contudo, não significa examinar a probabilidade de dano.

Do mesmo modo, quando já está exposto à venda produto cuja comercialização não é expressamente proibido na lei, é possível investigar a sua nocividade ou periculosidade. Nesse caso, o Ministério Público pode, por exemplo, pedir sua busca e apreensão através de ação de remoção. Porém, nessa situação, embora deseje apenas a apreensão do produto, e não a imputação da sanção ressarcitória, o Ministério Público deverá demonstrar o alto grau de nocividade ou periculosidade do produto à saúde ou à segurança do consumidor. Como não é difícil perceber, a definição da periculosidade ou da nocividade não se faz para impor a sanção ressarcitória, mas sim para remover a causa do possível dano. Também não é o caso de se pensar em probabilidade do dano, pois essa é presumida pela norma em caso de alto grau de nocividade ou periculosidade.

Além disso, diante de produto que atendeu às normas técnicas de produção, também é de se admitir as ações inibitória e de remoção do ilícito. Algumas normas técnicas podem envelhecer, e assim perder correspondência com a evolução da tecnologia. Como o objetivo dessas normas é proteger o consumidor, é evidente que aquele que deve ser tutelado por elas, ou mesmo aquele que tem legitimidade para tutelar os direitos do consumidor, pode discuti-las em juízo. De modo que, ainda que um produto tenha atendido às regras técnicas, ele pode ser afirmado nocivo ou perigoso, quando então a cognição do juiz será aprofundada em relação a essa particular questão. Porém, o fato de um produto ser afirmado altamente nocivo ou perigoso, dispensa a investigação acerca da probabilidade do dano, uma vez que essa, nesse caso, é presumida. Portanto, a situação é exatamente a mesma da relativa à ausência de norma proibitiva. Quando é evidenciada a periculosidade ou a nocividade, dispensa-se a investigação em torno da probabilidade de dano.

É interessante analisar, ainda, os casos em que a administração pública licenciou uma atividade ou obra i) ao arrepio da necessidade de estudo do impacto ambiental; ii) desconsiderando, sem fundamentação, esse estudo; ou iii) baseando-se em estudo de impacto ambiental contraditório, incompleto ou fincado em omissão ou falsa descrição de informações relevantes.

Nessas hipóteses, como é óbvio, não se pode pensar que não é possível inibir a atividade ou a obra (e, nesse caso, até removê-la) apenas porque o licenciamento foi concedido. Ora, se o licenciamento pode ser questionado judicialmente em todas essas situações, não pode haver dúvida quanto à possibilidade das ações inibitória e de remoção do ilícito. Com a desconstituição do licenciamento, deve haver inibição da atividade ou da obra e, se for o caso, a obra realizada – ou parte dela – deverá ser removida. Mas, diante dessa possibilidade, é inevitável, mais uma vez, a extensão da cognição.

Mas, outra vez se perguntará se a cognição do juiz deverá se aprofundar na probabilidade do dano. Ora, ao se desconstituir o licenciamento, evidencia-se que a atividade ou a obra não tem suporte para prosseguir, e isso é o que basta para a concessão da tutela inibitória final, sendo completamente equivocado pensar em probabilidade do dano.

Frise-se que, quando basta evidenciar o alto grau de nocividade ou de periculosidade ou a ilegalidade do licenciamento para a concessão da tutela final, a probabilidade do dano não importa nem mesmo em relação à tutela antecipatória. Para a obtenção dessa última, basta demonstrar a probabilidade de alto grau de nocividade ou periculosidade ou ainda a probabilidade da ilegalidade do licenciamento.

3.3 A prova

Na ação inibitória destinada a impedir a repetição ou a continuação de um agir ilícito, a prova da probabilidade do ilícito é facilitada em virtude de já ter ocorrido um ilícito ou de a ação ilícita já ter se iniciado. Diante da prova do fato passado (fato indiciário), e tomando-se em consideração a natureza do ilícito, torna-se fácil estabelecer um raciocínio (presuntivo) que, ainda que partindo de uma prova indiciária (prova que aponta para o fato futuro), permita a formação de um juízo (presunção) de probabilidade de ocorrência de um fato futuro.

No caso em que nada ainda aconteceu, e apenas existe o temor da prática do ilícito, a prova também deve recair no que passou, embora esses fatos não constituam atos de igual natureza ao que se deseja evitar, ou ainda não configurem o início da ação ilícita que se objetiva impedir a continuação. Nessa modalidade de ação inibitória somente é possível demonstrar fato de natureza diversa do temido, muito embora tal fato deva ser um indício capaz de formar um juízo favorável ao autor. Assim, por exemplo, temendo-se a divulgação de notícia lesiva à personalidade, constituirá relevante indício, capaz de formar um juízo de procedência, a divulgação de anúncio, por parte de determinada rede de televisão, de que será divulgada a notícia. Tal prova indiciária é relevante meio para demonstrar que provavelmente a notícia será divulgada [29].

Perceba-se que na ação inibitória é necessário demonstrar a probabilidade do ilícito, mas na ação de remoção do ilícito basta evidenciar a sua ocorrência. De modo que, na ação de remoção do ilícito, não é preciso provar um fato passado para indicar a probabilidade de um fato futuro, sendo suficiente provar um fato passado.

De qualquer maneira, apontando-se para a probabilidade ou para a ocorrência do ato ilícito, não basta demonstrar um ato qualquer, sendo necessário provar um ato ilícito que poderá ocorrer ou já aconteceu. Esse qualificativo do ato, ou seja, sua ilicitude, exige o confronto entre a descrição do ato temido e o direito, constituindo uma "questão de direito".

É possível que o réu não negue que praticou ou praticará o ato, mas apenas que esse não tem ou terá a natureza ou a extensão daquele vedado pela norma. Nesse caso, tratando-se de ação inibitória, a prova [30] não precisará demonstrar um fato indiciário que indique a probabilidade da ocorrência de outro, mas apenas que o ato que se pretende praticar é contrário ao direito. Na hipótese de ação de remoção, bastará a demonstração de que o ato praticado está em desacordo com o direito.

O que importa frisar, porém, é que bastará ao autor, em qualquer desses casos, fixar-se no ilícito e não no dano.

3.4 A tutela antecipatória

As ações inibitória e de remoção do ilícito, diante de sua natureza, não podem dispensar a tutela antecipatória. A técnica antecipatória é imprescindível para a estruturação de um procedimento efetivamente capaz de prestar as tutelas inibitória e de remoção do ilícito. Se a natureza dessas tutelas exige tal técnica, não é difícil visualizar, na legislação processual, o local de sua inserção. Ora, tanto o art. 461 do CPC, quanto o art. 84 do CDC, permitem "ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu", na "ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer".

