Uma análise sobre a responsabilidade civil

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O presente trabalho examina o instituto da responsabilidade civil em face dos conceitos de ato lícito, de ato ilícito e do dano.

Sumário:

  • Introdução
  • Responsabilidade civil sem dano
  • Dano causado a terceiro sem responsabilidade civil do causador
  • Ato ilícito sem responsabilidade civil
  • Responsabilidade civil por ato ilícito
  • Conclusão
  • Abstract
  • Referência bibliográfica

I-Introdução

O presente trabalho pretende examinar o instituto da responsabilidade civil em face dos conceitos de ato lícito, ato ilícito e dano.

Para tal análise, objetiva-se refletir sobre a possibilidade ou impossibilidade de ocorrência de determinadas situações que envolvam a responsabilidade civil e que apresente exemplos práticos, considerando, para tanto, a responsabilidade civil sem dano; o dano causado a terceiro sem responsabilidade civil de quem o causou; ato ilícito sem responsabilidade civil; e responsabilidade civil por ato ilícito.

II-Responsabilidade civil sem dano

A responsabilidade civil é um fenômeno jurídico que surge com a obrigação entre as partes. De fato, a obrigação é um vínculo jurídico pelo qual um credor exige do devedor o cumprimento da prestação e este fica adstrito a realizar aquela prestação sob pena de responder com seu patrimônio pelo inadimplemento.

A obrigação pode ser decorrente de um contrato, ou seja, da vontade das partes; ou extracontratual, por ato ilícito, por exemplo, a qual decorre da lei. No caso, interessa-nos a obrigação extracontratual, que gera a responsabilidade extracontratual.

Toda responsabilidade significa responder com o seu patrimônio pelo inadimplemento. Na história, isso nem sempre foi assim. No Direito Romano, aquele que não honrasse uma dívida respondia com o seu corpo ou com a liberdade. Famosa é a estória do “Mercador de Veneza”,[1] de William Shakespeare, e que o personagem Antônio, para providenciar o casamento de Bassânio com Pórcia, celebra um contrato com Shylock, um agiota judeu da época, no qual constava a cláusula de que se Antônio não pagasse o empréstimo feito, responderia com a retirada de um músculo do seu corpo... Daí, percebe-se o rigor da norma à época. Mas mesmo lá no mundo romano, editam uma lei (Lex Poetelia Papiria), pela qual a responsabilidade do devedor seria com o patrimônio e não mais com o corpo ou a liberdade.

Note-se que já se discutiu na doutrina se toda obrigação gera a responsabilidade. Isso porque as obrigações naturais não induziam à coercibilidade, ou seja, à possibilidade de obrigar o devedor a pagar. Um exemplo disso é o artigo 814 do Código Civil, que trata da dívida de jogo e aposta[2].

Para compreender o tema da responsabilidade civil, ressalta-se, ainda, que a responsabilidade de que se trata aqui é aquela pertencente ao Direito Privado, porque, no Direito Público, sempre se entendeu que o Estado não tinha responsabilidade pelos seus atos; até que mais tarde, o Estado passou a responder pelos danos causados, mas objetivamente, como consta da Constituição Federal.[3]

Assim, a responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. A primeira consiste naquela em que há ação ou omissão, dano, nexo causal entre a conduta e o dano; a culpa do lesante. Na objetiva, não há a culpa do agente, ou seja, basta que o fato danoso esteja provado, que já há responsabilidade do causador do dano. Alguns autores entendem que, nesse caso, deve-se provar o risco.[4]

Nesse sentido, alguns doutrinadores têm entendido que hoje somente há responsabilidade objetiva em função do risco da atividade. Isso não é correto, porque, nas relações privadas (civis), há casos em que se indaga a culpa do lesante para surgir o dever de indenizar. O Código Civil estabelece essa distinção apresentando na classificação da parte geral sobre o fato jurídico o ato ilícito (CC, art. 186) e dispõe na parte especial sobre a responsabilidade subjetiva (CC, art. 927); e só depois trata dos casos de responsabilidade objetiva (CC, arts. 932). O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil é aquele que cuida da responsabilidade pelo risco da atividade.

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Configurado o problema geral sobre o tema, não se crê que haja responsabilidade sem dano, mas sim sem culpa, porque o dano é um elemento essencial da responsabilidade. O próprio parágrafo único do artigo 927 do Código Civil fala em “dano, independentemente de culpa”. Sérgio Cavalieri Filho[5] afirma exatamente nesse sentido:

“Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento (...) o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.”

Essa idéia levou a uma correção do artigo 186, que sofreu alterações na sua redação. O tema será abordado mais abaixo.

Portanto, na responsabilidade civil, sempre há um dano, embora na responsabilidade objetiva, a culpa seja desnecessária para que surja o dever de indenizar.

