Liberdade religiosa e os limites de intervenção do Estado Laico no âmbito público

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15/07/2016 às 18:35
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Analisa primordialmente o avanço de um Estado religioso para um Estado moderno como um ente neutro que busca garantir a paz social, e abolir a intolerância.

1. Introdução

Por muito tempo o Estado interviu nas relações dos indivíduos estabelecendo quais crenças que deveriam seguir. Não havia nenhuma separação entre a igreja e o Estado. Com o surgimento das ideias de liberdade, a intervenção estatal foi cada vez mais diminuindo. Consequentemente, provocou a decadência de um Estado totalmente intervencionista e religioso, nascendo um Estado moderno.

O Estado passou a garantir a liberdade aos cidadãos, dentre elas a liberdade de religião, dando origem ao conceito laicismo que denota total ausência de envolvimento religioso em assuntos governamentais. No entanto, o Estado não só não mais intervia nas escolhas religiosas, mas limitava essa liberdade de crença, garantido que cada um na sua esfera privada pudesse exercer esse direito sem que interferisse na liberdade do outro.

Um estado laico confere liberdade para quem crê como para incrédulos, proporcionando aos seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa proscrevendo a intolerância e o fanatismo. No Brasil, a liberdade de religião foi consagrada como direito fundamental na Constituição Federal de 1988, o prescrevendo como um país laico. Porém, a realidade mostra que ainda existe uma acentuada conjunção entre o Estado e a igreja, quando ainda observamos a presença de símbolos religiosos em órgãos públicos.

Em virtude dessa perceptível união entre o Estado e a igreja no Brasil, apesar de constitucionalmente declarado Laico, surge à necessidade de estudar minuciosamente a liberdade de religião com a chegada de um Estado moderno. Reforçando a ideologia do laicismo e seus efeitos, como forma de solucionar a intolerância religiosa e o fanatismo.

O presente trabalho pretende demostrar que a laicidade do Estado não é uma convicção entre outras, mas a condição exordial para coexistência entre todas as convicções no espaço público. Ou seja, garante a qualquer individuo a liberdade religiosa, com o direito de adaptar a uma convicção, mudar de convicção, ou de não se adaptar a nenhuma.

A liberdade de religião será analisada devido à sua relevante importância para abolir a intolerância religiosa. O presente estudo visa desenvolver o real conceito de laicidade, e quais os limites de intervenção de um Estado Laico dentro dessa liberdade de religião a qual engloba a liberdade de crença, a liberdade de culto, e a de organização religiosa.

Nesse sentido, o Capítulo 2 destina a demonstrar a passagem de um Estado totalmente religioso para um Estado Laico. Analisando o surgimento do Estado, desde o Estado Absolutista ate a um Estado Democrático de Direito, pautando as suas principais características.

No Capítulo 3 dedica-se a desenvolver o conceito do Estado Laico, enumerado as suas características, sem olvidar o adequado conceito do Principio da Laicidade. Com esse estudo propõe-se a enfatizar a importância de um Estado que não interfira nas instituições religiosas, e por outro lado um Estado que não se deixa ser totalmente influenciado por uma determinada crença, para efetivar a liberdade religiosa.

O capitulo seguinte pretende esclarecer as particularidades da liberdade religiosa e a sua evolução como direito fundamental, caracterizando seus limites estabelecidos pela moderna doutrina jurídica e suas relações com outros princípios constitucionais. Também serão expostos os conceitos de liberdade e religião e a sua importância para a sociedade.

No Capítulo 5, por sua vez, será analisada o Estado Brasileiro como um Estado laico e as suas funções e limitações quanto a liberdade religiosa. Baseado no Principio da Supremacia do Interesse Público e do Principio da Razoabilidade, e da Impessoalidade será observado como o Estado deve agir e qual as suas limitações estatal com relação ao uso da simbologia religiosa nos órgãos públicos.

No Capítulo 6 será levantado as principais discursões e argumentos sobre o uso de símbolos religiosos nos órgãos públicos. Apresentando aspectos relevantes para essas discursões como pluralismo religioso, vedação constitucional de dar preferência. Analisando as jurisprudências dos Tribunais brasileiros e internacional e o que dizem a respeito ao tema.

Finalmente, o presente trabalho, feito com base em pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais, visa analisar onde a intervenção estatal de um Estado Laico possa interferir na liberdade religiosa, examinando os princípios constitucionais, com o objetivo de esclarecer a liberdade religiosa e os limites de intervenção do Estado Laico no âmbito público.