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A tutela antecipatória não requer, nesses casos, a probabilidade de dano irreparável ou de difícil reparação. A idéia de subordinar a tutela antecipatória ao dano provável está relacionada a uma visão das tutelas que desconsidera a necessidade de tutela dirigida unicamente contra o ilícito. Se há necessidade de tutela destinada a evitar ou a remover o ilícito, independentemente do dano que eventualmente possa por ele ser gerado, a tutela antecipatória, seja de inibição ou de remoção, também não deve se preocupar com o dano. No caso de inibição, basta a probabilidade de que venha a ser praticado ato ilícito, enquanto que, na remoção, é suficiente a probabilidade de que tenha sido praticado ato ilícito. Porém, tratando-se de ação inibitória nada impede que o autor invoque a probabilidade do dano nos casos em que há identidade cronológica entre o ilícito e o dano, até porque esse último, apesar de não ser sintoma necessário, constitui sintoma concreto do ilícito.

Contudo, além da probabilidade de que tenha sido praticado (remoção) ou venha a ser praticado (inibição) um ilícito, exige-se o que as normas dos arts. 461, §3º, CPC e 84, §3º, CDC, denominam "justificado receio de ineficácia do provimento final". Esse "justificado receio de ineficácia do provimento final" quer indicar, diante da ação inibitória, "justificado receio" de que o ilícito seja praticado antes da efetivação da tutela final. No caso de remoção, o periculum in mora é inerente à própria probabilidade de o ilícito ter sido praticado. Ou melhor: como a tutela final, na ação de remoção, objetiva eliminar o próprio ilícito ou a causa do dano, não há como supor que a tutela antecipada de remoção exija, além da probabilidade da prática do ilícito (fumus), a probabilidade da prática do dano (que seria o perigo nas ações tradicionais). Isso por uma razão óbvia: a simples prática do ilícito abre oportunidade à tutela final, sem que seja preciso pensar em dano, que já é pressuposto pela regra de proteção e, assim, descartado para a efetividade da tutela jurisdicional, seja final ou antecipada. Perceba-se que, quando se demonstra que provavelmente foi praticado um ilícito, evidencia-se, por conseqüência lógica, que provavelmente poderá ocorrer um dano.

Por outro lado, diante dos termos do art. 273, § 2º, do CPC, que afirma que "não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado", discute-se se a tutela antecipatória pode ser concedida diante do risco de causar prejuízo irreversível ao demandado. Entretanto, por uma simples questão de lógica, não há como deixar de conceder tutela antecipatória a um direito provável sob o argumento de que há risco de dano irreparável ao direito do réu. Isso porque essa modalidade de tutela antecipatória já parte do pressuposto de que um direito provável pode ser lesado. Portanto, não admitir a tutela antecipatória, com base no referido argumento, é o mesmo que deixar de dar tutela ao direito provável para não colocar em risco o direito improvável [31].

Para a concessão da tutela antecipatória, nesses casos, requer-se que a atuação do juiz, na proteção do direito do autor, seja justificável diante do risco de dano imposto ao réu. Não se trata de verificar qual é o "dano maior", como se estivéssemos frente a uma operação aritmética, mas sim de analisar se é justificável, em face dos valores dos direitos em conflito e das circunstâncias do caso concreto, a proteção do direito do autor mediante a imposição de um risco de dano irreversível ao réu. No caso em que a concessão da tutela antecipada causa risco de dano irreversível ao réu, exige-se a ponderação dos direitos em conflito de acordo com as circunstâncias do caso concreto para concluir-se se é justificável a atuação do juiz mediante a imediata proteção do direito do autor.

Frise-se que a probabilidade da ilicitude pode ser suficiente para a admissão da tutela antecipatória, ainda quando ela possa colocar em risco o direito do réu. Basta pensar, por exemplo, no caso em que se requer tutela antecipatória para impedir a construção de uma indústria em lugar proibido pela legislação ambiental. Nessa hipótese a tutela antecipada inibitória requer apenas a probabilidade da prática do ilícito. A prevenção do dano, no caso, já é feita pela própria legislação, ao determinar que no local não é possível a instalação da indústria. A tutela antecipatória não se liga, em situações como essa, à probabilidade do dano, mas sim à probabilidade do ilícito. Note-se, aliás, que se a tutela inibitória tivesse uma relação necessária com o dano ambiental, o réu poderia defender-se alegando que a simples construção da indústria não acarreta dano ao meio ambiente e que, portanto, não há fundado receio de dano irreparável capaz de autorizar a tutela inibitória antecipada. Não é incomum, de fato, na prática da ação civil pública, contestações que afirmam que não há perigo de dano (e, portanto, fundamento para a tutela antecipatória) porque ainda não foi deferida a Licença de Operação, que é requisito indispensável para a indústria passar a operar. É certo que se impedindo o ilícito evita-se um provável e futuro dano. Entretanto, para se dar efetividade ao direito, é fundamental impedir a sua violação, pouco importando se o dano não é iminente. Em hipóteses como essa, estando o ilícito caracterizado como provável e iminente, cabe a tutela antecipatória ainda que um prejuízo possa ser imposto ao réu [32].

Por último, é importante verificar a distinção entre prova e juízo, bem como analisar o objeto da prova em face da tutela antecipatória, conforme a ação seja inibitória, de remoção do ilícito ou ressarcitória. O art. 273 do CPC, ao tratar da "tutela antecipatória", diz que o juiz poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela, desde que, "existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação".

Como um dos principais responsáveis pelo gasto de tempo no processo é a produção da prova, muitas vezes admite-se a antecipação da tutela antes que todas elas tenham sido produzidas. Afirma-se, então, que a tutela é concedida com a postecipação da produção da prova ou com a postecipação do contraditório. Nesses casos, "prova inequívoca" significa prova formalmente perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a imediatidade em que a tutela deve ser concedida (para que o direito não seja frustrado) [33].

No caso em que o procedimento deve prosseguir para que outras provas sejam produzidas, o juízo formado, no seu curso, deve ser denominado de "juízo provisório", muito embora seja designado, pelo referido art. 273, de "juízo de verossimilhança". Afirmar que a prova deve formar um "juízo de verossimilhança", porém, é dizer o óbvio. Isso porque toda prova, esteja finalizado ou não o procedimento, apenas pode permitir a formação de um "juízo de verossimilhança", uma vez que a verdade é algo absolutamente inatingível [34]. Ao que parece, o legislador, ao aludir a "juízo de verossimilhança", pretendeu expressar a idéia de juízo não formado com base na plenitude de provas e argumentos das partes, e assim não deveria ter se valido da expressão "juízo de verossimilhança", mas sim da de "juízo-provisório" [35].

