Registro de Imóveis Eletrônico. Uma reflexão tardia?

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08/07/2016 às 13:34
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Uma abordagem franca sobre o futuro do registro de imóveis brasileiro ante os requerimentos da sociedade da informação.

REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO. UMA REFLEXÃO TARDIA?

Flauzilino Araújo dos Santos

 

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O FUTURO DO REGISTRO DE IMÓVEIS. 3. O REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO. 3.1 VULNERABILIDADE DIGITAL. 4. A NOVA PUBLICIDADE REGISTRAL. 5. REGISTRADORES SÃO CONVOCADOS PARA PRESTAR SERVIÇOS ELETRÔNICOS. 5.1 2001 - A PRIMEIRA CONVOCAÇÃO. 5.2 2009 - A SEGUNDA CONVOCAÇÃO. 5.3 2015 - A TERCEIRA CONVOCAÇÃO. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. DEDICATÓRIA. PEDIDO DE DESCULPAS. REFLEXÃO FINAL.

 

"O modelo de 'molecularização' é perfeitamente factível e isso com base em sistemas coordenativos, não concentradores. A internet é isso: há um código comum que permite o intercâmbio e a descentralização da informação. É o único modelo possível para esta espécie de "noosfera" assustadora. Mas, sem um código comum a articular a linguagem das máquinas, nada disso seria possível". (SÉRGIO JACOMINO, por e-mail)

 

1. INTRODUÇÃO

 

O Sistema de Registro de Imóveis[1] foi constitucionalizado como um dos pilares garantidores do Estado Democrático de Direito e a âncora para a concretização do direito de propriedade e de sua função social. A opção do constituinte nacional foi a de manter um serviço público exercido em caráter privado, conforme artigo 236, da Constituição Federal. Nesse modelo, a outorga administrativa da delegação do serviço público é somada ao seu exercício em caráter privado, de sorte que princípios empresariais autônomos próprios do setor privado são somados com critérios administrativos de prestação, regulamentação e fiscalização de serviços públicos. O resultado é a prestação de um serviço público iluminado por valores, princípios e procedimentos empresariais inerentes à iniciativa privada.

Realmente, o Registro de Imóveis é um instrumento da sociedade brasileira, na medida em que protege o cidadão no seu direito fundamental à propriedade, até mesmo em face do próprio estado, quando esse direito é ameaçado. Mas é, também, pela solidez alcançada como instituição jurídico-social, no plano normativo, doutrinário, jurisprudencial e alto grau de confiança popular. As pessoas confiam no Registro de Imóveis![2]

Assim, pode ser dito que o Registro de Imóveis é um player importante na competitiva cadeia dos negócios imobiliários, por seu apoio ao funcionamento do mercado. O mercado imobiliário é um mercado econômico, mas é, também, um mercado de direitos. O Registro de Imóveis não cria o mercado, mas é uma ferramenta sem a qual este não pode desenvolver-se adequadamente, visto que contribui para sua expansão sustentável, relativamente aos itens que lhe correspondem: segurança jurídica e transparência dos negócios inerentes. A transparência decorrente da publicidade registral faz com que o mercado seja, como um todo, mais confiável e eficiente.[3]

O Sistema de Registro de Imóveis também labora positivamente para a concretização de aspirações constitucionais voltadas ao equilíbrio entre os interesses individuais e os da coletividade, garantindo primazia à dignidade da pessoa humana e a todas as consequências e aportes que seu respeito impõe nas relações com terras rurais e urbanas. Cabe ao Registro de Imóveis dar o devido suporte para viabilização de políticas públicas que envolvem a terra, tais como de direito à moradia digna, ao financiamento imobiliário, à regularização fundiária, à proteção do meio ambiente, à reforma agrária, à demarcação de terras devolutas, de indígenas e de quilombolas,à utilização de terras públicas, ao controle de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, à aplicação dos mecanismos do Estatuto da Cidade, ao controle de áreas contaminadas,entre outras.

A realização dessas demandas do mercado e da cidadania exige que a publicidade registral, ato final e clímax de toda a atividade do Registro de Imóveis, seja estruturada mediante a utilização dos recursos tecnológicos da era digital, para que haja a universalização de acesso aos serviços registrais de forma remota, sem intermediários[4], bem como a interoperabilidade de dados.

A ausência de uma rede e de uma plataforma que interligue todos os cartórios de Registro de Imóveis do país e forneça serviços online para os cidadãos, empresas, Administração Pública e Judiciário pode ser fatal para o futuro do Registro de Imóveis, com o consequente prejuízo para a sociedade e para todo o mercado financeiro e imobiliário.

O Registro de Imóveis brasileiro tem que evoluir da forma mais rápida possível ao compasso dos novos tempos e das demandas sociais, o que somente será possível mediante a implantação massiva das novas tecnologias em todas as unidades de Registro de Imóveis do país. Não basta ter ilhas de excelência na prestação dos serviços registrais, enquanto outras serventias ainda laboram sob estruturas que foram moldadas no século retrasado, e não conseguem acompanhar as mudanças que a sociedade está demandando. Assim sendo, a interligação de todas as serventias do país em rede, com disponibilização de serviços eletrônicos em plataforma nacional, não é uma opção a ser considerada pelos registradores e reguladores, mas, sim, uma missão a ser cumprida.

É lamentável que representantes de alguns setores operacionais da atividade registral ainda resistam em ver e entender com outra perspectiva a atual estrutura da economia e da sociedade. Daqui a cinco anos, todos esses que "se acham", mas são recalcitrantes à mudança e à inovação, estarão tremendamente arrependidos por terem lutado na fronte da velha economia, contra a transição para os novos tempos.

