Liberdade religiosa e os limites de intervenção do Estado Laico no âmbito público

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15/07/2016 às 18:35
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5. O estado Laico Brasileiro

Com a primeira Constituição Republicana, o Brasil passou a ser um pais sem religião oficial, se declarando Laico. Afirma Sarmento (2007, p.2), “Desde a edição do Decreto 119-A, de 07 de janeiro de 1890, o Brasil é um Estado laico”.

O principio da laicidade está consagrado no artigo 19, inciso I, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual é vedado aos entes federativos “estabelecer cultos religiosos ou subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Embora o Brasil seja declaro um país laico, o principio da laicidade ainda é pouco eficaz, principalmente quando ainda existe a presença de símbolos religiosos em órgãos públicos. Perceptível é, ainda que menos acentuada, a relação entre a igreja e o Estado, o que vai de encontro com o principio da laicidade, que prega a total neutralização estatal. Sobre a laicidade no Brasil explica Pierucci (2006, p.6),

Constitui uma novidade o fato de que hoje, no começo do século XXI, depois de cento e poucos anos de República, haja a necessidade de lembrar, novamente, que nosso Estado é laico, e de reivindicá-lo como o Estado laico que ele se propõe a ser enquanto Estado de direito.

Certamente o principio da laicidade no Brasil ainda tem muito para ampliar-se. Portanto, o Estado brasileiro ainda passa por um processo de laicização.

5.1. Funções do Estado quanto à liberdade religiosa.

O Estado que assume uma postura laica tem a função de garantir e proteger a liberdade religiosa. Sintetiza Adragão (2002, p.429) três funções que o Estado deve adotar para alcançar esses objetivos, assim expõe,

Proteger a pessoa na defesa da liberdade individual, proteger a sociedade civil contra todos os abusos e criar condições para que as confissões e grupos religiosos, segundo o seu grau de representatividade, possam desempenhar coerentemente a sua missão.

Abolir a discriminação e a intolerância é função do Estado, dessa forma deve limitar e proteger a liberdade de crença, atuando com imparcialidade. Os deveres do Estado são bem doutrinados por Weingatner Neto (2007, p. 149),

Dever estatal de tolerância, não podendo discriminar os titulares de direitos religiosos quando do exercício, dos deveres de proteção, a proteção dos indivíduos e da sociedade civil contra abusos, e das garantias institucionais, nomeadamente, mas também, garantias institucionais do principio da igualdade, da autodeterminação confessional e da diversidade e pluralismo religioso.

5.3. Limites do direito a liberdade de religião

O principio da Laicidade pressupõe uma acentuada separação da igreja e o Estado. O que significa uma interferência mínima do Estado na liberdade religiosa e em assuntos no que diz respeito à religião. Afonso da Silva (2012, p. 250) citando os sistemas quanto à relação Estado-Igreja pontifica que,

Quanto à relação Estado-Igreja, três sistemas são observados: a confusão, a união e a separação, cada qual com gradações. Mal nos cabe dar noticia desses sistemas aqui. Na confusão, o Estado se confunde com determinada religião; é o Estado teocrático, como no Vaticano e os Estados islâmicos. Na hipótese da união, verificam-se relações jurídicas entre o Estado e determinada Igreja no concernente a sua organização e funcionamento, como, por exemplo, a participação daquele na designação dos ministros religiosos e sua remuneração. Foi o sistema do Brasil Império.

A separação seria a total neutralidade estatal nos assuntos religiosos, dando autonomia a Igreja de todas as religiões para se organizar, e para fazer seus determinados cultos. Silva Neto (2013, p.52), ensina que o sistema de separação é “a impossibilidade de uma sociedade politica seguir, prestigiar, ou subvencionar facção religiosa”. O artigo 19, inciso I, da nossa Carta maior, deixa bem claro que o Brasil adotou o sistema de separação, quando veda os entes federativos a manter relações de dependência ou aliança com entidades religiosas.