Por outro lado, é importante salientar a diferença entre o objeto da prova em face da tutela inibitória antecipada, da tutela de remoção do ilícito antecipada e da tutela ressarcitória antecipada. Tratando-se de tutela inibitória antecipada, o juízo provisório deve recair sobre fato que indique que o fato temido poderá ocorrer antes da efetivação da tutela final e, evidentemente, sobre a afirmada ilicitude desse último. No caso de tutela de remoção do ilícito antecipada, ao contrário, o juízo provisório, além de considerar a ilicitude, deve se centrar sobre um fato já ocorrido, e não sobre um fato futuro. Como já foi dito, o periculum in mora, nesse caso, é decorrência automática da probabilidade da ocorrência do ilícito e, nesse sentido, deve ser extraído da própria probabilidade de violação.

Na hipótese de tutela antecipada em ação ressarcitória, o juízo provisório deve estar centrado sobre o dano já ocorrido (fumus boni iuris) e na necessidade de a tutela ser prestada antecipadamente para que não ocorra a sua potencialização ou para que não venha a ocorrer outro dano (periculum in mora), diverso daquele que se deseja reparar através da tutela final. É o caso, por exemplo, da tutela antecipada de soma em dinheiro requerida em ação ressarcitória sob o argumento de que há necessidade imediata dessa tutela para que sejam supridas necessidades primárias. Nessa situação, importa, além da probabilidade do dano e da responsabilidade do réu, o fundado receio de que, se o ressarcimento não ocorrer – ao menos em parte - na forma antecipada, outro dano possa acontecer [36]. O mesmo se pode dizer em relação à necessidade de imediata higienização de um rio (tutela ressarcitória na forma específica) para que outros danos não sejam produzidos ou também para que o próprio dano não se potencialize.

3.5 A ação individual e a ação coletiva (arts. 461 do CPC e 84 do CDC)

Após tudo isso, é necessário atentar para duas normas processuais que dão ao juiz instrumentos hábeis para a prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito. Trata-se dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Tais artigos têm redação praticamente idêntica. Lembre-se que ambos fazem menção à tutela das obrigações de fazer e de não-fazer.

Porém, a identidade entre tais normas é apenas aparente, pois suas funções são distintas. O art. 84 do CDC foi instituído para servir às relações de consumo e à tutela de quaisquer direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. É certo que, em uma análise mais rápida, alguém poderia supor que essa norma, por estar inserida no CDC, apenas poderia tratar dos direitos do consumidor. Acontece que, para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, há um sistema processual próprio, composto pela Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e pelo Título III do CDC. Como diz o art. 90 do CDC, às ações fundadas no CDC se aplicam as normas da Lei da Ação Civil Pública. Por outro lado, complementa o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública que as disposições processuais que estão no CDC são aplicáveis à tutela dos direitos que nela estão previstos [37].

Essa interligação entre a Lei da Ação Civil Pública e o CDC faz surgir, como já dito, um sistema processual para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Como o art. 84 está inserido no Título III do CDC, e assim dentro desse sistema processual, ele se aplica à tutela de quaisquer direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Nesse sentido, o art. 84 do CDC é a base processual para as ações coletivas inibitória e de remoção do ilícito [38].

Ainda que o art. 84 do CDC também tenha sido pensado para dar tutela aos direitos individuais do consumidor, o posterior surgimento do art. 461 do CPC, por ser capaz de dar tutela a qualquer espécie de direito individual, tornou desnecessária a invocação do art. 84 do CDC para a tutela dos direitos individuais do consumidor. Ou se a lembrança dessa norma ainda pode ser feita quando em jogo direitos individuais do consumidor, isso se deve à necessidade de relacionar as normas de direito material de proteção do consumidor com uma norma de caráter processual para ele especificamente criada.

De qualquer forma, se há no sistema de proteção aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos uma norma (art. 84 do CDC) que serve para a prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito (entre outras tutelas), essa deve ser apontada como a base da ação coletiva, deixando-se o art. 461 do CPC como sustentáculo para as ações individuais.

Tanto o art. 84 do CDC, quanto o art. 461 do CPC, abrem oportunidade para o juiz ordenar sob pena de multa ou decretar medida de execução direta (por exemplo, a busca e apreensão), no curso do procedimento ou na sentença. Portanto, ainda que a tutela inibitória não tenha que se ligar necessariamente à ordem sob pena de multa, e a tutela de remoção do ilícito possa não se contentar apenas com medidas de execução direta, uma vez que ambas podem, consideradas as peculiaridades da situação concreta, exigir um ou outro desses mecanismos executivos, o certo é que tais normas possuem instrumentos adequados à prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito aos direitos coletivos (lato sensu) e individuais. Assim, por exemplo, no caso de concorrência desleal, deverá ser invocado o art. 461 do CPC, mas na hipótese de direito ao meio ambiente o art. 84 do CDC.

3.6 O direito à tutela jurisdicional efetiva e o poder do juiz

O legislador tem o dever de instituir procedimentos judiciais capazes de permitir a efetiva tutela dos direitos, bem como a adequada participação dos cidadãos na reivindicação e na proteção dos direitos.

Acontece que o legislador não pode prever, a priori, as técnicas processuais ideais para os casos conflitivos, até porque as necessidades do direito material e da vida das pessoas variam conforme as peculiaridades das diversas situações.

Por essa razão, o legislador, ao editar as regras processuais, resolveu deixar de lado a rigidez das formas ou a idéia de traçar técnicas processuais abstratas. A solução foi estabelecer regras que conferissem maior poder ao juiz, dando-lhe a oportunidade de conformar o processo segundo as peculiaridades dos casos concretos.

Exemplo disso se encontra nos artigos 84 do CDC e 461 do CPC. Como se sabe, tais artigos, voltando-se para a possibilidade de imposição de um fazer ou de um não-fazer, permitem que o juiz conceda a tutela específica ou determine providências que assegurem resultado prático equivalente (caput). Além disso, dá-se ao juiz o poder de, segundo as circunstâncias do caso concreto, ordenar sob pena de multa (§§ 4º) ou decretar medida de execução direta (que estão somente exemplificadas nos §§ 5º), tanto no curso do processo (§§ 3º) quanto na sentença (§§ 4º). Além disso, o juiz pode, na fase de execução, aumentar ou diminuir o valor da multa, ou ainda alterar a modalidade executiva prevista na sentença.