Todos nós sabemos que os mecanismos de mercado atuam para selecionar processos mais eficientes e mais lucrativos, expulsando os competidores que utilizam processos antigos e menos eficientes. É um jogo do qual resultam vencedores e perdedores, sem oportunidade de revanche. Ao vencedor, as batatas; ao perdedor, as latinhas.[5]

Com o conceito de internet das coisas se materializando aos poucos, executivos da Google publicam obra sobre os rumos da era digital e o modo como as nações e os empreendimentos funcionarão, cujas ideias devem merecer a nossa atenção.

"Até 2025, a maior parte da população mundial terá saído, em uma geração, da quase total falta de acesso a informações não filtradas para o domínio de toda a informação do mundo através de um aparelho que cabe na palma da mão. Se o ritmo atual da inovação tecnológica for mantido, a maioria da população da Terra, estimada em oito bilhões de pessoas, estará online".

"Em todos os níveis da sociedade, a conectividade vai se tornar cada vez mais acessível e prática. As pessoas terão acesso a redes de internet sem fio onipresentes, muitíssimo mais baratas do que as que existem hoje. Nós seremos mais eficientes, produtivos e criativos. No mundo em desenvolvimento, pontos públicos de internet sem fio e redes de alta velocidade para conexão doméstica vão se somar, estendendo a experiência online até lugares onde hoje nem mesmo existem linhas telefônicas. Sociedades vão saltar toda uma geração de tecnologia. Por fim, as parafernálias tecnológicas que nos maravilham hoje em dia serão vendidas em feiras de antiguidades, como aconteceu com o telefone de disco".

"Na verdade, os próximos momentos de nossa evolução tecnológica prometem transformar diversos conceitos populares de ficção científica em fatos: carros sem motorista, movimentos robóticos controlados pelo pensamento, inteligência artificial (IA) e sistemas completamente integrados de realidade aumentada que oferecem a possibilidade de sobreposição visual de informação digital em nosso ambiente físico. Tais desenvolvimentos vão incorporar e aprimorar nosso mundo natural".[6]

Esse é o nosso futuro! E o do Registro de Imóveis?

 

2. O FUTURO DO REGISTRO DE IMÓVEIS

 

O futuro do Registro de Imóveis aponta para a modernização do Estado para fazê-lo mais eficiente, com o olhar posto no cidadão, tanto no respeito aos seus direitos, como na satisfação de seus requerimentos. O desafio crescente e continuado dos registradores imobiliários consiste em alcançar patamares de excelência na prestação dos serviços públicos delegados, de forma a gerar benefícios tangíveis para a população, sob pena de serem excluídos do processo de governança fundiária.

Governança fundiária refere-se às iniciativas ou a ações que expressam a capacidade de uma sociedade organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais.

Entre os atores institucionais, inclui-se, naturalmente, o Estado com seus diferentes agentes, que delegou o monopólio do controle do direito de propriedade imobiliária, e temas conexos para um corpo de registradores de imóveis devidamente organizados por circunscrições imobiliárias definidas, que são os curadores digitais das bases de dados decorrentes, as quais encerram valor estratégico para o país, conforme suportes normativos:

Lei nº 6.015/1973, art. 24: Os oficiais devem manter em segurança, permanentemente, os livros e documentos e respondem pela sua ordem e conservação.

Lei nº 8.935/1994, art. 46: Os livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação deverão permanecer sempre sob a guarda e a responsabilidade do titular de serviço notarial ou de registro, que zelará por sua ordem, segurança e conservação.

Conforme observou Sérgio Jacomino, "o modelo de 'molecularização' é perfeitamente factível e isso com base em sistemas coordenativos, não concentradores". Realmente, não há necessidade de um supercomputador que concentre todas as bases de dados de todos os cartórios do país, como era o modelo usado por empresas pioneiras no setor de serviços públicos. A rede de serventias registrais poderá ter máquinas espalhadas por data centers de todo o país, inclusive "na nuvem”, em conformidade com a opção de cada registrador e respeitada a legislação de regência, tendo, em comum, a interoperabilidade de dados estruturados e a centralização dos serviços em uma única plataforma.

Como prevê a legislação acima transcrita, os dados e as imagens permanecem alocados em suas bases primárias, sob a guarda e a responsabilidade dos respectivos oficiais, que também respondem pela sua ordem e conservação, e somente serão requisitados na infraestrutura compartilhada ou por Web Services,[7] mediante instância do usuário-cidadão, salvo aqueles enviados para processamento na própria plataforma.

Há perguntas que somente o Registro de Imóveis pode dar e que são cruciais para a formulação de políticas públicas e de estratégias empresariais, como por exemplo: Qual é o tamanho do mercado imobiliário do país? Qual tem sido o impacto da crise econômica nos negócios imobiliários? Qual é a soma das áreas do território nacional titularizadas ou arrendadas por estrangeiros? Qual é a nacionalidade estrangeira que mais ocupa terras no Brasil? A realidade é que esses e outros dados existem e poderiam ser processados de forma célere e segura, se as serventias estivessem interconectadas em rede.