O poder do Estado é limitado constitucionalmente no que condiz a liberdade religiosa, Afonso Da Silva (2012, p.252) citando Miranda, discorre sobre o aludido artigo da Constituição Federal,

Estabelecer cultos religiosos está em sentido amplo: criar religiões ou seitas, ou fazer igrejas ou quaisquer postos de prática religiosa, ou propaganda. Subvencionar cultos religiosos está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens de entidade estatal, para que exerça a atividade religiosa. Embaraçar o exercício dos cultos religiosos significar vedar, ou dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou material, de atos religiosos ou manifestações de pensamento religioso.

O Estado brasileiro está impedindo a nível constitucional limitar qualquer crença, impedir a liberdade de expressão de cada religião, no que seja o culto. Deveras, o Brasil como Estado laico deve assumir como tal, de forma neutra, promovendo a igualdade e o bem comum de todos. O Estado deve agir respeitando a liberdade individual, e garantindo para que seja igual a todos.

O Estado que adota o principio da laicidade tem como função garantir a liberdade religiosa de forma neutra. Sendo um Estado democrático seria inviável o uso de símbolos religiosos de uma determinada religião em seus órgãos públicos. Ensina Sarmento (2007, p. 2007) que,

Entende a doutrina que um dos múltiplos desdobramentos do princípio da laicidade é a exigência de diferenciação simbólica entre Estado e religião. Esta exigência se traduz na proibição do uso de símbolos religiosos, como os crucifixos, nos estabelecimentos públicos, dado que dito uso sinaliza a identificação do Estado com as ideias religiosas que os símbolos representam.

Se por um lado o Estado está limitado de interferir na organização da igreja, essa não pode de nenhuma maneira se fazer presente nos órgãos do Estado. Do mesmo modo, o Estado não pode invadir a privacidade do individuo, a sua liberdade individual e dizer o que é melhor pra cada um, ou agir em detrimento as suas crenças.

Alega Afonso Da Silva (2012, p 234) sobre a liberdade que, “Quanto mais o processo de democratização avança, mas o homem se vai libertando dos obstáculos que o constrangem, mais liberdade se conquista”. Entretanto, a liberdade, especificamente a liberdade religiosa, não é um direito absoluto, e obviamente sofre limitações, tanto da parte do Estado como garantidor dessa liberdade, como na parte do individuo usufruindo dessa liberdade sem que prejudique as dos demais.

Para que seja efetivada a liberdade a todos de forma igualitária o Estado deve limita-la para que não seja total pra alguns e restrita para outros. A Lei maior determina que todos são livres para exercer suas crenças desde que não ponha risco a segurança pública. Afirma Weingartner Neto (2007,p. 193) que,

O dever central do Estado de proteger os direitos de seus cidadãos obriga-o a produzir uma medida tão ampla quanto possível deste bem. Isso, porém, não é possível sem intervir na liberdade daqueles que prejudicaram ou ameaçaram a segurança pública.

Em suma, a liberdade religiosa protege o individuo da coação e arbitrariedade estatal na vida privada. Porém, autoriza o Estado a limitar essa liberdade, no sentindo de assegura-la que seja justa pra todos.

5.4. Colaboração ao interesse Público

O artigo 19 da Constituição Federal veda os entes federativos estabelecer cultos religiosos ou igreja, manter com eles ou com seus representantes relação de independência ou aliança, ou embarcar-lhes, subvenciona-los o funcionamento destes, salvo quando for para a colaboração do interesse publico. Esta expressão “colaboração do interessa público” está em conformidade com o principio da Supremacia do interesse público. Ensina Carvalho (2010, p. 35),

Não é o individuo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo. Saindo da era o individualismo exacerbado, o Estado passou a caracterizar-se como Welfare State (Estado/bem-estar), dedicando a atender o interesse público. Logicamente, as relações sociais vão ensejar, em determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o interesse privado, mas, ocorrendo, esse conflito, há de prevalecer o interesse público.