Isso tudo é reflexo do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, que se dirige não apenas contra o legislador, obrigando-o a edição do procedimento judicial adequado, mas também contra o juiz, que deve prestar a efetiva tutela ao direito material e ao caso concreto. No caso da outorga de uma maior esfera de poder ao juiz para a utilização da técnica processual adequada à situação conflitiva concreta, o juiz tem o dever de buscar a efetividade da tutela jurisdicional à luz da regra da proporcionalidade.

O aumento do poder do juiz, necessário para a adequação do procedimento às variadas situações conflitivas, retira do jurisdicionado a prévia ciência dos limites do processo jurisdicional, e assim exige um controle do exercício do poder judicial no caso concreto. Esse controle exige a observância da regra da proporcionalidade e, requer, especialmente, justificação capaz de convencer que a técnica processual foi utilizada de maneira justa e racional.

3.7 As sentenças (técnicas) mandamental e executiva

Na sentença mandamental, o juiz atua sobre a vontade do demandado, ordenando sob pena de multa ou sob pena de prisão. Ou seja, a peculiaridade da sentença (técnica) mandamental está na coerção indireta, vale dizer, na força que visa convencer o demandado a observar o conteúdo da sentença.

Embora a ordem mediante coerção indireta seja absolutamente necessária à efetividade da decisão ou da sentença que depende do cumprimento de um não-fazer ou de um fazer infungível - uma vez que nesses casos não há outra alternativa a não ser "tentar dobrar a vontade do réu" -, admite-se o seu uso também em relação às situações em que o direito, para ser efetivado, não exige o convencimento do demandado (obrigações fungíveis).

De modo que não há relação entre sentença mandamental e infungibilidade, pois essa sentença também pode atuar no local em que, em tese, a execução forçada (execução direta) pode trazer resultados. O uso da multa (execução indireta) pode ser preferido em relação às medidas de execução direta nos casos em que é mais efetivo atuar mediante coerção indireta patrimonial, especialmente porque a sua utilização elimina o gasto e a demora inerentes à execução forçada.

Com o surgimento da necessidade de uma tutela jurisdicional de remoção do ilícito, tornou-se evidente que a remoção do ilícito não deveria depender da condenação do réu. Só há sentido em condenar nos casos em que se deseja algo que esteja legitimamente no patrimônio do réu. Fora daí, declarando-se, por exemplo, que a coisa está ilegitimamente na posse do réu, ou que esse praticou um ato ilícito, basta a sentença executiva, que nada mais é do que a declaração atrelada a uma medida de execução direta (como a busca e apreensão). Não tem o menor sentido condenar alguém a remover algo que é contrário ao direito, uma vez que, nesse caso, a sentença que declara a ilicitude autoriza a remoção, independentemente da necessidade de qualquer prestação do réu.

A sentença executiva tem "força executiva", ao passo que a sentença condenatória apenas abre oportunidade para o uso dessa "força do Estado", a qual somente pode entrar em ação após o seu inadimplemento. É verdade que os arts. 461 e 461-A do CPC generalizaram a unificação do processo de conhecimento e do processo de execução em relação às imposições de fazer, de não-fazer e de entrega de coisa, restando a sentença condenatória apenas ao pagamento de soma em dinheiro. Também é certo que podem existir sentenças que, ainda que independentes da ação de execução, devem exigir prestações do réu – pois dependentes de algo que, mesmo após a sentença, ainda está na sua esfera jurídica. Porém, mesmo essas sentenças, ao dispensarem a ação de execução, não possuem apenas o simples significado de que a execução, a partir de agora, pode ser realizada no próprio processo de conhecimento.

No que diz respeito ao que aqui interessa, ou seja, às medidas de execução direta dos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, a quebra da dualidade conhecimento-execução também implica na ruptura do princípio da tipicidade das formas executivas. Em outras palavras, antes desses artigos a sentença de condenação deveria ser implementada através da ação de execução de obrigação de fazer, segundo os seus estritos termos e em conformidade com os meios executivos para ela previstos. Assim, não há como negar que a unificação do conhecimento com a execução, posta nos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, teve a intenção de dar ao juiz maior mobilidade para a adequação da medida executiva ao caso concreto.

Quando a tutela inibitória objetiva evitar um fazer, o ideal é o uso da multa como medida destinada a convencer o demandado a não praticar o ato temido. Entretanto, não se descarta a possibilidade de utilização de medida de execução direta para impedir a prática de ilícito. Pense-se na nomeação de administrador para atuar no seio de uma pessoa jurídica com o objetivo de impedir a violação de direito.

No caso em que se teme a repetição de uma omissão, a multa, em princípio, também é mais eficaz do que a execução direta. De qualquer maneira, diante da situação concreta, o juiz poderá optar por uma medida de execução direta para garantir o fazer, e assim impedir o ilícito omissivo.

Quando um dever de fazer decorre de uma imposição para a prevenção, esse, mesmo depois de violado, deve ser objeto de tutela jurisdicional para que o desejo da norma seja efetivamente atuado pelo Estado. Ainda que tal dever constitua uma "obrigação fungível", e portanto passível de execução direta, não há motivo para se priorizar essa forma de execução em detrimento da multa. É o caso concreto, novamente, que vai determinar a melhor opção.

No caso de remoção do ilícito, em princípio basta a execução direta, como, por exemplo, a busca e apreensão. Mas, a multa poderá ser utilizada quando a remoção do ilícito depender de algo que seja de conhecimento do demandado ou apenas possa ser feito por ele, ou ainda, excepcionalmente, quando, diante do caso concreto, mostrar-se mais eficaz que a execução direta.

O que não é possível esquecer, diante de todas essas hipóteses, é a justificativa da escolha da medida executiva, pois é essa que permitirá o controle do poder do juiz.

3.8 A prisão como meio de coerção indireta

Resta analisar, ainda, a questão da possibilidade de se ordenar sob pena de prisão a partir dos artigos 461, §5º, do CPC e 84, §5º, do CDC. Nessa linha, é necessário considerar o art. 5º, LXVII da Constituição Federal, que assim estabelece: "não haverá prisão por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".

A interpretação dessa norma deve considerar os direitos fundamentais. Assim, se é necessário vedar a prisão do devedor que não possui patrimônio – e assim considerar um direito fundamental -, também é absolutamente indispensável permitir o seu uso, em certos casos, para a efetividade da tutela dos direitos.