É preciso refletir que, diante das profundas transformações da economia e da sociedade no mundo inteiro, o Registro de Imóveis brasileiro precisa ser repensado, em busca de estratégias inovadoras que induzam à transformação da atividade registral dentro da nova dinâmica implementada pela sociedade da informação, de sorte que o Registro Imobiliário seja reinventado, mantendo-se, por óbvio, a sua estrutura mater; porém, apresentando-se como uma instituição jovem, renovada e antenada com o novo mundo. O objetivo é fortalecer a capacidade criativa do Registro de Imóveis e, consequentemente, a sua competitividade, identificando lacunas no mercado, a fim de oferecer novos produtos que sejam atrativos para os usuários e que possam ser consumidos em massa, eletronicamente, bem como pela comodidade do uso das novas tecnologias.

E por que manter sua estrutura mater?

Porque o Direito Registral Imobiliário brasileiro já atingiu um grau de maturidade perfeitamente consolidado na estrutura jurídica do país. Além disso, o Registro de Imóveis não é apenas mais um sistema jurídico que existe pelo império da lei. É uma instituição da sociedade brasileira que goza da aceitabilidade e da confiança da população e do mercado ao manter um ambiente hermético de segurança jurídica dos negócios imobiliários, com uma única porta de entrada: o Livro 1 - Protocolo.

O Registro de Imóveis pode ser comparado a uma casa-forte de onde o titular do direito inscrito defenderá comodamente os seus direitos, sob o amparo da legitimidade registral e da fé pública, sem se expor aos azares de ambientes juridicamente poluídos. Eis a razão porque perdura no tempo a advertência de SERPA LOPES para que a porta de acesso ao registro esteja sempre aberta:

 

"Um princípio devem todos ter em vista, quer oficial de Registro, quer o próprio juiz: em matéria de Registro de Imóveis toda a interpretação deve tender para facilitar e não para dificultar o acesso dos títulos ao registro, de modo que toda propriedade imobiliária e todos os direitos sobre ela recaídos fiquem sob o amparo do regime do Registro Imobiliário e participem dos seus benefícios".[8]

 

Todavia, há uma única porta de entrada, enquanto as demais portas e janelas estão sempre fechadas. Então, por força da qualificação registral, o acesso é vedado àqueles que têm consigo sinais muito fortes do mundo de fora; é como se trouxessem os pés cheios de lama da rua ao pretenderem entrar na casa registral. Por isso, negativamente qualificados são barrados, porque contaminariam o sistema de segurança jurídica dos negócios imobiliários.

O desafio apresentado aos registradores e reguladores é "eletronificar" esse patrimônio jurídico nacional,[9] com a devida segurança jurídica e tecnológica, a inclusão digital das serventias de pequeno porte e, ao mesmo tempo, mantê-lo selado.

O registrador Luciano Lopes Passarelli, que, logo após a edição da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, apresentou excelente monografia sobre o princípio da publicidade na era do Registro de Imóveis eletrônico, cuja leitura fica sugerida, iniciou sua obra com a seguinte convocação: "A nova realidade já demanda que os estudiosos do Direito Registral Imobiliário se debrucem sobre a implantação desse novo paradigma".[10]

Dentro dessa perspectiva, é necessário que o Registro de Imóveis, por seu corpo de registradores, estabeleça diretrizes organizativas para que tenha em todo o país a mesma forma de operacionalização, atentando a dois conceitos importantes: o de sistema e a ideia de unicidade.

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Um sistema pode ser definido como um conjunto de elementos inter-relacionados que interagem entre si no desempenho de uma função, para um fim comum.Como sistema, o Registro de Imóveis brasileiro é uno. O que é fracionada é a sua operacionalização por meio das diversas unidades de serviços, denominadas cartórios ou ofícios.

Esse conceito está exposto no Provimento nº 47, da Corregedoria Nacional de Justiça, que estabeleceu diretrizes gerais para o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), o qual estabeleceu que, no prazo de 360 dias, contados a partir de 18 de junho de 2015, os oficiais de Registro de Imóveis devem agrupar-se em Centrais de Serviços Eletrônicos Compartilhados, uma em cada estado, tendo como requisitos normativos: (1º) que essas centrais prestem os mesmos serviços; e (2º) que elas sejam interoperáveis entre si (Art. 3º, § 5º).

Nesse ponto, o provimento da Corregedoria Nacional de Justiça foi absolutamente perfeito ao disciplinar a forma de prestação dos serviços registrais pela internet, pois o usuário não pode ser obrigado a ingressar em diferentes sítios da internet para acessar o mesmo serviço público.

A ideia de unicidade tem como fundamento a lógica do serviço público de Registro de Imóveis ser regulado por legislação de competência exclusiva da União (CF, art. 22, I e XXV), como política legislativa, com a finalidade de eliminar assimetrias regionais e manter o pacto federativo.

Embora a fiscalização dos serviços registrais em seus aspectos técnicos e administrativos seja exercida pelo Poder Judiciário estadual, a criação do Conselho Nacional de Justiça trouxe um novo enfoque sobre a posição dos serviços notariais e de registro, conferindo-lhes inequívoca conotação e caráter de "órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados", reposicionando-os, de forma coletiva, na galáxia do CNJ, "sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais" (CF, art. 103-B, § 4º, III).

A despeito dos avanços legais e da edição de resoluções, provimentos e recomendações pelo CNJ, o panorama brasileiro da regulação dos serviços registrais reclama padronização nacional mínima, mas suficiente para superar cenários de dificuldades e interrogações com as quais se defrontam os usuários-cidadãos, com relação aos contratos de financiamento imobiliário, loteamentos, incorporações imobiliárias e condomínios edilícios, regularização fundiária, georreferenciamento de imóveis rurais, entre outros, em procedimentos e exigências que variam de lugar para lugar, advindos de normas editadas pelas Corregedorias de Justiça dos estados e pelos juízes corregedores locais.

