Análise jurídica da legitimidade do controle externo pelo Ministério Público sobre a atividade policial brasileira

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O presente artigo tem por objetivo discutir a legitimidade do controle externo exercido pelo Ministério Público sobre a atividade policial brasileira.

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo discutir a legitimidade do controle externo exercido pelo Ministério Público sobre a atividade policial brasileira. Nesse quadro, o tema trabalhado é abordado através do exame da legislação vigente acerca do tema, apresentando as modalidades de controle externo da atividade policial e confrontando as disposições legais estudadas com reações contrárias apresentadas em sede legislativa e judiciária contra o controle externo abordado. Nessa sistemática, o presente estudo visa perseguir como objetivos a abordagem da legislação pátria atinente à atividade policial, sobretudo no que diz respeito à investigação da autoria e materialidade de delitos, debatendo a relevância e a credibilidade da atuação do Ministério Público para a sociedade brasileira, o que tem por maior meta atestar a legitimidade do controle externo da atividade policial, afirmando a legitimidade do Ministério Público para limitar o poder de polícia.

Palavras Chave:

Controle Externo; Ministério Público; Atividade Policial.

1. Introdução

A Constituição Federal em vigor consagrou um Estado que adota o perfil político e social de democrático do direito, o que preconiza a proteção aos direitos básicos do homem e a construção de um ente estatal com organismos cujas funções e limitações decorrem da lei, que deve ser estritamente respeitada em todos os seus termos.

Para tal, a Nossa Carta Maior criou um sistema de controle, para evitar a ocorrência de arbitrariedades no exercício das funções legais. Referido controle pode ser interno – feito pelo próprio órgão que exerce a atividade controlada – ou externo, respeitando o sistema de freio e contrapesos consagrados pelo texto constitucional.

Um dos mecanismos de controle criados pela Carta Magna foi o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, citado no artigo 129-VII do texto constitucional.

No decorrer deste trabalho buscar-se-á esclarecer a legitimidade do Ministério Público para exercer o controle externo da atividade policial, mesmo com a esparsa legislação existente sobre o tema.

O que será buscado é afirmar a necessidade da norma constitucional referente ao tema ser efetivada, sob pena da convalidação de uma atividade policial arbitrária, que não respeita os princípios constitucionais e que prejudica a correta instrução do processo penal, ao produzir provas eivadas de ilicitude, o que tem por consequência o aumento dos índices de criminalidade.

Nesse sentido, o presente trabalho traz como objetivo principal abordar as normas constitucionais e infraconstitucionais que legitimem o controle e a limitação do poder de polícia por parte do Ministério Público, inseridas no contexto da necessidade da efetivação do controle externo da atividade policial para garantir os direitos dos cidadãos e as normas constitucionais atinentes ao estado democrático de direito, através do uso do método de abordagem dialética, será feita uma contraposição de ideias no sentido de fundamentar a hipóteses de resolução do problema trabalhado, e, ainda, serão utilizadas como técnicas de abordagem revisão bibliográfica dos principais autores que tratam sobre o tema e uma análise de jurisprudência acerca do tema.

Os resultados obtidos com o encerramento da pesquisa procurarão demonstrar a legitimidade do Ministério Público para o exercício do controle externo da atividade policial, dentro dos limites estabelecidos em lei.

2. O controle externo da atividade policial como subespécie do controle sobre a administração pública

Atualmente o Brasil adota o perfil de estado democrático de direito, preconizando a proteção aos direitos básicos e fundamentais do homem, objetivando a construção de um ente estatal garantista e humanista. Tal cenário só foi possível graças a atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1988, que rompeu definitivamente com o regime político ditatorial anteriormente vigente, passando a construir uma série de garantias e prerrogativas que têm como função precípua a defesa das liberdades individuais, dos direitos fundamentais e da democracia, inclusive contra a atuação do próprio Estado.

            Um dos mecanismos utilizados pela vigente ordem constitucional para manter hígidos os princípios democráticos por ela adotados foi a criação de uma estrutura estatal marcada por sistemas de controle de suas funções, os quais são responsáveis por manter a moralidade dos órgãos, a universalidade dos serviços públicos e preservar as liberdades públicas contra abusos que possam ser cometidos pelos diversos agentes que manipulam toda a máquina estatal.

            Esse sistema de controle pode ser sintetizado em classificações distintas, mas no momento é oportuno ater-se aquela que se baseia na relação orgânica existente entre o órgão que exerce o controle e aquele que é controlado, pela qual o controle pode ser classificado em interno e externo.