A interpretação que simplesmente nega o uso da prisão como meio coercitivo desconsidera os métodos hermenêuticos modernos [39], os quais são absolutamente necessários quando o que se tem a interpretar é um contexto de grande riqueza e complexidade. Com efeito, não sendo o caso de apenas considerar o texto da norma, como se ela estivesse isolada do contexto, é necessário recorrer ao método hermenêutico-concretizador [40]. Ou seja, deparando-se com a norma do art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, deve o intérprete estabelecer, como é óbvio, a dúvida que a sua interpretação suscita, qual seja: se ela veda o uso da prisão como meio de coerção indireta ou apenas a prisão por dívida em sentido estrito. A partir daí, verificando-se que a norma aponta para dois direitos fundamentais, isto é, para o direito à efetividade da tutela jurisdicional e para o direito de liberdade, deve ser investigado o que significa dar aplicação a cada um deles. Concluindo-se, a partir da análise da própria razão de ser desses princípios, que a sua aplicação deve ser conciliada ou harmonizada, não há como deixar de interpretar a norma no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da disposição de patrimônio, mas permitida para a jurisdição poder evitar – quando a multa e as medidas de execução direta não se mostrarem adequadas – a violação de um direito. Note-se que essa interpretação, além de considerar o contexto, e por essa razão ser muito mais abrangente do que a "clássica", dá ênfase aos direitos fundamentais, realizando a sua necessária harmonização para que a sociedade possa ver a sua concretização nos locais em que a sua própria razão recomenda. De outra maneira, os próprios direitos ficarão desprovidos de tutela, e assim o ordenamento, exatamente na parte que consagra direitos invioláveis, assumirá uma configuração meramente retórica, e nesse sentido sequer merecerá a designação de "jurídico" [41].

Considerando a tutela inibitória que impõe um não-fazer, a tutela inibitória que impõe um fazer e a tutela de remoção de ilícito, é fácil concluir que a prisão poderá ser utilizada para impor um não-fazer ou mesmo para impor um fazer infungível que não implique em disposição de dinheiro e seja imprescindível à efetiva proteção de um direito. Nesses casos, ao mesmo tempo em que prisão não estará sendo usada para constranger o demandado a dispor de patrimônio, ela estará viabilizando – no caso em que a multa e a medida de execução direta não se mostrarem adequadas – a efetiva prevenção do direito, ou melhor, a tutela jurisdicional específica por excelência, única a permitir a tutela dos direitos que não se conciliam com o ressarcimento.

A prisão, depois de descumprida a ordem judicial, somente conserva caráter coercitivo no caso em que ainda se espera um fazer infungível, pois no caso em que a ameaça de prisão objetiva um não-fazer, a efetivação da prisão evidentemente não pode ter função coercitiva. Contudo, a violação da ordem diz respeito ao juiz civil e, assim, deve ficar dentro da sua esfera de poder. Isso porque a prisão, no caso, não tem a finalidade de castigar o réu, mas sobretudo o objetivo de preservar a seriedade da função jurisdicional.

Na verdade, a partir do momento em que se concebe o uso da prisão como meio coercitivo em relação a ordem de não-fazer, não há como excluir da jurisdição civil o poder de aplicá-la, sob pena dela simplesmente deixar de existir como meio destinado a dar efetividade à decisão do juiz civil. O problema, assim, não é o de saber se a aplicação da prisão, no caso de descumprimento de ordem de não-fazer, e da competência do juiz civil, mas sim o de admitir que esse juiz tem a necessidade e a possibilidade – diante dos direitos fundamentais – de determinar a prisão como meio de convencer a parte ao cumprimento da sua decisão.

Lembre-se que o juiz civil somente pode ordenar sob pena de prisão nos casos em que outra modalidade executiva não se mostrar adequada e o cumprimento da ordem não exigir a disponibilização de patrimônio. Assim, deve haver, de um lado, a evidência de que não existe nenhuma modalidade executiva capaz de dar efetividade à tutela jurisdicional, e, de outro, a constatação de que o uso da prisão não permitirá a restrição da liberdade de quem não observou a ordem apenas por não possuir patrimônio. Ou melhor, nesse caso a prisão estará garantindo a efetividade ao direito à tutela jurisdicional sem violar o direito daquele que, por não possuir patrimônio, não pode ser obrigado a cumprir a ordem judicial, nem muito menos punido por não tê-la observado.

Nessas hipóteses, a própria decisão que ordena o não-fazer deve fixar o prazo da prisão, considerando as circunstâncias do caso concreto. Não é preciso dizer que o enfrentamento do meio executivo adequado não é a parte mais agradável (ou simpática) da dogmática processual, mas não se pode esquecer que a sua análise é imprescindível à efetividade da tutela dos direitos. Pensar na prisão como meio de coerção civil não implica em ter uma visão autoritária da justiça civil, mas sim em ter consciência de que o seu uso não pode ser descartado para se dar efetividade aos direitos. Em um país em que a multa freqüentemente pode não atingir peso coercitivo, a ameaça de prisão é imprescindível para evitar, por exemplo, a violação dos direitos da personalidade ou do direito ambiental. A não admissão do seu uso, em razão de um preconceito que não olha para o contexto social do país e para os direitos não-patrimoniais, pode abrir as portas até mesmo para que sejam instituídos "testas de ferro", sem patrimônio, com a única missão de violar os direitos.

3.9 A quebra da regra da adstrição do juiz ao pedido

Uma das grandes inovações dos art. 84 do CDC e 461 do CPC está na possibilidade de o juiz poder se desvincular do pedido, podendo conceder a tutela solicitada ou um resultado prático equivalente, e, ainda, aplicar a medida executiva que lhe parecer necessária e idônea para a prestação efetiva da tutela jurisdicional.

Tal possibilidade vem expressa nos referidos artigos, e decorre da tomada de consciência de que a efetiva tutela dos direitos depende da elasticidade do poder do juiz. É apenas por esse motivo que tais normas ampliaram o poder do juiz, eliminando a necessidade da sua adstrição ao pedido.

Assim, no caso de ação inibitória destinada a impedir a prática ou a repetição do ilícito (comissivo ou omissivo), ou mesmo a continuação de um agir ilícito, o juiz tem o poder de conceder o que foi pedido pelo autor, ou algo que, vindo em sua substituição, seja efetivo e proporcional, considerando-se os direitos do autor e do réu (ver a seguir, item 3.11).

Por outro lado, o juiz pode determinar medida executiva diversa da requerida, seja a ação inibitória ou de remoção do ilícito. O seu poder, nesse caso, novamente deverá atender à regra da proporcionalidade (ver a seguir, item 3.11).