Em artigo paradigmático publicado em 11/12/2015 com o título "Registro de Imóveis brasileiro. Necessidade urgente de uma atuação corporativa”, o registrador Marcelo Augusto Santana De Mello lançou o seguinte repto:

 

"A criação de uma entidade nacional com agências estaduais, com contribuição obrigatória e poder de regulamentação de rotinas registrais, resolveria todos os problemas de falta de uniformização da atividade registral. Certamente, a fiscalização do Poder Judiciário, contida no comando constitucional (art. 236, 103-B, § 4º, III), seria respeitada. Fiscalização não se confunde com autorregulação.

 

Tratar-se-ia de um começo para que exista a efetivação da autorregulação das atividades notariais e registrais, o que Luís Paulo Aliende Ribeiro, em seu doutoramento, entendeu possível e compatível com o sistema brasileiro (Regulação da função publica notarial e registral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 184)".

Consoante mencionado desde o início deste trabalho, o momento clama pela presença dos registradores brasileiros para investirem em necessárias políticas e gestões institucionais que visem à superação do cenário atual, requerendo a construção [1] de uma rede onde estejam interconectadas todas as unidades registrais do país e [2] de uma plataforma para prestação dos serviços registrais, consolidados na organicidade de procedimentos, na organização, regulação e ação sistêmico-coletivas, e na inclusão digital das serventias de pequeno porte.

Um modelo que pretenda apresentar eficácia e eficiência na implantação de uma política registral compatível com a expectativa dos cidadãos, empresas, Administração Pública e Poder Judiciário precisa de um fluxo bem desenhado de ações que contemple:

I - objetivos estratégicos;

II - revisão e melhoria de processos e estruturas de trabalho;[11]

III - como tirar maior proveito das inovações tecnológicas;

IV - o compartilhamento dos benefícios.[12]

 

3. O REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO

 

O Registro de Imóveis eletrônico tem como princípio a utilização da Tecnologia de Informação e de Comunicação (TIC) para desmaterialização de procedimentos registrais internos das serventias, bem como promover a interconexão destas entre si, com o Poder Judiciário, órgãos da Administração Pública, empresas e cidadãos na protocolização eletrônica de títulos e no acesso às informações e certidões registrais, de forma a aprimorar a qualidade e a eficiência do serviço público prestado por delegação.

Para o usuário-cidadão, o registro eletrônico consiste no acesso pela internet de informações, na solicitação e recebimento de certidões, bem como na remessa eletrônica de títulos para as serventias.

O sistema de registro eletrônico de imóveis deverá ser implantado e integrado por todos os oficiais de Registro de Imóveis de cada Estado e do Distrito Federal, na forma e prazos previstos na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, e no Provimento nº 47, de 18 de junho de 2015, da Corregedoria Nacional de Justiça.

 

3.1 VULNERABILIDADE DIGITAL

 

Embora proporcionem mais praticidade, os documentos digitais trazem consigo alguns problemas de segurança da informação e outros decorrentes da velocidade da evolução tecnológica, ante a necessidade de garantir que sejam acessíveis e permaneçam autênticos em todo o seu ciclo de vida.

Segundo os pesquisadores Henrique Machado dos Santos e Daniel Flores, ambos do Grupo de Pesquisa Gestão Eletrônica de Documentos Arquivísticos e Grupo de Pesquisa Patrimônio Documental Arquivístico, da Universidade Federal de Santa Maria (RS), estudos revelam que os documentos digitais têm uma série de complexidades e especificidades. Apontam que, entre elas, a vulnerabilidade e a facilidade de alterar, reformatar e falsificar sem deixar qualquer vestígio poderão comprometer a sua autenticidade e o seu acesso no futuro. Citam que, além disso, é possível excluir diversos documentos de maneira silenciosa.[13]

Devido aos problemas decorrentes da rápida obsolescência tecnológica de hardware, software, formatos de arquivo, suporte e, também, outros, relativos ao ciclo de vida da assinatura digital[14], que criam obstáculos à longevidade dos documentos digitais, até que avanços tecnológicos sobrevenham à escrituração apenas em meio eletrônico, sem impressão em papel, deve ser restrita aos indicadores reais e pessoais, controle de títulos contraditórios, certidões e informações registrais, mantidos os livros 1, 2 e 3, no suporte convencional papel.

Como ainda não há solução definitiva para esses problemas, persiste, pois, a ameaça da perda de documentos digitais, trazida pela obsolescência, o que torna a sua preservação permanente um desafio a ser vencido.

Para a implementação de Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis (RDC-Arq), de conformidade com a temporalidade estabelecida na tabela anexa ao Provimento nº 50, de 28 de setembro de 2015, da Corregedoria Nacional de Justiça,[15] devem ser levadas em consideração, além da Recomendação nº 14, de 2 de julho de 2014, da Corregedoria Nacional de Justiça,[16] as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), na Resolução nº 39, de 29 de abril de 2014,[17] com as alterações introduzidas pela Resolução nº 43, de 4 de setembro de 2015.[18]

Os documentos arquivísticos digitais em fase corrente e intermediária devem, preferencialmente, ser gerenciados por meio do Sistema Informatizado de Gestão Arquivística de Documentos – Sigad, a fim de garantir o controle do ciclo de vida, o cumprimento da destinação prevista e a manutenção da autenticidade e da relação orgânica, características fundamentais desses documentos.

