O instituto da detração penal

21/07/2016 às 17:49
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O conceito de detração e os institutos inerentes ao tema.

O instituto da detração penal

Pela análise do art. 42 do Código Penal, transcrito abaixo, compreender o conceito de Detração Penal, implica no domínio de outros institutos de direito penal. Desta forma, é imprescindível a exposição do conceito de pena privativa de liberdade, medida de segurança, prisão provisória, prisão administrativa e internação, institutos fundamentais para a matéria em debate.

Código Penal

Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Pena é a sanção imposta pelo Estado-Juiz ao indivíduo condenado pela prática de infração penal, quando a sanção consiste na privação do direito de ir e vir da pessoa, ou seja, resulte no encarceramento, temos a chamada pena privativa de liberdade. Caso o bem jurídico restringido recaia sobre direitos ou bens patrimoniais, temos as chamadas penas restritivas de direitos ou de multa, sucessivamente (art. 32, do Código Penal).

No âmbito do estudo da criminologia a finalidade da pena é explicada por três teorias, in verbis:

As teorias absolutas (Kant, Hegel) entendem que a pena é um imperativo de justiça, negando fins utilitários; pune-se porque se cometeu o delito (punitur quia peccatum est). As teorias relativas ensejam um fim utilitário para a punição, sustentando que o crime não é causa da pena, mas ocasião para que seja aplicada; baseia-se na necessidade social (punitur ne peccetur). Seus fins são duplos: prevenção geral (intimidação de todos) e prevenção particular (impedir o réu de praticar novos crimes; intimidá-lo e corrigi-lo). Por fim, as teorias mistas conjugam as duas primeiras, sustentando o caráter retributivo da pena, mas acrescentam a este os fins de reeducação do criminoso e intimidação.[1]

Medida de segurança é uma sanção aplicada ao agente, que embora pratique infração penal, é incapaz de entender o caráter ilícito do fato, em razão de transtorno psicológico. A medida tem caráter preventivo, visa resguardar tanto a saúde do indivíduo como a segurança da coletividade, no sentido de evitar a prática de novos delitos por indivíduos com esse quadro clínico. São duas as espécies de medidas de segurança: a) Detentiva: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico; b) Restritiva: sujeição a tratamento ambulatorial (art. 97, do Código Penal).

A aplicação, em caráter cautelar, de medida de segurança antes da sentença penal é chamada de internação provisória. Também pode ocorrer, durante o cumprimento da pena, o agente ser acometido por doença mental, neste caso sua pena será substituída por uma medida de segurança adequada.

Outro conceito relacionado ao tema é o de prisão. Fernando Capez define prisão como sendo “a privação da liberdade de locomoção em virtude de flagrante delito ou determinada por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva [...]”.[2]

De forma sintética, prisão é o cerceamento da liberdade de locomoção do indivíduo, recolhimento da pessoa ao cárcere. As principais espécies de prisão vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, são a prisão por força de sentença condenatória, regulada pelo Código Penal; prisão decretada para a preservação do processo ou garantia da ordem pública, regulamentada pelo Código de Processo Penal; e a chamada prisão extrapenal.

Prisão-pena ou prisão penal: imposta em virtude de sentença condenatória, determinando o cumprimento da pena privativa de liberdade; Prisão sem pena ou prisão provisória: também conhecida como prisão cautelar ou processual, tem como subespécies a prisão em flagrante, a prisão preventiva, a prisão temporária e a prisão do estrangeiro para fins de extradição, tanto pode ser decretada com o objetivo de resguardar a eficácia da investigação, do processo ou da futura execução da pena, como para impedir que o indivíduo solto continue praticando delitos; Prisão Extrapenal, tem como subespécies a prisão civil, sendo que a única modalidade de prisão civil admitida em no nosso ordenamento jurídico é em razão do inadimplemento de dívida alimentar, e a prisão administrativa, decretada por autoridade administrativa a fim de compelir o cumprimento de uma obrigação de direito público.

Em relação a prisão administrativa, fora as hipótese do Estado de Defesa e do Estado de Sítio, salvo a prisão imposta por autoridade administrativa militar, nos casos de transgressões militares e crimes militares (CF, art. 5º, LXI), a literatura jurídica firmou posição no sentido de não admitir essa modalidade de prisão.

Na lição de Renato Brasileiro:

[...] sempre pensamos que, diante da Constituição de 1988, e à exceção das hipóteses do Estado de Defesa e do Estado de Sítio, não havia mais espaço para a prisão administrativa no ordenamento pátrio. Se a Carta Magna determina que, pelo menos em regra, a prisão de alguém depende de prévia autorização judicial, não se pode argumentar no sentido da subsistência da prisão administrativa.[3]

Em igual sentido, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar:

A prisão administrativa não encontra mais sede no Direito Processual Penal brasileiro. Com o advento da Lei no 12.403/2011, os artigos 319 e 320 do CPP, não cuidam mais desse instituto, mas da possibilidade de imposição de outras medidas cautelares diversas da prisão. Se havia dúvida a respeito da sobrevivência da prisão administrativa depois da Constituição do Brasil de 1988, com a reforma processual penal foi ela banida do sistema.[4]

Diante deste cenário, a espécie de prisão que tem maior relevância para estudo da detração diz respeito a prisão provisória.