No caso em que, quando da propositura da ação, temia-se um ilícito, e esse veio a ser praticado no curso do processo, constituindo-se em ilícito de eficácia continuada, o juiz poderá conceder a tutela de remoção do ilícito no lugar da tutela inibitória. Mas, para tanto, diante da ocorrência do ilícito, o autor deve alterar o seu pedido inicial por pedido de remoção, dando-se obviamente ao réu a oportunidade de se opor ao novo pedido e à ocorrência do fato que lhe dá sustentação. Como exemplo, pode ser lembrada a hipótese em que foi proposta ação inibitória para evitar a venda de certo produto, e esse passou a ser exposto à compra do consumidor no curso do processo. Nesse caso, embora não tenha sido possível evitar o ilícito, será possível removê-lo, impedindo-se, conseqüentemente, os eventuais danos.

Porém, o que importa é perceber que esse incremento do poder do juiz deriva da necessidade de efetividade na prestação da tutela contra o ilícito.

3.10 A possibilidade de o juiz, na fase de execução, alterar de ofício a medida executiva

Nessa linha de argumentação, não é difícil perceber a razão de se dar ao juiz a possibilidade de aumentar ou diminuir o valor da multa na fase de execução. O art. 461, §6º do CPC é expresso nesse sentido. Se é inegável a possibilidade de se alterar o valor da multa, isso se deve ao fato de que a multa é uma modalidade executiva e, assim, deve ser proporcional à finalidade a que se destina. Na verdade, o juiz pode alterar qualquer modalidade executiva, e não só a multa, podendo até mesmo substituir a multa por uma medida de execução direta.

Como se vê, partindo-se da idéia de que o importante é o que deve ser realizado, e não a forma por meio da qual isso vai ocorrer, admite-se a alteração da forma executiva ainda que após o trânsito em julgado.

3.11 Critérios para o controle do poder executivo do juiz

Como já foi explicado, o princípio da tipicidade e a regra da congruência possuem íntima relação com a idéia de se garantir a liberdade dos litigantes.

Quando se percebeu que, para bem tratar das novas situações de direito substancial, era necessário dar maior mobilidade ao juiz, até porque o Judiciário não mais merecia ser visto com olhar suspeito - da mesma forma que o Estado não pode mais ser pensado como um "inimigo público" -, ampliou-se o poder do juiz para a efetiva prestação da tutela jurisdicional.

Com isso, o poder do juiz deixou de ser controlado, ou melhor, limitado pela lei. Porém, não é porque isso se mostrou necessário, que o poder do juiz poderá restar sem controle. A diferença é que, agora, tal controle não é mais feito pela lei, em abstrato, mas sim diante do caso concreto, por meio da regra hermenêutica da proporcionalidade.

Essa regra se desdobra em três sub-regras, que são a regra da adequação, a regra da necessidade (menor restrição possível) e a regra da proporcionalidade em sentido estrito. Porém, aqui se faz necessário diferençar a ação material destinada a tutelar o bem e o meio executivo que objetiva implementá-la.

Quando se pensa nos limites da ação material (limites do fazer e do não-fazer) capaz de tutelar o direito do autor, deve-se pensar em termos de adequação, necessidade (meio mais idôneo e menor restrição possível) e proporcionalidade em sentido estrito. Em termos de adequação, quer-se dizer que o não-fazer ou o fazer devem ser aptos a proporcionar a tutela do direito. Aqui ainda não se raciocina em termos de necessidade da ação escolhida, mas sim sobre sua adequação, isto é, sobre sua capacidade de atingir o fim almejado. Passando-se para a questão da necessidade, a pergunta que deve ser esclarecida é se tal ação (em termos de limites) é necessária, ou melhor, se pode ser substituída por outra que, com a mesma efetividade, cause uma menor restrição à esfera jurídica do réu. Como é fácil perceber, toda ação adequada pode ser necessária, mas não se pode falar em ação necessária que não seja adequada. Por fim, ainda que a ação seja adequada e necessária, ela pode significar um gravame despropositado diante da restrição que causa ao direito do réu. Porém, nessa hipótese, não há propriamente balanceamento dos bens em colisão, mas sim balanceamento entre o direito do autor e a restrição causada pela ação necessária para a efetiva prestação da tutela jurisdicional.

Resumindo: quando se raciocina em relação aos limites do fazer ou do não-fazer – por exemplo, cessação da atividade ou instalação de equipamento antipoluente -, e não sobre a medida executiva para a implementação da ação material – por exemplo, ordem sob pena de multa para a cessação ou interdição da fábrica -, o juiz deve justificar a adequação, a necessidade e a prevalência do direito do autor sobre a restrição que pode ser causada ao direito do réu. Assim, por exemplo, se o Ministério Público, alegando que o réu está poluindo o meio ambiente, pede a cessação de suas atividades, e a prova pericial demonstra que basta, para conter a poluição, apenas a instalação de um equipamento antipoluente, não há racionalidade em desconsiderar a demonstração de que a atividade do réu está causando poluição ambiental. Como o juiz, no caso, está autorizado a conceder a tutela específica ou um resultado prático equivalente, ele tem o poder de fugir do pedido e, sempre considerando a sua fundamentação, impor a ação que se mostrou, em razão do desenvolvimento do contraditório, eficaz à proteção do direito do autor e, ao mesmo tempo, geradora da menor restrição possível ao réu (a instalação do equipamento antipoluente). Se a situação for inversa, tendo o Ministério Público pedido a instalação de equipamento antipoluente, e o contraditório demonstrado a necessidade de cessação das atividades, o juiz deverá demonstrar que o acolhimento do pedido do autor não será capaz de proporcionar o fim que deriva da fundamentação da petição inicial. Dessa forma, poderá determinar a cessação das atividades do réu, ainda que o pedido tenha sido de instalação de equipamento antipoluente.

Ademais, como a sentença deve fixar a ação material e o meio executivo capaz de implementá-la, é preciso atentar, em relação a esse último, para as regras da adequação e da necessidade. Em relação à adequação não há grande dificuldade, pois é evidente que o meio executivo deve ser capaz de proporcionar a realização da ação prevista na sentença. Porém, no que diz respeito à regra da necessidade, é preciso mais cuidado. São as circunstâncias do caso concreto que poderão indicar a medida executiva que configura a menor restrição possível.