 

Todavia, a existência de problemas de ordem prática não pode ser escusa para a premente instalação do registro eletrônico. Pelo inverso, com as ferramentas hoje existentes e os critérios e parâmetros já estabelecidos, é viável e necessária a execução dos serviços registrais eletrônicos como os acima indicados.

 

4. A NOVA PUBLICIDADE REGISTRAL

 

A publicidade registral exige a utilização de meios instrumentais vocacionados e estruturalmente orientados para proporcionar a comunicação do usuário com o Registro de Imóveis e o conhecimento das situações registrais decorrentes.

Em um sistema de registro constitutivo, como sucede entre nós, em especial por força do disposto no art. 1.245 do Código Civil, o ato de registro, fazendo parte componente do suporte fático de que depende a validade do negócio, é essencial que a realidade registral para terceiros, ou seja, para o público, seja acessível, pois é para o público que os registros públicos existem.

Parece-nos que não basta, porém, que exista a possibilidade de conhecer previamente a eventual existência de títulos oponíveis erga omnes. É ainda necessário, para que a instituição tenha a relevância pretendida e seja eficaz no tempo, que os terceiros obtenham a garantia geral de acessibilidade do que está registrado, de forma simples e célere pela internet; desburocratizada, como sempre pretendeu o legislador pátrio.[19]

Na verdade, não se compreenderia sequer que a sociedade canalizasse recursos financeiros tão importantes para manter uma instituição - a registral - cuja utilização estivesse dissociada dos sistemas publicitários criados pelo desenvolvimento tecnológico da informação e comunicação. Nesta sequência, seria perfeitamente dispensável a manutenção da instituição registral, pelo menos no modelo atual, a qual pouco mais representaria do que um gargalo na cadeia dos negócios imobiliários, como não poucas vezes tem acentuado o próprio setor.

Por todos, o estudo "O Custo da Burocracia no Imóvel", lançado conjuntamente em 19/3/2014, pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e Movimento Brasil Competitivo (MBC), reconhece que: "Ainda que existam gargalos em toda a cadeia, as principais causas são estruturas ineficientes nas prefeituras, cartórios e legislação que não favorece a segurança jurídica para o desenvolvimento de negócios", como demonstram nas figuras abaixo:[20]

 

A inclinação por mudanças radicais no sistema já foi recentemente sinalizada, mesmo em setores de regulação dos serviços registrais. O Grupo de Trabalho Interministerial sobre os Serviços Notariais e de Registro, criado pelo Decreto Presidencial sem número, de 22 de outubro de 2008, publicado no DOU do dia seguinte, e legitimado pela Portaria n° 0150, de 4 de fevereiro de 2009, do ministro da Justiça, com o objetivo de revisar a legislação atual e elaborar propostas para o aperfeiçoamento e a modernização dos serviços, concluiu pela mudança do sistema de delegação por concurso público, para concessão administrativa, por licitação.

Uma simples pesquisa na internet com as palavras-chave "Renavam de imóveis" revela o anseio comum de setores do Governo e da iniciativa privada por um número identificador único e nacional para cada imóvel, que o referencie dentro do sistema, como já ocorre com automóveis, bem como a concentração de todos os atos na matrícula imobiliária,mediante averbação, conforme prevê a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, garantindo, desta forma, os direitos a terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, inclusive para fins de evicção, bem como obrigando o interessado em proteger seu crédito ou direito de outra natureza e lhe dar publicidade imobiliária.

Segundo seus defensores, esse modelo simplificará o procedimento de venda e compra e financiamento de imóveis, ao concentrar todas as informações sobre o bem e os titulares de direito inscritos, acessíveis em um único sítio na internet, reduzindo riscos e custos operacionais, com reflexos na taxa de juros e nos prazos de financiamento.

Minuta de provimento da Corregedoria Nacional de Justiça que objetivava regulamentar o sistema de registro eletrônico de imóveis, de forma mais abrangente, e instituir uma central de serviços eletrônicos compartilhados dos registradores de imóveis, como delineado na citada Recomendação nº 14, colocada em consulta pública em fevereiro de 2015, previa a implantação do código nacional de matrícula, de forma bastante simples:[21]

Art. 11 - Os imóveis inseridos no Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) serão identificados pelo Código Nacional da Matrícula, unívoco em âmbito nacional e formado pelos seguintes elementos:

I - o Código Nacional da Serventia (CNS) correspondente à unidade de registro onde está matriculado o imóvel, com cinco dígitos mais o dígito verificador, seguido da expressão "MA"; e

II - o número de ordem existente a que se refere o art. 176, §1°, inciso II, da Lei n° 6.015, de 1973, sem zeros à esquerda.

§ 1º - Sendo o imóvel situado em mais de uma comarca ou circunscrição, será o fato identificado em campo próprio na escrituração eletrônica.

§ 2º - O Código Nacional da Matrícula referente à matrícula encerrada ou cancelada não poderá ser reutilizado.

 

Lamentavelmente, interesses subjacentes e ignorância sobre o assunto laboraram conjuntamente em resistência à regulamentação colocada em consulta pública pela Corregedoria Nacional de Justiça, apresentando volumosas objeções, que restou prejudicada. Sobreveio o Provimento nº 47, de 18 de junho de 2015, da Corregedoria Nacional de Justiça, que estabeleceu diretrizes gerais, porém deixou para as Corregedorias Gerais de Justiça dos estados e do Distrito Federal e dos Territórios, no âmbito de suas atribuições, estabelecer as normas técnicas específicas para a concreta prestação dos serviços registrais em meios eletrônicos, ainda que vinculadas aos parâmetros do provimento nacional. Quot capita, tot sensus!