De maneira objetiva, Celso Antônio Bandeira de Mello[1] diferencia referidas espécies de controle: “A Administração Pública, direta, indireta ou fundacional, sujeita-se a controles internos e externos. Interno é o controle exercido por órgãos da própria Administração, isto é, integrantes do Poder Executivo. Externo é o efetuado por órgãos alheios à Administração”.

Nesse contexto, o Ministério Público, incumbido pela Constituição Federal (artigos 127 e 129, incisos II e III[2]) de garantir a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito, dos interesses sociais e individuais indisponíveis, devendo, ainda, zelar pelo respeito aos Poderes Públicos e os serviços que possuam relevância nacional, tem no controle sobre os atos da Administração Pública um desdobramento natural de suas funções, vez que, como bem menciona Raulino Jacó Bruning[3], as atividades estatais interferem em todos os ramos cuja tutela cabe ao Ministério Público, sendo o Estado responsável por muitos dos mais absurdos abusos de poder cometidos contra os direitos fundamentais, coletivos e indisponíveis. Veja-se:

Sob o manto do exercício da soberania são adotadas as mais nocivas e ilegítimas medidas, que vão desde a declaração de guerra até as mais sutis e sofisticadas técnicas de dominação, como a espionagem, os serviços sigilosos de informação, os grampeamentos de telefones, pressões sobre pessoas fazendo-as calar ou não contestar o sistema[4].

             Assim, ao controlar os atos da administração que possam respaldar, de alguma forma, nos direitos dos cidadãos, o Ministério Público nada mais faz do que exercer as funções constitucionais que lhe foram conferidas, e tal órgão o exerce por meio tanto dos instrumentos judiciais de controle externo – sobretudo a ação popular e o mandado de segurança coletivo – quanto através da instauração e instrução do chamado inquérito civil, por meio do qual a instituição ministerial exerce, sem a intervenção do Poder Judiciário, o controle dos atos administrativos, com a requisição de documentos e procedimentos administrativos, a expedição de recomendações, e a possibilidade de formalização de Termos de Ajustamento de Conduta, onde a Administração compromete-se a cumprir certas condições ou reparar danos causados.

            Nesse contexto, cumpre ressaltar que a atividade policial, essencial para a manutenção da segurança pública e a garantia dos direitos individuais, encontra-se inserida no rol de atividades administrativas exercidas pelo Estado – aqui entendido em seu conceito amplo – e que, portanto, encontra-se no contexto de atividades a serem controladas elo Ministério Público.

O poder de polícia é exercido pela Administração Pública exercita o poder de polícia por meio de duas formas principais: pela polícia administrativa e pela polícia judiciária. Para se estabelecer uma correta diferença entre as duas espécies de polícias citados, cumpre-se destacar o correto ensinamento da jurista Monique Checker[5], que afirma que a polícia administrativa exerce uma atividade que se exaure em si mesma, de modo que a polícia judiciária preside a apuração dos elementos de provas para eventual prestação jurisdicional por meio das ações penais. De toda forma, ambas as espécies de polícia exercem função administrativa, ligada diretamente à atividades de gestão de interesses públicos, tanto que encontram-se subordinadas ao Poder Executivo, responsável por coordenar suas atividades.

            Assim, percebe-se que o controle que o Ministério Público exerce sobre a atividade policial decorre do controle sobre a Administração de uma forma geral; ideia essa apresentada no artigo 1º, da Resolução n. 20, de 28 de maio de 2007, do CNMP[6], o qual refere-se ao Poder de Polícia em sentido amplo, além de estabelecer que estão sujeitos ao controle externo do Ministério Público:

(...) os organismos policiais relacionados n. art. 144 da Constituição Federal, bem como as polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou instituição, civil ou militar, à qual seja atribuída parcela de poder de polícia, relacionada com a segurança pública e persecução criminal.

            Contudo, o controle externo da atividade policial realizado pelo Ministério Público, limitam-se aos casos em que encontrarem-se presentes as competências institucionais e finalidades constitucionais atribuídas ao Ministério Público. Em outras palavras, o controle externo da atividade policial não deve se dar de forma irrestrita, mas apenas quando necessário à defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, para que possa garantir a preservação dos bons préstimos dos serviços jurisdicional e de segurança pública, de relevância social reconhecida pela Constituição Federal[7]. Nesse ponto, destaca-se o comentário de Wallace Paiva Martins Junior[8]:

A Instituição, por competências próprias e peculiares às novas estruturas das relações estatais, tem entre suas funções a garantia do bom funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados à observância dos limites negativos de atuação estatal e as prestações positivas instituídas em prol da sociedade.