III-Dano causado a terceiro sem responsabilidade civil do causador

Outro aspecto da responsabilidade civil é saber se haveria responsabilidade civil do causador do dano em caso de dano causado a terceiro. Acredita-se que a presente hipótese se insere nos casos em que o proprietário ou possuidor não poderá ter responsabilidade se não houver nexo de causalidade entre o dano causado pela coisa e a sua conduta.[6]

Nessa hipótese, pode-se pensar na situação daquele dono de edifício ou construção que responde pelo dano causado em função da ruína se esta for decorrente da falta de reparos (CC, art. 937). Se o lesado não provar que a ruína do edifício foi oriunda da falta de reparos e que era notório esse reparo, não haverá responsabilidade civil.

Outro exemplo: uma pessoa deixa cair um vaso da janela e este atinge um transeunte. No caso, não há um causador direito do dano, mas a negligência do dono do apartamento, pelo fato de deixar cair o vaso, tornou-se responsável em face do terceiro.

Assim, pode ocorrer dano a terceiro sem causa por parte daquele que deve indenizar.

IV-Ato ilícito sem responsabilidade civil

Surgiu historicamente na jurisprudência dos tribunais brasileiros uma discussão sobre o conteúdo legal do dispositivo sobre ato ilícito. Isso será examinado mais detidamente.

Com efeito, o atual artigo 186 do Código Civil estabelece que:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

No Código Civil de 1916, esse dispositivo sofreu alterações e incluiu um “e” entre os termos “violar direito” e “causar dano”; antes era “ou”. De fato, se alguém atravessa uma avenida no trânsito quando o semáforo indicava o sinal vermelho e não causa dano a outrem, não haveria porque indenizar; daí a necessidade de que ocorram os dois elementos para configurar o ato ilícito e o dever de indenizar. O dispositivo ainda acrescentou o dano moral. E separou o dever de indenizar, remetendo-o para outro tópico na parte especial (CC, art. 927).

Assim, acredita-se que o ato ilícito gera o dever de indenizar, pois esse dispositivo acima se completa com o do artigo 927.

Pode ocorrer, porém, que alguém pratique um ato ilícito, mas haja uma eximente de responsabilidade. Isso ocorre nos casos de legítima defesa, de exercício regular de um direito e o estado de perigo.

“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.”

Nessas hipóteses, pode-se observar que o agente causador do dano não terá de responder pelo ato ilícito, porque a própria lei retira esse caráter de ilicitude (CC, art. 188).

Portanto, pode ocorrer que haja ato ilícito sem a correspondente responsabilidade civil.

V-Responsabilidade civil por ato lícito

Como foi afirmado acima, a responsabilidade civil é decorrente do ato ilícito. De fato, quando determinada pessoa, por ação ou omissão, vem a causar um dano, que seja decorrente dessa conduta (nexo de causalidade), em que haja culpa, ele comete o ato ilícito. E aquele que por ato ilícito causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.

Assim, se alguém comete ato ilícito, tem o dever de indenizar.

Mas poderia ocorrer que alguém realizasse ato lícito e isso gerasse o dever de indenizar?

No caso, entende-se que pode ocorrer o dever de indenizar na hipótese de ocorrer um ato lícito, pois se a pessoa age além daquele direito, como no abuso de direito, isso poderia levar àquele dever de reparação.[7] Cabe aqui o artigo 187 do Código Civil, em razão do exercício do direito fora de sua finalidade econômica e social.

O professor Carlos Roberto Gonçalves[8] apresenta alguns exemplos de responsabilidade civil decorrente de fato permitido por lei:

“Outras vezes, no entanto, essa obrigação pode decorrer, como vimos do exercício de uma atividade perigosa. O dono da máquina que, em atividade, tenha causado dano a alguém (acidentes de trabalho, p.ex.) responde pela indenização não porque tenha cometido propriamente um ato ilícito ao utilizá-la, mas, sim, por ser quem, utilizando-a em seu proveito, suporta o risco (princípio em que se funda a responsabilidade objetiva).”

O autor ainda menciona os seguintes casos: o dono de prédio encravado que exige passagem pelo prédio vizinho, mediante o pagamento de indenização cabal (CC, art. 1285); o do proprietário que penetra no imóvel vizinho para fazer limpeza, reformas e outros serviços considerados necessários (CC, art. 1313); os atos praticados em estado de necessidade.

Assim, entende-se que pode haver responsabilidade civil por ato lícito também.

VI-Conclusão

Em suma, entende-se que a responsabilidade civil funda-se na idéia de que a pessoa causadora do dano fica obrigada a reparar à outra que sofreu aquele dano.

Ademais, preconiza-se que, na responsabilidade civil, sempre há um dano, embora na responsabilidade objetiva, a culpa seja desnecessária para que surja o dever de indenizar.