Detração penal (art. 42, do Código Penal)

Detração é a ação ou resultado de detrair, a palavra vem do latim detractione, e é sinônimo de cortar, suprimir. A Detração Penal está prevista no art. 42 do Código Penal Brasileiro e podemos entendê-la como sendo o abatimento, na pena privativa de liberdade ou na medida de segurança, do tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação provisória.

É unânime o conceito de detração penal dado pela doutrina, os autores praticamente seguem o conceito legal. O professor Nestor Távora conceitua da seguinte forma: Detração penal consiste no cômputo, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, do tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em estabelecimento prisional, consoante prevê o art. 42, do Código Penal.”[5]

Renato Brasileiro traz a seguinte definição e exemplifica:

Prevista no art. 42 do Código o Penal, a detração consiste no desconto do tempo de prisão cautelar (ou de internação provisória) do tempo de prisão penal (ou de medida de segurança) imposto ao acusado em sentença condenatória (ou absolutória imprópria) transitada em julgado. A título de exemplo, se determinado acusado for condenado irrecorrivelmente pela prática de um crime de homicídio simples à pena de 6 (seis) anos de reclusão, se acaso tiver permanecido preso preventivamente durante 1 (um) ano, terá direito à detração, restando a ele, portanto, o cumprimento de mais 5 (cinco) a 10 anos de reclusão.[6]

O jurista Rogério Greco, em seu Curso de Direito Penal, ensina que detração é o instituto jurídico mediante o qual computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no art. 41 do Código Penal.”[7]

O processual penal subdivide-se basicamente em: 1) juízo de conhecimento ou de cognição, onde a culpa, inocência ou inimputabilidade do indivíduo será identificada e concretizada através de um título executivo judicial, conforme o caso, será no sentido da impor pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou pecuniária (sentença condenatória), aplicar de medida de segurança (sentença absolutória imprópria), ou absolver o acusado (sentença absolutória); 2) juízo da execução penal, trata-se da fase do processo onde o comando deduzido na sentença será concretizado, somente a sentença que implique em medida de segurança, pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou pecuniária serão executadas.

Para efeitos da detração penal do art. 42, do Código Penal, o desconto do tempo de prisão ou internação provisória da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança é de competência do juiz da execução, conforme previsão do art. 66, III, c, da Lei de Execução Penal. É no âmbito do juízo da execução que o Estado concretiza a pena ou a medida de segurança, estabelecidas na sentença.

Em síntese, podemos entender detração penal como sendo o desconto do tempo de prisão provisória ou internação provisória, cumprida no Brasil ou no exterior, da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança. A título de exemplo, se alguém foi condenado a 4 anos e 6 seis meses, e permaneceu preso por 6 meses aguardando a sentença, terá descontado esse período, restando somente 4 anos de pena.

A detração penal é realizada no juízo das execuções criminais, com base em um documento chamado guia de recolhimento (ou guia de execução), expedido após a sentença condenatória, esse documento contém informações como o total da pena imposta, tempo de pressão cautelar, antecedentes, sanções já cumpridas, entre outros dados.

Detração Processual (art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal)

Das propostas legislativas apresentadas pelo Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, adveio a Lei nº 12.736/2012 que deu nova redação ao art. 387 do Código de Processo Penal. A principal novidade introduzida foi a detração a ser considerada pelo juiz que proferir a sentença condenatória, consistindo no cômputo do tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, para fins de determinação de regime inicial de cumprimento de pena.

Ao lado dos institutos relacionados à detração penal (art. 42, do CP), a detração prevista no art. 387, § 2º, do CPP, com redação dada pela Lei nº 12.736/2012, traz conceitos relativos à determinação do regime inicial de cumprimento de pena.

Art. 387.  O juiz, ao proferir sentença condenatória:

§ 2º O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.  (Incluído pela Lei nº 12.736, de 2012)

Regime de cumprimento de pena, é a forma como a pena é cumprida, se regime fechado, semiaberto ou aberto e o tipo de estabelecimento penitenciário. O regime inicial de cumprimento da pena é estabelecido pela conjugação do quantum da pena, situação pessoal do condenado, e dos fatores previstos no art. 59, do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social, etc.). De acordo com esses fatores o juiz determinará o regime adequado ao condenado. O cumprimento da pena se dá de forma progressiva de um regime para outro, na medida que o condenado faça jus à progressão. Segundo o art. 110 da Lei de Execução Penal, o juízo sentenciante deve estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena.