Mesmo constituindo uma subespécie do controle que o Ministério Público exerce sobre os atos da administração, o detalhamento do controle externo da atividade policial em inciso próprio do artigo 129 do texto constitucional justifica-se pela relevância do tema. Neste ponto, o esclarecimento de Monique Checker[9]:

O fato é que alguns incisos do art. 129 da CRFB/88, pela relevância dada pelo Constituinte de 1987/1988 a algumas matérias, são visíveis detalhamentos das funções institucionais do Ministério Público presentes no caput do art. 127 e 129, inc. II. Dentre elas, pode ser citada a defesa dos direitos e interesses das populações indígenas que nada mais são do que direitos coletivos especiais, já referidos naquele primeiro dispositivo. Tanto isso é verdade que há determinadas minorias étnicas que não são mencionadas expressamente nos incisos do art. 129, mas são protegidas pelo Ministério Público, no caso o Federal, como os quilombolas, as comunidades extrativistas, as comunidades ribeirinhas e os ciganos, isto é, grupos que têm em comum um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional de grande formato.

O que ocorre com relação a este ponto é que a Constituição, ao romper com o regime ditatorial que persistia no Brasil antes de sua vigência, objetivou a criação de meios que pudessem garantir a persistência da democracia. Sendo a polícia uma instituição armada, próxima às forças ditatoriais que assolaram de medo o Estado brasileiro, a preocupação com o controle dos seus atos ganhou uma maior relevância da Carta Magna, conferindo ao Ministério Público, defensor do Estado Democrático de direito, o poder de fiscalizar os atos policiais, protegendo os direitos fundamentais conferidos pelo constituinte aos cidadãos.

Assim, o fundamento do exercício do controle externo da atividade policial não se encontra tão somente nos ditames contidos no artigo 129, da Constituição Federal de 1988, mas, sim, na própria ideia de Estado criada pela Carta Magna, baseada em um cenário democrático, de exercício de direitos e liberdades. Tanto o que a Resolução n.º 20/2007, do CNMP, expressamente cita como fundamento constitucional para a atividade o artigo 127, caput, e o artigo 129, em seus incisos I e II, da Carta Magna[10], que esclarecem:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

(...)

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; (...)

            Conclui-se, assim, que o exercício do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público se constitui em um desdobramento natural do controle que tal instituição exerce sobre os atos da Administração Pública, com o intuito de preservar os direitos componentes do viés democrático que a Constituição Federal conferiu ao governo brasileiro.

3. O controle externo da atividade policial na legislação pátria

Como já mencionado, após o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o país adota um perfil de Estado que preconiza a democracia e a preservação dos direitos fundamentais, tendo, para tanto, construído todo um sistema de controle dos agentes e atos administrativos para barrar possíveis abusos que atentem contra este cenário.

            Nesse contexto, o Ministério Público, que está a parte a tripartição dos Poderes, foi elegido pela Carta Magna como uma das funções essenciais à justiça e, assim, ganhou no novo ordenamento jurídico pátrio um caráter de instituição permanente e essencial à função jurisdicional exercida pelo Estado. Para possibilitar a concretude das normas relativas ao parquet, o mesmo recebeu da Constituição Federal da República[11] uma autonomia que visa à garantia de independência do órgão, o que foi feito através de prerrogativas dadas tanto à instituição – princípios da unidade e da indivisibilidade –, quanto aos seus membros – a vitaliciedade, a inamovibilidade, a irredutibilidade de subsídios e o foro privativo nos tribunais[12].

            Dentre as diversas outras funções conferidas ao Ministério Público pela nova ordem constitucional, o mesmo foi incumbido da tarefa de exercer o controle externo da atividade policial, citado no artigo 129, inciso VII, do texto constitucional, que, na verdade se trata de apenas uma parte da função descrita no inciso II do mesmo artigo, que define como tarefa da instituição ministerial “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”[13].

            Conforme bem menciona Daniel Ricken[14], a escolha do Ministério Público para exercer o controle externo da atividade desenvolvida pela polícia não foi aleatória; ocorre que a polícia é instituição dotada de instrumentos que possuem o poder de atentar contra a saúde, a liberdade e a privacidade dos indivíduos, o que fez com que o Poder Constituinte elegesse uma instituição autônoma, dissociada de quaisquer dos três Poderes, e ligada à preservação da democracia, para fiscalizar o desempenho das atividades policiais.