2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTADO

O Estado é uma forma de organização politica, jurídica e social em um determinado território. A palavra “Estado” foi usada pela primeira vez por Nicolau Maquiavel, quando defini que: "todos os Estados, todos os domínio que tiveram e têm poder sobre os homens, são estados e são ou repúblicas ou principados." (MAQUIAVEL, 2001, p.7).

A Origem do Estado foi explicada por diversas doutrinas, dentre elas a doutrina contratualista, desenvolvida por Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau. Os contratualista partiam da premissa que a origem do Estado se dava a partir de um contrato social. Como esclarece Fleiner-Gerster (2006, p. 57),

Para os contratualistas, a origem do Estado remota para um pacto ou contrato originário, fundado na necessidade que tem cada homem de abrir mão de parte de sua liberdade individual e aceitar os deveres impostos pelo o Poder soberano.

Portanto, para o citado autor, “o contrato está, pois limitado à proteção dos cidadãos e a conservação da paz interna” (FLEINER-GERSTER, 2006, p.58). Concluindo o citado autor que a autoridade tem plena liberdade para julgar o que deve ser feito para assegurar essa proteção.

Se tornando uma única forma de organização politica no ocidente europeu, o Estado marcou o inicio da modernidade e o fim da era feudal. Esse momento se dar com a passagem de um sistema completamente feudal, onde havia uma descentralização do poder para um Estado concentrado e unitário.

Conforme afirma o mencionado autor: “A necessidade de rei superior para proteger a tribo foi certamente, também em outras sociedades, a razão decisiva para a formação das primeiras comunidades com transmissão de poder politica e central.” (FLEINER-GERSTER, 2006, p.25)

Para o autor, a formação estatal se dar a partir da necessidade do homem que até então viviam no estado de natureza, de ter a garantia de ordem e paz em suas comunidades. Ibn Khaldûn (2006, p.47 apud FLEINER-GERSTER, 2006 p. 25) assevera que “Quando os homens alcançam uma determinada organização social, [...] necessitam de alguém que os controlem, que abafe a sua sanha de luta e proteja uns dos outros, pois a sanha de luta e a injustiça são inatas do homem.” E com essa necessidade de se proteger desse estado de natureza o homem sente-se que deve viver em comunidades estatais.

As famílias foram crescendo, passando do estagio de caçadores e coletores para clã e tribos, e a divisão do trabalho entre as tribos se torna cada vez mais acentuada crescendo a necessidade de uma liderança ampla e estável. Afirmando Fleiner-Gerster que a divisão do trabalho e o crescimento das comunidades foram condições relevantes para a formação estatal,

Estruturas estatais que dispõe de um poder centralizado e de instituições determinadas e independentemente de pessoas, assim como de uma jurisdição própria e normas de validade geral, não existem se não mais recentemente em sociedades complexas e desenvolvidas, dotadas de uma estrutura social fundada sobre a divisão do trabalho. (FLEINER-GERSTER, 2006, p.26)

Reafirma o supracitado autor que o Estado é o resultado da interdependência entre os homens e da divisão do trabalho. Para o autor (FLEINER-GERSTER, 2006) o crescimento das comunidades concomitante com a divisão do trabalho formam consequentemente cidades, fundadas por príncipes e reis com a finalidade de proteger fronteiras e assegurar a sede de sua justiça, nascendo então o chamado Estado territorial.

Com o nascimento das cidades, o interesse geral e o bem comum alcançam uma importância cada vez mais. Aos poucos os indivíduos não só buscam a proteção nesse poder centralizado, mas a prestação de serviço para a comunidade, como hospitais, estradas, leis que os regulem. Para isso o poder ficaria nas mãos de um só individuo, portanto “este desenvolvimento vem acompanhado de um aumento sensível do poder soberano interna e externamente [...] essa ampliação do poder cresce com a dependência dos cidadãos em relação ao Estado.” (FLEINER-GERSTER, 2006, p.42)

É importante salientar que o advento do Estado Moderno foi de forma gradativa e de mudanças rigorosas, como evidencia Azambuja (2008, p. 6).

O Estado, porém, não é imutável, é umas das formas dinâmicas social, e por isso varia no tempo e no espaço. O Estado antigo, o Estado medieval, o Estado que se organizou sobre a influência das ideias das revolução francesa, eram diferente dos Estado contemporâneo. Além disso, o homem desejou modificar e quase sempre modificou o Estado que vive.