 

5. REGISTRADORES SÃO CONVOCADOS PARA PRESTAR SERVIÇOS ELETRÔNICOS

 

A administração eletrônica é um direito do consumidor dos serviços públicos, sejam eles prestados de forma direta ou indireta, inclusive por delegação, assim como também o direito à informação do conteúdo dos arquivos dos órgãos respectivos. Os cidadãos estão elevados à condição de consumidores desses serviços, com direito a acesso remoto, segurança e previsibilidade e, com isso, diminuindo os riscos inerentes aos intercâmbios pessoais, degradando riscos e custos financeiros.

 

5.1 2001 - A PRIMEIRA CONVOCAÇÃO

 

Algumas normativas foram promulgadas, como a Medida Provisória nº 2.200, de 28 de junho de 2001, que criou a ICP-Brasil – Infraestrutura de Chaves Públicas brasileira, para o desenvolvimento de um modelo que possibilitou o uso de assinaturas eletrônicas, a certificação digital e a validade legal dos documentos que tramitam por meio eletrônico.

Naquela primeira hora, o papel dos registradores de imóveis já era encontrar no manto jurídico existente soluções para sua presença na era virtual, com o ingresso dos meios eletrônicos de comunicação na atividade registral para prestar informações e emitir certidões digitais.

Posteriormente, foi publicada a Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006, que alterou o art. 659 do Código de Processo Civil, inclusive acrescendo-lhe o parágrafo 6º, categórico ao dispor que, com as necessárias garantias de segurança, "as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos".

Nesse mesmo ano, foi ainda publicada a Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, prevendo o processo judicial sem papel, com autos digitais e comunicações eletrônicas.

Poder-se-á dizer que os registradores do Estado de São Paulo "fizeram a lição de casa". O contexto não poderia ser mais apropriado. Em 10 de maio de 2005, foi inaugurado o Sistema de Ofício Eletrônico, com o objetivo de substituir ofícios em papel por solicitações eletrônicas. Seu funcionamento incluiu o desenvolvimento do módulo de pesquisas para localização de bens, denominado "Banco de Dados Light", do Assinador Digital Registral ICP-Brasil, e de um aplicativo para emissão de certidões digitais (Certidão Express).[22]

Posteriormente, foram desenvolvidos outros aplicativos: Penhora Eletrônica de Imóveis (Penhora On-line), Central de Indisponibilidade de Bens, bem como os módulos da Central de Serviços Eletrônicos dos Registradores de Imóveis, cujos sistemas são operados com a cooperação do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB).

Diante do êxito obtido com o ofício eletrônico, no Estado de São Paulo, a Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou a Portaria nº 147, de 5 de julho de 2007, instituindo grupo de trabalho com o objetivo de desenvolver funcionalidades tecnológicas voltadas à integração das bases de dados das serventias extrajudiciais com os órgãos do Poder Judiciário.[23] Depois de intensos trabalhos do GT, e já vislumbrando o funcionamento do ofício eletrônico em caráter nacional, homens apequenados saíram de seus nichos mortuários escavados em catacumbas corporativas, apresentando-se como verdadeiros "guerreiros ninjas". O ataque foi letal.

 

5.2 2009 - A SEGUNDA CONVOCAÇÃO

 

A Medida Provisória nº 459, de 25 de março de 2009, que instituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, trouxe em seu bojo um capítulo (II) dedicado à implantação do registro eletrônico. Na Exposição de Motivos, foram destacados dois itens sobre o tema, nos seguintes termos:

 

27 - Atualmente, os registros realizados nos cartórios de imóveis não são, em sua grande maioria, eletrônicos, o que além de impor maior custo à guarda de informações, dificulta ou inviabiliza a realização de consultas amplas sobre a situação do imóvel. Com vistas a preencher tal deficiência e obter a segurança mínima necessária para a realização de negócios, os agentes econômicos, em processo de compra e venda de imóveis, solicitam um extenso conjunto de documentos, que, ao final, tornam a transação de compra e venda um evento caro e moroso para as partes, sem que isso lhes dê efetiva segurança quanto à ausência de futuros questionamentos judiciais sobre a validade da transação.

28 - Neste sentido, o art. 41 define os requisitos mínimos de segurança que devem ser atendidos quando da apresentação, na forma eletrônica, de documentos ao serviço de Registro de Imóveis ou quando da expedição de tais documentos pelo mesmo serviço. Já o art. 42 regulamenta a inserção de atos registrais ocorridos em data anterior ao da vigência desta Medida Provisória, enquanto o art. 43 trata da manutenção de cópia digital de segurança dos dados. O art. 44, por sua vez, cria a obrigação de repasse das informações ao Poder Executivo.

 

Percorrido o processo legislativo, a MP foi convertida na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispôs em seu artigo 39:

 

Art. 39 - Os atos registrais praticados a partir da vigência da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, serão inseridos no sistema de registro eletrônico, no prazo de até 5 (cinco) anos a contar da publicação desta Lei.

 

Considerando-se que a lei foi publicada no Diário Oficial da União de 8/7/2009, o termo final seria o dia 7/7/2014, para o qual havia legítima expectativa da parte de vários players do mercado imobiliário e também de setores do Governo. Lamentavelmente, esse prazo transcorreu "in albis", porque se aguardava a edição de regulamento. Perderam os registradores de imóveis uma bela oportunidade de implantarem o Registro de Imóveis eletrônico, por meio de autorregulação. Aliás, conforme dispõe a lei em seu art. 37, os registradores têm o poder/dever de instituir o registro eletrônico.