As igrejas e religiões devem colaborar para o interesse público, mantendo a ordem pública As entidades religiosas deve agir de forma para colaborar com o bem comum, por exemplo, na realização de campanhas sociais. Vedado está o Estado de ter relação como essas entidades religiosas, mas na forma da lei, a religião deve colaborar para o interesse publico, sem que comprometa a neutralidade do Estado. Conclui Afonso da Silva que (2012, p.252), “Demais, a colaboração estatal tem que ser geral a fim de não discriminar entre as várias religiões”.

Nesses últimos tempos tem gerando várias discursões polêmicas quanto à laicidade do Brasil, como o aborto, o preâmbulo da Constituição, o nome “Deus” na moeda, e principalmente a vinda do Papa Francisco ao Brasil, sendo financiado pela União. Não se pode ignorar o fato do papado ser um chefe de Estado. Ainda, mesmo que o Papa veio representar a uma determinada religião, houve uma colaboração da parte estatal ao interesse da maioria.

Sobre essa questão surge uma nova indagação, como deve um Estado democrático agir em relação ao direito da maioria e o da minoria? No Brasil ainda há uma religião predominante, a maioria segue seus princípios e ensinamentos, como o Estado deve se posicionar para manter o bem comum, e atender o interesse coletivo? Sabido é que o Estado brasileiro funda-se em um Estado democrático de direito, sobre a democracia explica Afonso Da Silva (2012, p. 129) que, “a democracia repousa sobre três princípios fundamentais: o principio da maioria, o principio da igualdade e o principio da liberdade”.

A democracia é definida como direito da maioria. Ocorre que toda democracia é fundada na igualdade. Logo, não se pode falar de igualdade, quando o interesse de alguns, seja maioria ou não, prevalecem sobre as dos demais. Desse modo, posiciona o supracitado autor,

A questão dos princípios da democracia precisa ser reelaborada porque, no fundo, ela contém um elemento reacionário que escamoteia a essência do conceito, mormente quando apresenta a maioria como principio regime. Maioria não é principio. É simples técnica de que serve a democracia para tomar decisões governamentais no interesse geral, não no interesse da maioria que é contingente. (AFONSO DA SILVA, 2012, p. 130)

5.5. O Estado e os Principio da Razoabilidade e da Impessoalidade

A função do Estado Democrático é promover o bem comum, agindo conforme o interesse da maioria. No entanto, seria conveniente o Estado adotar em seus órgãos públicos símbolos religiosos de uma determinada religião, com o argumento de ser maioria no país? Conforme o principio da razoabilidade não é viável. Santos Carvalho Filho (2010, p. 42), conceitua a razoabilidade, discorrendo que é “a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro dos limites aceitáveis, ainda que o juiz de valor que provocaram as condutas possas dispor-se de forma diversa.”

Institui o principio da Razoabilidade que o Estado, evidentemente deve agir de forma razoável, com bom senso, moderação e prudência. Com atitudes adequadas para atingir os seus objetivos. Esses objetivos estão estabelecidos na Constituição Federal de 1988 no seu artigo 3º, “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

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Adornar seus lugares públicos com símbolos cristãos seria de certa forma uma conduta estatal discriminatória, quando mesmo que minoria, existe outras religiões, outras formas de crenças, outros símbolos religiosos. Defeso é o Estado agir com atitudes discriminatórias, sua função é atingir o bem comum, uma sociedade justa, livre e igualitária. Elucida Lenza (2012, p.159) sobre o principio da razoabilidade,

O principio da razoabilidade ou da proporcionalidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom-senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; e ainda enquanto principio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo ordenamento jurídico.

Falar do principio da razoabilidade é falar do principio da proibição do excesso e o principio da justa medida, segundo Canotillho (1991, p.21), “Recorrendo à ideia de razoabilidade, adequação, proporcionalidade e necessidade [...] podem fiscalizar o uso dos poderes e a justiça das medidas adoptadas por estes poderes, contribuindo para um Estado de direito mais amigo de justiça e dos direitos fundamentais”.