            O controle externo da atividade policial faz parte de toda a estrutura estatal constitucionalmente construída e caracterizada pelo sistema de controle de suas funções. Por meio dele o Ministério Público, órgão estranho à estrutura policial, fiscaliza a atividade das polícias brasileiras. Dessa forma, tal espécie de controle não pode ser encarado como um controle criado exclusivamente visando às funções das diversas polícias estatais, mas sim como uma atividade corriqueira de um Estado Democrático de direito, haja vista ser a atividade aqui mencionada exercida por órgãos da Administração Pública e, assim, sujeita a todos os mecanismos de controle interno e externo usuais a todos os órgãos administrativos[15].

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            A Constituição Federal, em seu artigo 128, dispõe que “leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público”. Diante disso, editou-se a Lei Complementar de nº 75/1993[16], o qual disciplina, ainda que de modo raso, o controle externo da atividade policial e seu Capítulo III. Veja-se:

Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:

I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;

II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;

III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;

IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;

V - promover a ação penal por abuso de poder.

Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.

            Pela leitura dos dispositivos acima expostos, nota-se que o Ministério Público pode exercer o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, nos termos das disposições legais acima expostas, entendidas como qualquer meio legal necessário e útil a propiciar que os braços armados do país preservem os direitos dos indivíduos no desempenho de suas funções, e, além disso, lhes garanta segurança pública de maneira adequada aos ditames do ordenamento jurídico[17].

Cumpre-se evidenciar que a atuação ministerial nas investigações criminais – que, em síntese, servem para coletar meios de provas que posam fundamentar as ações penais, cuja titularidade, em regra, é do Ministério Público – também constitui instrumento de exercício do controle externo da atividade policial.

            Assim, dada a íntima relação existente entre o produto final das investigações realizadas pela polícia judiciária – o inquérito policial – e a atividade atribuída ao Ministério Público no âmbito do processo penal – a titularidade da ação penal –, o Código de Processo Penal[18] já dispunha em seus artigos 5º e 16º o controle externo da atividade policial, prevendo a possibilidade da instituição ministerial requerer à autoridade policial a abertura de procedimento investigatório, bem como de requisitar novas diligências que se mostrem indispensáveis ao convencimento do promotor natural acerca dos fatos investigados em sede de inquérito, para propor ação penal ou requerer o arquivamento do feito:

Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I – de ofício;

II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

(...)

Art. 16.  O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.

            Por óbvio que as disposições existentes no Código de Processo Penal não garantem ao Ministério Público um controle sobre todos os atos da atividade policial considerada como um todo, contudo, conforme menciona Rodrigo Régnier Chemim Guimarães[19], possibilita que a instituição ministerial amolde a atividade de investigação policial, indicando quais medidas devem ser adotadas pela polícia para que se obtenham melhores resultados, buscando, além de melhorar a eficiência da atividade controlada, resguardar a preservação da legalidade das provas e o respeito aos direitos humanos.  

4. As atividades atingidas pelo controle externo da atividade Pplicial

            Necessária é a discussão acerca dos limites de atuação do controle externo da atividade policial. De início, há de se esclarecer que esta modalidade de controle externo, via de regra, restringe-se à atividade-fim policial, ou seja, aquela diretamente ligada à investigação criminal[20], função decorrente diretamente da competência descrita no inciso I, do artigo 129, da Constituição Federal.

            Ao atingir a atividade-fim da polícia, o Ministério Público influencia diretamente na investigação criminal, determinando quais diligências entende necessárias à elucidação dos fatos criminosos, o que nada mais é do que um desdobramento lógico das funções ministeriais, sobretudo a de ser titular das ações penais públicas, pois, sendo o inquérito policial destinado a embasar as denúncias ou pedidos de arquivamento elaborados pelo Parquet, pois possui plena legitimidade para decidir o que deve ser objeto da investigação criminal[21].

            A legitimidade do Ministério Público para influenciar no curso das investigações alcança não só a fiscalização da atividade-fim da polícia e da legalidade dos procedimentos investigatórios realizados pela mesma, mas também abrange os pedidos de medidas cautelares perante o Poder Judiciário. O que ocorre é que o Ministério Público, por seu perfil constitucional de garantidor da ordem jurídica e protetor do Estado Democrático de direito, tem por escopo, em matéria penal, zelar pela observância dos direitos fundamentais, mesmo quando se trata de investigação criminal, onde alguns deles são relativizados para que seja atendido o interesse público[22].

            Dessa forma, conclui-se que a interferência nas investigações criminais realizadas em consequência do controle externo que o Ministério Público exerce sobre a atividade policial visa muito mais a garantia da preservação dos direitos humanos que os fundamentos para uma possível ação penal.