A primeira forma de Estado moderno foi o Absolutismo, no qual o poder foi tirado das mãos dos senhores feudal, centralizando nas mãos de um Rei soberano, recebendo da divindade todo poder para governar e julgar. Thomas Hobbes como grande defensor desse sistema politico e administrativo, estabelece que “o Estado detêm todo poder para julgar punir e matar, sendo este poder ilimitado e acima das leis, definindo um Estado totalmente soberano.” (HOBBES, 1651)

O surgimento deste Estado não foi de forma tranquila, pois houve muitos conflitos entre a burguesia e a Aristocracia que marcaram a constituição de um mundo capitalista. O Estado era o Rei, que criava Leis sem aprovação da sociedade, e as executava como bem entendia. Explica Fleiner-Gerster (2006, p. 43) sobre essas leis que,

Elas contêm, por exemplo, normais morais, como nos estatutos de corporações de oficio das cidades medievais; determinam os direitos e deveres dos soldados e oficiais, regulamentam o procedimento perante os tribunais assim como os deveres dos cidadãos em relação ao Rei e seus funcionários.

De acordo com o aludido autor, “o Estado, isto é o soberano, não precisava mais apenas revelar o direito, mas pode, agora, também cria-lo. Por meio das leis ele regula e estrutura a ordem social. De juiz supremo, ele passa a legislador supremo” (FLEINER-GERSTER, 2006, p.44). Portanto, havia uma grande intervenção estatal, não só na vida dos cidadãos, como em assuntos religiosos e econômicos.

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A monarquia absolutista e todas as ideologias de absolutismo dominou correspondente ao período entre o século XVI e o XVIII. Período correspondente ao Antigo Regime. Porém, o seu fim começava a culminar com o inicio de um processo revolucionário na França.

Com o declínio do absolutismo, acompanhado de grandes acontecimentos históricos, como a Revolução Gloriosa, Revolução Francesa e o Iluminismo, surgem os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, concomitantemente o Estado Liberal. Para Paulo Bonavides “a burguesia acordava o povo que então despertou para a suas consciências de liberdades politica”. (BONAVIDES, 2013, p.42)

O Estado liberal deveria interferir o mínimo possível nas relações sócias, pois para o Liberalismo o Estado era um mal, porém necessário. Assevera o citado autor que,

Na doutrina do liberalismo, o Estado sempre foi um fantasma que atemorizou o individuo. O poder de que não pode prescindir o ordenamento estatal, aparece de inicio, na moderna teoria constitucional como maior inimigo da liberdade. O Estado e a Soberania implicavam antítese, restringiam a liberdade primitiva. (BONAVIDES, 2013, p.40)

Grandes defensores do liberalismo foram bastante importantes para a derrocada do absolutismo e o inicio de um Estado liberal. Dentre eles Locke (2002, p. 95), afirmando que “os homens por natureza, são livres, iguais, e independentes.”

Nesse momento da história, nascem também às teorias jusnaturalistas, as ideias de liberdade e de limitação do poder estatal. Portanto para Berlin (2002, p. 137), “segue-se dai a necessidade de traçar-se uma fronteira entre a área da vida privada e da autoridade publica.”

Para o liberalismo a liberdade era considerada inerente ao cidadão, um direito fundamental adquirido a partir do seu nascimento, e o Estado deveria apenas limitar essa liberdade, para que todos os indivíduos pudessem exercê-la sem prejudicar os outros, conhecida como liberdade negativa. Garantindo a proteção, da soberana e inviolável majestade do individuo. (BONAVIDES, 2013, p.40)

Nessa mesma vertente,

O Estado não pode intervir nos direitos e liberdade irrenunciáveis do homem, em especial na propriedade, visto que são anteriores ao próprio Estado. Com Locke, tem inicio o trinfo do direito natural do Iluminismo. A parti dai, a liberdade do homem passa a ser um direito irrenunciável e as leis são reprodução das leis naturais que a razão discerne. (FLEINER-GERSTER, 2006, p.63)

Como visto, o problema do liberalismo é a limitação do poder, segundo o anteriormente mencionado Bonavides “a filosofia politica do liberalismo, preconizava por Locke, Montesquieu e Kant, cuidava que decompondo a soberania na pluralidade de poderes, salvaria a liberdade.” (BONAVIDES, 2013, p. 40)

Deste modo a limitação das funções do Estado se dá com a separação de poderes, os quais podem ser mutuamente fiscalizados, sem supremacia de nenhum deles sobre um. Além de ser uma forma para alcançar os direitos inerentes aos indivíduos. Como salienta,