 

5.3 2015 - A TERCEIRA CONVOCAÇÃO

 

O Provimento nº 47, de 19 de junho de 2015, representa a terceira convocação que a sociedade brasileira fez aos registradores de imóveis, em mais uma tentativa para que seus serviços sejam prestados de forma eletrônica.

A norma administrativa em apreço marcou um novo prazo para esse desiderato. Dispõe o art. 9º que: "Os serviços eletrônicos compartilhados passarão a ser prestados dentro do prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias".

Feita a contagem do prazo normativo estabelecido, verifica-se que o termo final para que os serviços passem a ser prestados de forma eletrônica é o dia 15/6/2016, dia de "São Vito", padroeiro dos epiléticos, bailarinos e autores. Também é invocado contra o perigo das tormentas, contra o excesso de sono, contra as mordidas de serpentes e todo dano que os animais, de qualquer espécie, possam causar aos homens.

Estaremos operando o registro eletrônico naquela data? E se não o fizermos? Haverá outra oportunidade? Há perigo de tormentas? Mordidas de serpentes? O que acontecerá se persistirmos em não operar de forma eletrônica? Quem controla esse prazo? Seria a Corregedoria Nacional de Justiça? Seriam as Corregedorias de Justiça dos estados? Existe a ameaça de serviços substitutos?

A realidade é que essa contagem está sendo feita dia a dia pelo próprio mercado, que monitora a par e passo cada movimento do Registro de Imóveis. A economia, impulsionada pela expansão constante do capital, ávido por reproduzir elevadas taxas de crescimento econômico, o mais rápido possível, age como se não existissem fronteiras e que tudo lhe é submetido. Assim, o convencionalismo econômico, por entender que a economia se encontra “acima de tudo”, trata com hostilidade qualquer intercorrência que julgue falha – o que vale mais aos olhos da economia neoclássica é a força do mercado, fundada na dinâmica produção-consumo-distribuição.

Nada que contrarie essa lógica pode, então, ser aventada, porque as forças do mercado assim proíbem e acionam o seu rolo compressor. Para os que tentam se impor contra essa conduta, mesmo que em nome da segurança jurídica, os que respondem pelo mercado, imediatamente, lançam a crença de que o progresso tecnológico irá superar quaisquer limites que se contraponham à ideia do crescimento econômico, na forma e na velocidade idealizadas, mesmo que para isso tenham que deslocar marcos outrora estabelecidos e assumir quaisquer riscos por eventual degradação da segurança.

Outrossim, a existência de serviços de registros similares no mercado, que analisados desempenham funções equivalentes ou parecidas com aquelas a cargo dos registradores de imóveis, é uma mola propulsora para a mudança, caso a prestação destes venham, com o tempo, tornar-se obsoleta ou desconectada das novas mudanças/tendências da prestação de serviços. Assim, o trato do Registro de Imóveis com o mercado pede diálogo, prudência e parceria, a fim de que o papel de cada setor fique bem claro e não haja ruídos internos decorrentes de falta de comunicação.[24]

Para acompanhar a fluência do prazo fixado pela Corregedoria Nacional de Justiça para o funcionamento do Registro de Imóveis eletrônico em todo o país, veja o relógio de contagem regressiva, publicado em http://www.srei.org.br.

Seria esta a última convocação?

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este texto é apenas um aceno na direção da construção de um arcabouço corporativo que tenha suporte legal para interligar todas as serventias imobiliárias, coordenar e operar o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico, em todo o território nacional.

É necessário que uma norma regulamente de forma inequívoca: [1] os requisitos mínimos que devem ser atendidos pelos softwares de Registro de Imóveis eletrônico; [2] a vinculação de todas as serventias com o operador do sistema nacional de registro de imóveis eletrônico; e [3] a previsão de um ponto único de contato para atendimento eletrônico de serviços, através da internet, para qualquer cartório do Brasil.

Experiências bem sucedidas com o sistema Bacen-Jud[25] (Penhora Online), operado pelo Banco Central do Brasil, e o da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB[26], operada pela ARISP/IRIB, recomendam fortemente a estruturação de operação única para o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico, com abrangência em todo o território nacional. Dentro desse propósito, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16/3/2015) prevê em seu art. 837 que “obedecidas as normas de segurança instituídas sob critérios uniformes pelo Conselho Nacional de Justiça, a penhora de dinheiro e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meio eletrônico”. Aguarda-se, portanto, a edição de ato do CNJ que regulamente a operação eletrônica prevista no CPC, em caráter nacional, integrando Registros de Imóveis e Tribunais, para o tráfego de informações e certidões imobiliárias, bem como dos mandados judiciais e certidões destinados para averbações constritivas de sequestros, arrestos e penhoras.

O operador nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis deverá ter musculatura preparada para enfrentar desafios, tais como: [1] a interligação em rede de todos os cartórios de registro de imóveis do país,  que deverão disponibilizar serviços eletrônicos na Web, sob critérios uniformes; [2] a inclusão digital das serventias de pequeno porte, com ações que envolvam aplicativos, ambientes de backups, dispositivos para conexão, acesso à rede e o domínio dessas ferramentas; [3] a complementação de renda às serventias deficitárias; [4] a criação e manutenção de um polo tecnológico para pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias aplicadas ao Registro de Imóveis; [5] a criação, manutenção e controle da plataforma dos serviços prestados eletronicamente; [6] a capacitação, treinamento e aprimoramento dos oficiais e seus prepostos no uso das novas tecnologias, mediante ensino a distância (EAD); e [7] a manutenção de uma plataforma de referência de comunicações e notícias.