Outro Principio é o da Impessoalidade, consagrada no artigo 37 da Constituição Federal, estabelecendo que Administração pública tem o dever de obedecer a esse principio. Para que se possa falar em uma boa administração deve exercer sua função com base no principio da Impessoalidade. Sobre esse principio Carvalho Filho (2011, p. 19)

O principio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto, representa uma faceta do principio da isonomia. Por outro lado, para que haja uma verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se, em consequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicando alguns para o favorecimento de outros.

O Estado Democrático de Direito não pode ignorar o fato de haver uma diversidade de crença, entre os que creem e os que não creem, dando preferência a somente uma. Dessa forma poderá falar de uma sociedade justa, sem intolerância e igualitária.

6. Discussões sobre o uso de símbolos religiosos e suas implicações jurídicas

Os órgãos públicos brasileiros na sua grande maioria mantêm os símbolos religiosos em suas salas públicas, ferindo o principio constitucional da laicidade. Essas condutas, conforme Sarmento (2007, p.1), “Trata-se de uma prática antiga e disseminada, num país em que, por um lado, o catolicismo é a religião majoritária, e, por outro, não há uma tradição cultural enraizada de separação entre os espaços religioso e jurídico-estatal”.

Contudo essas práticas tem sido motivo de muitas discursões, com base no art. 19 da Constituição Federal de 1988, que consagrou o principio da laicidade no Brasil. Fundamentado nesse principio têm sido gerado outras discursões como o aborto de feto anencefálico, pesquisas em células- troncos, entre outras, mas será enfatizado aqui o uso de símbolos religiosos em órgãos públicos.

6.1. Pluralismo Religioso

O Brasil é um país de grande diversidade cultural e religiosa, emigrado por varias nações de diferentes culturas, como Portugal, África, Espanha entre outras que trouxeram seus costumes e suas crenças, tornando-se uma nação mista, pluralista principalmente no que diz respeito à religião. Sobre esse pluralismo religioso explica Montero (2006, p. 5) que,

A literatura sobre o campo religioso brasileiro tem demonstrado que as fronteiras institucionais que distinguem as religiões não-católicas entre si resultam de um processo histórico de alianças e conflitos entre atores religiosos e não-religiosos. Nesse processo, as formas religiosas foram se constituindo e se modificando em função de um jogo de forças que opôs a eficácia simbólica daquilo que contextualmente fosse definido como mágico e a legitimidade social do que fosse assumido como religioso.

Esses conflitos religiosos geraram uma imigração para o Brasil de forma que resultou nessa diversidade religiosa. Apesar de haver uma hegemonia do Católico Apostólico Romano, no Brasil sempre houve uma pluralidade de religião ainda que minoria. Para Piurruci (2006, p. 6), “quanto maior a liberdade religiosa, maior a pluralidade religiosa, quanto maior a pluralidade religiosa maior será a demanda para que o Estado não crie decisões para uma somente religião”.

A liberdade religiosa desde 1891, quando foi destituído da religião oficial o Catolicismo, vem sofrendo um processo de evolução, e consequentemente crescendo o numero de religiões. Hodiernamente, surgiram diversas religiões, e por consequência o Estado deve ser cauteloso em suas decisões, observando a pluralidade se crenças dos seus cidadãos, para que não interfira na liberdade de cada um.

. 6.1.1. Vedação constitucional de dar preferência

A nossa Norma Mãe veda a discriminação de qualquer origem. Entende-se que ao Estado também é proibido discriminar os seus cidadãos pelas as suas crenças. Portanto aponta Weingartner Neto (2007, p. 203), que “o apoio estatal a uma determinada confissão religiosa desqualifica a posição jurídica e social dos cidadãos não aderentes”.

Portanto é defeso o Estado discriminar qualquer religião direta e indiretamente, mas é seu dever promover a igualdade e a paz social, mesmo que isso requeira criar leis que acarretem discriminações ditas como positivas. Como Posiciona o citado autor,

O que não invalida, contudo, diferenciações jurídicas que favoreçam a igual dignidade e liberdade dos cidadãos, que se justificam quando o respeito pelas as especificidades de certas confissões religiosas minoritárias exige que a ordem jurídica procede a determinados a determinados ajustamentos de forma a efetivar a sua liberdade religiosa e acomodar a sua presença na esfera pública. (WEINGARTNER NETO, 2007, p. 203)

Assim o Estado limitado pela o principio da não confessionalidade, está impedido de dar preferência a uma determinada religião, mesmo que está se mostre maioria na sociedade.