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Na lição de Cezar Roberto Bitencourt:

A fixação do regime inicial de execução das penas privativas de liberdade compete ao juiz da condenação. Ela integra o ato decisório final (art. 59, III, do CP). Cumpre ao juiz da execução decidir, motivadamente, sobre a progressão ou regressão de regimes (art. 66, III, b, da LEP). Os fatores fundamentais para determinação do regime inicial são: espécie e quantidade da pena aplicada e reincidência. Esses fatores são complementados pelos elementos do art. 59 do Código Penal, isto é, quando aqueles três fatores (art. 33, caput, combinado com o seu § 2º e alíneas) não determinarem a obrigatoriedade de determinado regime, então os elementos do art. 59 é que orientarão qual regime deverá ser aplicado (art. 33, § 3º, do CP).[8]

Nos termos do art. 33, do Código Penal, o agente sentenciado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri‑lá no regime fechado, em estabelecimento de segurança máxima ou média; réu condenado a pena superior a quatro anos e que não exceda a oito, desde que não seja não reincidente, no regime semiaberto, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;  e ao condenado, não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, regime aberto em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

Como visto anteriormente umas das finalidades da pena em nosso ordenamento jurídico é sua função ressocializadora. Essa característica da pena se concretiza com a progressiva passagem de um regime inicialmente mais rígido (fechado) a um cada vez mais suave (semiaberto ou aberto), até a pena atingir seu fim, de total reinserção do indivíduo no meio social.

Essa passagem de um regime para outro, no curso do cumprimento da pena, é chamada de progressão de regime, trata-se de ato da competência do juízo da execução penal. Tal direito somente é obtido se satisfeitos alguns requisitos como o cumprimento de determinado tempo de pena no regime inicialmente estabelecido, sendo que a cada nova progressão exige-se o novo requisito temporal, bem como que as condições pessoais do condenando apresentem progresso, no sentido de permitir um abrandamento do seu regime de pena.

Em resumo, a detração trazida pela Lei nº 12.736/2012, é o desconto, a ser realizado pelo juiz da sentença, do tempo de prisão ou internação provisória, cumprida no Brasil ou no exterior, da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança, para fins de determinação de regime inicial de pena.

Exemplificando, se alguém for condenado a pena de 4 anos e 6 seis meses, e tiver respondido todo o processo em liberdade, teoricamente, fará jus ao regime semiaberto, nos termos do art. 33, III, b, do CP. Considerando a Lei nº 12.736/2012, se no entanto, esse mesmo condenado estivesse ficado preso por 6 meses aguardando o fim do processo, esse tempo de prisão provisória seria descontado, resultando da subtração somente 4 anos, sendo que esse valor seria considerado, exclusivamente, para se determinar o regime inicial de cumprimento de pena, com a observância do art. 33, III, “c”, do Código Penal, seria regime aberto.

Note que na detração penal do art. 42, do CP, operada pelo juízo da execução penal, não há necessariamente alteração de regime, é realizado somente um desconto do tempo de pena, sendo que para angariar mudança para regime mais brando no âmbito do cumprimento da pena, o instituto previsto na Lei de Execução Penal é a progressão de regime, com previsão de requisitos próprios (tempo de pena + mérito do condenado).  Já a detração prevista na Lei nº 12.736/2012, faz sugerir que a permuta de regime ocorre de forma automática, como resultado do mero desconto do tempo de prisão provisória.

A competência para operar a detração prevista na Lei nº 12.736/12 é do juízo de conhecimento (juiz sentenciante), nos termos do artigo 1º da citada lei. Assim tal procedimento é operado no momento da prolação da sentença condenatória ou sentença que imponha medida de segurança.

De forma analítica, no momento da sentença, após formado o juízo de culpa (autoria e materialidade comprovadas), resta ao juiz dosar a pena e determinar o regime inicial. A dosimetria da pena é composta de três fases, na primeira fase é dosada a chamada pena base, onde critérios judiciais do art. 59, do CP são considerados, em um segundo é dosada a chamada pena provisória, onde são sopesadas as circunstâncias agravantes e atenuantes, por fim é calculada a pena definitiva, com avaliação das causas de aumento e diminuição de pena.

Após tal procedimento, será estipulado o regime inicial de pena, é nesse momento, que o juiz deve averiguar o tempo de prisão ou internação provisória cumprida pelo réu, se vislumbrar que o desconto irá influir no regime de pena, deverá realizar a detração e assim determinar a regime inicial de cumprimento.


[1] FILHO, Nestor Sampaio Penteado. Manual esquemático de criminologia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 143.

[2] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 361.

[3] LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 843.

[4] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 873.

[5] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 1625.

[6] LIMA, Renato Brasileiro. Legislação criminal especial comentada. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 86.

[7] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, volume I. 17. ed. Niterói: lmpetus, 2015. p. 580.

[8] BITENCOURT, Cezar Roberto Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 297.

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Sobre o autor
José Sousa

Graduando em Direito na Universidade Federal do Piauí

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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