            Cumpre-se ressaltar, contudo, a observação de Enrico Rodrigues de Freitas[23] no que tange à possibilidade de o controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público atingir as atividades-meio das polícias – sendo estas entendidas como as atividades de natureza eminentemente administrativa e disciplinar –, quando estas, no caso concreto, se relacionam com eficiência da investigação criminal, gerando a esta algum prejuízo. Este é o entendimento que vem sendo adotado pela jurisprudência pátria, conforme verificado nas seguintes decisões:

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ACESSO A DOCUMENTOS NEGADO PELO DELEGADO. ILEGALIDADE. Mandado de Segurança preventivo impetrado pelo Ministério Público visando evitar eventuais embaraços do impetrado no exercício do controle externo da atividade policial. Segurança concedida no primeiro grau. Com a realização da inspeção pelo Ministério Público Federal esgotou-se o objeto do mandado de segurança, pois nenhum resultado do processo poderá interferir na solução que satisfez integralmente a pretensão, de modo irreversível. A eventual negativa da autoridade impetrada é ilegal, pois fundamentada em orientação normativa que, além de não se escorar em nenhum fundamento de validade na ordem jurídica, não tem qualquer poder para limitar a ação do Ministério Público. O controle externo da atividade policial se orienta por um princípio, qual seja, estabelecer um sistema de freio à atividade policial, face armada do Estado, para equilibrar esse poder com os interesses da sociedade civil. Portanto, é essa ratio que deve orientar o intérprete no exame da legalidade do controle, e não meros conceitos estanques, que limitam rigidamente o controle externo à atividade-fim, conceito fluido, que não oferece qualquer segurança e não obedece a uma concepção finalística dessa missão constitucional. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF4, APELREEX 5002196-64.2010.404.7110, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 18/07/2011).

MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL. RESTRIÇÃO. ILEGALIDADE. 1. A Resolução nº 01, de 26 de março de 2010, expedida pelo Conselho Superior de Polícia afronta à Constituição e a legislação vigente, uma vez que pretende limitar o poder fiscalizatório do Ministério Público Federal. Somente a lei pode limitar o controle do órgão fiscalizador, sob pena de subverter a ordem constitucional vigente. 2. A atividade-fim deve ser entendida como qualquer atividade relativa à atuação ostensiva e repressiva da Polícia Federal, portanto, plenamente aceitável a relação de documentos e informações pleiteada. 3. Apelação provida (APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002260-92.2010.404.7104/RS, Terceira Turma, Rel. FERNANDO QUADROS DA SILVA, aguardando publicação).

            Contudo, é necessário frisar que o exercício dessa modalidade de controle pelo Ministério Público não pode se dar de maneira irrestrita, devendo obedecer aos ditames legais, sobretudo aqueles contidos no artigo 8º, da Lei Complementar nº 75/1993[24], que assim dispõe:

Art. 8º. Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:

(...)

II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;

(...)

V - realizar inspeções e diligências investigatórias;

VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio;

VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;

VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;

(...)

§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

            Dessa forma, conclui-se que o controle externo da atividade policial, apesar de, em regra, estar limitado à atividade-fim da polícia, pode atingir questões internas dos órgãos policiais, o que sempre deve justificar-se no interesse público em preservar os direitos fundamentais constitucionalmente garantidos e resguardar a eficiência da persecução penal.

5. Espécies de controle externo da atividade policial pelo Ministério Público

            Além de estar previsto na Constituição da República, no Código de Processo Penal e na Lei Complementar nº 75/1993, o controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público também se encontra disciplinado nas resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (sobretudo a resolução nº 20, que regulamenta o artigo 9º, da Lei Complementar n.º 75/1993) e do Conselho Superior do Ministério Público Federal, que, inclusive, trazem quatro diferentes modalidades desta espécie de controle, as quais serão expostas a seguir.

5.1 O controle externo da atividade policial difuso

            O controle externo da atividade policial difuso é a primeira das modalidades desta espécie de controle que é exercido pelo Ministério Público, e foi sistematizada através da Resolução 20/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público[25], que disciplina em seu artigo 3º:

Art. 3º O controle externo da atividade policial será exercido:

I – na forma de controle difuso, por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos.

É esta a modalidade mais comum e usual do controle externo da atividade policial realizado pelo Ministério Público, cujos objetos são todos os procedimentos policiais destinados à investigação criminal, sobretudo o inquérito policial, sendo caracterizado por um constante e permanente trabalho de controle sobre a atividade fiscalizada.

Como esclarece Enrico Rodrigues de Freitas[26], o momento de realização do controle em sua forma difusa vai desde o pedido de instauração do inquérito policial, que pode ser realizado pela instituição ministerial, até o momento em que o Ministério Público formula sua opinio delicti.         

