O segurado especial trabalhador da agricultura familiar: uma análise situacional do município de Marabá/PA

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O artigo faz uma análise sistemática do segurado especial, no caso, o trabalhador rural, do município de Marabá, levando em consideração as recentes mudanças ocorridas na legislação previdenciária e suas possíveis consequências na efetivação da equidade.

Abstract

Analyzes to what extent the recent changes in pension legislation has contributed to the equity in the granting of benefits to particular insured, focusing on rural workers, linked to activities in family farming economy regime. An analysis was made of data collection provided by the INSS, Marabá/PA agency. The research is worth interview with union leader, in order to get closer to the local reality and better contextualization of data. Overall equity policy brought by the legislation has allowed women greater access to retirement by age. In rural areas the proportion of men who seek welfare assistance by accident issues and major disease. The results suggest the development of public policies to prevent and combat the risk of accidents and diseases which are exposed / as workers / as. It reveals that the policies effective access to social security aid also runs through the realization of the right to have and stay on earth.

Key-words: Social Security, Special Insured , Farm Worker, Family Agriculture , Equity

 

Resumo

 

Analisa em que medida as recentes mudanças na legislação previdenciária têm contribuído para a equidade na concessão de benefícios ao segurado especial, com foco no trabalhador rural, ligado a atividades em regime de economia de agricultura familiar. Foi feita uma análise da coleta de dados disponibilizados pelo INSS, agência Marabá/PA. A pesquisa se valeu de entrevista com líder sindical, com objetivo de aproximação com a realidade local e melhor contextualização dos dados. Em geral a política de equidade trazida pelos diplomas legais tem propiciado às mulheres o maior acesso a aposentadoria por idade. No âmbito rural a proporção de homens que buscam o auxílio previdenciário por questões de acidente e doença é preponderante. Os resultados sugerem a elaboração de políticas públicas para a prevenção e combate aos riscos de acidentes e doenças às quais estão expostos os/as trabalhadores/as.  Revela que a efetivação políticas de acesso aos auxílios previdenciários perpassa também pela efetivação do direito a ter e permanecer na terra.

Palavras-chave: Previdência Social, Segurado Especial, Trabalhador Rural, Agricultura Familiar, Equidade.

Introdução

 

A concessão da cobertura previdenciária aos trabalhadores rurais ocorreu de forma tardia no Brasil. Seja por conta das especificidades localizadas no próprio espaço, seja pelas questões históricas e sociais que envolveram a luta pela garantia de direitos dessa classe de trabalhadores. As transformações do sistema de previdência social brasileiro, nas últimas décadas, ocorreram num contexto de rápidas e importantes mudanças, registradas tanto no próprio país como em todo o mundo, na economia, na política e nos campos social e demográfico. As mudanças na legislação foram necessárias para, ao menos no plano formal, contribuir com a normatização do princípio da solidariedade, que norteia o sistema previdenciário do país.

 

Em face desse problema, a proposta deste artigo é avaliar em que medida as recentes mudanças na legislação previdenciária têm contribuído para a equidade na concessão de benefícios ao trabalhador rural, considerado segurado especial, ligado a atividades produtivas no seio da agricultura familiar. Entende-se por equidade a concessão de benefícios sem viés por sexo, cor, idade ou grau de escolaridade dos beneficiários.

 

Para atingir o objetivo proposto, serão avaliados os parâmetros legais que regulam o sistema de previdência social dessa categoria de beneficiário – no caso, segurado especial. Também se fará, ainda, análise sistemática dos dados fornecidos pelo Instituto Nacional do seguro Social (INSS), bem como análise da entrevista fornecida pelo líder sindical do sindicato dos trabalhadores rurais de Marabá. Cabe, portanto, analisar o papel das organizações não governamentais no que tange à assistência prestada aos trabalhadores rurais no acesso aos direitos previdenciários junto ao INSS,bem como na conscientização dos direitos dos trabalhadores rurais. O raio de circunscrição da coleta de dados foi restrito aos trabalhadores rurais situados na zona rural do município de Marabá

 

A proposta metodológica apresentada neste estudo visa responder três questões: i) quais os entraves enfrentados pelos trabalhadores rurais, classificados como segurados especiais? ii) qual a proporção entre trabalhadores segurados do sexo masculino, feminino e dependentes? iii) qual a importância das organizações não governamentais (Sindicatos, Comissão Pastoral da Terra, Movimento Sem-terra) em relação ao auxíliono processo de concessão de benefícios aos segurados especiais?

 

Em virtude do caráter diagnóstico da pesquisa nos valemos do levantamento bibliográfico, coleta de dados e entrevista. Esses três instrumentos combinam dados qualitativos (entrevista) e quantitativos (relatórios), compatíveis com a proposta da pesquisa de detectar, sistematizar e analisar criticamente os dados.

 

Importante destacar a contribuição de pesquisadores voltados para a abordagem do tema previdenciário no meio rural. Anita Brumer (2012), em “Previdência social rural e gênero”, apresenta a evolução do sistema de previdência social rural no Brasil, com destaque para os avanços obtidos pelas mulheres trabalhadoras rurais, que culminaram com a inclusão das mesmas como beneficiárias (direito à aposentadoria por idade e salário maternidade) na legislação aprovada pelo Congresso Nacional em 1988 e posteriores. Faz uma análise dos efeitos sociais da previdência rural para seus beneficiários, focalizando na região Sul do país, ressaltando-se seu papel na diminuição da pobreza rural e da desigualdade na distribuição da renda, assim como sua importância material e simbólica na mudança de relações de gênero no meio rural.