O Registro de Imóveis brasileiro é uma instituição ágil e moderna, que sempre esteve na vanguarda da tecnologia. Verifica-se, todavia, assimetrias entre as várias unidades do sistema, em decorrência dos diferentes níveis de capacidade de investimento financeiro nas serventias, que devem ser corrigidas, com vistas a suprir fragilidades e oferecer os mesmos serviços eletrônicos em todas as serventias do país.

Por meio de suas entidades representativas, os registradores brasileiros já desenvolveram os insumos suficientes para substituir o suporte papel por processos digitais em todas as unidades de serviço do território nacional, bem como dispõem de infraestrutura e comprovada aptidão técnica para interligá-las em rede compartilhada de atendimento (hardware, software e know-how).

Esses avanços deram aos registradores o domínio de todo o ciclo de vida do documento eletrônico e envolveram a constituição da Autoridade Certi­ficadora Brasileira de Registro (AC-BR), o credenciamento de várias Autoridades de Registro (ARs) e Instalações Técnicas (ITs) para emissão de certi­ficados digitais ICP-Brasil, além da constituição da Autoridade de Carimbo do Tempo Registradores (ACT-R), da Entidade Emissora de Atributos Registradores (EEA-R), da Central Nacional do Documento Eletrônico (CNDE) e do desenvolvimento de várias ferramentas de suporte, tais como Assinador Digital Registral de Documentos Eletrônicos, SDK (assinatura digital, carimbo do tempo e certificado de atributo - Cades e Pades), Certidão Express e Digitação Retroativa – RI, entre outros.

Todavia, pela falta de uma cultura de autorregulação, induzida por sua origem, quando era um serviço auxiliar do Judiciário, a incorporação massiva das novas tecnologias, que aplicadas responderão pelo Registro de Imóveis Eletrônico, ainda está na dependência da edição de ato normativo, que abranja a comunidade de registradores do país.

A introdução das tecnologias na área do Registro de Imóveis não é uma intervenção, de todo, pacífica, fácil e que se conclua com um final. É um processo contínuo, constante e ao qual, portanto, temos que ir nos adaptando.

Ainda assim, registra-se, com agrado, os esforços, o comprometimento e a persistência de um grande número de registradores de imóveis brasileiros, para que sejam removidas as barreiras de acesso à modernização da atividade.[27]

DEDICATÓRIA

Dedico estas linhas a MANUEL MATTOS, que me ensinou em 2005 que: "Desconhecer o que é a 'economia digital' e seus efeitos na continuidade dos negócios de qualquer segmento não deve ser motivo de vergonha para ninguém, pois se trata de um conceito verdadeiramente revolucionário, que exige olhar para as coisas por um novo ângulo. Insistir em desconsiderá-la, no entanto, pode ser um erro estratégico crucial”.

....

Dedico, também, aos jovens registradores do Brasil, que vão reinventar o Registro de Imóveis deste país, valendo-se dessa maravilhosa invenção: a informática.[28]

Acredito que essa juventude digital mudará o modo como fazemos o Registro acontecer.[29] Gostaria de saber aonde essa mudança nos levará, apesar de futura est proprium Dei.De qualquer forma, estou feliz por estar aqui neste exato momento e ser testemunha do nascimento desse novo ser: o Registro de Imóveis Eletrônico.

PEDIDO DE DESCULPAS

Peço desculpas pela audácia de adentrar em temas próprios de novas gerações. E, como não raro é acontecer nesta nostálgica quadra da vida, minha memória retrocedeu ao início de minha carreira, na década de 1960, quando tínhamos a máquina de escrever manual, com cópias a carbono, a caneta tinteiro Parker 21, a proibição do uso de esferográfica, e eu, ajudando o meu tabelião a "conferir e consertar" as públicas-formas[30] passadas por seus colegas. Como pensar, então, em registros sem papel, contidos apenas nas memórias de computadores?

REFLEXÃO FINAL

Computadores e softwares não fazem funcionar ou fracassar o Registro de Imóveis. O elemento-chave é o resultado da equação “pessoas + princípios jurídicos”.

 

 

 

 

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Sobre o autor
Flauzilino Araújo dos Santos

Oficial do 1º Registro de Imóveis de São Paulo, Capital e diretor de tecnologia e informática do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB). Foi presidente da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (2005/2015) e integrou vários Grupos de Trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), voltados para a modernização dos serviços de registro de imóveis, dentre eles, o GT cujas atividades resultaram na Recomendação CNJ Nº 14/2014, que dispõe sobre o modelo para criação e implantação, nos cartórios, do Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário (S-REI). É licenciado em Estudos Sociais, bacharel em Teologia, bacharel em Direito e mestre em Direito Civil. Autor de vários artigos publicados na Revista de Direito Imobiliário e do livro Condomínios e incorporações no registro de imóveis: teoria e prática, Editora Mirante, 2012.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este foi texto elaborado a partir da palestra apresentada no XLII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, realizado de 19 a 23 de setembro de 2015, em Aracajú (SE). O texto foi originariamente publicado no Boletim do IRIB em Revista - Edição nº 354 (ISSN 1677-437-X), publicado em março de 2016 (páginas 82 a 93).

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