5.2 O controle externo da atividade policial concentrado

            Também presente na Resolução 20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público[27], o controle externo da atividade policial concentrado é aquele realizado por meio de Grupos de Controle Externo da Atividade Policial (denominados GCEAPs), cujas atribuições são determinadas de acordo com as normas de cada um dos Ministérios Públicos, que também disciplinarão a forma de designação, o prazo de designação e a composição dos GCEAPs.

Art. 3º O controle externo da atividade policial será exercido:

(...)

II – em sede de controle concentrado, através de membros com atribuições específicas para o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público.

            Conforme bem esclarece Enrico Rodrigues de Freitas[28], os Grupos de Controle Externo da Atividade Policial são compostos pelos Promotores ou Procuradores Naturais do Controle Externo, onde os mesmos, por meio dos GCEAPs, podem instaurar procedimento investigatório referente à possível ilícito penal ocorrido no exercício da atividade policial, bem como pode proceder à abertura de procedimentos para investigação de improbidade administrativa, inclusive com atuação no âmbito cível[29].

5.3 O controle externo ordinário e extraordinário

            Estas duas modalidades de controle externo da atividade policial são ligadas ao momento e à necessidade de seu exercício, sendo denominado de controle ordinário qualquer atividade que é rotineiramente realizada pelo Parquet, tanto no âmbito do controle difuso – como as inspeções anuais realizadas pela instituição ministerial –, quanto as atividades porventura realizadas de maneira corriqueira pelos GCEATs, os quais realizam o controle concentrado[30].

            A par do controle ordinário, Enrico Rodrigues de Freitas[31] denomina o controle externo da atividade policial extraordinário aquele resultado de atos com realizados com objetivos específicos, baseadas em informações que evidenciem a necessidade de uma análise mais aprofundada acerca de um determinado tema ou questão.

6. Insurreições contra o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público

            A primeira das principais reações contra o exercício dessa função constitucional exercida pelo Ministério Público e aqui discutida foi a Proposta de Emenda Constitucional tombada sob o nº 293, impetrada em 2008, apresentada pelo Deputado Alexandre Silveira, tem por objetivo alterar o disposto no artigo 144 da Constituição Federal, na tentativa de atribuir independência funcional aos Delegados de Polícia, reconhecido a carreira destes profissionais como de natureza jurídica.

            Conforme a justificativa do projeto, a ineficiência da atividade policial encontra-se diretamente ligada ao fato de a Polícia brasileira ser “submetida às intempéries do poder, sem um mínimo de garantias e prerrogativas capazes de preservar suas funções institucionais para a sociedade”[32]. No inteiro teor da proposta de emenda constitucional aqui analisada, são criticados o “enaltecimento institucional e valorização profissional” dados a alguns órgãos, que ganharam da Constituição Federal uma série de garantias que preservam a autonomia dos mesmos, de modo que a polícia brasileira não possui nenhuma dessas garantias, o que prejudica a sua atuação de maneira eficaz e independente.

            O primeiro ponto a ser observado é o equívoco feito pela referida Projeto de Emenda Constitucional ao tentar configurar a carreira dos Delegados de Polícia como sendo jurídica. Ocorre que, como bem leciona Isac Barcelos Pereira de Souza[33], a atividade policial é iminentemente administrativa, ligada intrinsecamente à preservação da ordem pública e da incolumidade dos indivíduos e de seus patrimônios. Percebe-se a clara tentativa da emenda em desvirtuar as funções conferidas às polícias no ordenamento jurídico brasileiro, que exercem uma atividade preliminar no processo penal, que objetiva a colheita de elementos que possam embasar uma provável inauguração de ações penais pelo Ministério Público.          Contudo, o ponto crucial do referido projeto de lei é a tentativa de retirar totalmente do Ministério Público a tarefa de exercer o controle externo da atividade policial, ao tentar conceder independência funcional aos delegados de polícia, que deve ser compreendida como a impossibilidade de os órgãos sofrerem qualquer interferência, revisora ou censora, quando do exercício legítimo de suas atividades constitucionais e legais[34]. Esta prerrogativa nada mais significa do que o fato de o órgão independente somente estar adstrito à Constituição da República e à legislação extravagante que o rege.

            As polícias, contudo, no contexto legal brasileiro, estão inseridas no contexto da segurança pública, estando, assim, diretamente subordinadas ao Poder Executivo, o que impossibilita uma atuação independente do Delegado de Polícia, havendo diversos óbices para que a polícia possua uma autoridade dotada de independência funcional, sendo o principal deles, segundo Rodrigo Tenório[35], a obrigação de o Poder Executivo garantir a segurança pública, o que exige que este Poder possua controle sobre os órgãos e agentes que estão a ela ligadas. 