 

Augusto & Ribeiro (2011), em “O envelhecimento e as aposentadorias no ambiente rural: um enfoque bibliográfico”, propõe, a partir de uma revisão bibliográfica, uma análise dos efeitos do envelhecimento e das aposentadorias no cenário rural brasileiro, visto que é crescente a participação relativa do grupo etário idoso no conjunto total da população brasileira. Constata que, com a incorporação das mulheres neste benefício, abriu-se um novo leque de direitos, já que as mulheres idosas são maioria no campo. Existe um número cada vez maior de aposentadorias rurais por idade, o que permite evidenciar o envelhecimento da população rural e uma melhor redistribuição de renda nos domicílios desses idosos. O campo, que no passado dependia basicamente da renda advinda da produção agrícola, sujeita às intempéries, conta com mais esta alternativa de renda, razão pela qual o fenômeno de envelhecimento da população brasileira, especificamente no ambiente rural, denota a necessidade de políticas ajustadas ao setor, para que a concessão destes benefícios previdenciários não seja ameaçada no futuro.

 

Helmut Shwarzer (2000a), por sua vez, realizou um trabalho no estado do Pará, também com o objetivo de avaliar os impactos dos benefícios rurais. Constatou que os benefícios rurais concedidos aos clientes da Previdência Social representam aproximadamente 50% da renda total nos domicílios. Os números também demonstram a importância dos benefícios na manutenção familiar. O estudo foi compilado com base nos dados fornecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social e Instituto Nacional do Seguro Social (MPAS/INSS), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (Idesp), pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz-PA), Secretaria de Estado do Planejamento (Seplan-PA) e Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev), bem como a partir de uma pesquisa de campo no município de Igarapé-Açu, no nordeste paraense.

 

O artigo foi organizado da seguinte forma. Além desta introdução, a seção 2 discute a organização do sistema previdenciário no Brasil, com foco nos segurados especiais. A seção 3 traz uma breve contextualização a respeito dos direitos dos trabalhadores rurais.A análise dos dados coletados e da entrevista está subdivida em dois itens na seção 4. A seção 5 foi reservada às considerações finais.

2_A organização do sistema de previdência brasileiro e os segurados especiais

 

A previdência social consiste num seguro social, “constituído por um programa de pagamentos, em dinheiro e/ou serviços feitos/prestados ao indivíduo ou a seus dependentes, como compensação parcial/total da perda de capacidade laborativa, geralmente mediante um vínculo contributivo” (OLIVEIRAet alii, 1997, p.4). De modo geral, a Previdência Social pode ser estruturada através do sistema de capitalização ou através do sistema contributivo de repartição. No primeiro, as contribuições dos trabalhadores na ativa criam um fundo de participação que servirá de base para o seu benefício a receber no futuro, esse é o modelo bismarkiano de origem alemã, criado em 1883. Neste modelo, a Previdência Social é baseada no seguro social e tem como fundamento básico a contribuição do segurado sobre o rendimento, ou seja, ela estipula como regra de acesso, a contribuição prévia, tendo como bases fundamentais: saúde, invalidez e envelhecimento (SCHWARZER, 2000a).  Já no sistema contributivo de repartição, os trabalhadores na ativa financiam os aposentados do mesmo período, nos moldes do modelo beveridgiano, de origem inglesa, baseado no direito a uma aposentadoria universal básica, isto é, não há uma exigência de contribuição anterior para a obtenção de um benefício (SCHWARZER, 2000b). O surgimento desse modelo, após a II Guerra Mundial, constitui um marco histórico no processo evolutivo da seguridade social, visto que a cobertura universal é consequência da constatação de que, sendo atendidas as necessidades dos indivíduos, elas repercutem não só neles, mas também em toda a sociedade (WESTENBERGER & PEREIRA, 1997). No Brasil vigora o sistema contributivo de repartição, com a instituição de um fundo único para o pagamento dos benefícios previdenciários.

 

A Previdência Social, juntamente com a saúde e a assistência social, compõem a Seguridade Social, que é responsável por um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) foi a primeira a instituir no estado brasileiro o sistema de seguridade social, englobando as três áreas já mencionadas, estando prevista no Capítulo II, do Título VIII, nos artigos 194 a 204.  A previdência,é atualmente, de responsabilidade do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS) por meio da medida provisória 696/2015; a assistência é ligada ao Ministério do desenvolvimento Social e Combate à fome (MDS);e a saúde, ao Ministério da Saúde (MS).

 

Os princípios e objetivos da Lei de Benefícios da Previdência Social, encontram-se no artigo 2º, inciso II da Lei no 8.213/91 e reiteração na alínea b, parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.212/91, que trata do custeio, a “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais”, o que possibilitou, a partir de 1991, o acesso por parte dos segurados especiais aos benefícios previdenciários. Ademais, o legislador constituintee pós-constituinte (Emenda Constitucional 20/98) quis instituir um novo conceito dePrevidência ao incluir o regime de economia familiar na Previdência Social (art. 195),cuja estrutura de relações de trabalho é diferente do regime do trabalhador assalariado. Essa inovação érevolucionária, pois reconhece a diversidade do mundo do trabalho brasileiro e ampliapara o trabalho informal rural a previdência, que até então fora restrita ao contrato detrabalho formal.O segurado especial do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) está previsto no artigo 12, inciso VII, e no artigo 11, inciso VII das leis 8.212/91 e 8.213/91, respectivamente, diplomas que sofreram inúmeras alterações com o advento da Lei 11.718/2008. No Brasil, os trabalhadores rurais podem participar da previdência social através da contribuição regular para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou podem participar como segurados especiais, desvinculando a aposentadoria da contribuição compulsória.

 

Como consequência da nova disposição constitucional – regulamentada em leidesde 1991 –, temos hoje dentro do chamado Regime Geral da Previdência Social(RGPS) um sistema de Previdência Urbana, vinculado ao contrato formal de trabalho,nos moldes de um seguro social contratual; e uma Previdência Rural, desvinculadado contrato de trabalho, mas ancorada no reconhecimento do trabalho informalem regime de economia familiar como fonte legitimadora do direito previdenciário,na perspectiva da seguridade social.