É possível dizer, embora a regra da necessidade somente possa ser solucionada diante do caso concreto, que a tutela inibitória, em princípio, encontrará mais efetividade com a imposição da multa, ainda que se almeje um fazer fungível, enquanto que a tutela de remoção do ilícito, também em princípio, encontrará mais efetividade com a imposição de uma medida de execução direta, como a busca e apreensão. Porém, nada impede que as circunstâncias de determinado caso concreto indiquem que a medida de execução direta é mais idônea para a tutela inibitória, ou que a multa é mais idônea para a prestação da tutela de remoção do ilícito, por ser essa dependente de algo que somente é conhecido pelo demandado, por exemplo.

A prisão, como meio de coerção, não pode ser imposta para constranger o demandado a dispor de dinheiro ou de patrimônio. Assim, não é possível utilizá-la no caso de soma em dinheiro (sem natureza alimentar, por óbvio), entrega de coisa ou fazer fungível. Mas, como já dito, não há motivo para não admitir o seu uso para evitar a violação de um direito por parte de quem tem o dever de não-fazer ou de prestar um fazer infungível que não exige a disposição de dinheiro. Aí, além de não se cogitar do uso da prisão por dívida, estar-se-á permitindo, quando a multa e a execução direta não se mostrarem eficazes, a efetiva prevenção do direito.

É necessário frisar, porém, que a escolha do agir e da medida executiva, na perspectiva da regra da proporcionalidade, torna imprescindível a justificação do juiz. A justificação, como fundamentação da escolha judicial, é indispensável no presente caso. A sua ausência torna arbitrária a opção do juiz, pois cabe à justificação demonstrar a perfeição do raciocínio amparado na regra da proporcionalidade. Frise-se que quando o juiz reputa, a partir da regra da necessidade, que a ação não configura a menor restrição possível, cabe a ele, além de impor o agir que traz a mesma utilidade para o autor e uma menor restrição ao réu, justificar adequadamente o seu procedimento, explicando a razão da sua decisão.

A sentença deve concluir que determinado agir é i) adequado à tutela do direito, ii) significa a menor restrição possível e iii) não representa algo desproporcional. Na fase de execução, se o agir fixado na sentença não for observado pelo réu, esse - que configura, de acordo com a sentença, a menor restrição possível - poderá ser alterado, pois aquele que seria o meio mais idôneo para tutelar o direito do autor, por ter sido recusado pelo réu, não pode mais assim ser considerado, e portanto exige a definição de outro agir, que possa ser idôneo à tutela do direito. Como se vê, não é possível ao juiz questionar, na fase de execução, se o agir fixado na sentença é adequado à tutela do direito ou se nela foi corretamente observada a regra da proporcionalidade em sentido estrito. É apenas a regra da necessidade que pode ser novamente analisada, e isso diante do fato de o agir não ter sido observado pelo réu. O réu, com o não cumprimento da sentença, abre oportunidade para que outro agir seja imposto, uma vez que o fixado na sentença restou inidôneo. Por isso, outro agir, idôneo à tutela do direito, deve ser escolhido pelo juiz. Isso tudo, evidentemente, com a devida justificação.

Para exemplificar: o juiz não pode, na fase de execução, considerar que a instalação de equipamento antipoluente – imposta na sentença – i) não é adequada para a tutela do direito; ii) não representa a menor restrição possível; ou iii) configura algo desproporcional. O juiz apenas pode inovar, na fase de execução, quando o réu não atende à sentença, e assim o agir não se configura, por culpa sua, como meio mais idôneo, permitindo que um outro seja imposto no seu lugar. De modo que se o réu não instala o equipamento, atendendo à ordem sob pena de multa, o juiz não é obrigado a determinar que o equipamento seja instalado por terceiro – alterando apenas o meio executivo -, mas fica com a possibilidade de determinar a interdição da fábrica.

Em relação ao meio executivo – multa, execução direta ou prisão -, importam as regras da adequação e da necessidade. No que concerne à adequação e à necessidade, é possível verificar se o valor da multa, que observou essas regras no momento em que a sentença foi proferida, não deve ser aumentado ou diminuído, diante das circunstâncias concretas. Ademais, se a sentença foi descumprida, o juiz, considerando a situação concreta e as possibilidades de tutela, pode substituir a multa pela execução direta ou vice-versa, ou ainda impor a prisão no lugar da multa. Nessa linha, a única forma de se controlar o exercício do poder será através da análise da justificação. Ou seja, o juiz deverá justificar a razão pela qual, por exemplo, a multa não teve êxito, e porque acredita que a execução direta ou a prisão poderão viabilizar o encontro da efetividade da tutela jurisdicional.

3.12 Distinção entre as ações de remoção do ilícito e inibitória em face da ação cautelar

A confusão entre as ações inibitória e de remoção do ilícito com a ação cautelar deriva do fato de que todas se identificam pela preventividade. Porém, quem não separa ilícito (ato contrário ao direito) de dano, obviamente não pode entender que as ações inibitória e de remoção do ilícito têm como pressuposto a probabilidade de ilícito (inibitória) e a sua prática (remoção do ilícito), enquanto que a ação cautelar requer a probabilidade do dano.

A ação de remoção do ilícito pressupõe um ilícito que já ocorreu, tendo por objetivo a sua remoção, que, por mera conseqüência da realização do desejo do próprio direito material, impede a produção de eventuais danos. Portanto, admitindo-se a separação entre ilícito e dano, fica bastante fácil perceber a distinção entre ação de remoção do ilícito – voltada contra o ilícito e, apenas por isso, capaz de impedir danos – e a ação cautelar. Quando não se percebia a separação entre ilícito e dano, e assim supunha-se apenas a sua probabilidade, era impossível raciocinar em termos de remoção do ilícito, e apenas por esse motivo admitia-se a ação cautelar, ainda que se estivesse na realidade atacando um ilícito já praticado. Basta pensar na busca e apreensão de produto exposto à venda e nocivo à saúde do consumidor. Se não se constata que essa situação representa ilícito de eficácia continuada, mas erradamente se imagina que ela simplesmente pode produzir dano, estará aberta a porta para se concluir que a ação de busca e apreensão, no caso, possui natureza cautelar.

Supor que tal ação de busca e apreensão é cautelar traz ainda outros problemas. O primeiro deles ligado à prova, pois a prova do ato contrário ao direito é completamente diferente da prova da probabilidade do dano. No caso de ação de remoção, a prova deve recair somente no ilícito, não sendo correto cogitar de probabilidade de dano. Além disso, no caso de busca e apreensão de produto ilicitamente exposto à venda, não há como pensar em alguma ação principal, e por isso é impossível aceitar que a ação é cautelar (que possui natureza instrumental). A partir do momento em que se percebe que a remoção do ilícito ou o seu impedimento por meio de ação inibitória é tão ou mais importante do que a reparação do dano, é que se pode concluir que tais ações não podem ser renegadas a uma função meramente instrumental ou acessória de uma ação que seria principal.