6.1.2. Origens do uso de símbolos religiosos

Com as indagações sobre a inconstitucionalidade do uso dos símbolos religiosos nos órgãos públicos, surge a necessidade de conceitua o que são símbolos e a origem do uso deste na religião. A importância dos símbolos, portanto expõe Zilles (1994, p. 11), afirmando que,

O símbolo é um fenômeno originário do ser humano que corresponde a sua estrutura corpórea-espiritual e social fundamental. O perceptível pelos os sentidos é capaz de expressar algo para além do sensível. O sinal instituído, entretanto, pressupõe a pré-compreensão de uma comunidade. Todo cultura é uma produção de símbolos, através dos quais os homens se expressam se comunicam e trocam a riqueza interior.

Desde antiguidade o homem sempre teve a necessidade de criar símbolos, e os símbolos religiosos não foi diferente, nascendo conjuntamente com a religião com a necessidade do homem de ver além das coisas desse mundo. Sobre a necessidade da criação dos símbolos religiosos ensina o citado autor (1994, p.12), “Deste modo o Cristianismo tem um símbolo decisivo para a compreensão da história e de Deus: Jesus Cristo, a imagem plena do Pai (Rm 8, 28-30). Que vê a Cristo, vê o Pai”.

Os símbolos para a religião como se vê tem uma importância relevante, o crucifixo, por exemplo, para o cristianismo remete ao sacrifício feito por Cristo, o definindo ser o único caminho, a verdade e a vida. Desta forma, adotar o uso dessa simbologia não é uma posição neutra, mas uma confessionalidade de que esse é o entendimento e a crença signatária. Conforme explica Weingatner Neto (2007, p274), “De fato, a cruz é o símbolo especifico de cristandade, de conteúdo teológico determinado (a libertação do homem do pecado original, a vitória do Cristo sobre o demônio e a morte) e objeto de adoração e devoção de crentes”.

6.1.3. Controvérsia sobre o uso de símbolos religiosos em órgãos públicos

No contexto do Brasil como um Estado laico existem varias controvérsias principalmente sobre uso da simbologia cristã nos órgãos da administração pública. Alguns argumentos têm sido invocados para justificar a presença destes símbolos, como expõe Sarmento (2007, p.2),

O alegado caráter não religioso do crucifixo, que expressaria valores morais independentes de qualquer fé; (b) a suposta irrelevância constitucional da presença dos crucifixos nos tribunais, uma vez que estes seriam meros adornos decorativos; (c) a alegação de que a retirada dos crucifixos seria um ato de intolerância em relação aos magistrados e jurisdicionados cristãos, que importaria em desrespeito à sua liberdade religiosa; (d) o pretenso caráter antidemocrático da proibição pleiteada, tendo em vista a predominância da religião católica na população brasileira; (e) o fato de que a prática contestada constitui uma tradição brasileira, com raízes na cultura nacional; e (f) os argumentos ad terrorem, de que se não é constitucional o uso dos crucifixos nos tribunais, tampouco o seriam outras medidas como fixar como feriado o dia de Natal, cuidar da preservação de Igrejas e monumentos religiosos que têm importância histórica, etc.

A primeira alegação que o crucifixo não é de caráter religioso, não é coerente uma vez que o crucifixo é o símbolo mais conhecido do mundo por lembrar o sacrifício de Jesus, logo leva a crê ser um símbolo pertencente ao cristianismo. Outro argumento é que estes símbolos são apenas enfeites e adornos, pelo contrário, esses símbolos passam uma forte mensagem sobre o cristianismo, portanto posiciona o citado autor (2007, p 10),

Na verdade, a presença deste símbolo religioso em espaços como a sala de sessão de um tribunal ou sala de audiência de juízos monocráticos – via de regra em posição de absoluto destaque, atrás e acima da cadeira do presidente do órgão colegiado ou do juiz -, transmite uma mensagem que nada tem de neutra, associando a prestação jurisdicional à religião majoritária, o que é francamente incompatível com o princípio da laicidade do Estado, o qual demanda a neutralidade estatal em questões religiosas.