Pode acontecer, ainda, que haja o dano causado a terceiro sem responsabilidade civil de quem o causou, nos casos em que ele diretamente não causa o dano e se afasta essa responsabilidade.

Demais disso, há ato ilícito sem responsabilidade civil, nos casos de eximente de ilicitude de determinados atos.

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Por fim, sempre pode haver responsabilidade civil por ato ilícito, pois, se alguém comete ato ilícito, tem o dever de indenizar. E nos casos de ato lícito, também há a possibilidade de surgir a responsabilidade civil, principalmente quando há o abuso de direito.

VII-Abstract

Este trabalho examina o instituto da responsabilidade civil em face dos conceitos de ato lícito, de ato ilícito e do dano. Para tanto, foi feita uma reflexão sobre a possibilidade ou impossibilidade de ocorrência da responsabilidade civil sem dano; do dano causado a terceiro sem responsabilidade civil de quem o causou; e do ato ilícito sem responsabilidade civil; bem como da responsabilidade civil por ato ilícito. Em suma, a responsabilidade civil funda-se na idéia de que a pessoa causadora do dano fica obrigada a reparar à outra que sofreu aquele dano. Ademais, na responsabilidade civil, sempre há um dano, embora na responsabilidade objetiva, a culpa seja desnecessária para que surja o dever de indenizar. Outra hipótese é a de que haja dano causado a terceiro sem responsabilidade civil de quem o causou, nos casos em que ele diretamente não causa o dano e se afasta essa responsabilidade. Demais disso, há ato ilícito sem responsabilidade civil, nos casos de eximente de ilicitude de determinados atos. Por fim, sempre pode haver responsabilidade civil por ato ilícito, pois, se alguém comete ato ilícito, tem o dever de indenizar. E nos casos de ato lícito, também há a possibilidade de surgir a responsabilidade civil, principalmente quando há o abuso de direito.

An analysis on the civil liability

This paper examines the liability institute in the face of the lawful act of concepts, tort and damage. To this end, a reflection on the possibility or occurrence of impossibility of liability no damage was done; the damage caused to a third party without liability who caused it; and without tort liability; as well as civil liability for tort. In short, the liability is based on the idea that the person causing the damage is obliged to repair the one that suffered that damage. Moreover, civil liability, there is always an injury, although in strict liability, guilt is unnecessary so arises the duty to indemnify. Another hypothesis is that there is damage to a third party without liability who caused it, where it does not directly cause the damage and moves away from that responsibility. Moreover, there is no tort liability in cases of failing the wrongfulness of certain acts. Finally, there can always be liability in tort, for if someone commits an unlawful act, has the duty to indemnify. And in the case of lawful act, there is also the possibility of liability arise, especially when there is abuse of law.

Palavras-chave: responsabilidade civil, ato lícito, ato ilícito, dano, culpa e abuso de direito

Keywords: civil liability, tort, damage, guilt and abuse of rights.

VIII-Referência bibliográfica

BRITTO, Marcelo Silva. Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no novo Código Civil, artigo elaborado em 09/2003.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. Editora Atlas, 8ª edição, São Paulo, 2008.

DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. Editora Forense, Rio de Janeiro, 1944.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. Vol. 7º, 21ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2007.

GONÇALVES. Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 8ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2003.

----. Direto Civil Brasileiro – Da Responsabilidade Civil, vol 4, 5ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2010.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Contratos em Espécie e Responsabilidade Civil. Editora Atlas, São Paulo, 2009.


[1] Famosa peça teatral tragicômica do inglês Willian Shakespeare, em que, entre outras coisas, trata da responsabilidade civil à época. A obra foi escrita entre 1596 e 1598. Título original: The Merchant of Venice.

[2] VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil – Contratos, op. cit., pg.

[3] CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, op. cit., 2008: pgs. 227/238.

[4] BRITTO, Marcelo Silva, artigo citado, item 07.

[5] CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, op. cit., 2008: pgs. 70/71.

[6] DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil, op. cit., pgs. 537/541.

[7] DINIZ, Maria Helena Diniz, Curso..., op. cit., pgs. 562/570.

[8] GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil, 2010: pg 52.

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Sobre o autor
Carlos Augusto de Carvalho Filho

Doutor em Direito Civil pela USP – FDUSP; Mestre em Direito Civil pela USP – FDUSP; Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV-SP EDESP; Especialista em MBA Direito Bancário da FGV-RJ; Especialista em Direito Civil pela ESA - OAB-SP; Pós-graduado em Processo Civil pela PUC-SP; Ex-Monitor em Direito Romano na USP – FDUSP; Bacharel em Direito pela USP – FDUSP; Bacharelando em Filosofia na FFLCH-USP e na Anhanguera; Professor Universitário; Advogado; e Escritor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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