Outra insurreição ao controle externo exercido pelo Ministério Público sobre a atividade policial foi a Proposta de Emenda Constitucional de nº 381, apresentada em 2009, pelo então Deputado Federal Régis de Oliveira, com o objetivo de alterar o artigo 144-A, da Constituição Federal, para criar e disciplinar o Conselho Nacional de Polícia, além de prever a criação de um colegiado para que este órgão exercesse a fiscalização da atuação administrativa, funcional e financeira das polícias.

            Percebe-se, assim, que a mencionada proposta de emenda constitucional visa retirar do Ministério Público a competência para exercer o controle externo da atividade policial, o qual seria exercido por um órgão colegiado, no qual seriam integrantes representantes das polícias brasileiras. Conforme se extrai da justificativa do projeto de emenda, a Proposta de Emenda Constitucional, nesta ponto acima explanado, justifica-se por dois pontos principais: o primeiro diz respeito a uma alegada ineficiência do Ministério Público em exercer esta função constitucional; e o outro ponto diz respeito a uma alegada parcialidade dos membros do Parquet quando do exercício do controle externo da atividade policial, haja vista, segundo o projeto, que estes disputam com os policiais o poder de realizar as investigações criminais.

Inicialmente, quanto à eficácia do controle externo da atividade policial realizado pelo Ministério Público, é de se ressaltar que o Conselho Nacional do Ministério Público, atento à importância do tema, implementou a Comissão de Aperfeiçoamento da Atuação do Ministério Público no Sistema Carcerário e no Controle Externo da Atividade Policial, que alterou a Resolução de nº 20, de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, que tem por objetivo a “produção de formulários de forma padronizada pelos órgãos do Ministério Público que permitam uma efetiva aferição, por parte deste Conselho Nacional, do regular exercício da atividade de controle externo da atividade policial”[36].

            Acerca da imparcialidade alegada na justificativa do projeto de emenda aqui em análise, não merece tal argumento prosperar, haja vista que os fundamentos que baseiam o controle externo da atividade policial e aqueles ligados ao poder investigatório do Ministério Público são totalmente distintos, indo a questão novamente para a natureza instrumental do inquérito policial, pois, na medida em que a investigação criminal visa colher indícios que fundamentem as ações penais movidas pelo, em regra, Ministério Público, não é justificável que ele seja afastado da fiscalização dos procedimentos investigatórios[37], sob pena de ter-se uma polícia arbitrária e com poderes exacerbados, o que vai de encontro ao caráter de Estado Democrático de direito preconizado pela Constituição Federal.

            Além de tais Propostas de Emendas à Constituição Federal, tem-se na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4220, que ataca a Resolução n.º 20 do Conselho Nacional do Ministério Público, sustentando, em síntese, inexistirem atribuições do Conselho Nacional do Ministério Público que lhe permitam regulamentar o controle externo da atividade policial, outra tentativa de deslegitimar o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. Segundo a ADI nº 4220 esta atividade só pode ser regulamentada por meio de Lei Complementar.

            Com relação ao mérito da questão, verifica-se, por simples literalidade do artigo 130-A, §2º, da Constituição Federal, que o Conselho Nacional do Ministério Público possui competência para “zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências”, estando a edição de resoluções inserida no contexto da expedição de atos regulamentares.

            Sendo assim, a resolução atacada não traz qualquer inovação legislativa, apenas regulamenta matéria já prevista em lei complementar, explicitando as formas pelas quais o controle externo da atividade policial é exercido.

            De qualquer forma, até o momento de conclusão deste trabalho, o processo acima mencionado encontra-se aguardando decisão final do Supremo Tribunal Federal.

            Por último, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4271, de 2009, intentada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), questiona as leis e resoluções que tratam do controle externo das atividades das Polícias Civil e Federal por parte do Ministério Público, sob a alegação de que esse controle exercido pelo Parquet interfere de maneira direta na organização, garantias, direitos e deveres das polícias judiciárias, não cabendo à instituição ministerial a prerrogativa de corrigir irregularidades, nem ilegalidades ou abuso de poder, eventualmente praticados por policiais, a qual seria de competência das corregedorias que têm poder hierárquico de controle interno.