A alegação que os símbolos religiosos estão expostos nos órgãos do judiciário pelo o simples fato de respeitar a crença dos servidores não justifica, pois o que entra em conflito é o interesse privado com o interesse público. Um juiz, por exemplo, pode colocar nas paredes do seu gabinete qualquer símbolo que diz respeito a sua crença, mas não pode ostentar esses símbolos em salas de audiência em razão de ser um lugar de acesso ao público que por sua vez tem diferentes crenças.

A afirmação de ser anti-democrático a retirada dos símbolos dos estabelecimentos públicos, por ser a democracia o governo da maioria, e sendo essa maioria associados ao cristianismo, não é viável, como aduz Sarmento (2007,p.12), “a democracia não se confunde com o simples governo das maiorias, pressupondo antes o respeito a uma série de direitos, procedimentos e instituições, que atuam para proteger as minorias”.

Enfim, justificar a presença da simbologia cristã em ambientes públicos por ser uma tradição brasileira, uma prática desde a época da colonização dos jesuítas, não é convincente. Apesar de o direito ser uma conexão entre os valores e tradições de uma sociedade, não é certo conceber a ordem jurídica como uma simples afirmação das práticas sócias predominante, uma vez que o direito muitas vezes o papel do direito é combater e transformar hábitos tradições enraizados, desempenhando um papel emancipador. (SARMENTO, 2007)

6.2. Direito comparado

Os tribunais em outros países já decidiram a favor de serem retirados os símbolos religiosos por afrontar a liberdade religiosa. Em 1991, os pais de uma aluna de escola pública na cidade de Bruckmuehl, no Estado da Baviera (ou Bayern), postularam à direção a retirada de crucifixos existentes nas salas de aula. O Tribunal Constitucional alemão julgou procedente o pedido com a sentença publicada em 1995, que declarava que a presença de símbolos religiosos nas escolas públicas contrariava o artigo 4º, paragrafo 1º, da Lei Fundamental que estabelece, "A liberdade de crença, consciência e a liberdade de confissão religiosa e ideológica são invioláveis”.

Segundo o Tribunal Constitucional alemão a Constituição confere tanto a liberdade de se ter uma religião, quanto a de não seguir nenhuma. Concluindo que, a inclusão de crucifixos nas escolas públicos força todos os alunos a terem contato com símbolos que não necessariamente condizem com sua opção individual, e opõe-se a essa liberdade constitucional. Sobre essa decisão pontifica Weingartner Neto ( 2007, p.273), “ Há que diferenciar a possibilidade que tem o Estado de propiciar um espaço em que o individuo não se submeta a influência de determinada crença, das atividades através das quais o mesmo Estado manifesta-se e dos símbolos que o representam.”

Por fim o Tribunal Constitucional alemão decidiu a favor de retirar os símbolos religiosos no colégio público, por ser direito dos pais educarem e transmitirem aos seus filhos as suas convicções religiosas que considere correta, ou mantê-los afastados das convicções que pareçam falsas ou prejudiciais. Não é tarefa para o Estado definir ou transmitir qualquer que seja a crença.

6.3. Jurisprudência

Baseado nessas discursões gerada pelo o principio da liberdade religiosa e a laicidade do Estado, já houve alguns julgados a respeito. Um deles foi sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.076-5 julgada no Acre no ano de 2002 em que o Partido Social Liberal- PSL, alegando ser uma ofensa à Constituição Federal o fato da Lei maior estadual omitir a suplica preambular “Sobre a proteção de Deus”. A ação foi julgada improcedente pelo o STF adotando a tese da irrelevância jurídica, nas palavras do Ministro e Relator Carlos Veloso, em trecho retirado do seu voto,

O preâmbulo, ressai das lições transcritas, não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da politica, refletindo posição ideológica do Constituinte. […] Não contém o preâmbulo, portanto relevância jurídica. O Preâmbulo não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado membro.