No que diz respeito à ação inibitória, que é voltada contra a probabilidade do ilícito (e não contra a sua prática, como acontece com a remoção), a problemática é a mesma. Na ação inibitória a prova deve incidir somente sobre a probabilidade do ilícito. A prova poderá recair na probabilidade do dano apenas quando houver identidade cronológica entre o ilícito e o dano; nesse caso o autor tem a possibilidade de falar em probabilidade do dano. Mas, tal possibilidade é deferida unicamente ao autor, pois o réu não pode afirmar que não há probabilidade de dano (que é conseqüência do ilícito) quando o autor alega somente probabilidade de ilícito.

A ação inibitória, como a ação de remoção, é obviamente uma ação autônoma, e por isso de conhecimento. O que é uma ação autônoma? Autônoma é a ação dita "satisfativa", compreendido esse último termo no sentido leigo, de "satisfação". Trata-se da ação que "satisfaz" o desejo de tutela jurisdicional do autor, e assim lhe é "bastante". A ação "satisfativa" é a ação "bastante", ou melhor, a ação que basta para satisfazer o autor.

As ações inibitória e de remoção são "bastantes" porque o desejo de tutela jurisdicional pode se limitar à inibição ou à remoção do ilícito. É absurdo imaginar que tais tutelas possam ter um significado menor do que a ressarcitória, ou que dessa última sejam meros instrumentos. Pensar que o desejo do autor deve se direcionar ao ressarcimento é esquecer que, a partir do momento em que se percebeu que o direito não podia mais ser compreendido como uma coisa dotada de valor de troca, houve uma ruptura entre as categorias da ilicitude e da responsabilidade pelo dano, a qual deve necessariamente refletir sobre o processo civil.

Note-se que a ação em que se deseja impedir a violação de um direito da personalidade, quando pensada à distância da teoria da ação inibitória, certamente receberia o rótulo de cautelar, pois essa seria a única ação - para aqueles que desconhecem a ação inibitória - capaz de conferir tutela preventiva. Contudo, se essa ação fosse concebida como cautelar, tendo sido concedida a tutela para impedir a violação, seguramente surgiria a problemática da finalidade da "ação principal". Ora, seria impossível encontrar fim para a "ação principal" pela simples razão de que o único objetivo do autor foi "satisfeito" com a ação rotulada de "cautelar". Tal ação, ainda que denominada de cautelar, por ser "satisfativa" é, por conseqüência, autônoma. E daí a conclusão final: toda ação autônoma – que evidentemente não seja uma ação de execução - é uma ação de conhecimento, e não uma ação instrumental ou cautelar. De modo que a ação inibitória, especialmente nos dias de hoje, não pode ser compreendida ou confundida com uma ação cautelar.

3.13 Cumulação das ações inibitória, de remoção do ilícito e ressarcitória

Se as ações inibitória e de remoção do ilícito não são ações instrumentais a de ressarcimento, a necessidade de uma delas, ou de ambas, quando também é imprescindível o ressarcimento, abre ensejo para a cumulação das ações. Em outros termos, não há como imaginar que a tutela inibitória ou a tutela de remoção do ilícito possam ser tutelas instrumentais à tutela ressarcitória. Todas essas tutelas estão em um mesmo patamar, pois todas objetivam a satisfação de necessidades diferenciadas do direito material.

Imagine-se, por exemplo, a veiculação de propaganda configuradora de concorrência desleal através de cartazes publicitários. Nesse caso, o lesado pode possuir três necessidades: a remoção dos cartazes, inclusive mediante tutela antecipatória; a inibição da veiculação de novas propagandas, também inclusive mediante tutela antecipatória; e, por fim, o ressarcimento dos danos causados pelos atos de concorrência desleal. Essas três necessidades exigem três formas de tutela: a de remoção do ilícito, a inibitória e a ressarcitória pelo equivalente, sendo completamente equivocado supor que é possível pedir apenas tutela final ressarcitória e "liminares" de remoção do ilícito e inibitória.

Nesse caso, as "liminares" teriam eficácia temporal subordinada à decisão sobre a tutela ressarcitória (final). Acontece que a tutela ressarcitória tem como pressuposto o dano, que nada tem a ver com as outras duas tutelas. Como conseqüência, é possível julgar improcedente o pedido de tutela ressarcitória, por ausência de demonstração do dano, ainda que o ilícito esteja evidenciado, e assim seja capaz de fundamentar a remoção do ilícito e a sua inibição. Nessa hipótese, porém, com o julgamento de improcedência do pedido de tutela ressarcitória, as eventuais liminares de remoção e inibição, por constituírem somente decisões liminares ou interinais no processo que se voltou apenas à obtenção da tutela final ressarcitória, perderiam sustentação e, desse modo, deixariam de produzir efeitos. Em outras palavras: nesse caso, ainda que evidenciado o ilícito, a tutela inibitória seria revogada, e então o infrator teria liberdade para continuar atuando, ainda que a jurisdição tivesse tido a capacidade de declarar a ilicitude.

Portanto, é pouco mais do que óbvio que as necessidades do direito material estavam a exigir três tutelas finais e, por isso, três ações cumuladas. É certo que a ação de remoção e a ação inibitória, por se preocuparem unicamente com o ilícito (e não com o dano), têm os seus campos de cognição limitados em relação à ação ressarcitória, onde a cognição do juiz deve recair sobre o dano. Porém, a nova técnica antecipatória, posta no §6º do art. 273 do CPC, que viabiliza a tutela antecipada "quando um ou mais de um dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso", certamente poderá resolver o problema [42].

Nessas situações, evidenciado o ilícito praticado e sua probabilidade, e restando apenas o dano para ser demonstrado, o juiz deverá conceder imediatamente tutela antecipada de remoção e tutela antecipada inibitória, sem que tenha que pensar em fumus boni iuris ou periculum in mora. É que essa modalidade de tutela antecipatória exige direito evidente, e não apenas direito provável ou direito que ainda dependa da produção de prova. Com isso fica clara a independência das tutelas de remoção e inibitória em relação à tutela ressarcitória. De modo que se o dano não restar positivado ao final, isso não repercutirá sobre as tutelas de remoção e inibitória, que deverão ser reafirmadas ainda que a tutela ressarcitória tenha sido negada.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 272, 5 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5041. Acesso em: 28 mar. 2024.

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