 

A partir da Constituição de 1988 ficaram modificadas as regras de contribuição e financiamentoda Previdência Rural. O próprio texto constitucional (art. 195,§ 8º)[1]institui a contribuição sobre comercialização, vinculada ao regime de economia familiar,posteriormente regulamentada na Lei de Custeio.Essa contribuição pressupõe, na própria lei, a existência de produção comercializada,mas a ausência de produção não exclui o segurado especial do regime previdenciário.

 

É considerado segurado especial, conforme artigo 12, VII da Lei 8.212/91 e redação alterada pela lei 11.718/2008 a:

 

Pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título de mútua colaboração, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; ou

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida;

 c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.

 

Em síntese, a lei trata do pequeno trabalhador rural ou pescador artesanal, que trabalham individualmente ou em família para fins de subsistência e desenvolvimento econômico do núcleo familiar, sem a utilização de empregados permanentes. Como objetivo do trabalho, nos ateremos aos dispostos na alínea “a”, item 1, e alínea “c” do artigo citado, que trata especificamente da definição de trabalhador rural em regime de economia familiar e seus dependentes. Todavia, em algumas situações na análise dos dados será tecida comparação dessa categoria de segurado em relação ao grupo total de segurado especial.

 

Conforme exegese extraída do artigo citado, no caso do produtor rural que explore atividade agrícola ou pecuária, é considerado segurado especial apenas aquele cuja propriedade rústica tenha área equivalente a até 04 módulos fiscais[2], pois a exploração em terra com dimensão diferente descaracteriza a atividade familiar de subsistência.

 

De acordo com o § 1o do artigo mencionado, entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. A conceituação do regime de economia familiar foi trazida pela lei 11.718 de 2008, e é crucial para a caracterização da atividade desenvolvida por esse tipo de segurado. A lei também inovou ao trazer na conceituação a permissão de empregados “eventuais”, uma vez que a antiga redação proibia qualquer tipo de contratação, o que de fato representava uma afronta ao que havia sido disposto no texto constitucional. Dito de outra forma, a CF/88, no artigo 195, §8º, vetou a utilização de “empregados permanentes” no seio da economia familiar, o que significa dizer, em contrário sensu, que o legislador ordinário não foi proibido constitucionalmente de prever a contratação eventual de trabalhadores. A antiga redação na lei de custeio, antes da alteração em 2008, permitia apenas o “auxílio” de terceiros (o que remete à interpretação de ajuda voluntária, sem remuneração), sem que fosse permitida a contratação como empregado, dispositivo que já poderia ter sido declarado inconstitucional,uma vez que a aprovação da emenda só ocorreu em 1998, e a edição da lei promovendo nova redação ao dispositivo, dez anos depois, em 2008.

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Considera-se como pequena propriedade ou posse rural familiar aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no artigo 3º da Lei 11.326, de 24 de julho de 2006 (Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais), na qual há a exigência de que o imóvel rural seja de até quatro módulos fiscais, dentre outros requisitos (AMADO, 2015).

 

Há entendimento jurisprudencial firmado no STJ no sentido de que, quando a classificação da propriedade se dá como latifúndio de exploração[3], torna-se pouco factível conferir à atividade realizada pelos membros do núcleo familiar qualidade de mútua dependência, indispensável à sua própria subsistência, descaracterizando a condição de segurado especial, a exemplo do julgamento do Agravo no Recurso Especial 68.166/BA[4], publicado em 07.03.2012. Portanto, a mudança no modelo de atividade, no caso de propriedade de subsistência, responsável pelo desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, para propriedade de exploração econômica superando o objetivo de subsistência e buscando a lucratividade, por exemplo, implica diretamente na concessão do benefício ao segurado especial.

 

A lei assegura a inclusão do cônjuge, o companheiro, ou o filho como segurados especiais (alínea c, inciso VII, artigo 12). Os mesmos deverão comprovar que exercem atividades laborais no grupo familiar. O dispositivo também alterou a idade mínima para a filiação do segurado especial de 14 para 16 anos, conforme disposto constitucionalmente no art. 7º, XXXIII.

 

Cabe salientar que, conforme disposto na Instrução Normativa (IN)[5] nº77/2015 do INSS, a situação de estar o cônjuge ou companheiro em lugar incerto e não sabido (ausente), decorrente do abandono do lar, não prejudica a condição de segurado especial do cônjuge ou do companheiro que permaneceu exercendo a atividade regularmente, seja de forma individual ou em regime de economia familiar.O falecimento de um ou ambos os cônjuges ou companheiros não retira a condição de segurado especial do filho maior de dezesseis anos, desde que permaneça exercendo a atividade, individualmente ou em regime de economia familiar.

 

Na mesma IN, artigo 39[6],integram o grupo familiar o cônjuge ou companheiro, inclusive homoafetivos, também podendo ser enquadrados como segurados especiais, o que demonstra o reconhecimento na seara executiva (no caso, a autarquia federal INSS) das relações homoafetivas, em consonância com o princípio constitucional da dignidade humana invocado no julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) naAção Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, dando interpretação conforme a Constituição para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

 

Desta forma, tem-se a nítida percepção de que,pelas inovações trazidas pela lei 11.718/ 2008 e desdobradas na instrução normativa, importa mais a atividade exercida pelo segurado – caracterizada pelo regime de economia familiar – do que as suas características pessoais (casado, solteiro, homossexual, divorciado, viúvo), contribuindo para o ideal de equidade, ao menos em nível formal.

 

O §9º do artigo 12 da Lei 8.212/91, inserido pela lei 11.718/08, trata das situações que não descaracterizam a condição de segurado especial. Inova ao possibilitar, entre outros pontos, que o segurado possa figurar como representante classista de trabalhadores rurais e mesmo como vereador do município onde desenvolve atividade rural, sem perder essa condição. Permite ainda que o segurado especial outorgue até metade da sua propriedade, desde que o outorgado desenvolva a mesma atividade campesina para a subsistência familiar.