A divisão de poderes, por ser na essência, técnica acalentadora dos direitos do indivíduo perante o organismo estatal, não implicava necessariamente determinada forma de governo, e tanto podia compadecer-se com o Estado democrático como, também, com a monarquia constitucional. (BONAVIDES, 2013, p.46)

O Estado liberal se consolida com a separação dos poderes: Executivo, legislativo e judiciário, descentralizando o poder estatal que até então era nas mãos de um só ser soberano. Com os pensamentos de liberalismo, o Estado não mais intervia na economia, reforçando ainda mais a ideologia do capitalismo, se preparando para uma democracia. Como corrobora o supracitado autor,

O curso das ideias pede um novo leito. Da liberdade do homem perante o Estado, a saber, da idade do liberalismo, avança para a ideia mais democrática da participação total e indiscriminada desse mesmo homem na formação estatal Do principio liberal chega ao democrático. Do governo de uma classe chega para o governo de todas as classes. (BONAVIDES, 2013, p.43)

Os ideais de liberdade nessa época foram basilares para a limitação do poder estatal, já limitado pelo o parlamentarismo. A ideologia de igualdade foi se alicerçando para a formação de uma democracia. Consequentemente, a necessidade de criar direitos fundamentais, pois como afirma “os direitos fundamentais não protegem apenas os cidadãos da onipotência do Estado; devem igualmente limitar o poder do governo em uma proporção considerável.” (FLEINER-GERSTER, 2006, p.123)

Visando alcançar cada vez mais a diminuição da intervenção estatal nas relações social, houve a necessidade positivar os direitos fundamentais, com base nisso foram criadas as constituições, pois “pela a Constituição o povo podia conferir poderes as autoridades e, simultaneamente, limitá-los”. (FLEINER-GERSTER, 2006, p.124) No século XIX, as constituições foram sendo criadas inspiradas na declaração dos direitos e do cidadão da revolução francesa.

Em concordância,

O Estado é uma organização artificial, precária, resultante de um pacto nacional voluntário, sendo o seu destino o de servir ao homem; o pacto social se rompe quando uma parte lhe viola as clausulas; não há governo legitimo sem o consentimento popular; a Assembleia Nacional representa a vontade da maioria que equivale a vontade geral; a lei é a expressão da vontade geral; o homem é livre, podendo fazer ou deixar de fazer, contanto que sua ação ou omissão não seja legalmente definida como crime; a liberdade de cada um limita-se pela a igual liberdade dos outros indivíduos; todos os homens são iguais perante a lei; o governo destina-se a manutenção da ordem jurídica e não e não intervirá no campo das relações privada; o governo é limitado por uma Constituição escrita, tendo essa como partes essenciais a tripartição do poder estatal e a declaração dos direitos fundamentais do homem, etc. (MALUF, 1995, p.134)

O Estado liberal, portanto pregava à individualização e a soberania da nação, nesse Estado a liberdade e igualdade era o seu ponto principal. As três classes que até então estabelecida pelo o Estado absolutista, o clero, a nobreza e a burguesia, foram niveladas, suprimindo todos os privilégios das classes superiores, proclamando assim o principio da soberania nacional. (MALUF, 1995)

A ideologia do liberalismo e o Estado liberal também trouxe uma acentuada separação entre o publico e o privado, o Estado só interviria na vida do cidadão para garantir uma ordem jurídica e uma paz social. Como observa Maluf (1995, p. 137),

Limitação reciprocas garantidora das liberdades publica; separação nítida entre o direito público e o direito privado; neutralidade do Estado em matéria de fé religiosa; liberdade, no sentindo de não ser o homem obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei; igualdade jurídica; sem distinção de classe, raça, cor, sexo ou crença; não intervenção do poder publico na economia particular.

Era pelo menos o que se tentava alcançar pelo o Estado liberal, porém estava longe de corresponder à realidade. Como acentua o mencionado autor,

Sem duvida, eram anti-humanos os conceitos de liberais de liberdade e igualdade. Era como se o Estado reunissem no vasto anfiteatro, lobos e cordeiros, declarando os livres e iguais perante a lei, e propondo-se a dirigir a luta como arbitro completamente neutro. Perante o Estado não havia fortes ou fracos, poderosos ou humildes, ricos ou pobres. [...] Ressalta a evidência desumanidade daqueles conceitos, porque os indivíduos são naturalmente desiguais, social e economicamente desiguais. (MALUF, 1995, p. 139)