O eminente Ministro ainda em seu voto cita o grande mestre Jorge Miranda abordando a teoria do preâmbulo e sua relevância jurídica, registra que há três posições doutrinárias, a primeira tese é da irrelevância jurídica, tese adotada pelo STF o qual o entendimento é que o preâmbulo não se situa no domínio do direito e sim no domínio da politica, a segunda tese é da plena eficácia e a terceira tese é a da relevância jurídica que respeita a influência do preâmbulo para a interpretação do texto constitucional.

Os Ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio também se posicionaram de acordo com o Ministro e relator Carlos Veloso, ao proferir seu voto o Ministro Sepúlveda assim manifestando,

Independente da doutrina em analise que o eminente Ministro-Relator procedeu sobre a natureza do preâmbulo e das constituições, tomando em conjunto a sua locação “sobre a proteção de Deus” não é uma norma jurídica, até porque não se teria a pretensão de criar obrigação para a divindade invocada. [...] De tal modo, não sendo norma jurídica, nem principio constitucional, independente de onde esteja não é ela de reprodução compulsória pelos os Estados-membros.

A doutrina também tem se posicionado sobre a irrelevância jurídica do preâmbulo constitucional, Lenza (2012, p171), ensina,

Assim, concluindo, o preâmbulo não tem relevância jurídica, não tem força normativa, não cria direitos e obrigações, não tem força obrigatória, servindo, apenas, como norte interpretativo das normas constitucionais. Por essas características, a invocação à divindade não é reprodução obrigatória nos preâmbulos das Constituições estaduais e leis orgânicas do DF e dos Municípios.

Em suma, conclui-se que a invocação a Deus no preâmbulo não enfraquece a laicidade do Estado brasileiro. Por aquele não ter força normativa, assim sustenta Weingartner Neto (2007, p182) que,

Soa bizantina, supérflua qualquer referência ao Preâmbulo da CF de 1998 para a configuração do direto fundamental a liberdade religiosa como todo, firmes os princípios da separação e da não confessionalidade e em harmonia com os princípios da cooperação e da solidariedade, na tolerante e atenta Carta Constitucional, com apoio textual, como ficou, nos indisputados preceitos normativos.

Outro julgado referente à laicidade do Estado brasileiro foi o processo nº 0139-11/000348-0, o qual teve como relator o Desembargador Claudio Baldino Maciel, o pleito foi para a retirada dos símbolos religiosos expostos nos espaços do poder judiciário destinado ao público no Rio Grande do Sul. O Des. Claudio Baldino Maciel se posicionou julgou procedente o pedido, explanando o seu voto,

No entanto, à luz da Constituição, na sala de sessões de um tribunal, na sala de audiências de um foro, nos corredores de um prédio do Judiciário mostra-se ainda mais indevida a presença de um crucifixo (ou uma estrela de Davi do judaísmo, ou a Lua Crescente e Estrela do Islamismo) do que uma grande bandeira de um clube de futebol. Isto porque, ao passo em que a presença da bandeira de um clube de futebol na sala de sessões de um tribunal não fere o princípio da laicidade do Estado (ao contrário da presença da presença do crucifixo, que fere tal princípio), a presença de qualquer deles – bandeira de clube ou crucifixo – em espaços públicos do Judiciário fere o elementar princípio constitucional da impessoalidade no exercício da administração pública. Ou seja, a presença de símbolos religiosos em tais locais viola, além do princípio da laicidade do Estado e da liberdade religiosa, também o princípio da impessoalidade que rege a administração pública.

Dessa forma concluiu que era procedente o pedido com base no artigo 19 da Constituição Federal, pois a presença de símbolos religiosos fere o Principio da Laicidade já consagrada na Lei Maior.