 

Ademais, o mesmo dispositivo permitiu ao segurado especial desenvolver, paralelamente com a atividade principal, a atividade turística, desde que não ultrapasse 120 dias por ano (art. 12, §9, II da lei 8.212/91). Passou a autorizar a lei também que o segurado especial seja incluído em plano previdenciário complementar privado, de sua categoria (instituído por sindicato rural, por exemplo), podendo inclusive ser beneficiário de programas sociais, como o programa Bolsa Família, sem perder o devido enquadramento.

 

3_ Breve contextualizaçãoacerca dos direitos dos trabalhadores rurais

 

As lutas pelos direitos trabalhistas ocorreram de forma distinta na realidade urbana e rural do país, seja pelas especificidades naturais de cada espaço, seja pela situação histórica vivenciada por cada categoria de trabalhador. O trabalhador urbano – pela sua proximidade dos centros de decisão e pela maior consciência dos seus direitos -, explicável pela influência ideológica negadora do status quo, de orientação internacionalista – pôde reivindicá-los e alcançá-los com maior “celeridade”, não só pela atuação, mas pela intervenção do Estado na tentativa de legalizar a questão social. O trabalhador rural, na sua dispersão, não conseguiu a força necessária para pressionar os governantes e emergir do estado em que era colocado. Essa é uma das explicações para a demora na regulamentação das leis trabalhistas no campo (FERRANTE, 1976:4).

 

Enquanto o trabalhador urbano, basicamente sob a influência da orientação anarquista, com raízes históricas nas classes operárias, organizava-se e se valia de instrumentos grevistas ou outras manifestações populares contra a condição exploratória de seu trabalho e para a regulamentação de seus direitos (FERRANTE, 1976:5), no campo foi preciso uma somatória de esforços de organizações e movimentos populares para “reunir” essa massa dispersa em torno de um desejo comum[7] de combate ao conformismo rural que permeou essa classe até meados da segunda metade da década de 50 (BRUMER, 2012: 5)..

 

Embora já na Constituição de 1934 estivesse inscrito que todo trabalhador brasileiro possuía direito à proteção da previdência social, não houve a extensão da proteção social aos trabalhadores rurais. Entre os vários motivos que poderiam ser suscitados para explicar o fato, o principal parece ser o de os trabalhadores rurais – não obstante a população rural constituir a maioria da população brasileira até a década de 60 – não representarem grupo de pressão com capacidade de articulação política e vocalização suficiente a tal ponto que o Estado populista paternalista nele visse um grupo social a ser integrado e cooptado por meio da expansão significativa da cobertura de programas sociais (SHWARZER, 2000). Esse padrão de expansão da cobertura previdenciária, em círculos concêntricos desde o núcleo funcionalmente estratégico aos respectivos modelos de desenvolvimento, relegando os poucos articulados e vocais setores rurais e de serviços urbanos informais, é uma característica geral da expansão histórica da previdência social em praticamente todos os países da América Latina (MESA-LAGO apud SHWARZER, 2000).

 

Até meados da década de 60 a população do país era considerada eminentemente rural. Nessa época começaram a surgir as “ligas camponesas” com pauta de reivindicações socioeconômicas, entre elas a de uma reforma agrária. Como reação a essas pressões, entre outras medidas, foi sancionada a lei 4.214/63, na qual instituiu o Estatuto do Trabalhador Rural, no governo de João Goulart.A partir de então, foram tomadas as primeiras iniciativas para estender a cobertura previdenciária aos trabalhadores rurais. A primeira dessas iniciativas – o Estatuto do Trabalhador Rural, de 2 de março de 1963 – regulamentou os sindicatos rurais, instituiu a obrigatoriedade do pagamento do salário mínimo aos trabalhadores rurais e criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FAPTR), posteriormente, em 1969,denominado FUNRURAL. Na prática, a cobertura previdenciária aos trabalhadoresrurais não se concretizou, pois os recursos (financeiros e administrativos)necessários à sua efetivação não foram previstos na legislação (BRUMER, 2002:4).Regulamentou por meio de Portaria (nº 395, de 17 de julho de 1965), o processo de fundação, organização e reconhecimento dossindicatos e o que significa, para fins de sindicalização, Empregador Rurale Trabalhador Rural. No entanto, os autores são unânimes em afirmar que o plano de custeio, baseado principalmente sobre uma contribuição de 1% sobre o valor da primeira comercialização do produto rural e com recolhimento de obrigação legal do próprio produtor agrícola, não forneceu uma base financeira suficiente à execução do programa, tornando, ademais, a fiscalização e o recolhimento das contribuições absolutamente inviáveis (MALLOY apud SHWARZER, 2000).

 

A partir de 1972, o Prorural/Funrural passou a cobrir os trabalhadores rurais e pescadores, e a partir de 1975, os garimpeiros, bem como seus dependentes, oferecendo como benefícios a aposentadoria por idade aos 65 anos, a aposentadoria por invalidez, a pensão para viúvas e órfãos, auxílio-funeral e assistência médica. A percepção de aposentadoria por idade ou invalidez era devida apenas ao chefe de família e perfazia o valor de meio salário mínimo. A pensão equivalia a apenas 30%. A partir de 1974/75, foi incluída no plano de benefícios a renda mensal vitalícia (RMV) para idosos a partir dos 70 anos de idade ou por invalidez para os que não completassem os requisitos estabelecidos para a aposentadoria/pensão, também no valor de meio salário mínimo, bem como o seguro de acidentes de trabalho rural. A administração da assistência médica era via convênios com organizações locais, em especial sindicatos rurais, que estavam explicitamente previstos como parceiros do Funrural na Lei 11/1971 (Art. 28).