Para que o pudesse cidadão exercer a sua liberdade, o Estado teria que proporcionar possibilidades para que fossem livres. Contudo, “Em menos de um século, tudo o que o liberalismo havia prometido ao povo redundou em conquistas e privilégios das classes economicamente dominantes.” (MALUF, 1995, p.139)

O capitalismo começou a demostrar falhas, provocando uma grande crise econômica, miséria e fome foram alastradas aumentando desigualdade social. De acordo com Bonavides (1995, p. 61),

Mas, com a igualdade a que se arrima o liberalismo é apenas formal, e encobre na realidade, sob seu manto de abstração, um mundo de desigualdade de fato – econômica, social, politicas e pessoais. Com a visível e nua contradição, entre a liberdade do liberalismo e a escravidão social dos trabalhadores.

Para Maluf (1995), as classes dominadas sem lar, sem agasalho, sem pão, sem a fé em Deus, começam a reagir violentamente contra as injustiças sócias, já agora levantando a bandeira do socialismo. O Estado Liberal vê sem desmoronando perante o advento de um Estado Social.

Com a crise no liberalismo, seguindo de uma Revolução industrial, começaram aparecer alternativa ao capitalismo. O liberalismo que fortalecia o capitalismo, logo foi sendo questionado pelos pensamentos socialistas. Conforme Karl Max (1934, p. 843, apud, FLEINER-GERSTER, 2006, p. 61), “A antiga sociedade burguesa com sua classe, dá lugar a uma associação, na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição de desenvolvimento de todos”.

Logos de Karl Max com suas ideologias socialistas e comunistas influenciaram a Revolução Russa. Já se podia ver nascer um novo Estado, um Estado Social, que tinha em suas mãos um poder centralizado. Como esclarece o autor,

Dado que, segundo a concepção marxista, somente é perniciosa a acumulação do poder e da força nas mãos da burguesia, ao partido comunista pode ser confiados sem reservas à força e o poder, já que os utilizará para” liberta” o homem alienado.” (FLEINER-GERSTER, 2006, p. 62)

Em virtude do liberalismo econômico, houve aumento da jornada de trabalho, trabalhos infantil, e muitos acidentes laborais e doenças provocada por trabalhos excessivos. Os cidadãos necessitavam não mais de um Estado que lhe garantisse a liberdade, mas de um Estado que buscasse garantir uma qualidade de vida igual a todos.

O Estado social nasceria como um Estado paterno, como função principal intervir na economia e no consumo, para garantir a igualdade na sociedade. Sustenta Maluf (1995, p. 141) que o Estado, “Tornou-se evolucionista, intervindo na ordem econômica, colocando como arbitro nos conflitos entre o capital e o trabalho, superintendendo a produção, a distribuição e o consumo”.

Para o Estado socialista, para alcançar uma qualidade de vida igual para todo teria que haver uma luta de classes, uma verdadeira revolução, como menciona o Fleiner-Gerster (2006, p. 61) que,

A revolução tem como tarefa reconduzir o homem ao estado paradisíaco original, liberta-lo de sua dependência em relação ao Estado e, por fim, dissolver o Estado. Todavia, o proletariado deve começar por expulsar a classe dominante de sua posição, recorrendo à força.

É de suma importância ressaltar que o Estado Social não se preocupa com o individuo isolado, mais sim com a coletividade, ou seja, o bem estar de todos da sociedade. As características deste Estado Social seria a separação da igreja e o Estado, eliminação da propriedade privada, concentração de poderes no órgão executivo, nacionalização das fontes de produção. (MALUF, 1995)

A ideologia socialista pregava a intervenção estatal do Estado na economia, além da concentração do poder, para garantir a igualdade social e econômica. Afirma Maluf (1995, p. 356) que,

O socialismo de Estado se impõe através de um governo ditatorial, que tem a seu cargo consolidar a ordem revolucionaria e suprimir todas as resistências, particularmente das forças capitalistas particulares e da burguesia. [...] Neste ponto, extinguir-se-ia o Estado como governo de pessoas para dar lugar a um simples sistema de administração do patrimônio comum.

Se o capitalismo seria algo irracional, as ideologias socialistas eram inviáveis. Com o monopólio do poder estatal, há uma necessidade de limitação do poder. O socialismo logo perdia sua força.