Conclusão

O Estado e a sua legitimidade, sempre foi justificado pela vontade divina, consequentemente provocando uma forte junção deste com a igreja. Nesse cenário, onde a figura estatal muitas vezes se posicionava ser sectário de uma determinada religião, a liberdade dos seus indivíduos não existia. Ou cria no que o Estado ordenava, ou sofreria sanções. Isso, por muitas vezes foi motivo de grandes guerras, desatinos e atrocidades.

Como um ente soberano, o Estado tem o dever de assegurar ao seu povo a paz e o bem estar social, então necessariamente o Estado deveria agir com total neutralidade para que houvesse um mínimo de respeito às diferentes crenças dos seus indivíduos. O Estado não é apto pra escolher o que cada uma deve crê, sendo que esta convicção cabe ao individuo em particular, se crê ou não crê, no sol, na lua ou em um Deus. Portanto, cabe ao Estado somente proteger a liberdade de religião dos seus cidadãos.

A liberdade de religião, por sua vez, garante ao individuo o direito de crer, ou não crer, ou de não aderir a nenhuma crença. Porém, essa liberdade, além de ser assegurada e protegida pelo a figura estatal, deve ser limitada, a fim de que os indivíduos não interfiram na liberdade do outro, prejudicando seus direitos, ou causando desordem na sociedade.

Como foi exposto, há uma necessidade do Estado se posicionar neutro, para evitar a intolerância e a discriminação. Ressalte que o Estado Laico surgiu a partir de um Estado Democrático de Direito, e como democracia suas condutas devem fazer valer o direito da maioria, mas respeitar e cuidar também do direito da minoria. Importante salientar que uma democracia é fundada nos Princípios da Igualdade e da Liberdade. Dai o Estado Democrático de direito também deve agir em observância a esses princípios, para garantir a liberdade e a igualdade nas crenças de cada um.

A Constituição atual consagra o principio da Laicidade no seu artigo 19, por isso, o Brasil não é só um Estado Democrático de Direito, mas também um Estado Laico. Onde é vedada toda e qualquer forma de discriminação e intolerância. Com isto, surge um questionamento: a presença do símbolo de uma determinada religião, por mais predominante que ela seja na sociedade, pode se impor em detrimento de todas as outras crenças em um ambiente sustentado por verbas públicas? Baseado no que foi desenvolvido neste trabalho, conclui-se que não.

Um Estado que adorna as salas públicas da sua administração com símbolos de uma determinada religião, ainda que seja uma crença que a maioria da sua sociedade é adepta, está de certa forma se posicionando, afastando-se do principio da laicidade, que prega a neutralidade da figura estatal as crenças do seu povo. Ao mesmo tempo feri ao Principio da Igualdade, discriminando as demais religiões. Certamente o Estado não pode ser indiferente às religiões dos seus cidadãos, no entanto, observa-se que o principio da laicidade protege não somente a liberdade religiosa dos indivíduos, mas por outro lado também protege o Estado das influências religiosas, como por exemplo, a simbologia de uma determinada religião exposta em lugares que são frequentados por varias pessoas possivelmente de outras crenças.

Não se pode ignorar que o Brasil é um país extenso e diverso em culturas e religiões, há um pluralismo religioso, dessa forma, quando o Estado adota a conduta de expor símbolos de uma religião, fere os Princípios constitucionais da Igualdade e da Supremacia do Interessa Coletivo e da Impessoalidade. Sendo, portanto um ato inconstitucional e discriminatório. Por consequência não evitar a intolerância religiosa, pois o próprio Estado entra em detrimento com as demais religiões minoritárias.

Por fim, o Brasil, como um Estado Democrático de Direito deve agir como tal, se os órgãos estatais é a casa de todas e todos, é fundamental que o Estado cumpra seu papel evitando confusões simbólicas com confissões religiosas, ainda que da maioria, proporcionando o ambiente de igualdade e paz social, assim estabelece a Constituição Federal da República de 1988.

Sobre o autor
Tuani Campos Cardoso

Advogada. Especializando em Direito do Trabalho e processo do Trabalho e Previdenciário.

Informações sobre o texto

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