 

Um dos pontos considerados inovadores do fundo foi a ruptura com o padrão contributivo bismarkiano, totalmente incompatívelcom as inconstâncias do meio rural. Esse modelo, baseado em contribuições do segurado sobre seu rendimento para o financiamento do esquema e para a determinação do acesso aos benefícios, foi pensado para trabalhadores urbanos, primordialmente industriais, com emprego assalariado formal e rendimentos regulares. A realidade do campo, no entanto, apresenta especificidades, com rendimentos em periodicidades diferentes daquelas exigidas pelos esquemas tradicionais de previdência, com irregularidade de fluxos monetários, formas diferenciadas de ocupação (posse, pequena propriedade com agricultura familiar, assalariamento, trabalho volante, parceria, arrendamento etc.), (BRUMER, 2012: 3). Dessa forma, a capacidade contributiva do setor rural para um sistema de previdência baseada no modelo bismarckianoé extremamente limitada, o que se reflete em um histórico de baixíssimas taxas de cobertura previdenciária entre a população ocupada na agricultura.

 

A constituição de 88 contribuiu ainda mais com essa ruptura, extinguindo o tratamento administrativo institucional apartado dado ao setor rural na previdência social, prevendo a universalização do acesso a homens e mulheres, com a inclusão dos trabalhadores rurais e dos segurados em regime de produção familiar, chamados de “segurados especiais”, no plano de benefícios normal do Regime Geral de Previdência Social. Nesse sentido,

 

os riscos cobertos pela previdência, bem como os valores mínimos e máximos dos benefícios concedidos, passam a ser iguais para todos os contribuintes do sistema, desaparecendo assim as desigualdades decorrentes do plano anterior, que discriminava a população urbana da rural (OLIVEIRA et al, 1997, p.10).

 

A primeira especificidade continuou residindo na forma de contribuição do segurado especial, onde, em vez de contribuições sobre a remuneração percebida, manteve-se a contribuição sobre a produção comercializada, cujo recolhimento é encargo do comprador. Esta equiparação dos segurados em termos de plano de benefícios significou que, tal qual para os segurados normais do INSS, o piso de benefícios para aposentadorias e pensões passou a ser de um salário mínimo (com aplicação imediata aos benefícios concedidos antes de 1988) e as mulheres vieram a ter acesso à aposentadoria independentemente de o cônjuge já ser beneficiário ou não.

 

Se a inclusão dos trabalhadores rurais foi tardia em relação a outras categoriasprofissionais, a inclusão das mulheres rurais trabalhadoras ocorreu aindamais tarde, principalmente porque, para poder receber os benefícios da previdênciasocial deviam, antes de mais nada, ser reconhecidas como trabalhadorasrurais. Esse reconhecimento, por sua vez, era de difícil comprovação, tendoem vista que grande parte do trabalho feito por elas é invisível, sendogeralmente declarado como ‘ajuda’ às tarefas executadas pelos homens e,com freqüência, restrito às atividades domésticas, mesmo que essas incluam atividade vinculadas a produção. Assim, no início consideradas como ‘de pendentes’, seja dos pais ou dos maridos, passam paulatinamente a seremvistas como ‘autônomas’, portadoras de direitos individuais, o que lhes permiteserem incorporadas como beneficiárias da previdência social. (BRUMER, 2011: 4)

 

Os estudos de Beltrão et al. (2000),apesar de não serem fruto dos dados atuais, nos auxiliam no entendimento dessa demanda “previdenciária feminina” pois sugerem que a inserção dosidosos nos domicílios rurais aumentou 2% no período de1988 a 1996. O crescimento é atribuído ao envelhecimentoque o setor rural vem sofrendo nos últimos anos. Aliadosa esses números, dados da Previdência Social para operíodo de 1992 a 1994 revelam que 88% das concessõesde benefícios rurais foram para as aposentadorias poridade. As concessões de aposentadorias por idadeaumentaram em mais de 400% (de 129 mil para 670 milaposentadorias) no período de 1991 a 1992, período emque as mulheres rurais entraram no sistema previdenciário.Os anos de 1992 e 1993 apresentaram números recordespara o setor rural (919 mil aposentadorias), quando asmulheres se destacam ao longo do período de análise,permitindo, assim, inferir o que diversos autoresdenominam de feminização na velhice.(BELTRÃO apud AUGUSTO & RIBEIRO, 2011:4)

 

Uma segunda especificidade diz respeito à diferença de tratamento correspondente às formas de comprovação do tempo de atividade rural, a ser documentada na mesma extensão que o período de contribuição mínimo previsto para os segurados urbanos. A comprovação da atividade rural pode ser feita – além das possibilidades elencadas para os trabalhadores urbanos – por meio da documentação comprobatória do uso da terra (contrato de parceria ou arrendamento, termo de propriedade do terreno etc.), notas de venda da produção rural (bloco de notas do produtor rural) ou declaração expedida pelo sindicato rural e homologada pelo INSS.

 

4_ Análise dos dados

4.1_ análise dos dados fornecidos pelo INSS/Marabá-PA

 

Nesta seção, serão apresentados os dados fornecidos pelo INSS – agência Marabá –, considerando os dados dos segurados especiais residentes no perímetro rural da cidade. Os dados constam nos registros dos bancos de dados da referida agência de segurados ativos, atualizados até o dia 27.04.2016. O relatório apresentado pela autarquia permitiu a sistematização, distinguindo o total de beneficiados por sexo, levando em consideração os 7 campos: 1.pensão por morte previdenciária; 2.auxílio doença previdenciário; 3.aposentadoria por invalidez previdenciária; 4.aposentadoria por idade; 5.auxílio salário maternidade; 6.auxílio doença por acidente do trabalho e;7.aposentadoria por invalidez – acidente do trabalho, conforme demonstrado na tabela 1:

 

Tabela 1: Quantidade de segurados especiais ativos

ATIVOS

ESPÉCIE

SEXO

FACULTATIVOS

SEGURADO ESPECIAL

TOTAL

1.Pensão por Morte Previdenciária

Total

0

2703

2703

 