Por fim, o atual Estado democrático de direito, que surge tanto influenciado pelas as ideias de liberdade do liberalismo, como pelas questões sociais do socialismo. Surge um Estado com intervenção limitada. Como assegura o supracitado autor, Flainer-Gerster (2006, p. 581),

A teoria de um Estado limitado e minimalista, que tem a tarefa exclusiva de salvaguardar a liberdade e a propriedade, foi recentemente retomada. [...] Toda outra intervenção do Estado, para melhoramento do nível do bem-estar social ou de uma repartição mais justa dos bens, é injustificada, pois a justa repartição dos bens não se pode se dar senão no mercado livre. O Estado deve, pois, deixar a cada individua a busca da felicidade e do bem-estar e não tem o direito de intervir em sua liberdade.

O Estado democrático de direito continua como um Estado intervencionista e controlador. Porém, se preocupa não somente com o bem do coletivo, mas com cada cidadão individualmente, nesse momento os direitos humanos se tornam cada vez mais fundamental. De acordo com o supracitado autor,

Não há duvida de que os direitos fundamentais e os direitos humanos se tornaram o ponto de partida e de querelas internas e internacionais. Se no século XIX a organização do poder publico foi o cento das discursões politicas sobre o Estado e, no inicio do século XX, o tema soberania ocupou o primeiro plano, nos dias atuais as atenções e preocupações estão centradas nos direitos humanos e nos direitos fundamentais. (FLEINER-GERSTER, 2006, p.137)

Em suma, são enfatizados os direitos sociais, os direitos da personalidade, e principalmente o de liberdade. O Estado é totalmente fundado sobre o direito, para garantir uma real democracia na igualdade de todos perante a lei. Para Lenza (2012, p. 62) o Estado,

Busca-se, dentro dessa nova realidade, não mais apenas atrelar o constitucionalismo a ideia de limitação do poder, mas, acima de tudo, buscar a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter caráter meramente retorico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais.

Neste contexto, é criada a Constituição Federal de 1988, influenciada pelo capitalismo, porém “funda-se em dois grandes pilares: Valorização do trabalho humano e livre iniciativa” (LENZA, 2012, p.1250). Inspirada na declaração Universal dos direitos humanos, a norma mãe positiva um rol de direitos fundamentais, corroborando Maluf (1995, p. 368),

A Constituição deu ênfase à proteção dos direitos individuais, enfatizou e ampliou os direitos trabalhistas, criou novos instrumentos de proteção e garantia dos direitos individuais e coletivos. De forma geral constitui, sem duvida, um largo passo na busca de uma sociedade livre, preocupada com a erradicação da miséria, com a diminuição das diferenças entra classes sociais, com a fome, com o analfabetismo, com as garantias reais aos que produzem e acima de tudo com a Justiça social, principal anseios do Estado moderno.

O Estado brasileiro se fundava em uma democracia, a qual tem suas pedras angulares a liberdade e igualdade. Para Maluf (1995), os direitos individuais, garantidos constitucionalmente, passaram a subordina-se aos direitos de sociedade, necessitando assim de uma intervenção estatal para manter um equilíbrio social.

Garantindo a essa democracia a liberdade, havia necessidade de impor leis que limitasse essa liberdade, para então se poder falar em igualdade de todos perante a lei, como comenta o aludido autor,

Todas as vezes que o Estado, pelas as suas leis, impõe limites ao exercício da liberdade, age em defesa da própria liberdade e conforme as leis gerais da liberdade: a lei que me impede de prejudicar os interesses de outrem é a mesma lei que garante os meus direitos e as minhas prerrogativas contra todos os demais membros da sociedade. (MALUF, 1995, p.291)

Para Lenza (2012), o advento do Estado Democrático de Direito, além de serem enfatizados os direitos sociais, a liberdade igualdade, a intervenção estatal, pode ser perceber a separação entre a igreja e o Estado.

A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo entre outras liberdades a liberdade religiosa, englobando a liberdade de crença, liberdade de culto, liberdade, e de organização religiosa. Estabelecendo ser o Brasil, um país laico, garantindo principalmente a liberdade para quem não crê. Conforme anota Lenza (2012, p. 983),

Na liberdade de crença entra a liberdade de escolha de religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu.

Partindo dessa interpretação o mencionado autor acentua que, “a Constituição em seu artigo 5º, inciso VI, enaltece o principio da tolerância e o respeito à diversidade”. (LENZA, 2012, p. 983). Como forma de alcançar o equilíbrio e a justiça social que tanto busca o Estado moderno.

Sobre o autor
Tuani Campos Cardoso

Advogada. Especializando em Direito do Trabalho e processo do Trabalho e Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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