            São apontados como inconstitucionais dispositivos da Lei Federal n.º 8.625/1993, da Lei Complementar Federal 75/1993 e na Resolução n.º 20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

            Contudo, conforme já trabalhado anteriormente, o controle externo da atividade policial realizado pelo Ministério Público tem por fundamento o sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição da República na busca por garantir a ordem democrática por ela estabelecida, o que não restringe ou retira as competências das corregedorias das polícias brasileiras para coibir, internamente, as ilegalidades verificadas nos procedimentos investigatórios. Além do mais, retirar do Ministério Público a competência constitucional de controlar externamente a atividade policial impediria que este órgão guiasse as investigações no sentido de fundamentar sua opinião acerca dos delitos investigados – questão por demais debatida ao longo do texto.

            Tal Ação Direta de Inconstitucionalidade, também aguarda julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

Conclusão

O controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público, previsto no inciso VII, do artigo 129, da Constituição Federal, já encontrava fundamento no Código de Processo Penal, legislação anterior à Carta Magna, que prevê a possibilidade de o Ministério Público requisitar a abertura de inquérito policial, bem como de requerer às diligências que entender necessárias para o seu convencimento acerca do fato delituoso.

            O controle externo da atividade policial baseia-se das funções de suma importância exercidas pelo Ministério Público após a promulgação da Constituição Federal em vigor, onde referida instituição, dotada de autonomia, passou a ser garantidor da ordem jurídica e do estado democrático de direito. Assim, o controle externo da atividade policial visa, sobretudo, garantir que a atividade fiscalizada não atente contra os direitos e garantias fundamentais do homem.

Além disso, como detentor da titularidade da ação penal, o Ministério Público deve buscar através desse controle a construção de uma investigação criminal eficiente e legalmente válida, para que possa fundamentar suas denúncias ou pedidos de arquivamento.

            Ao longo deste trabalho, ficou evidenciado que, embora a legislação seja vaga e rasa com relação ao tema, o controle externo da atividade policial exercido pelo é regido pela Lei Complementar nº 75, de 1993, que prevê a possibilidade de o Ministério Público exercer essa espécie de controle por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, que podem, inclusive, atingir atos ligados as atividades-meio das polícias, desde que elas estejam afeitas à investigação criminal e não obedeçam ditames constitucionais ou legais.

            Regulamentado pela Resolução n.º 20 do Conselho Nacional do Ministério Público, que disciplina as modalidades e formas de exercício do controle externo da atividade policial pelo Parquet, esta espécie de controle já sofreu e sofre diversas impugnações. Em sede legislativa, através de projetos de emendas constitucionais que dar independência funcional aos delegados de polícia e criar um conselho formado por representantes das polícias brasileiras e dos órgãos essenciais à justiça para que este órgão possa, sozinho, exercer o controle externo da atividade policial.

            Em sede judicial, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público é impugnado por ações diretas de inconstitucionalidade em andamento que objetivam reconhecer a inconstitucionalidade dessa espécie de controle, alegando, em suma, que a fiscalização da atividade policial deve ser de competência da própria polícia, através de suas corregedorias, e que a Resolução nº 20 do Conselho Nacional do Ministério Público não pode tratar de matéria privativa de lei complementar.

Contudo, os argumentos trazidos por tais insurreições esbarram em ditames constitucionais acerca do controle externo da atividade policial. Inicialmente, verificou-se que o Ministério Público é parte legitima e interessada para exercê-lo, vez que, além de ser uma função constitucionalmente prevista, é detentor da titularidade da ação penal, possuindo pleno interesse em delimitar os rumos que as investigações devem tomar e garantir que as mesmas produzam provas lícitas, capazes de fundamentar ações penais passíveis de procedência.

Além do mais, o controle externo exercido pelo Ministério Público não exclui o controle interno da polícia exercido sobre seus próprios atos, contudo estas duas modalidades de controle possuem objetivos diferentes, pois o Parquet o exerce para garantir que a polícia preserve os direitos humanos e os princípios democráticos de Estado, fazendo parte do sistema de freios e contrapesos consagrado pela Constituição.

            Assim, evidenciou-se ao longo deste trabalho que o Ministério Público possui plena legitimidade para exercer o controle externo sobre a atividade policial, não só influenciando no curso das investigações, como também limitando a atuação policial, através do controle da legalidade dos atos das polícias.

            Ressalte-se que o presente trabalho não procurou esgotar todas as discussões e problemáticas ligadas ao tema em estudo, apenas trouxe uma conceituação do que vem a ser o controle externo da atividade policial, nos moldes da legislação pátria, e analisar as mais importantes insurreições acerca do tema.

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Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Renan Soares Torres de Sá

Graduado em Direito pela Facesf. Técnico Judiciário do Poder Judiciário de Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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