Masculino

0

608

608

 

Feminino

0

2095

2095

2.Auxílio Doença Previdenciário

Total

1

155

156

 

Masculino

1

100

101

 

Feminino

0

55

55

3.Aposentadoria por Invalidez Previdenciária

Total

2

210

212

 

Masculino

1

158

159

 

Feminino

1

52

53

4.Aposentadoria por Idade

Total

0

8075

8075

 

Masculino

0

3075

3075

 

Feminino

0

4999

4999

 

Não Informado

0

1

1

5.Auxílio Salário Maternidade

Total

0

1

1

 

Feminino

0

1

1

6.Auxílio Doença por Acidente do Trabalho

Total

0

7

7

 

Masculino

0

7

7

7.Aposentadoria por Invalidez Acidente Trabalho

Total

0

1

1

 

Masculino

0

1

1

Total

Total

3

11152

11155

 

Masculino

2

3949

3951

 

Feminino

1

7202

7203

 

Não Informado

0

1

1

Fonte: INSS/agência de Marabá-PA em 27.04.2016.Os facultativos são os segurados com recolhimento, no caso, os pescadores.

 

Ressalta-se que do total de 11.152 segurados, 64,5% são mulheres, com 61,9% beneficiadas com a aposentadoria por idade. A distribuição dos benefícios por gênero revela o montante maior de mulheres devido à quantidade de aposentados por idade ser o campo de maior incidência dentro do subsistema de beneficiários segurados especiais, e justamente representar mais de 4/5 dos benefícios mantidos. Essa incidência pode ser explicada em parte pelo fato de as mulheres poderem aposentar-se cinco anos mais cedo e terem expectativa de sobrevida maior. Esse último fato demonstra que o acesso feminino aos benefícios pelos critérios de atividade laboral definidos para a aposentadoria rural por idade é mais igualitário e universalizado. Revelam também que, nesse caso, as mulheres possuem um importante papel na parcela de contribuição na renda familiar, principalmente no seio da agricultura familiar, uma vez que o auxílio previdenciário possui como função: repor os rendimentos do segurado no período de inatividade; e combater a pobreza, ao evitar que idosos permaneçam sem rendimento em momento do seu ciclo de vida em que, por questões físicas e convenção social, eles já não mais devem ser expostos ao fardo do trabalho.

 

Com a implementação da nova legislação referente à previdência rural a partir de 1992, verificou-se, como era de se esperar, um pronunciado aumento do número de benefícios mantidos pelo sistema previdenciário. Isto se deu porque as novas regras universalizaram de direito o acesso feminino ao subsistema (como já explanado na seção anterior), além de ter sido reduzida a idade para a aposentadoria por idade de 65 (homens e mulheres) para 60 anos e 55 anos (homens e mulheres, respectivamente).

 

Os dados correspondentes ao auxílio doença, auxílio doença por acidente de trabalho e aposentadoria por invalidez por acidente de trabalho revelam que os homens estão mais suscetíveis a doenças e acidentes na atividade laboral. No campo auxílio doença, a proporção é de 64,5% para homens e 35,4% para mulheres. Já nos campos auxílio doença por invalidez e aposentadoria por invalidez em decorrência de acidente do trabalho, a incidência é de 100% de pessoas do sexo masculino, o que requer uma maior intervenção do poder público na elaboração de políticas públicas de prevenção desses acidentes e doenças voltadas para as especificidades enfrentadas pelo trabalhador rural.

 

Essas informações se coadunam diretamente com o campo pensão por morte previdenciária, onde a grande quantidade de beneficiário é do gênero feminino, ou seja, 77,5%. Os trabalhadores rurais masculinos estão mais expostos a doenças e acidentes, já as mulheres mais propensas a perceberem pensão por morte, conforme resta demonstrado no gráfico abaixo:

 

Gráfico 1: Segurados Ativos no INSS agência Marabá

Fonte: INSS Agência Marabá/PA

Os dados induzem à interpretação de que a maior parte de beneficiários da previdência social quando ativos são do sexo masculino.Já no que diz respeito aos beneficiários inativos, a recorrência maior é de pessoas do sexo feminino.  A ineficiência dos dados não nos permite inferir se seriam pensões por morte do cônjuge ou companheiro, ou por morte dos ascendentes. Os dados também são ineficientes para detectarmos a quantidade de segurados em regime de união estável, casados ou em relação homoafetivas.

 

 

4.2_Resultado da entrevista de campo

 

A entrevista foi concedida pelo Sr. José Maria Martins Cajueiro, atual presidente do sindicato de trabalhadores rurais de Marabá, 2º mandato da gestão 2015-2019. O objetivo da entrevista foi verificar qual o papel da organização sindical em relação ao suporte propiciado aos trabalhadores nos processos de concessão de benefícios previdenciários. Optou-se por realizar essa entrevista, sob o enfoque qualitativo e quantitativo, em virtude da necessidade de contextualização dos dados analisados, tendo em vista a relevância social que a instituição sindical representa neste contexto, informações estas que não estariam disponíveis em outro espaço.

 

Atualmente, o município de Marabá é o quarto mais populoso do Pará, com 262.085 habitantes em 2015, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[8], e com o 4º maior produto interno bruto (PIB) do estado em 2013, com 5,2 bilhões de reais. O seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é 0,668, considerado médio pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/2010. Sua renda per capita em 2013 era de R$ 20.687,01. É o principal centro socioeconômico do sudeste paraense e um dos municípios mais dinâmicos do Brasil.

 

O município possui, segundo o presidente sindical, cerca de 80 assentamentos[9], além de outros acampamentos e ocupações em curso, com trabalhadores que estão há quase 300 km de distância do núcleo urbano, às vezes conflitando com a área rural de outros municípios, conforme salienta o entrevistado.Para atender as demandas dos trabalhadores rurais, o sindicato conta com uma equipe de 18 pessoas. Possui uma assessoria jurídica composta dois advogados vinculados à Comissão Pastoral da Terra: Dr. Batista e Dra. Cláudia Vieira. Um deles cuida dos trabalhadores rurais enquadrados na categoria de segurados especiais, viabilizando todo o processo jurídico para a aquisição de benefícios previdenciários; o outrose atém às questões agrárias. O sindicato é organizado por secretarias temáticas, diretoria executiva, suplência e conselho fiscal para atender os 13.654 trabalhadores associados. O entrevistado esclarece que embora não possa dar uma estimativa precisa tanto do percentual etário quanto de sexo dos nossos associados – haja vista não termos compilados estes dados – o que posso presumir, com base nas observações feitas ao longo de nosso trabalho junto aos agricultores, é que são em sua maioria homens (cerca de 50%) enquanto temos aproximadamente 40% de mulheres, ficando os 10% restantes atribuídos àqueles entre 16 e 18 anos.

Quando indagado sobre as maiores dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores e também pelo sindicato quando se trata do acesso à terra, o presidente sindical respondeu:

 

Este pode ser o considerado o maior entrave na luta desenvolvida pelos trabalhadores, que também envolve o nosso trabalho. Desde sempre, os movimentos sociais ligados à questão rural têm lutado por uma reforma agrária instituída pelo poder público em suas diferentes instâncias de poder – executivo, legislativo e judiciário – e os avanços têm acontecido a passos muito lentos. Quando se trata de reforma agrária, é preciso dizer que hoje, no Brasil, ela só é instituída por meio da pressão social. O INCRA, que é o órgão federal responsável para viabilizar a reforma agrária no país, não age de forma voluntária porque, quase sempre, os interesses dos grandes latifundiários falam mais alto que os dos trabalhadores rurais que necessitam de um pedaço de chão para cultivarem o próprio sustento. E nessa guerra de interesses, quem sai em desvantagem é o trabalhador, que não dispõe de recursos financeiros nem de conhecimento jurídico para ao menos ver esperança de conseguir seus objetivos quando se trata da aquisição da terra. Nos conflitos agrários, os seguintes agentes sempre estão envolvidos: o latifúndio, o INCRA, o judiciário, o sindicato e o trabalhador. Entretanto, mesmo com as dificuldades, o nosso sindicato de Marabá, juntamente com outras associações e movimentos como a FETRAFI e o MST, temos 86 projetos de assentamento encaminhados em nosso município. São conquistas que ficam mais relevantes quando colocamos em evidência o Estado do Pará, principalmente a região sul e sudeste, que mantém Marabá como uma das cidades com maior desenvolvimento regional(CAJUEIRO, 2016).

A pergunta, apesar de não corresponder diretamente ao tema previdenciário, encontra guarida na temática suscitada na entrevista por ser relevante para a compreensão das dificuldades enfrentadas pelo trabalhador rural, no caso, osegurado especial. Ou seja, o maior entrave está no exercício da atividade rural, na luta pela terra, na formalização da área de assentamento pelo INCRA, fatores que não podem ser analisados isoladamente ao tratarmos da situação previdenciária dos trabalhadores rurais. Se não há como exercer atividade rural por conta desses entraves, há maior dificuldade em se comprovar o exercício dessa atividade junto ao INSS e obter cobertura previdenciária:

Se cada trabalhador rural, que é acompanhado pelo sindicato, tivesse seu pedaço de chão regularizado, com certeza ficaria muito mais fácil e rápido o desenrolar do processo de aposentadoria. Como se sabe, existem alguns critérios para que o trabalhador rural possa ser enquadrado na categoria de segurado especial, porém a demora na desapropriação de muitas fazendas ocupadas pelos trabalhadores obriga muitos deles a trabalharem apenas nos arredores dos acampamentos (CAJUEIRO, 2016).

O trabalho sindical ocorre em articulação com o Movimento Sem Terra (MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), movimentos de forte atuação na região, principalmente a partir da década de 80/90, fruto do processo histórico, marcado pela forte disputa organizada pela terra. A fala do sindicalista dialoga com o trabalho de Michelloti (2010), poiso autor faz uma análise de como se desenvolveu a luta pela terra no sudeste paraense.Afirma que o ano de 1987 marca a conquista dos primeiros assentamentos nos municípios que compõem o chamado ‘Território do Sudeste Paraense’, dando início à ‘territorialização da luta’. Desde esse ano, os camponeses e suas organizações assumiram na região uma perspectiva de que asocupações de terras e os acampamentos, visíveis e abertos à sociedade, passavam a seconfigurar como um novo instrumento de pressão ao Estado para a obtenção de posse formal da terra através da criação dos Projetos de Assentamentos.

 

O líder sindical relatou ainda que além do entrave da luta pela terra, a permanência nela também é um problema, uma vez que não há um programa de governo local que venha a subsidiar as atividades dos agricultores rurais no município. Segundo ele, há um desamparo do poder público em não priorizar esse tipo de atividade.

 

5_Considerações Finais

É notório que o recebimento de um benefício da previdência rural fixa o agricultor aposentado ao campo junto com seus dependentes, evitando o êxodo rural. Além de contribuir com a renda familiar do agricultor aposentado, a cobertura propiciada pela legislação previdenciária ao segurado especial visa ainda colaborar para o estímulo à atividade no seio da agricultura familiar, com a inclusão do cônjuge e dependentes.

 

A pesquisa diagnosticou, a partir dos dados fornecidos, a disparidade entre a quantidade de segurados do sexo feminino figurando com aposentadoria por idade no meio rural de Marabá, propiciada principalmente pela diminuição dada pela lei na idade de aposentadoria, e também pela evidente participação das mulheres nas atividades no seio da agricultura familiar. Revelou também que os trabalhadores do sexo masculino estão mais suscetíveis a doenças e acidentes de trabalho,o que chama atenção para o número alarmante de segurados, beneficiários desses auxílios. Necessário portanto, um trabalho mais profundo a fim de se verificar quais tipos de doenças e acidentes são reincidentes e expõem os homens e mulheres do campo. Esse trabalho poderá possibilitar ações planejadas de políticas públicas no combate a essa exposição, é o que sugere a pesquisa.

 

A entrevista concedida pelo líder sindical nos possibilitou um contato mais próximo com a realidade desses trabalhadorese dos desafios e enfrentamentosdiários no tocante à luta pela terra e também a permanência nela. Constatamos que os entraves na efetivação do direito aos benefícios previdenciários, perpassa pela luta por outros direitos, como o direito a uma reforma agrária decente, programas dos governos que venham a fortalecer as atividades no campo, já que não há como dissociar um tema do outro. Salientamos, na primeira seção que os dispositivos que tratam do segurado especial têm como foco a atividade rural em regime de economia familiar.Ora, se a própria atividade encontra-se prejudicada por questões maiores – como a morosidade na reforma agrária –, obviamente o acesso aos benefícios previdenciários são prejudicados em virtude dessa enorme pendência. Projetar atividades que estimulem a permanência do homem no campo e incentivar os governos e sociedade em geral a apoiarem a luta do trabalhador rural deve ser o foco das discussões, principalmente nos espaços de saber científico, a fim de que este trabalhador seja dignificado em seu labor, e as desigualdades sociais vividas por ele no seu espaço sejam dirimidas em face da amplitude que uma justiça agrária requer.

 

 

 

 

 

 

Referências

AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. Salvador, Bahia: Editora Juspodivm, 2015.

 

BARROS, Aidil Jesus da Silveira e LEHFELD, Neide Aparecida de Sousa. Fundamentos de Metodologia Científica: Um guia para a iniciação científica.São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2000.

BRASIL. Lei nº 8.212 de 24 de julho 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio. Brasília: Congresso Nacional, 1991.

 

_______. Lei 11.718 de 20 de junho de 2008. Altera as leis 8.212 e 8.213 de 1991. Brasília: Congresso Nacional, 2008.

 

_______. Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Brasília: Congresso Nacional, 1991.

 

BRUMER, Anita et al. Previdência social rural e gênero. Sociologias, v. 4, n. 7, p. 50-81, 2002.

 

CAJUEIRO, José Maria Martins. José Maria MartinsCajueiro: depoimento [abr. 2016]. Entrevistadores: Heide P.N. Castro e Helian dos R. Paulino. Marabá/PA: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá, 2016. Entrevista concedida ao Projeto de pesquisa, alunos de direito 2012, Unifesspa.

 

DOS ANJOS AUGUSTO, Hélder; RIBEIRO, Eduardo Magalhães. O envelhecimento e as aposentadorias no ambiente rural: um enfoque bibliográfico. Organizações Rurais & Agroindustriais, v. 7, n. 2, 2011.

 

FERRANTE, Vera Lúcia Silveira Botta. O estatuto do trabalhador rural e o funrural: ideologia e realidade. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais, v. 1, n. 1, 1976

MICHELOTTI, Fernando. Luta pela Terra e Assentamentos no Sudeste do Pará. Antropolítica, v. 900, p. 246, 2010.

 

OLIVEIRA, Francisco E. B. de; BELTRÃO, KaizôIwakami; FERREIRA, Mônica Guerra. Reforma da Previdência. Rio de Janeiro: IPEA, 1997

 

SCHWARZER, H. Impactos socioeconômicos do sistema de aposentadorias rurais no Brasil: evidências empíricasde um estudo de caso no Estado do Pará. Rio de Janeiro:IPEA, 2000ª.

 

SCHWARZER, H. Paradigmas de previdência social rural: um panorama da experiência internacional. Rio de Janeiro: IPEA, 2000b.

 

WESTENBERGER, R.; PEREIRA, F. C. Previdência social no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/CPPEAD, 1997. 39.

 

 


[1] “O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei”.

[2]Módulo fiscal é uma medida de área expressa em hectares, fixada para cada município pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), considerando vários fatores previstos no Estatuto da Terra

[3] “é o imóvel que, tendo as dimensões equivalentes a de um até seiscentos módulos, "seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja, deficiente ou inadequadamente explorado". Definição dada pelo INCRA em consonância com os artigos 41 e 46 do Estatuto da Terra.

[4]http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21597683/agravo-regimental-no-agravo-em-recurso-especial-agrg-no-aresp-68166-ba-2011-0245977-4-stj/inteiro-teor-21597684

[5]http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Instrucao-normativa-inss-77-2015.htm

[6] Art. 39, § 1º, I - integram o grupo familiar, também podendo ser enquadrados como segurado especial, o cônjuge ou companheiro, inclusive homoafetivos, e o filho solteiro maior de dezesseis anos de idade ou a este equiparado, desde que comprovem a participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar;

[7]Destacam-se a atuação da Comissão Pastoral da Terra, Movimento Sem-terra e sindicatos, com mais força a partir dos anos 80.

[8]http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=150420&search=para|maraba|infograficos:-informacoes-completas

[9] Com 7.143 assentadas vinculadas à Marabá/PA. Atualmente a superintendência do INCRA em Marabá, SR 27, possui o maior número de assentamentos do país, que abrange vários municípios do Sul e Sudeste do Pará, perfazendo um total de 511 assentamentos, com 72.222 famílias assentadas. Fonte: http://www.incra.gov.br/maraba

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Sobre a autora
Heide Patricia Nunes de Castro

Graduação em Direito- Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará- UNIFESSPA. Gaduação em Letras- Universidade Federal do Pará- UFPA. Especialista em Gestão Publica- UFPA. Especialista em Direito do Trabalho - Instituto Pro-Minas

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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